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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.53 Belo Horizonte Jan./June 2020

 

PSICANÁLISE: CLÍNICA, TEORIA E CULTURA

 

A condição humana em situação de isolamento: um encontro com a finitude pessoal e a busca de criatividade

 

The human condition in isolation: an encounter with personal finitude and the search for creativity

 

 

Noeli Reck Maggi

I Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O texto traz para reflexão a condição do ser humano quando se depara com a necessidade de buscar sentido no encontro consigo mesmo num momento em que circunstâncias externas exigem recolhimento e restringem o contato com os outros. As reflexões e os questionamentos propostos buscam em Winnicott os fundamentos sobre a constituição da subjetividade e da intersubjetividade, sobre a necessidade do ser humano de habitar o seu corpo e os seus objetos internos, além de fazer uso de defesas que ativem a criatividade e a expressão do self espontâneo.

Palavras-chave: Condição humana, Subjetividade, Objeto interno, Criatividade.


ABSTRACT

The text reflects on the condition of the human being when faced with the need to seek meaning in the encounter with oneself at a time when external circumstances require recollection and restrict contact with others. The proposed reflections and questions explore in Winnicott the fundamentals on the constitution of subjectivity and intersubjectivity, on the need of human beings to inhabit their bodies and their internal objects, to make use of defenses that activate creativity and the expression of the spontaneous self.

Keywords: Human Condition, Subjectivity, Internal Object, Creativity.


 

Introdução

O ser humano, repentinamente, é convocado a confrontar-se com a necessidade de permanecer só, de manter distância física das pessoas com as quais teria contato direto, constante e simultâneo no cotidiano.

Num primeiro momento, descobre-se que os objetos à volta estão relacionados com a novidade, com a possibilidade de revisar o que, do ambiente familiar, nunca havia sido olhado, escutado, percebido. O estranho que habita em cada sujeito revela o desejo de dar significado e sentido a tudo o que ele percebe e que antes era supostamente ignorado. É percebido tanto o movimento de valorização e de revalorização de situações que passavam despercebidas quanto a atribuição de valor secundário às pessoas e aos objetos que antes pareciam imprescindíveis.

A partir de então, um encontro com o interior possibilita ao sujeito perceber o que o levou àquelas escolhas, justificar a disposição física dos objetos e dos espaços ocupados enquanto realidade. Daí a vivência de momentos de ansiedade, de angústia e de gratidão. Uma experiência de análise sem interlocutor, ou seja, com o interlocutor interno que ora se aproxima e ora se distancia.

Essa experiência de sentir-se desacompanhado parece trazer o ser humano para o isolamento dos primeiros tempos de vida, naquele tempo não configurado ainda pelas horas, dias e semanas; tempo em que os objetos ainda são subjetivamente percebidos. Alguém possibilita ao ser humano pensar que ele criou o mundo e que, nessa condição, existe apenas uma unidade.

Isso é o que Winnicott (1983) edita e reedita em seus escritos. Sorte ou privilégio para quem não necessita ainda, tão precocemente, perceber objetivamente o mundo externo. Esse acolhimento é o que salva a criatura humana de uma possível psicose. No entanto, viver um tempo em que os objetos se parecem com o que se deseja não persiste por muito tempo.

A constatação gradativa de um mundo diferente do que foi imaginado possibilita que, aos poucos, a realidade surja com seus objetos e pessoas desnudados e que estes sejam não mais subjetivos, mas objetivamente escancarados.

Não importa se agradáveis ou não, eles se colocam como diferenciados, e é necessário conviver com eles: vírus, distanciamento, diferença, pulsão de vida e pulsão de morte.

O que torna a condição humana tão vulnerável quanto potente é o convívio com a finitude que, ao mesmo tempo que frustra, devolve o enigma de uma possível recriação. Nesses momentos de intensa ansiedade e até de angústia, poetas, pensadores, além de manifestações cultuadas no cotidiano das pessoas se constituem em tela de fundo para que cada ser revise suas inscrições nos espaços interiores. Ao compartilhar suas expressões literárias, poéticas e de sofrimento psíquico, torna-se possível lembrar e evocar o que faz sentido a cada um.

Então, vive-se um paradoxo. O ser humano busca viver, como nos tempos precoces do desenvolvimento, uma realidade subjetivamente percebida, embora seja surpreendido a experimentar a realidade objetivamente constatada. Uma violência se precipita à condição humana realçando as marcas já experimentadas em tempos anteriores.

Que mãe-como-ambiente é essa que não dá sossego à condição humana para que ela possa experimentar gradativamente a percepção objetiva da realidade?

O pânico ou a fuga da realidade se instalam para buscar alternativas suportáveis no enfrentamento da realidade objetivamente percebida. Um inimigo mortal invade e se instala nos diferentes espaços e em tempos diferentes por todo o mundo. A ciência atribui nome ao inimigo, aponta riscos e reserva cuidados especiais em relação ao referido vírus porque ele é mortal. Ao ser humano, é imposta a condição de não contato com o Outro, de não participação em atividades sociais, além de uma perspectiva constante de morte iminente, de finitude e luto doloroso quando laços afetivos são rompidos. Quanta dor e luto nessa realidade objetivamente percebida!

Quando se pensa no viver de modo criativo, é possível retomar a forma como o sonho é vivido a cada dia, a cada nova realização. Sonho em que há perspectiva de vida e no qual é atribuído sentido às conquistas. Mecanismo diferente da fantasia, momento em que se instala a fuga de modo a evitar o enfrentamento da cruel realidade. No dizer de Winnicott (1983), o sujeito manifesta compromisso com o mecanismo de fantasia e de fuga para evitar o contato com a realidade que necessita ser objetivamente experimentada.

Ao falar do colapso da subjetividade e da intersubjetividade no isolamento pessoal, Ogden (1996, p. 48) diz que:

[...] a unicidade é o contexto necessário para dualidade, e a dualidade salvaguarda a experiência da unicidade (ao proporcionar uma negação essencial disso). Essa dialética, que tem sua origem na vivência, pelo bebê, da preocupação materna primária, continua ao longo da vida como uma faceta de todas as formas subsequentes de subjetividade.

Essa consideração de Ogden explicita as condições pessoais necessárias para os enfrentamentos futuros diante de conflitos inomináveis. Inominável é o que a humanidade sente, vive, experimenta e enfrenta e se recolhe diante da tragédia avassaladora da morte anunciada e precipitada pela pandemia.

Surge, então, a ideia do isolamento que, para Winnicott (1983, p. 31), ao escrever sobre "a capacidade para estar só", deixa registros sobre formas de isolamento que facilitam ao ser humano o desenvolvimento do self. O autor afirma que

[...] tem-se escrito mais sobre o medo de ficar só, ou o desejo de ficar só, do que sobre a capacidade de fazê-lo [...].

Winnicott concebe o isolamento como facilitador e necessário para o desenvolvimento do self . Uma mãe-como-ambiente que supre as necessidades do sujeito ainda vulnerável impede que esse elemento nutridor e contensor das angústias seja percebido como realidade. Essa é a condição necessária para que o sujeito se estruture de modo saudável e possa, mais tarde, enfrentar tantos desafios impostos pelo mundo objetivo dos objetos e das experiências. Enquanto isto, o psiquismo produz defesas que servem de proteção para as camadas mais profundas do self.

Para Ogden (1996, p. 176),

[...] a vida psicológica é, desde o princípio, salvaguarda de modo similar pelo santuário proporcionado pela experiência de não existir no mundo dos vivos.

A humanidade enfrenta uma realidade nunca antes vivida e experimentada de modo tão urgente e necessário, que é o "não existir no mundo dos vivos" de modo a se distanciar de tudo o que se apresenta como insuportável por ser também insuperável.

 

Quando o isolamento reativa a experiência de um trauma e a saída para a vida criativa

Nestes tempos de isolamento e distanciamento social, temos de encontrar pessoas e reconhecê-las pelo restante do corpo e, especialmente, pelo olhar, uma vez que a máscara impede que se enxergue o sorriso. Algumas pessoas sorriem por meio do olhar e pelos gestos. Não chega a ser traumático, embora pareça bastante estranho.

Para Ogden (1996, p. 163-164), o conceito de isolamento pessoal é considerado como "central para uma compreensão do desenvolvimento humano". Essa concepção está baseada no estudo de fenômenos autistas; condição necessária para que o sujeito se constitua a partir da ilusão e do poder utópicos de que ele originou e criou um mundo abastecedor de todas as necessidades. Essa é uma forma primitiva de isolamento em que o indivíduo está desconectado em relação ao mundo exterior.

Ogden (1996, p. 163-164) afirma que Winnicott

[...] acreditava que o isolamento do bebê em relação ao objeto objetivamente percebido é um contexto vivencial essencial para o desenvolvimento de um sentido de realidade e de espontaneidade do self.

O que Winnicott deixou nos registros escritos a partir de sua experiência no trabalho com crianças que sofreram traumas em na vida, no início do desenvolvimento, é que a percepção prematura do estado de separação entre o self e a realidade externa não pode ou não deveria ser precipitada. Um ambiente confiável e capaz de suprir as faltas que emergem das necessidades torna-se indispensável num período precoce da vida psíquica do sujeito. Pode parecer um estado ideal de existência e, assim, podemos considerar esse momento, que é denominado como "continuidade do ser", para que, mais tarde, essa criatura humana possa enfrentar desafios e seja capaz de desejar.

Uma tragédia social, uma ameaça de morte coletiva provocada por uma pandemia pode preservar o sujeito para que continue existindo e confiando no que lhe é reservado na realidade objetivamente percebida ou, ainda, a desesperança e o uso de defesas muito arcaicas podem ser acionados a fim de tentar suportar a dor e a angústia inomináveis. O momento em que são divulgadas notícias da morte de milhares de pessoas em todos os lugares do mundo não reserva espaço para isolamento e proteção, a não ser encontrar refúgio dentro de si mesmo.

Daí surge o que é essencial e vital ao ser humano e se constitui talvez a única forma de se manter vivo, que é a capacidade de representação e de extensão das emoções, dos sentimentos e dos desejos para além de si mesmo. Manter-se vivo supõe a criação de símbolos, de objetos, de situações e experiências num espaço no qual são originadas novas formas de experiência e de vivência de um novo self, recriado a partir da matriz. Possivelmente, a onipotência que, segundo Winnicott (1983), é constituída com o auxílio da mãe-como-ambiente desde os primeiros tempos de vida, é necessária no momento em que a angústia causada pelo isolamento necessita ser enfrentada. Certa dose de ilusão promove força e encoraja o ser humano que se sente desamparado a encontrar novas formas de viver e de se relacionar.

Os símbolos são criações que ocupam espaços de falta, que unem o que está desconexo e dão sentido ao caos que ameaça o aniquilamento. Seguindo as concepções de Winnicott, Ogden (1996) traz para análise a espontaneidade do selfcomo decorrente de um enfrentamento cuidadoso do sujeito diante da realidade. É certo que a cada dia, a cada novo fato ou nova descoberta, os humanos se locomovem por meio de defesas que protegem o psiquismo de um colapso. O risco de as defesas entrarem em colapso se dá justamente quando o sujeito se vê rodeado de eventos devastadores marcados pela morte, pelo extermínio causado por um inimigo que está presente e não se apresenta materializado, a não ser pela maior castração humana que é a morte.

A humanidade se vê dominada e ameaçada na sua onipotência e desnudada na sua condição de pertencimento a uma determinada classe social ou a uma condição política e intelectual. Trata-se de uma tragédia maior do que pensam estar constituídas as instituições e organizações sociais. Esse estado caótico e devastador dominado por um inimigo invisível revela tratar-se de uma guerra silenciosa, viral, de contágio e que ameaça o ser humano que se pensa soberano e pronto para grandes desafios. O ser humano é confrontado na sua onipotência e na sua in(certeza) de tudo poder, saber e prever.

A mãe-como-ambiente proporciona ao humano uma forma de isolamento da externalidade ameaçando a vitalidade e a continuidade de ser. Agora, a ilusão está entregue à capacidade de criar, inventar e suceder o que tem de ser recriado a cada novo dia, a cada nova possibilidade de contemplar o amanhã. Winnicott utilizou o termo "onipotência" para um tempo em que nada servia de suporte ao ser humano a não ser a ilusão de que o mundo era criação própria de cada um. Agora, parece que cada um tem de recorrer a essa ilusão de que será salvo de todo este caos, só que de modo diferente: recriando a realidade, representando o desejo por meio de pequenas realizações. Parece pouco apropriado pensar em uso de poder porque se desfruta de uma onipotência quando se vive um clima de incerteza e de ausência de respostas para as dúvidas que surgem cotidianamente.

Ogden (1996, p. 166) reativa, nos seus escritos, o que Winnicott concebeu como forma de isolamento para que o desenvolvimento precoce normal possa ocorrer: um retraimento tanto em relação à mãe-como-ambiente quanto à mãe como objeto. A invisibilidade em relação à demanda do outro produz uma camada protetora para "salvaguardar" a vulnerabilidade própria dos primeiros tempos de vida. Esse mecanismo é essencial para que as camadas profundas do psiquismo, ainda em constituição, não sejam invadidas de modo traumático.

Essa é também a atividade clínica do psicanalista: encontrar sentido e nomear seus objetos internos para servir de ego auxiliar à dor do paciente. Possibilitar um encontro empático com o outro, mantendo a distância necessária anunciada pela técnica.

Hoje vivemos momentos de tensão fisiológica e psíquica porque, no isolamento experimentado por cada um, há uma invasão de acontecimentos, da realidade que realça o iminente risco de morte a cada nova perspectiva de perda, abandono e luta pela sobrevivência. A camada mais profunda e protegida do self sente-se exposta aos riscos de aniquilamento e de abandono.

Nesse sentido, Souza (2007, p. 316) diz que, segundo a psicanálise,

[...] as defesas desempenham um papel estruturante na constituição da subjetividade, onde o recalcamento se faz presente. Trata-se de um modo de funcionamento em que a pessoa está organizada e com um funcionamento baseado no princípio da realidade.

O colapso, assim denominado por Winnicott (1994, p. 71), surge no momento em que as defesas não dão conta da dor impensável, no momento em que o ego se sente ameaçado pelo ataque de um risco pessoal ou ambiental. Por outro lado, o fracasso ambiental estará presente na vida do ser humano uma vez que a dependência é uma condição permanente do psiquismo humano, embora seja uma dependência relativa.

Pacientes trazem, para a clínica psicanalítica, o medo em relação ao futuro diante de uma tragédia ou de algum obstáculo que possa interromper o ciclo de vida daquele sujeito. Esse medo pode estar relacionado tanto às experiências passadas quanto às intercorrências do ambiente.

Winnicott (1994, p. 75) diz que

[...] em alguns pacientes, o vazio precisa ser experienciado, e este vazio pertence ao passado, ao tempo que precedeu o grau de maturidade que tornaria possível ao vazio ser experienciado.

O que emerge na clínica psicanalítica são as situações traumáticas, as dores, o abandono. E o que resta ao psicanalista trabalhar é o que, do vazio existencial, poderá ser feito para que aquele sujeito possa se encontrar realizando algo proveitoso, algo que tenha sentido de liberdade para sua vida.

Os atendimentos clínicos, nesses contextos, ocupam espaços físicos diferentes, na sala ou no escritório da casa, no carro ou a caminho da praça, embora o espaço interno, tanto do psicanalista quanto do paciente, possa estar situado na relação transferencial com o enquadre que o trabalho psicanalítico exige. Possivelmente, cada um traz a sua realidade interna a partir da realidade externa transitando com maior ou menor capacidade para criar e ampliar sua experiência.

O vazio experimentado pelo paciente configura um acontecimento que danificou o ego que, num momento posterior, procura se livrar dessa agonia com representações que deem sentido de liberdade. Se hoje o sujeito vive o impacto de um possível vírus exterminar com a sua vida, há que dar sustentação para a continuidade de ser, de existir e de buscar conforto num lugar próprio de vida. Isso porque o medo da morte é paralisante e constitui sintoma, impedindo a perspectiva de vida futura. Se essa morte aconteceu num tempo inicial da vida do paciente, é necessário falar dela, escutar de onde emana a experiência dolorosa de não existir para que o sujeito possa dar nome e sentido ao que experimenta naquele momento. Evitar que as defesas arcaicas mostrem algo dissociado da realidade objetivamente percebida e experimentada.

Quando o paciente traz para a sessão psicanalítica seu temor de morrer, de alguma forma está no processo de regressão à dependência num período em que não restou outra alternativa senão trazer a situação de sofrimento, revivê-la e tentar reanimá-la sob outro vértice. Ocorreu num tempo tão precoce que seria insuportável reviver esses sentimentos pela fragilidade como esse ser se encontrava quando fora invadido pelos sentimentos de aniquilamento e desamparo. A organização eficaz de recursos pessoais pode auxiliar na superação do medo e na busca de alternativas diante das dificuldades que dominam o cotidiano.

O indivíduo herda um processo de amadurecimento, que o faz progredir na medida em que exista um meio ambiente facilitador e somente na medida em que este exista. O meio ambiente facilitador é ele próprio, um fenômeno completo e necessita de um estudo especial por seu próprio direito: o espaço essencial é que ele possui uma espécie de crescimento seu, próprio, estando adaptado às necessidades mutantes do indivíduo em crescimento (WINNICOTT, 1994, p. 71).

O trabalho em psicanálise é reviver o vazio, experienciá-lo por meio do que sente e sentiu em suas transações com as contingências ambientais. Se o paciente vivencia um momento de caos social, de medo contra um inimigo que extermina a vida das pessoas, há que dizer desse medo do vazio para que ele não paralise esse/o sujeito e que seja possível olhar para ele, clamar a presença dele e, junto com o trabalho psicanalítico, encontrar as representações para esse espaço que, num primeiro momento, está compulsivamente controlado ou temido por não ter sido falado na realidade objetivamente concebida.

Segundo Winnicott (1994, p. 76),

[...] A base de toda aprendizagem (assim como do comer) é o vazio. Mas se o vazio não é experienciado como tal, desde o começo, ele aparece então como um estado que é temido, mas, contudo, compulsivamente buscado.

Falar do vazio e do medo da morte é evitar que as defesas obstruam a capacidade de lembrar e reelaborar. O encontro com o eu interior ativa a necessidade de encontrar caminhos que representem vida, solução e busca de sentido ao que, aparentemente, não faz sentido.

Nesse ponto, lembramos Otávio Souza (2007) que, ao escrever sobre defesa e criatividade em Klein, Lacan e Winnicott, traduz de modo farto a ideia de defesa. O autor traz para reflexão a ideia de defesa pensada como defesa contra o desejo, considerada numa situação de conflito no funcionamento psíquico e defesa contra o trauma pensada como uma invasão no psiquismo do sujeito quando ele ainda não dispõe de recursos para suportar tal invasão. Nesse caso, o funcionamento normal é impedido de ocorrer em função da não estruturação do psiquismo.

Neste ponto, encontramos o trabalho do psicanalista para uma interpretação, pois, segundo Souza (2007, p. 338),

[...] a interpretação não interpreta o desejo, mas empaticamente se aproxima do sofrimento do sujeito no que foi desatendido nos tempos primordiais da dependência absoluta.

Nesse sentido, parece necessária a confiança no trabalho psicanalítico e numa relação transferencial em que o paciente perceba quais defesas se tornam necessárias e não obstaculizem a ampliação do espaço criativo.

Na continuidade, Souza (2007, p. 342) aponta para o cuidado necessário de o psicanalista se nortear pela "situação clínica que encontra" de modo a evitar "mandamentos éticos excessivamente rígidos".

 

Considerações finais

O trabalho psicanalítico necessita abrir possibilidade para que o inconsciente possa sempre expressar o que deseja evitando, desse modo, o empobrecimento da vida afetiva.

Como bem afirma Winnicott (1994), a criatividade não é traduzida por meio de atos defensivos ou por meio de atividades artísticas, mas na "coloração", na diversidade, na mobilidade e na transitoriedade das atitudes diante da realidade externa.

O psicanalista precisa estar atento à criação de um sentimento de confiança para que o paciente tenha a oportunidade de brincar, de criar, de se locomover num universo de símbolos próprios.

 

Referências

FULGENCIO, L. Por que Winnicott? Coordenação Daniel Kupermann e Adriano Zago. São Paulo: Zagodoni, 2016.         [ Links ]

GREEN, A. Orientações para uma psicanálise contemporânea. Tradução: Ana Maria Rocca Rivarola. Rio de Janeiro: Imago; São Paulo: SBPSP, 2008.         [ Links ]

KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros trabalhos. Tradução da 4. ed. inglesa: Elias Mallet da Rocha, Liana Pinto Chaves (Coords.) e col. Rio de Janeiro: Imago, 1991.         [ Links ]

OGDEN, T. H. Os sujeitos da psicanálise. Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.         [ Links ]

SOUZA, O. Defesa e criatividade em Klein, Lacan e Winnicott. In: BEZERRA Jr., B.; ORTEGA, F. (Orgs.). Winnicott e seus interlocutores. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2007.         [ Links ]

WINNICOTT, D. W. Explorações psicanalíticas: D. W. Winnicott. Tradução: Jose Octavio de Aguiar Abreu. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.         [ Links ]

WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Tradução: Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Sulina, 1983.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: nrmaggi@gmail.com

Recebido em: 30/05/2020
Aprovado em: 10/06/2020

 

 

SOBRE A AUTORA

Noeli Reck Maggi
Psicóloga.
Psicanalista.
Sócia efetiva do Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul.
Doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Membro do Conselho Editorial da Revista Estudos de Psicanálise.

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