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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.51 Belo Horizonte enero/jun. 2019

 

PSICANÁLISE E CONTEMPORANEIDADE

 

Uma viagem à África do Sul: reflexões sobre o mal que habita em nós

 

A trip to South Africa: reflexion about the evil that lives inside of us

 

 

Sérgio Roberto Lima Lorenz

I Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul
II Universidade Luterana do Brasil - Porto Alegre

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho pensa, a partir da experiência vivencial de uma viagem empreendida à África do Sul, em meados de janeiro de 2018, o Apartheid – regime derivado do nazismo e do fascismo – como um dos representantes, em ato, da pulsão de ódio. O trabalho opera com conceitos de pulsão, narcisismo e sadismo. O texto busca responder se regimes como esses são frutos de mentalidades patológicas ou apenas projeções do mal que nos habita, a partir das leituras freudianas de Introdução ao narcisismo, Os instintos e seus destinos e O mal-estar na civilização. Intui-se que a segunda hipótese é a mais plausível.

Palavras-chave: Pulsão de Ódio, Pulsão de Morte, Narcisismo, Apartheid, Psicanálise.


ABSTRACT

From the experience of a trip to South Africa in mid-January 2018, this paper thinks apartheid – a regime derived from nazism and fascism – as one of the representatives of the drive to hate. The work operates with concepts of drive, narcissism and sadism. The text seeks to answer whether regimes such as these are fruits of pathological mentalities or just projections of the evil that inhabits us, from the Freudian readings, Introduction to Narcissism, The Instincts and Their Destinies and the Civilization’s Bad Being. It’s assumed that the second hypothesis is the most plausible.

Keywords: Hate drive, Death drive, Narcissism, Apartheid, Psychoanalysis.


 

Em todo homem, é claro, habita um demônio oculto:
o demônio da cólera, o demônio do prazer voluptuoso
frente aos gritos da vítima torturada,
o demônio da luxúria sem peias

(DOSTOIÉVSKI, Os irmãos Karamazov).

 

Introdução

Este ensaio tem a proposta de pensar, a partir de Freud, o Apartheid como uma maquinaria burocrática do Estado que engendrou na África do Sul uma separação violenta, perversa, cruel, entre brancos e negros, na metade do século XX. Além dos seus efeitos concretos, com ênfase na separação dos corpos, entre brancos e negros, o regime produziu uma cisão psíquica do povo sul-africano, expondo, em ato, as pulsões mais coléricas do ser humano, uma autêntica tentativa mortífera de aniquilação da vida. Uma construção humana análoga a outros três regimes totalitários que marcaram o século XX: o fascismo, de Mussolini, o nazismo, de Hitler, ou mesmo o stalinismo, de Stalin. Todas as ideologias que normalizaram o crime sob a égide da racionalidade. Se não foi tão mortífero quanto esses três primeiros, o Apartheid pode ser classificado como um derivado de todos. Embora a África do Sul esteja aparentemente pacificada, restam ainda memórias, feridas traumáticas, narcísicas, que não foram removidas do corpo daquela nação de cultura tão singular.

A inspiração para o trabalho veio de uma viagem empreendida à África do Sul, no mês de fevereiro de 2018, cuja marca, penso, ficará para a minha vida. Proponho-me a dividir o trabalho em três partes: na primeira, descrevo os encontros experienciais que tive na África do Sul; na segunda, faço uma breve contextualização do regime e descrevo, apoiado em Lorenzo (2015), algumas hipóteses para o nascimento do regime; e, na terceira, tento pensar sobre quais são as origens do mal humano e como ele se constitui, norteado pela seguinte problematização. Afinal, toda a perversidade cristalizada na Primeira Grande Guerra, na Segunda Guerra e no Apartheid é fruto de mentalidades patológicas ou tais acontecimentos apenas dão luz àquilo que não queremos ver? Para responder a tal questão, recorro aos seguintes textos freudianos: Introdução ao narcisismo, Os instintos e seus destinos1 e O mal-estar na civilização.

 

A vida e as pistas em Cape Town

Fiquei durante 15 dias em Cape Town, na África do Sul. Uma cidade colorida, recheada de belezas e mazelas. Lá, a vida pulsava, como a língua ao experimentar qualquer prato típico local. As contradições são tão claras quanto as paredes imensas da Table Montain, que circundam a cidade como se estivessem ali para cumprir a finalidade de protegê-la. Nas ruas do centro histórico da cidade mais visitada da África, havia pedintes sul-africanos, sudaneses e indianos, fugitivos de boa parte dos países africanos em conflito. Alguns relatos que escutamos foram dolorosos. Gente que perdeu família no Sudão e vagueava sem papéis, entre os suntuosos prédios da região central.

Em um dos nossos passeios, nos primeiros dias, fui abordado por um sudanês no mercado da cidade. Sentou-se ao meu lado e contou um pouco de seus dramas. Levou um aperto de mão e 20 rands, designação da moeda local. Queria apenas comer. A pobreza sempre assusta. A África do Sul ainda está em reconstrução. Os brancos detêm o poder econômico. Os negros estão nos restaurantes, dominam o comércio, pequenos empreendimentos. A África do Sul sofre as consequências de 300 anos da violenta dominação branca.

Afinal, o Apartheid, terminou somente em 1991. Muito pouco tempo para a consolidação do sonho de Nelson Mandela. No entanto, o ressentimento mais hostil – que poderia ter ardido na nossa pele branca – não foi percebido. De maneira oposta, senti-me em casa.

No tempo em que minha esposa estudava o seu inglês, eu assistia a documentários e lia sobre a África, sentado em um dos vários cafés do centro da cidade. Mandela vive por lá. Seu nome circula, está à vista. A igreja liderada pelo Bispo Desmond Tutu, no turbulento e violento período do Apartheid, de onde Mandela falou para mais de 500 mil pessoas, na sua libertação, em fevereiro de 1990, é uma das grandes atrações. Está lá também, a 20 minutos da costa de Cape Town, a famosa Robben Island, ilha da penitenciária de força máxima, onde Nelson Mandela ficou preso por quase 20 anos. Lá, Madiba, não tinha nome: era o preso 466/64. Era inominável. O recalcado.

Quem vai à ilha é recebido pelos guias, que conduzem os turistas às principais áreas da construção. Fomos recebidos por Itumeleng Maulcuela, 50 anos, preso político por sete anos. Entrou alguns meses após Mandela ser transferido para uma casa em Cape Town, onde negociou, no período, com o governo de Frederik de Klerk o fim do regime. Tomado por uma emoção inebriante, Maulcuela, nos fez sentar no refeitório onde os negros faziam as refeições. Ao lado de cerca de 30 pessoas, a consternação era a emoção provocada pelas palavras do ex-preso político.

Os sul-africanos não querem apagar a história. Ela é pronunciada em cada canto da cidade, que exibe uma beleza natural entorpecente e, ao mesmo tempo, a presença fantasmática do horror em que o homem pode incorrer a qualquer momento. Parece um esforço coletivo de elaboração permanente. Um povo que não esconde suas entranhas. Lida com ela. Como diz a frase emplacada na saída da exposição do Holocausto pelo Museu da Associação Judaica local, percorrida por mim, como se estivesse num rito funerário:

Aprendemos sobre o holocausto para que possamos nos tornar mais humanos, mais gentis, mais cuidadosos, mais compassivos, valorizando cada pessoa como sendo de um valor infinito tão precioso que sabemos que tais atrocidades nunca mais acontecerão novamente e o mundo será um lugar mais humano (DESMOND TUTU, 1999).

 

O Apartheid: a linguagem da diferença

Segundo Macagno (2015), Apartheid, em africâner, é uma língua derivada do holandês antigo e significa separação, segregação. O termo dá o nome à política racial aplicada na África do Sul, entre 1948 e 1990, tornando a região como a única a estabelecer direitos constitucionais para os seus cidadãos, a partir da cor da pele.

Essa ideologia exclusivista tem origem nas invasões à África do Sul, na segunda metade do século XVI, principalmente com a chegada dos holandeses na Cidade do Cabo, datada de 1652. As invasões potencializaram um sentimento de nacionalismo africâner, que começou a se consolidar com a fundação da Liga Afrikâner dos Irmãos, em 1918 (curiosamente mesmo ano de nascimento de Mandela). A tribo só aceitava em seus quadros homens brancos, de língua Afrikans, com idade mínima de 25 anos, protestantes, “[...] possuidores de bom caráter e que considerassem a África do Sul como a sua terra mãe”. Macagno (2015) explica que o grupo promovia a “[...] exaltação de um povo/nação africâner (o Volk) com um ethos e singularidades específicas, sobretudo no que diz respeito à língua e a cultura”. Esse grupo originou o Partido Nacional que, em 1948, venceu as eleições nacionais e instalou o regime.

O Apartheid vedava o casamento entre brancos e negros, assim como as relações sexuais entre os dois povos. Quem incorria em passar por cima da lei, era preso, por muitas vezes, morto. A minoria branca estabeleceu um forte controle burocrático e limitou o trânsito dos negros em algumas regiões do país. Eles só podiam circular utilizando um passe livre, o salvo-conduto. Havia nas praças espaços separados para negros e brancos, bem como no transporte coletivo. A minoria branca dominava os cargos diretivos das instituições governamentais e privadas. Eram os donos das terras.

Aos negros restava o trabalho no campo, na indústria, a mão de obra barata. Foram criadas as townships, favelas isoladas da cidade, habitadas, em sua maioria, por negros e indianos. Cape Town, hoje em dia, ainda está cercada por várias delas. A township que visitamos, com objetivo de realizar um trabalho voluntário com as crianças sul-africanas, era constituída, em sua maioria, de casas de material, mas existem outras em que as habitações são de lata, contêineres utilizados em transporte de carga de navios.

Entre as décadas de 1960 e 1970, o grau de opressão aumentou, e Nelson Mandela, liderando um grupo de ativistas, passou a coordenar uma série de greves no país inteiro, induzindo o povo negro a deixar de comprar os produtos vendidos pelos brancos (Mandela foi preso em 1962 e libertado em 1990). O regime começou a ruir com o massacre de Soweto, em Johannesburgo, quando 600 manifestantes foram mortos e mais de 13 mil pessoas detidas. A tortura e morte de Steve Biko, líder do movimento, marcou a ação e a África do Sul sofreu pressões por parte da ONU, que provocou o isolamento do regime do Apartheid e já, nos anos 1980, o país passa por um descrédito mundial, perdendo investimentos.

 

Narcisismo, sadismo e perversão

Pensar o Apartheid é uma tarefa árdua. Afinal, coloca-nos diante das seguintes interrogações: O que leva o ser humano a construir uma máquina de domínio do outro? Afinal, brancos e negros sul-africanos não são filhos da mesma terra? Como entender a produção de um regime que cinde toda a relação psíquica que deveria haver entre o povo sul-africano? Por que o homem é capaz de subjugar o outro? Tais perguntas não têm respostas simples, e este trabalho não pretende respondê-las. Propõe-se, ao máximo, pensar a partir de Freud, a constituição do Ódio como uma pulsão arcaica, que é capaz de produzir no homem o Gozo do Mal, a partir de regimes perversos como este.

Freud, em O mal-estar na civilização, espantado com os efeitos da primeira Grande Guerra, disse temer que os homens,

[...] após chegarem tão longe na dominação das forças da natureza fossem capazes de exterminarem-se até o último deles (FREUD, [1930] 2011, p. 184).

Ele estava alertando para a existência de uma força interna, para a força do ódio como uma pulsão arcaica, capaz de buscar, a qualquer instante, sob qualquer desígnio, a obtenção da satisfação. Nesse sentido, o Apartheid parece ser a representação dessa pulsão, que inflige o modo de relação que nós, como bons neuróticos, assumimos com o outro. Para a maioria de nós, o outro é motivo de devoção e de sofrimento. Uma relação em que o par amor-ódio está imbricado, como aponta Freud em Introdução ao narcisismo:

Também o histérico e o neurótico obsessivo abandonam, até onde vai a sua doença, a relação com a realidade. A análise mostra, porém, que de maneira nenhuma suspendem a relação erótica com as pessoas e as coisas (FREUD, [1914] 2010, p. 15).

Portanto, falar do Apartheid é pensar em outra coisa. É pensar na categoria amor-indiferença. De outra estrutura que não localizamos em nós ou, pelo menos, negamos a sua existência. Nessa relação, não há alteridade. O outro é o não-ser. No Apartheid, o ódio toma o lugar do amor, estabelecendo uma relação sádica, que não deixa também de se constituir como uma relação erótica. Não é por outra monta talvez que, entre as leis excludentes do Apartheid, está a proibição completa do contato sexual entre brancos e negros, mesma regra de evitação estabelecida entre as tribos primitivas australianas descritas por Freud em Totem e tabu ([1913] 1989) com objetivo de coibir o incesto. A norma exposta pela Lei do Apartheid, determinada pela tribo branca, é o controle – em ato – da pulsão sexual dirigida à sua meta sexual, a tribo negra. Dessa forma, fica garantida a preservação da tribo branca, sem o ‘risco’ da miscigenação, considerada terrorizante para os brancos.

Em Os instintos e seus destinos, Freud ([1915] 2010) vai dizer que o ódio antecede ao amor, como uma construção primeva, primordial do ser. O amor somente se consolidaria a partir de uma genitalidade total. O ódio estaria situado numa outra fase, no período pré-genital. O Eu retira do mundo externo tudo aquilo que lhe dá prazer, introjeta-o e expele o que lhe dá desprazer.

Enquanto relação com o objeto, o ódio é mais antigo que o amor, surge da primordial rejeição do externo dispensador de estímulos, por parte do Eu narcísico. Como expressão da reação de desprazer provocada por objetos, sempre permanece íntima relação com os instintos de conservação do Eu, de modo que instintos do Eu e instintos sexuais podem facilmente constituir uma oposição que repete a de ódio e amor. Quando os instintos do Eu dominam a função sexual, como sucede no estágio sádico-anal, eles conferem também à meta sexual as características do ódio (FREUD, [1915] 2010, p. 79).

A constituição da ideologia nacionalista da tribo branca sul-africana, que promoveu o Apartheid, como dispositivo de atuação, um dispositivo de biopoder, como diria Foucault, no meu entendimento, está centrada na emergência de um Eu Ideal, fundado no espectro primitivo do narcisismo. Uma construção imaginária, constituída, hipoteticamente, a partir da insatisfação dos africâneres contra os invasores europeus, que tomaram parte de ‘suas terras’, no século XVI e o medo constante de serem dominados pela maioria negra.

O Eu Ideal é ainda revelado por admirações apaixonadas por grandes personagens da história ou da vida contemporânea, caracterizados pela independência, orgulho, autoridade, diz Lagache (apud LAPLANCHE, 2016, p. 139).

Esse herói é o próprio rosto do povo branco, em espelho, que emerge no discurso nacionalista posterior e no apego ao moralismo cristão do povo branco sul-africano, em que a religião é o narcótico que justifica as atrocidades cometidas contra o Outro.

Freud ([1914] 2010, p. 16) afirma que essa fantasia é uma característica da vida psíquica das crianças e dos povos primitivos:

Encontramos neles traços que, isoladamente, podem ser atribuídos à megalomania: Uma superestimação do poder de seus objetos e atos psíquicos, a ‘onipotência dos pensamentos’, uma crença na força mágica das palavras, uma técnica de lidar com o mundo externo.

O investimento do povo branco na desumanização do povo negro na África do Sul serviu para demarcar e insuflar esse sentimento de poder sobre o outro, de controle total do objeto, alimentando o Eu de um poder fantasístico, de domínio sobre o outro.

Ainda em Os instintos e seus destinos, Freud ([1915] 2010) afirma que essa pulsão caracterizaria o sadismo, definido como a humilhação e a dominação do objeto pela violência. Segundo Laplanche, Freud entende que o fazer sofrer pode não ser a meta originária, mas que um dos destinos da pulsão pode ser, inclusive, o próprio Eu.

O objetivo de produzir a dor e a fusão com a sexualidade aparecem no retorno ao masoquismo; o sadismo no sentido erógeno do termo é efeito de um segundo retorno do masoquismo sobre o objeto (LAPLANCHE, 2016, p. 399).

Isso pode ser observado no suicídio cometido por Hitler, quando percebe Berlim cercada pelas tropas aliadas. Escondido em seu bunker, em 30 de abril de 1945, após matar o seu cachorro, um pastor alemão, com ácido prússico, ingere o composto químico e o ministra em sua mulher Eva Braun. Feito isso, dispara contra si um tiro na cabeça. O mesmo ácido prússico foi usado por Magda Goebbels – esposa de Josef Goebbels – para assassinar os seis filhos do casal, com idades entre 4 e 12 anos.

Diz Roudinesco (2008, p. 138), em A parte obscura de nós mesmos - uma história dos perversos:

Ao contrário de todas as formas de mortes voluntárias, o suicídio nazista foi o equivalente pífio do genocídio perpetrado contra os judeus e as raças ditas impuras, um autogenocídio em miniatura, um suicídio perverso, sem nenhum recurso possível a redenção. Ele visava em vão servir a servir de modelo para a Alemanha inteira. Homens, mulheres, crianças, idosos, feridos, sobreviventes, animais, todos estavam instados a seguir o exemplo de seus chefes e desaparecer para sempre.

Em Além do princípio de prazer, Freud ([1920] 2010) propõe a hipótese da “pulsão de morte”, na qual o masoquismo e sadismo tornam-se os seus avatares. Assim, a meta da pulsão não é apenas a de dominação, mas a de aniquilação total do objeto, a mesma das ideologias totalitárias nazistas e stalinistas. Em O mal-estar na civilização, Freud ([1930] 2011) reafirma a tendência humana de agressão, quando diz que o homem não é uma “criatura branda”. Essa crença, segundo ele, não passa de uma ilusão:

O que as pessoas gostam de negar, é que o ser humano não é uma criatura branda, ávida de amor, que no máximo pode se defender, quando atacado, mas sim que ele deve incluir, entre seus dotes instituais, também um forte quinhão de agressividade. Em consequência disso, para ele o próximo não constitui apenas um possível colaborador e objeto sexual, mas também uma tentação para satisfazer á tendência de agressão, para explorar o seu trabalho sem recompensá-lo, para dele se utilizar sexualmente contra a sua vontade, para usurpar seu patrimônio, para humilhá-lo, para infligir-lhe dor, para torturá-lo e matá-lo [...] Em circunstâncias favoráveis, quando as forças psíquicas que normalmente a inibem estão ausentes, ela se expressa também de modo espontâneo, e revela o ser humano como uma besta selvagem que não poupa os da sua espécie (FREUD, [1930] 2011, p. 57).

 

Afinal, as últimas considerações...

Na África do Sul o pendor à destruição do povo branco só foi dominado após uma pressão internacional intensa, que culminou em uma política internacional de boicote econômico àquele país. Em certa medida, o povo branco sul-africano banalizou o mal. Se não criou campos de concentração como os nazistas, não colocou em ato a total eliminação física do povo negro sul-africano, acabou por escravizá-lo, castrou seu direito de ir e vir, instituiu grilhões representados nos papéis, nos salvos condutos, que os negros obrigatoriamente tinham de carregar para frequentar determinadas áreas daquele país. O regime transformou os negros em animais, em bestas, em sujeitos alienados da cultura, como se não fossem portadores de linguagem. O negro, no Apartheid, era um objeto de fetiche para os brancos. Esse regime foi uma máquina de dominação do Outro, uma luz triste que iluminou o que há de mais abjeto em nós.

 

Referências

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FREUD, S. Introdução ao narcisismo (1914). In: ______. “Introdução ao narcisismo”, “Ensaios de metapsicologia” e outros textos (1914-1916). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 13-50. (Obras completas, 12).         [ Links ]

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FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: ______. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. p. 13-172. (Obras completas, 6).         [ Links ]

LAPLANCHE, J. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2016.         [ Links ]

MACAGNO, L. Etnografia e violência no país do Apartheid: Dois relatos sobre a África do Sul. História. Questões & Debates, Curitiba, v. 62, n. 1, p. 133-162, jan.-jun. 2015.         [ Links ]

QUINODOZ, J.-M. Ler Freud: um guia de leitura da obra de S. Freud. Porto Alegre: Artmed, 2007.         [ Links ]

ROUDINESCO, E. A parte obscura de nós mesmos - uma história dos perversos. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: sergio.lorenz@ulbra.br

Recebido em: 28/05/2019
Aprovado em: 05/06/2019

 

 

SOBRE O AUTOR

Sérgio Roberto Lima Lorenz
Graduado em jornalismo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Mestre e especialista em educação pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Professor titular do curso de jornalismo da ULBRA Canoas (RS).
Coordenador acadêmico da ULBRA Porto Alegre.
Professor do curso de administração da ULBRA Porto Alegre.
Membro em formação psicanalítica do Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul (CPRS).

 

 

1 O título do artigo publicado nas obras completas, volume 12, da Companhia das Letras, traduzido por Paulo César de Souza, usa a palavra “instinto” em vez de “pulsão”.

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