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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.52 Belo Horizonte July/Dec. 2019

 

PAINÉIS E COMUNICAÇÕES SIMULTÂNEAS - TEXTOS COMPLETOS

 

A manifestação da sexualidade indígena em um conto erótico1

 

Manifestation of indigenous sexuality in an erotic tale

 

 

Kelvinn Modesto Carvalho BarbosaI, II; Paulo Roberto CeccarelliI, II, III, IV

I Círculo Psicanalítico do Pará
II Universidade Federal do Pará
III Universidade Federal de Minas Gerais
IV Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como proposta apresentar algumas considerações sobre a sexualidade presente na obra Moqueca de maridos, a partir do conto erótico O amante txopokod e a menina do pinguelo gigante. Os mitos fazem parte de toda cultura e influenciam na formação do imaginário de cada sujeito. A sexualidade presente no conto também é componente significativo da constituição do eu. O conto fornece elementos da sexualidade indígena do Norte do Brasil, alvo de perseguição pelos ditos ‘civilizados'. Freud estabelece uma relação do mito de origem com a constituição do eu. Este trabalho reafirma a hipótese freudiana sobre a presença da sexualidade nos mitos constitutivos de cada sujeito.

Palavras-chave: Índia, Sexualidade, Recalque, Repressão, Cultura.


ABSTRACT

This paper aims to present some considerations about the sexuality present in the work “Stew de husbands”, considering the erotic tale “The lover txopokod and the girl of the giant penguin”. The myths are part of every culture and influence the formation of the imaginary of each subject. The sexuality present in the tale is also a significant component of the constitution of the self. The tale provides elements of the indigenous sexuality of northern Brazil , the target of persecution of the so-called “civilized”. Freud establishes a relation of the origin myth with the constitution of the self. This paper reaffirms the Freudian hypothesis that there are strong indications of sexuality with the myths of the origin of each subject.

Keywords: Indians, Sexuality, Repression (Unterdrückung), Repression (Verdrängung), Culture.


 

Introdução

As sociedades se organizam à medida que um conjunto de sujeitos se reúnem, identificando traços concebidos a partir de um passado em comum. As narrativas presentes no Norte do Brasil desde o período pré-colonial revelam a força da mitologia indígena e sua influência no desenvolvimento e na consolidação do imaginário das sociedades. A chegada dos portugueses ao Brasil provocou profundas modificações na cultura. O ingresso das grandes navegações no território brasileiro interveio nas relações, nos costumes e nas práticas indígenas.

Aos poucos, o processo de aculturação foi tomando consistência e a vida dos autóctones locais foi sendo afetada pelas imposições dos colonizadores. Vale destacar que os povos indígenas foram tratados como primitivos, agressivos e imorais.

Dentre os inúmeros exemplos que podemos citar que ocorreram no Brasil, há a ideia generalizada que se criou, em um primeiro momento, sobre os povos que os portugueses encontraram ao chegar aqui: selvagens, primitivos, sem moral, e, às vezes, canibais. Tais ‘pré-conceitos' continuam a assombrar o nosso imaginário cultural (CECCARELLI, 2016, p. 710).

Na tentativa de manter o ideal europeu e se resguardar das influências dos povos indígenas, os portugueses recusaram os costumes e a cultura dos que viviam no território brasileiro. Ao desembarcar neste solo, implementaram suas práticas, desprezando os hábitos e os costumes dos povos que aqui residiam. O olhar etnocêntrico colaborou para sobreposição de uma cultura sobre a outra, causando prejuízos aos povos indígenas.

Passaram-se anos, e não se pode contar a história de uma forma generalizada, sem perceber a subjetividade e as imanentes características que despontam do vasto território brasileiro. É inadmissível não reconhecer que cada sociedade é única e precisa ser investigada na íntegra.

 

Sexualidade e cultura

Uma das narrativas eróticas presente no livro Moqueca de maridos, de Betty Mindlin2 (1997) é O amante txopokod e a menina do pinguelo gigante. A narrativa é rica de elementos significativos, constitutivos do eu e nos fornece traços do caráter organizador e repressor presente em uma cultura.

Em O amante txopokod e a menina do pinguelo gigante, Betty Mindlin (1997) relata a história de uma menina que não gostava de seu marido, o “evitava sempre que possível”, olhava os rapazes da aldeia, e

[...] graciosa, andava leve como uma corça, sempre dançando, e não lhe faltavam candidatos para namorar (MIDLING, 1997, p. 29).3

A liberdade de evitar o marido, seu jeito, sua maneira e a forma como ela é cobiçada, demostrando interesse em outros rapazes da aldeia, nos levam a pensar em uma sexualidade inerente à índia, subjetiva, que como em toda sexualidade é única.

Certo dia, indo colher frutos na floresta, encontra ao acaso o guerreiro mais valente. Não precisou muito para que os dois se permitissem, rolando pelo chão.

Para fugir melhor das investidas do marido, a moça pendurava sua rede num canto da maloca, um pouco afastada dos demais, e adormecia encostada na parede de palha (p. 29).
[...]
Um dia, já quase deslizando no sono, ela sentiu mãos que a acariciavam. Começaram pelo rosto, de leve, os dedos desenhando com ternura seus olhos, nariz, boca, face, pescoço. Foram descendo sem pressa, demoraram-se nos seios e nos picos dos peitos. Ela se lembrou dos gestos do namorado nas escapadas raras demais e ficou caladinha, morta de medo que alguém os interrompesse. As mãos desceram sábias, não deixaram um cantinho sem tocar e se refestelaram na xoxota (p. 30).

A menina passou a ser visitada pelos braços enormes de um espírito chamado Txopokod. No início era tocada por mãos que desciam e refestelavam sua xoxota, os dedos puxavam o pinguelo, enfiavam ousados como se fosse uma lança masculina. A índia se deleitava na experiência prazerosa de ser tocada e acariciada em sua xoxota.

Ao pôr do sol esperava os moradores da aldeia buscar lenha ou tomar banho, para procurar um lugar fechado na mata, longe do olhar do outro, tentando escapar da vigilância da tribo e temendo ser pega com terra ou gravetos grudados pelo corpo.

A história conta que sua preocupação era ser pega em flagrante pelas crianças no momento de seu deleite. Seu maior desejo era receber o guerreiro amado na rede, sem ser vista na calada da noite e evitava qualquer suspeita sobre sua conduta. A procura por lugares fechados no meio da mata não passa despercebida. Demostra seu interesse em não ser vista por ninguém da aldeia nem ser interrompida no apogeu de sua satisfação.

Dia a dia, a moça foi percebendo que seu pinguelo vinha crescendo. Vivia repleta de satisfação erótica, mas aquele pedacinho tão pequeno, tão imperceptível aos outros mesmo na nudez da aldeia, começava a perturbá-la. Passada uma semana, já estava do tamanho do de um homem nos arroubos do amor. Morta de vergonha, ela se escondia de todos, não andava mais para canto nenhum (p. 30).

A índia passa a ser questionada pela mãe, por se esconder dos demais integrantes de sua família:

Por que você vive se escondendo, por que não vem mais conosco à roça, nem senta perto de nós e do seu marido? – estranhou a mãe (p. 30).

A mãe é a primeira pessoa da família a quem a índia resolve revelar seu segredo. Podemos supor pelos relatos que a menina se sentia constrangida porque sua xoxota arrastar-se no chão, por isso evitava estar na presença de familiares.

A mãe, ciente do que estava acontecendo com sua filha a quem se refere pelo adjetivo “ingênua”, afirma que não se tratava de um homem da aldeia, mas que a menina era visitada por um espírito ou fantasma, que atende pelo nome de “Txopokod” e vinha namorá-la usando as palhas.

A mãe se solidariza com a filha e

[...] convoca todos os parentes para darem cabo do Txopokod e o marido traído era o que mais estimulava os outros à vingança. A aldeia toda estava mobilizada a dar cabo do culpado. Hoje à noite saberemos arrancar os braços desse bicho imundo! (p. 31).

Os homens do povo passaram o dia preparando seus instrumentos de caça como se estivessem se preparando para uma batalha. Esperam a noite cair para espreitar a menina em sua rede com o pinguelo pesado aguardando a visita do Txopokod.

Quando o Txopokod chegou, ela gritou para os homens, que “cortaram o braço”. “O Txopokod fugiu para o mato” (p. 31). O braço além de ser “[...] esquisito, é coberto de pulseiras de tucumã, de dentes, de plumas, enfeitado” (p. 31). O braço foi lançado em fogo alto, fervia e não se desfazia. O tempo passava, já era hora de amanhecer e a noite continuava e nenhum sinal do sol. “A manhã virara noite, a noite estava esticada como o pinguelo da moça [...]” (p. 31).

O fogo não podia se apagar, “[...] é no escuro que os Txopokods vêm para comer os homens” (p. 31). Todo mundo corria atrás de lenha para queimar. Assim uma noite se estendia por três dias. Tiveram que queimar o próprio alimento, milho e a mandioca para manter o fogo acesso. E a ordem do cacique foi clara: “Joguem fora o braço desse Fantasma!” (p. 32).

Eram muitos os Txopokods que rodeavam o terreiro, e como se estivessem preparando um banquete de extermínio de todo o povo.

Terminaram por desistir e jogar o braço no terreiro. O dono, o txopokod namorador, correu e grudou o braço outra vez no próprio corpo. Mais que depressa procurou um igarapé, porque seu braço estava queimando. Jogou-se na água. Dizem que por isso a água desse igarapé e quente, porque lá é que o braço fervente mergulhou [...] (p. 32).

O espírito do Txopokod nadou por vários rios e igarapés. O fogo do braço do Txopokod só se apagou perto da cachoeira Paulo Saldanha. “Por isso esse igarapé tem água fria” (p. 32).

Este conto de Mindlin (1997) nos faz pensar sobre as consequências de satisfação da menina do pinguelo gigante. É uma demonstração de que elementos como o recalque e experiências de satisfação contribuem para a moral sexual da tribo.

Cortaram o pinguelo da mulher e jogaram dentro d'água – virou poraquê, o peixe-elétrico. A cuia onde levaram o pinguelo virou caranguejo. O marido traído não a quis mais, teve medo. Quando ao namorado, não se sabe se ainda a quis, tudo é segredo [...] Mas o Txopokod nunca mais voltou (p. 32).

Esse mito, que teve como narrador Iaxuí Miton Pedro Mutum Macurap, tradutor Alcides Macurap e narradores para língua portuguesa, Buraini Andere Macurap e Menkaiká Juraci Macurap, fornece traços de uma sexualidade indígena. Ele nos coloca diante de uma máxima: os mitos, que fazem parte de todas as culturas, influenciam na formação e construção do imaginário de cada sujeito. Eles podem variar de uma cultura para outra, mas não deixam de transferir sentido à formação da cultura e do sujeito.

 

Mitos e imaginário cultural

Para que um determinado relato mítico tenha valor de verdade ou de revelação, para que seja sagrado, ele deve ser atribuído às divindades supra-humanas e eternas, as únicas detentoras de uma autoridade inquestionável (CECCARELLI, 2007, p. 181-182).

Podemos, portanto, considerar que por trás de todo mito existe um “saber inquestionável” que se mantém como um totem.

A narrativa apresenta a história de uma menina, que vivencia sua sexualidade com naturalidade e liberdade. A menina era casada, mas, por algum motivo que não é apresentado na narrativa, rejeita o marido. O exemplo dessa recusa ao seu companheiro ocorre quando, para fugir das “investidas do marido”, pendura a rede num canto da maloca.

Além disso, descreve, uma menina que cortejava e era cortejada pelos rapazes que faziam parte da aldeia. “Vivia espiando os rapazes da aldeia”; “E não lhe faltava candidatos a namorar” (p. 29). Aqui temos uma mulher livre que vivencia sua sexualidade plenamente.

Uma das considerações sobre a dinâmica da sexualidade na narrativa indígena é que o sujeito não procura a satisfação apenas em outro objeto. Ele pode concentrar em seu próprio corpo o destino da pulsão que deveria ser dirigida a outro corpo, outro objeto ou genital. A origem ou fonte de tal estimulação estaria relacionada à origem da vida e da sexualidade infantil. Assim, o sujeito pode passar pela infância, pela puberdade e permanecer em sua experiência de autossatisfação.

Ao chegar ao território brasileiro, os portugueses tiveram contato com povos autóctones, cujo código de conduta era baseado nos seus próprios relatos de origens. A repressão (Unterdrückung) da cultura portuguesa não era a mesma presente na cultura dos povos indígenas. Os preceitos, os princípios e as bases de origem não eram os mesmos: é exatamente esse contato que vai promover um estranhamento em relação à cultura do outro.

Podemos chegar a conhecer e trabalhar essas referências, mas nunca as incorporaremos de fato. Por isso, a perda dessas referências produz um choque identitário, cujas consequências podem ser devastadoras tanto para o sujeito quanto para a cultura. Trata-se do mesmo “choque” que ocorre, embora de forma mais branda, em todos os encontros significativos com outros sujeitos que questionam a solidez de nossa leitura de mundo; algo semelhante às resistências que vivenciamos quando lidamos com teorias que ameaçam nossas verdades (CECCARELLI, 2016, p. 709).

O contato dos portugueses com os povos indígenas que habitavam a Região Norte brasileira produziu um choque cultural. Ao desembarcar no Brasil, os portugueses trouxeram consigo a repressão característica da cultura portuguesa, a influência do imaginário judaico-cristão, além da ideia da sexualidade como pecado original, presente na moral agostiniana. O terreno estava pronto para os julgamentos que se sucederam às práticas sexuais dos povos autóctones.

Aos poucos, os portugueses foram impondo sua própria repressão à sexualidade dos que aqui habitavam. A influência desse imaginário judaico-cristão no Norte do Brasil foi determinante para a consolidação da sexualidade regional. Em contato com a cultura do índio e do negro, os portugueses passaram a reprimir todo tipo de conduta que não refletisse a sua representação cultural.

Nossa hipótese é que o imaginário belenense é atravessado tanto pelo processo repressor português, quanto pela leitura dos mitos indígenas acerca da sexualidade e do imaginário das culturas africanas. Foi a partir desses traços que se estabeleceu a sexualidade belenense, na qual a cultura indígena, embora reprimida pelos portugueses, ainda mostra suas marcas.

Quanto ao corpo e à excitação sexual presentes na narrativa erótica, o sujeito não se excita unicamente pelo seu genital. Todo o corpo é tomado por terminações nervosas que favorecem a descarga sexual e a libido circula pelo corpo. Ao serem exploradas, algumas partes do corpo carregadas de excitação, estimulam a psique e promovem a satisfação. Essa excitação pode partir de uma zona especifica do corpo, que posteriormente pode deixar de receber investimento, deixando de ser excitatória.

A escolha do objeto sexual está relacionada com as primeiras manifestações de satisfação da vida sexual do sujeito. A partir do narcisismo primário, os investimentos libidinais começam a traçar o caminho para a escolha do objeto, tendo como apoio o exercício de quem exerce a função de preservação da vida, se separando no decorrer do tempo, tornando-se mais tarde subjetiva (FREUD, [1914] 2010).

Com o conceito freudiano de ideal do Eu, encontramos a menção das primeiras identificações fundamentais do sujeito. Essas identificações estão ligadas ao narcisismo primário e secundário. Ainda de acordo com Freud, é o ideal do eu que responde a tudo que se espera do homem.

É fácil demonstrar que o ideal do ego responde a tudo o que é esperado da mais alta natureza do homem. Como substituto de um anseio pelo pai, ele contém o germe do qual todas as religiões envolveram. O autojulgamento que declara que o ego não alcança o seu ideal, produz o sentimento religioso de humildade a que o crente apela em seu anseio (FREUD, [1923], p. 51-52).

Dessa forma, as escolhas feitas por uma pessoa estão inteiramente interligadas com a suas primeiras experiências de satisfação, ou seja, a pessoa que representa esse objeto sexual é quem ocupa função materna. De acordo com Moreira, o supereu é não apenas um reflexo de nossas primeiras escolhas objetais, mas também uma reação a tais escolhas.

Ora, a grande questão colocada pelo feminismo à psicanalise freudiana é que Freud teria proposto que às mulheres restavam apenas duas saídas do conflito edípico: ser como a mãe, ou seja, identificar-se com ela e abandonar o pai como desejo de amor, passando a ter como ideal ter um filho, ou identificar-se com o pai e desenvolver-se no sentido da masculinidade (MOREIRA et al., 2012, p. 24).

As mulheres passam por mudanças fisiológicas durante o seu desenvolvimento, ocasionadas pelas transformações ocorridas na puberdade, mudanças que dirigem a libido, promovendo a maturação de seus órgãos sexuais que antes estavam em estado latente e intensificando o seu narcisismo original. Para além do corpo orgânico, existe um ser social, que em muito inibe a mulher do exercício de sua satisfação, sujeitando-a a sua autossuficiência e a não necessidade de amar e ser amada.

Freud ([1921] 1996) reconhece que, assim como a fantasia individual, a fantasia social se reproduz. Certamente existe uma relação que se estabelece entre o coletivo e o individual. Elementos globais, universais e singulares se articulam na cultura.

Gostaria de suscitar uma inquietação: teria a experiência de prazer cedido lugar a uma experiência de angústia no mito da menina do pinguelo gigante? “A menina chorava, chorava, chorava, com o pinguelo já arrastando pelo chão” (p. 31).

De acordo com Freud ([1915] 2010), quando o objeto é fonte de sensações desprazerosas, tende a aumentar a distância dele:

Inversamente, quando o objeto é fonte de sensações desprazerosas, há uma tendência que se esforça por aumentar a distância entre ele e o Eu, repetir a original tentativa de fuga face ao mundo externo emissor de estímulos. Sentimos a “repulsão” do objeto e odiamos; esse ódio pode então se exacerbar em propensão a agredir o objeto, em intenção de aniquilá-lo (FREUD, [1914] 2010, p. 76).

No parágrafo anterior, temos o esclarecimento sobre a relação entre o mito, a sexualidade e a moral presente na cultura. Se considerarmos que o recalque é um movimento presente em todas as culturas e sociedades, está posta a condição indispensável para a dinâmica pulsional do sujeito.

Já a repressão seria consequência dos sistemas de valores que sustentam o imaginário social, como esclarece Ceccarelli (2010, p. 31):

A hipótese que desenvolvo neste trabalho pode ser assim enunciada: ainda que o recalque (Verdrängung) da sexualidade seja o movimento universal que marca o modo de circulação pulsional própria do humano, sendo a condição primeira para a existência do estado de cultura, a repressão (Unterdrückung) da sexualidade que se seguirá geradora da moral sexual é tributária do sistema de valores que sustenta o imaginário social. As origens deste sistema devem ser procuradas nos mitos fundadores da cultura em questão.

Dessa forma, devemos considerar que toda cultura tem a sua moral sexual, isto é, regras, tabus e liberdades em relação às práticas sexuais. Elas refletem a tradição e a organização de determinado povo. E cada cultura, com suas leis e regras, vem ao longo do tempo regulando as formas de receber e promover a satisfação.

 

Conclusão

A chegada dos portugueses no território brasileiro trouxe inúmeras consequências para a vida dos povos indígenas. Com o choque entre culturas, os portugueses trouxeram de Portugal seus valores morais, seus costumes e práticas, um modelo de sexualidade e repressão inerente a sua própria história de vida, o que se diferencia dos valores e da repressão dos povos indígenas que habitavam o Norte do Brasil.

Embora o contato entre diferentes culturas provoque mudanças significativas, o mito, o recalque, a repressão e a sexualidade estão presentes em ambas as culturas e são fundamentais para compreendermos a moral sexual de um povo.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Kelvinn Modesto Carvalho Barbosa
E-mail: psikelvinn@gmail.com

Paulo Roberto Ceccarelli
E-mail: paulorcbh@mac.com
Homepage: www.ceccarelli.psc.br

Recebido em: 15/11/2019
Aprovado em: 12/12/2019

 

 

SOBRE OS AUTORES

Kelvinn Modesto Carvalho Barbosa
Psicólogo.
Psicanalista.
Licenciado em Ciências da Religião - UEPA, 2011.
Especialista em Docência do Ensino Superior - UFPA, 2013.
Sócio do Círculo Psicanalítico do Pará - CPPA, 2019.
Mestrando em Psicologia, PPGP, UFPA, 2019. Belém (PA).
Pós-Graduando em Psicanálise com Crianças e Adolescentes pelo Instituto de Pós-Graduação-IPOG.

Paulo Roberto Ceccarelli
Psicólogo.
Psicanalista.
Doutor em psicopatologia fundamental e psicanálise pela Universidade de Paris 7 - Diderot.
Pós-doutor pela Universidade de Paris 7.
Coordenador do Instituto Mineiro de Sexualidade (IMSEX <www.imsex.com.br>).
Diretor científico do Centro de Atenção à Saúde Mental (CESAME <www.cesamebh.com.br>).
Membro da Société de Psychanalyse Freudienne - Paris, França.
Membro da Associação Universitária de Pesquisa em psicopatologia fundamental.
Pesquisador do CNPq.
Professor Adjunto IV da PUC Minas.
Professor e orientador de pesquisas do mestrado de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência/MP, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor e orientador de pesquisas na pós-graduação em psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).
Sócio fundador do Círculo Psicanalítico do Pará (CPPA).

 

 

1 Trabalho apresentado no XXIII CONGRESSO DO CÍRCULO BRASILEIRO DE PSICANÁLISE e da III JORNADA DO CÍRCULO PSICANALÍTICO DO PARÁ, Psicanálise e diversidades: inconsciente, cultura e caminhos pulsionais. Belém (PA), 7-11 nov. 2019.
2 Antropóloga, com doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e economista, com mestrado pela Universidade de Cornell. É uma das fundadoras do Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMÁ), uma instituição não governamental sem fins lucrativos, criada em 1987. É autora de Tuparis e Tapupás (Ed. Brasiliense/Edusp/ IAMÁ) e Vozes da origem, estórias sem escrita, narrativas dos índios Suruí de Rondônia (Ática/IAMÁ), e trabalha há anos em projetos de pesquisa e apoio a inúmeros grupos indígenas. Em 2010 Betty Mindlin esteve em Belém (PA) onde participou do I Encontro Internacional de Psicopatologia Transcultural.
3 A partir deste ponto, será indicada apenas a página da citação quando se tratar do conto em estudo.

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