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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437On-line version ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  no.55 Belo Horizonte Jan./June 2021

 

PSICANÁLISE E CULTURA

 

Totem e tabu: dois sistemas simbólicos arcaicos num ponto de vista contemporâneo do capitalismo1

 

Totem and taboo: two archaic symbolic systems in a contemporary point of view of capitalism

 

 

Bruno Stamato Savi

I Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar uma visão psicanalítica não restrita a uma ótica clínica, em direção a uma ótica mais social. Tomou-se como eixo a obra Totem e tabu , em que Freud (1912-1913) comparou os povos primitivos com os neuróticos, bem como a intensa relação dos cerimoniais individuais com os cerimoniais coletivos. Reconhecendo a tentativa de Freud em explicar não apenas a origem da religião, mas também de onde se originaram os símbolos totêmicos sagrados e os interditos – aquelas proibições arcaicas colocadas como tabus –, este trabalho se limita a uma visão mais atual do mito totêmico associado ao capitalismo. O capitalismo tem um sistema simbólico parecido com o totemismo da sociedade tribal, ao elaborar um sistema de classificação que organiza diferenças e semelhanças entre os sujeitos e os objetos a serem consumidos na cultura contemporânea. Caso não seja respeitada essa exigência própria do capitalismo, isto é, o dever de consumir, o temor de não consumir e a sensação de exclusão do social podem direcionar o sujeito a um formato mais extremo do consumo: um impulso de consumir demasiadamente, sem haver desejo e sem saber conscientemente por que o faz. A aceleração do tempo cronológico nos dias de hoje também coloca em consumo o tempo psíquico do sujeito. Estando cindido, o Ego fica direcionado à realidade de viver pelo imediatismo, consumindo tempo/dinheiro/corpo com objetos e coisas direcionadas para além do princípio de prazer, indo em direção a um grande conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte.

Palavras-chave: Totem e tabu, Capitalismo, Compulsão, Consumindo tempo/dinheiro/corpo, Cisão do Ego, Passagem ao ato.


ABSTRACT

The objective of this work is to present a psychoanalytic vision that is not restricted to a clinical perspective, moving towards a more social one. Freud's work ‘Totem and Taboo' (1912-1913) was used as an axis, in which the author compared primitive peoples with neurotics and the intense relationship between individual ceremonies and collective ceremonies. Recognizing Freud's attempt to explain not only the origin of religion, but where the sacred totemic symbols and interdicts originated – those archaic prohibitions placed as taboos –, this work is limited to a more current view of the totemic myth associated with capitalism. Capitalism has a symbolic system similar to the totemism of tribal society, by elaborating a classification system that organizes differences and similarities between subjects and objects to be consumed in contemporary culture. If this requirement of capitalism, that is, the duty to consume, is not respected, the fear of not consuming and the feeling of exclusion from society, can direct the subject to a more extreme form of consumption: an impulse to consume too much, without desire and without knowing consciously why you do it. The acceleration of chronological time nowadays also puts the subject's psychic time into consumption. As the Ego is split, it is directed to the reality of living by immediacy, consuming time/money/body with objects and things directed beyond the principle of pleasure, going towards a great conflict between life drive and death drive.

Keywords: Totem and taboo, Capitalism, Compulsion, consuming time/money/body, Splitting of the ego, Acting out.


 

Embora tenha sido um dos textos de Freud ([1912-1913] 2012) mais lidos e criticados a respeito das suas ideias articulando antropologia, sociologia, psicologia e religião, Totem e tabu foi uma obra essencial para compreendermos o que o autor propunha dizer a respeito do mito totêmico em sintonia com o complexo de Édipo.

Para tanto, Freud comparou a psicologia dos povos primitivos com a psicologia dos neuróticos, o que não poderia ter sido feito por meio de um estudo restrito à clínica. Levando em consideração a forte relação existente entre o sujeito e o social, ou seja, a junção dos cerimoniais individuais com os cerimoniais coletivos, considera-se também que

[...] a história individual de cada sujeito não é mais do que a repetição da história da própria humanidade. (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 756).

Em vista disso, ainda que o ser humano tenha evoluído ao passar do estágio mágico para o estágio religioso e daí avançado para o nível científico, essa herança psíquica do simbolismo totêmico foi transmitida de geração em geração e continuou presente de forma atualizada na contemporaneidade.

Nas palavras de Freud ([1912-1913] 2012, p. 235):

Um evento como a eliminação do pai pelo bando de irmãos tinha que deixar traços indeléveis na história da humanidade e achar expressão em numerosos substitutos, tanto mais numerosos quanto menos ele mesmo era lembrado.

Como já se sabe, apesar de severo, o pai da horda primeva era quem ordenava, alimentava e protegia o grupo de filhos, bem como ditava leis morais para a vida em grupo ser, de certo modo, "civilizada". Matar e devorar esse pai gerou enorme culpa nos filhos. E para conseguirem lidar com esse sentimento de temor pelo ato praticado e pela culpa, transformaram a imagem do pai morto em um símbolo totêmico.

Independentemente dos momentos históricos e da revolução das espécies, a ontogênese repete a filogênese. Desse modo, resquícios do homem primitivo, mais antigos do que qualquer norma moral, religiosa e jurídica, foram atualizados ao longo do tempo e continuaram presentes no homem moderno.

Se o simbolismo do mito totêmico continuou presente até mesmo nos dias de hoje, gerando medo nos humanos, o que ele, de fato, nos representa? Antes de haver uma possível resposta a essa pergunta, cabe aqui tentar entender o significado de "totem", assim definido por Freud ([1912-1913] 2012, p. 19-20).

Via de regra é um animal, comestível, inofensivo ou perigoso, temido, e mais raramente uma planta ou força da natureza (chuva, água), que tem uma relação especial com todo o clã. O totem é, em primeiro lugar, o ancestral comum do clã, mas também seu espírito protetor e auxiliar, que lhe envia oráculos, e, mesmo quando é perigoso para outros, conhece e poupa os filhos.

O termo "totem" ou "totéme" deriva da palavra "odoodem" (origem da tribo de índios norte-americanos que falam algonquino) e significa "brasão", "armas" ou "marca" de uma família, isto é, um

[...] animal, planta, objeto ou fenômeno natural que serve de símbolo sagrado de certas tribos ou clãs a que se julgam ligados de modo específico e considerado seu ancestral ou divindade protetora [de uma coletividade]. (TÓTEM, 2021, on-line).

No que tange à palavra "cultuar", cujo sinônimo é "venerar", ou seja, prestar culto a algo sagrado, remete à palavra "cultura", que significa conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos socialmente, caracterizando um grupo social.

Portanto, se um indivíduo não consegue cultuar, venerar, pelo menos uma parte desse conjunto de hábitos, ele será visto como estranho, diferente, sem relação de parentesco, de pertencimento e, por isso, não será, capaz de dialogar e se reunir em sociedade, uma vez que perderá o seu lugar no banquete totêmico.

Já a palavra "tabu", significa uma "ação, objeto, pessoa e/ou lugar proibidos por uma lei ou cultura", isto é, uma "proibição que leva alguém a não fazer alguma coisa por medo de castigo divino ou sobrenatural". (TABU, 2020, on-line).

Segundo Freud ([1912-1913] 2012, p. 43), o tabu é "o mais antigo código de leis não escritas pela humanidade", já existente bem antes dos deuses e de qualquer religião.

Por conseguinte, podemos considerar que o capitalismo está totalmente associado a todo esse registro de código de leis do tabu, o qual foi evoluindo em formato de leis sociais, concomitantemente à evolução da espécie humana, capazes de ordenar a moralidade em grupo.

 

O mito do totem nos dias de hoje chamado capitalismo e suas derivações

Freud ([1912-1913] 2012, p. 216) já havia considerado

[...] como organização primitiva, que ainda hoje vigora em determinadas tribos, são bandos de machos, compostos de membros com direitos iguais e sujeitos às restrições do sistema totêmico, inclusive a herança por linha materna.

Ainda que essa organização primitiva de "bando de machos" (e suas derivações, como o machismo, a misoginia, o feminicídio, a homofobia, o genocídio, o generocídio, etc.) continue presente no mundo moderno, o capitalismo também nos exige que façamos parte de um bando, só que de consumidores.

Caso alguma dessas leis básicas que ordenam a sociedade moderna-industrial-capitalista – o ato ou efeito de consumir pelo sistema de troca consumir-receber – não seja cumprida, os sujeitos estarão de fora do mundo globalizado. Ou seja, quando essa exigência própria do capitalismo não é respeitada, o temor de ser excluídos do social pode direcionar os sujeitos a um formato mais extremista do capitalismo – o consumismo –, aquele impulso de consumir demasiadamente, sem necessidade, sem desejo e sem saber conscientemente por que o faz.

Ainda que o sujeito, em algum momento, se arrependa de ter praticado esse ato compulsivo, algo próximo do sentimento de culpa, essa compulsão é

[...] sentida como uma força interior que quebra a vontade, levando o sujeito envolvido a dizer "é mais forte do que eu". (POMMEREAU, 2012, p. 31).

O que chamamos de "linguagem do consumo", própria do "bando de consumistas", cabe destacar, corresponde não unicamente a gastar dinheiro comprando objetos e coisas, mas também a gastar tempo e energias psicofísicas com tantas informações penetrando no sujeito. O dever de não estar de fora deste mundo globalizado coloca sob pressão o funcionamento do seu aparelho psíquico, deixando-o sempre em estado de alerta para que o seu tempo psíquico possa acompanhar o acelerado tempo moderno.

Vivemos atualmente no período da Quarta Revolução Industrial (considerada por Klaus Schwab [1938-] como Indústria 4.0), cuja principal característica é a modernização da indústria com o uso de tecnologias avançadas de eletrônica e informática. Esses avanços técnico-científicos mudaram tanto as formas de produtividade industrial, os meios de comunicação quanto as relações sociais.

Através da globalização, o distanciamento entre culturas, línguas e tradições foi reduzido tanto no espaço geográfico quanto no tempo de comunicação. Recebemos em curto espaço de tempo muitas informações pelos meios de comunicação de massa, algo que também gerou novas modalidades de subjetivação e novos sintomas sociais.

Os vínculos interpessoais parecem também estar à deriva dessas novas tecnologias de informação, as quais direcionam o sujeito a uma infinita busca de informações, de entretenimento, de "curtidas" e de diversas formas de exposição nas redes sociais. Aquilo que grande parte dos sujeitos contemporâneos mais procuram, ao acessar o Facebook, o Instagran, o Twiter, o TikTok ou qualquer outra rede social onde possam receber visualizações, curtidas, etc., é receber alguma aprovação vinda do mundo de fora, para não se sentirem desamparados e excluídos do social.

Essa necessidade dos Egos de esvaziar o sentimento de desamparo, de abandono gera, contraditoriamente, uma superficialidade nas relações sociais, algo próprio deste "mundo líquido moderno". (BAUMAN, 2007). Ainda mais que essa intensa procura nem sempre é para receber um amor vindo de fora, mas reparar uma angústia narcísica vinda de dentro.

Pelo visto, os sujeitos estão ordenados a respeitar um princípio cujo objetivo está para além da realização do prazer e evitar o desprazer, uma direção a um princípio de realidade em ritmo acelerado. Ao receber tantas informações pelos meios de comunicação de massa, os sujeitos ficam direcionados à realidade de viver pelo imediatismo, consumindo tempo/dinheiro/corpo com objetos2 e coisas3 que os direcionam a um enorme conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte.

Levando-se em conta que a quantidade do consumo está acima da qualidade do que consumir, o que tem dominado o sujeito nos dias de hoje? Seus desejos, suas necessidades, suas pulsões ou uma pressão social que o coloca na obrigação de dialogar por essa "linguagem consumista" e exibir poder de consumo?

O consumismo seria um jogo mágico, um sistema simbólico capaz de articular as coisas e os seres humanos, exatamente como o

[...] totemismo na sociedade tribal, por ser um lugar de constante produção do sentido torna-se uma poderosa fonte de organização das diferenças na cultura contemporânea. (ROCHA, 2000, p. 25).

Ou algo próximo ao que Lévi-Strauss (1970, 1975) considerou como "sistema de classificação totêmica".

É neste jogo mágico, envolvendo confecção de mitos e prática de rituais, que acontece o consumo, lugar privilegiado para um exercício permanente de classificação que, ao estilo de um sistema totêmico, fornece os valores e as categorias através das quais concebemos diferenças e semelhanças entre objetos e seres humanos. (ROCHA, 2000, p. 36).

Em tempos arcaicos, o ato de sociabilidade estava ligado ao sacrifício, também chamado de "ato sagrado por excelência". O ato sagrado de comer e beber em conjunto era o que governava o vínculo social e as trocas reciprocas. Os rituais coletivos e as religiões ensinavam o ser humano a aprender a sacrificar suas pulsões para, assim, tornar-se capaz de passar do estado de natureza para o estado de cultura. Hoje em dia, há que se sacrificar indo – seja fisicamente, seja virtualmente – a uma loja, a um shopping, a uma farmácia, às redes sociais, etc. e seja capaz de praticar o ato compulsivo de consumir. Não importa se isso corresponda ou não a um desejo, mas a uma prática sacrificial de capturar um objeto que antecede qualquer desejo. Não podemos estar de fora dessa lógica do consumo, pois "ser consumidor hoje é ser cidadão". (CANCLINI, 1995 citado por PERISSÉ, 2018).

Em sua época, Benjamin (2013, p. 21) considerou que o capitalismo deveria ser visto como uma religião, já que estaria

[...] essencialmente a serviço da resolução das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta.

O banquete totêmico consumista, de fato, costuma oferecer mercadorias capazes de fazer o sujeito devorar-consumir essa farta refeição, como tentativa de conseguir se apropriar e incorporar toda aquela poderosa força pertencente ao grandioso e tirano pai chamado capitalismo.

Porém, se antes mesmo do capitalismo originário pré-industrial, as religiões serviam para realizar encontros, rituais e comunicações em grupo, o capitalismo, segundo Han (2020a), não age exatamente como uma religião.

Nos centros comerciais, vence uma atenção particular do sujeito a uma erotização mais individualista, colocando o Ego no centro de prazer, o que, por outro lado, direciona o sujeito a um vazio existencial, à solidão e ao isolamento. (HAN, 2020a).

Quase um século atrás, em Inibição, sintoma e angústia, Freud ([1926] 2014) já havia considerado que todo aquele acúmulo de excitação provocado nos sujeitos pode gerar também sentimentos de desamparo, perturbação e abandono:

O Ego se sente desamparado, atordoado e abandonado a sua sorte diante de um aluvião de excitações demasiado poderosas para que os processos mentais do Ego possam-nas manejar. (FREUD, 1926 citado por Zimerman, 2001, p. 102).

Se já era difícil acompanhar esse aluvião de excitações no período da Segunda Revolução Industrial, em que Freud vivia, imagine-se neste nosso mundo moderno, também considerado por Lipovetsky (2005) como "hipermoderno".

Hoje em dia é praticamente impossível o sujeito ter a capacidade de memorizar tantas informações, conseguir acompanhar as exigências sociais e todos aqueles fatos que acontecem aceleradamente neste mundo globalizado. É como se uma situação traumática do desamparo antecedesse a situação de perigo.

Uma das ofertas contemporâneas para os sujeitos preencherem superficialmente seu vazio de identificação4 é estar sempre felizes, algo que podemos notar nas técnicas de coaching e nos diversos livros de autoajuda oferecidos em larga escala.

Outra oferta para se obter efeitos rápidos são medicamentos capazes de atenuar os sintomas e os medos dos sujeitos (em muitos casos hipocondríacos) de adoecer e estar iminentes à morte. A indústria farmacêutica, simbioticamente ligada à medicina, costuma inventar sintomas para poder "amenizá-los" ou "curá-los" com suas poderosas magias medicamentosas.

Para que gastar tempo no processo de terapia se existem livros e mecanismos superficiais, oferecendo aos sujeitos possibilidades de aliviar, em curto espaço de tempo, todo aquele sentimento de solidão, de abandono, de fracasso, de perda, de frustração, de culpa, enfim, qualquer sentimento relacionado à falta e à sensação de medo?

Agora, se não há um remédio capaz de apaziguar um sintoma, curar uma doença ou apenas aquietar o sentimento de desamparo, por que não ir a uma igreja, a um templo, enfim, a algum espaço sagrado, cujo viés religioso ou espiritual é capaz de ajudar os sujeitos a alcançar uma "sensação de "eternidade", um "sentimento "oceânico"?5

Embora essa sensação de eternidade seja uma saída bastante ilusória para o sujeito conseguir enfrentar os desafios da vida – algo a que a ciência até hoje não conseguiu responder completamente –, ela, pelo menos, permite haver um espaço de congregação através do qual o sujeito se torne capaz de se esquecer de si, de seu Ego e experimente "uma bela sensação de comunidade". (HAN, 2020b).

O problema é quando o objetivo originário de uma religião muda para um culto capitalista egocentrado, brevemente significando "dê moedas, e você será o mais amado por Deus... pelos seus profetas Jesus, Jeová, Maomé... pelas divindades", etc.

Esse caminho pode direcionar o sujeito a um princípio bastante primitivo, anterior ao princípio de prazer/desprazer do ser humano: torná-lo capaz de abandonar "a pressão de forças perturbadoras externas", resgatar "a expressão da inércia inerente à vida orgânica" e "restaurar um estado anterior de coisas". (FREUD, 1920 citado por PORTE, 2005), isto é, o estado inorgânico.

Essa seria uma tentativa de levar o sujeito à possibilidade de extinguir ao máximo qualquer desejo, tornando-o capaz de alcançar o estado de plenitude e de felicidade.

Se em tempos remotos era o medo de contato [délire de toucher] que fazia o neurótico reprimir o contato direto ou metafórico com o objeto proibido, hoje em dia, é o medo/fobia de não consumir, de não entrar em contato com todos os objetos que são oferecidos, que é proibido, que é considerado um tabu.

As exigências externas obrigam o sujeito a alcançar um status social, um sucesso profissional, um lugar ao Sol frente a este mundo capitalista, cujo sistema totêmico simbólico está totalmente voltado para a produção e o consumo de imagens e mercadorias.

Todas essas mercadorias, esses assuntos e essas informações oferecidas pelo sistema de marketing, publicidade e propaganda oferecem meios mágicos, sagrados, com os quais não há como o indivíduo deixar de entrar em contato, de tocar, de ser contagiado e de contagiar. No nosso mundo contemporâneo, não ser um sujeito consumidor equivale a uma incapacidade psíquica e de socialização nessa cultura do narcisismo, também chamada, segundo Lipovesky, (2005) de cultura do individualismo de uma "era do vazio".

Seguindo uma visão ontológica de que "somos seres vivos antes de sermos seres humanos, sociais e culturais" (FONSECA, 2018, p. 19), considera-se que todo ser humano é nada mais que um ser "biologicamente social", conforme declarou Wallon (1968, 1971).6

Elias ([1984] 1998, p. 19), por sua vez, demonstrou que

[...] todo homem pressupõe outras condutas antes dele. Uma criança só se torna um ser humano ao se integrar num grupo.

Ou seja, enquanto, de início, o infante é um indivíduo totalmente dependente, passível de algo ou de alguém, é mais do que necessário haver uma intervenção cultural para ele ser capaz de

[...] aprender uma língua já existente, ou [...] assimilar as regras de controle das pulsões e dos afetos que são próprias de uma civilização. (ELIAS, [1984] 1998, p. 19).

É a partir daí que esse novo ser desenvolverá sua subjetividade e se tornará capaz de ser alguém no espaço cultural. Todavia, essa "intervenção cultural", cabe destacar, já começa em casa, na relação precoce do bebê/criança com sua família.

A respeito disso, Campbell ([1992] 2015, p. 7) – com o pensamento bastante similar ao de Winnicott (conforme veremos na seção seguinte deste artigo) – foi mais direto ao dizer que:

Uma mulher com seu filhinho é a imagem básica da mitologia. A primeira experiência de qualquer indivíduo é a do corpo da mãe. E o que Le Debleu denominou participation mystique, participação mística entre a mãe e o filho e entre o filho e a mãe, constitui a derradeira terra feliz.

Mas quando as sociedades evoluem a tal ponto de afetar negativamente a condição primeva inicial, isto é, a "participation mystique entre a mãe e o filho e entre o filho e a mãe", será improvável o sujeito conseguir manter uma " participation mystique com a sociedade". (CAMPBELL, [1992] 2015, p. 7).

Melhor dizendo, quando o sujeito não se torna capaz de manter uma participação mística com a sociedade, ele também não saberá lidar com a castração, com a frustração, não aceitará a derrota, a perda do objeto, assim como não conseguirá, ao longo do tempo, aprender a lidar com o narcisismo das pequenas diferenças.7

 

A família e o sujeito

A imagem representativa do Superego dos pais também se modificou nos tempos de hoje.

A esse respeito, Laplanche e Pontalis (2008, p. 499) citam Freud (1932):

O Superego da criança não se forma à imagem dos pais, mas sim à imagem do Superego deles; enche-se do mesmo conteúdo, torna-se o representante da tradição, de todos os juízos de valor que subsistem assim através das gerações.

É o que temos notado na família nuclear, que sofreu alterações com esses avanços técnico-científicos e culturais; os antigos papéis ocupados por cada membro da família não se apresentam da mesma forma nos dias de hoje (em comparação à época dos casos clássicos expostos por Freud e seus discípulos).

O conceito de família, não se restringe mais ao triângulo amoroso pai-mãe-filho. Ao longo do tempo, com as mudanças da estrutura familiar, as falhas nos vínculos afetivos primordiais, as crianças sendo mal acolhidas (FERENCZI, [1929] 2011), bem como as maiores confusões de língua existentes entre os adultos e as crianças (FERENCZI, [1933] 2011), todo aquele antigo triângulo edípico foi sendo alterado por incontáveis conflitos edipianos.

À vista disso,

[...] a clássica função de continente que a família exerce em relação aos bebês e filhos menores, tende a ficar severamente perturbada, com os imagináveis traumas precoces. (ZIMERMAN, [2004] 2008, p. 19, grifo do autor).

Essa abundância de mercadorias, serviços, imagens, rótulos, estetizações, etc. são oferecidos e transmitidos antes do nascimento do sujeito visto que ele precisa, o quanto antes, se preparar para ser feliz, realizado, idealizado e fugir, ao máximo, do sentimento de frustração!

Com as exigências externas tentando rotular e definir o que essa majestade chamada bebê deverá ser antes mesmo de nascer – se será menino ou menina (mas não levando em conta que a orientação sexual e a identidade de gênero não nascem prontas), além do que deverá ser profissionalmente no futuro –, ele não conseguirá, ao longo do seu processo de desenvolvimento, passar positivamente do estágio do autoerotismo para o estágio do narcisismo e, então, eleger um objeto externo como objeto de amor. Essa transição do autoerotismo para uma escolha objetal é essencial para que o indivíduo aprenda a conviver com o que é diferente dele e, assim, desenvolva a sua capacidade de amar.

Desde os acréscimos feitos por Freud em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905, (ao falar dos invertidos,8 que tomam "a si mesmos como objetos sexuais"), o ensaio sobre Leonardo da Vinci, de 1910, e o estudo do caso Schreber, de 1911, o termo "narcisismo" apareceu mais vezes em seus escritos. (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 530-531).

Em Totem e tabu, Freud ([1912-1913] 2013, p. 141) declarou que o narcisismo não se restringe aos invertidos nem aos casos de paranoia:

[...] a organização narcísica jamais será abandonada inteiramente. O ser humano continua narcísico em certa medida, mesmo depois de encontrar objetos externos para sua libido [...].

Mas foi em Introdução ao narcisismo que o conceito de narcisismo apareceu mais detalhadamente, quando Freud (1914) diferenciou narcisismo primário de narcisismo secundário.

Em Pulsões e destino das pulsões, Freud (1915) citado por Quinodoz (2007, p. 157) considerou que, na fase autoerótica do desenvolvimento infantil,

[...] o amor é narcísico, pois ele se estende aos objetos que foram incorporados9 ao Ego ampliado, e expressa a tendência motriz do Ego a esses objetos na medida em que eles são fontes de prazer.

Antes de o sentimento de amor se desenvolver no sujeito, a relação que ocorre com o objeto é de ódio. A composição do psiquismo, iniciando na fase oral, passa por três momentos de estruturação do Ego: Ego real primitivo, Ego do prazer purificado e Ego real definitivo.

Após o bebê passar pelas fases que antecedem o amor, incorporando ou devorando o objeto parcial,10 sem que haja nele a consciência se o sentimento é de amor ou de ódio, inicia a fase pré-genital sádica anal e depois a fase anal.11

Todavia, é somente "com a organização genital que o amor se tornou o oposto do ódio" (QUINODOZ, 2007, p. 157), isto é, a ambivalência entre o amor e o ódio fica mais estabelecida no sujeito e, desse modo, o objeto total, ao unir os objetos bons (gratificantes) e os objetos maus (frustrantes), é tido como um único objeto. (KLEIN, 1935).

Quando acontece na criança, mesmo havendo presença do objeto, o sentimento de perda do amor "converte-se assim num perigo maior e numa fonte de ansiedade" (SÉDAT, 2005, p. 95-96) e um engendramento do sentimento de culpa. Vale lembrar que não significa que o mau seja mau, e sim uma ameaça de fazer a criança perder o que é bom, daquilo que é dependente.

[...] o mal é, portanto, no começo, aquilo por que se está ameaçado de perda de amor. (FREUD, 1930 citado por Sédat , 2005, p. 95-96).

Agora, mesmo após o desenvolvimento do sentimento de amor, o ódio pode reaparecer quando acontece uma ruptura da relação amorosa, ou seja, quando

[...] temos então a impressão de ver o amor se transformar em ódio. (FREUD, 1915 citado por Quinodoz , 2007, p. 158).

É essa angústia originada pela perda do amor que pode gerar o sentimento de culpa (o que também pode ser repressão do ódio) e uma má consciência. (SÉDAT, 2005). O amor só pode ser capaz de ultrapassar o ódio à medida que ocorre no sujeito o desenvolvimento total do Ego, e este esteja em sintonia com o Id e com o Superego.

Moore e Fine (1992, p. 58) têm uma boa explicação sobre o desenvolvimento do Ego.

O bebê recém-nascido existe em um estado psíquico indiferenciado, do qual o Ego evolui gradualmente. A resultante matriz Ego-Id baseia-se em fatores constitucionais [...] e em experiências em relação a objetos no mundo que a circunda. O Ego ocupa uma posição entre os instintos primevos, baseados em necessidades fisiológicas, e as experiências do mundo externo; como representante psíquico internalizado de ambos, ele serve como intermediário entre o indivíduo e a realidade externa. Percebe as necessidades físicas e psíquicas do self e as qualidades e as atitudes do meio ambiente (inclusive objetos) e avalia, coordena e integra essas percepções, de maneira que as exigências internas possam ser ajustadas aos requisitos externos; finalmente, traz alívio às tensões e desejos pulsionais mediante uma descarga que envolve seja uma redução na intensidade das pulsões taming (NR), seja uma modificação da situação externa. A importante missão do Ego é alcançar uma gratificação ótima das contendas instintivas, ao tempo em que mantém boas relações com o mundo externo e com o super Ego [...]. Para essa missão, dispositivos protetores têm de estar disponíveis para reduzir estímulos excessivamente fortes, quer internos, quer externos. Fisiologicamente, os órgãos dos sentidos estão equipados para receber apenas certos estímulos e ignorar ou reduzir a intensidade de outros. Isto é sobremaneira importante na primeira infância, quando muitas defesas ainda não se desenvolveram suficientemente.

No texto O Ego e o Id, Freud (1923) citado por Fontes (2011, p. 85) já havia considerado que "o Ego é antes de tudo um Ego corporal"; é o Ego corporal que "[...] contém os elementos corporais ensinando ao Ego psíquico a conter sentimentos e pensamentos".

O Ego12 deriva, em primeiro lugar, "das sensações corporais, principalmente daquelas oriundas da superfície do corpo", e que, além de ser considerado "uma projeção mental da superfície do corpo", representa "as superfícies do aparelho psíquico." (FREUD, 1923). Portanto, a imagem que cada indivíduo tem de seu próprio corpo, nada mais é do que uma representação mental desenvolvida no seu psiquismo.

A respeito disso, Winnicott deu muita importância aos aspectos primitivos do desenvolvimento emocional do sujeito, algo totalmente relacionado às funções corporais e ao ambiente afetivo mãe-bebê.

Segundo Winnicott (1965, 1975), ao longo do desenvolvimento emocional do indivíduo, para haver uma representação mental a ser desenvolvida no seu psiquismo, o precursor do espelho13 é o rosto da mãe.

O primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe, sobretudo o seu olhar. Ao olhar-se no espelho do rosto materno, o bebê vê-se a si mesmo. [...] Quando olho, sou visto, logo existo. Posso agora me permitir olhar e ver. (WINNICOTT, 1975 citado por ZIMERMAN, [2001] 2009, p. 128).

O ambiente afetivo é um fator determinante no desenvolvimento das pulsões de todo ser humano, logo o toque acolhedor vindo dos cuidados maternos é extremamente útil nessa fase iniciante da vida.

Como o self, considerado uma "imagem de si mesmo", ele é

[...] composto de estruturas entre as quais consta não somente o Ego, mas também o Id, o Superego e, inclusive, a imagem do corpo, ou seja, a personalidade total [de cada sujeito]. (ZIMERMAN, 2008, p. 376).

Antes de desenvolver o seu próprio Ego e conseguir ter uma consciência de si aliada a um corpo de si e, a partir daí, desenvolver uma imagem de si mesmo (self), o sujeito precisa conseguir se desvencilhar da simbiose que tem com esse corpo materno que o alimenta.

Mas para que as funções do Ego psíquico sejam bem desenvolvidas no ser iniciante e ele consiga se adaptar à realidade exterior, reiteramos que isso depende não apenas da mãe, mas também do equilíbrio entre as instâncias psíquicas de seus pais e do ambiente afetivo que o recebe.

As funções do Ego são inúmeras e poucos indivíduos aprendem a exercê-las todas com eficácia. Alguns indivíduos funcionam muito mal em certas áreas e com sucesso notável em outras (o executivo bem-sucedido, enérgico e ambicioso que não pode atender às exigências da paternidade; o erudito dedicado e brilhante que apresenta a mais ridícula inépcia nos assuntos cotidianos). Existem, além disso, indivíduos cujos Egos perturbados permitem-lhes alcançar um sucesso evidente (o paranoico fanático capaz de influenciar milhões de pessoas com o ardor de suas convicções delirantes). A adaptação à realidade, que é a função de mais realce do Ego, pode assumir em verdade estranhas formas e, portanto, o Ego tem de ser avaliado em termos de suas funções específicas, não como uma totalidade. (MOORE; FINE, 1992, p. 59).

Como vimos, a organização narcísica é normal, em certa medida, para proteger o psiquismo do sujeito ao longo da vida. Mas quando esse investimento da libido sobre o Ego ultrapassa a normalidade, ele estará fixado num estágio primitivo do desenvolvimento infantil. Nesse período, a fase evolutiva de uma simbiose fisiológica para uma simbiose afetiva não pôde ser rompida com naturalidade para que a criança desenvolvesse a sua individualidade e a sua autonomia. (WALLON, 1970 citado por FONSECA, 2008).

Esse enfraquecimento do Ego na capacidade de exercer suas funções com eficácia, de saber lidar com a castração, de recalcar as pulsões egoístas do Id, e, para tal, conseguir sublimar a sua libido, tornando-se capaz de desenvolver a sua psicomotricidade, a sua psique e a sua criatividade, é o que notamos nas psicopatologias atuais, grande parte delas voltada para a cultura do narcisismo, nos diversos tipos de dependência, nas perversões sexuais,14 nas crises de identidade, nos casos-limite, etc.

 

"Compulsando" (compensando) as faltas não desejantes

Vivemos o tempo dos objetos: [...] existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente. Actualmente, somos nós que os vemos nascer, produzir-se e morrer, ao passo que em todas as civilizações anteriores eram os objectos, instrumentos ou monumentos perenes que sobreviviam às gerações humanas. (BOUDRILLARD, 1995, p. 15-16).

Seria possível neste mundo capitalista e turbulento o sujeito conseguir compensar o que lhe falta e fugir do que lhe excede? Se, na época primitiva do violento pai da horda primeva, a resposta frente às ameaças físicas era também física para o indivíduo conseguir lutar ou fugir pela sobrevivência, no nosso mundo hipermoderno, a resposta frente à quantidade de choques/estímulos que ameaçam o sujeito a lutar ou fugir da situação geradora de angústia, acontece não apenas de modo físico, no sentido literal, mas também de modo psicofisiológico.

A aceleração do tempo cronológico nos dias de hoje coloca o tempo psíquico do sujeito sempre em estado de alerta/medo para tentar acompanhar as ameaças deste acelerado tempo moderno.

A submissão a todas essas ofertas externas – grande parte delas voltadas para a busca de prazer, sucesso, poder, felicidade, por meio de mercadorias, bens, serviços, rótulos, imagens, modelos de vida, etc. – impulsiona o sujeito a viver apenas no presente, no agora, no imediato, o que também impede o seu tempo psíquico de memorizar o passado e planejar o futuro.

Por causa deste mundo acelerado, cujas ideias são difíceis de acompanhar e memorizar, e dessa fragilidade psíquica em relação ao tempo de conseguir ligar o afeto15

a alguma ideia, a redução da tensão do acúmulo de excitação pulsional tem acontecido de forma radical no aparelho psíquico do sujeito moderno.

Ao que parece, os sujeitos ficam nessa compulsão consumista na tentativa de encontrar objetos externos que possam representar seu Ego e consigam, mesmo que de forma ilusória, desenvolver uma identidade, uma marca, no ambiente social.

Antigamente havia uma identificação com o animal totêmico, representando simbolicamente o pai, (conforme disposto em Totem e tabu, o caso do Pequeno Hans e do Pequeno Homem-Galo), a mãe ou outras instâncias.

Mas hoje em dia, a identificação que os sujeitos têm buscado é com os "objetos totêmicos" a serem consumidos e incorporados . Porém, esses objetos totêmicos são consumidos sem que haja necessariamente qualquer desejo, já que grande parte dos sujeitos atuais são "quase não desejantes". (PERISSÉ, 2018, p. 28).

O que realmente eles têm procurado realizar é se "objetificar">,16 isto é, assumir a natureza de um objeto material, uma coisa valorizada pelo consumo, mas não se tornarem sujeitos com os seus próprios desejos. Por conseguinte, não havendo tempo de ser desenvolvida no sujeito uma elaboração psíquica bem trabalhada para ele ser capaz de desenvolver um potencial criativo perante a realidade, ele poderá se tornar um sujeito ausente de um verdadeiro self, isto é, aquele com um falso self,17 que vive apenas reagindo. (WINNICOTT, 1960).

Entretanto, era decisivo na formação dos sintomas dos neuróticos clássicos uma "realidade do pensar, não a do viver". (FREUD, [1912-1913] 2013, p. 137). Nos casos mais atuais, fica decisiva uma realidade de viver reagindo, mas nem sempre uma realidade de pensar antecipadamente como viver e reagir.

Se o Ego do sujeito estiver fragilizado para conseguir se defender de todos esses choques/estímulos externos e se duvidar para escolher, embora a angústia lhe traga algum sinal de perigo, sua capacidade de assimilar simbolicamente ficará limitada. Essa reação também pode proporcionar uma paralisação no mundinho interno do sujeito.18

Em outras palavras, essa submissão a um gozo impossível de ser alcançado faz o sujeito preferir se fixar num

[...] gozo autoerótico, autístico, uma vez que se trata de um modo de gozar que tenta prescindir do Outro. (PERISSÉ, 2018, p. 31).

Segundo Klein (1930) citada por Chemama (1995, p. 208), o simbolismo

[...] constitui a base de toda sublimação e de todo talento, pois é por meio da assimilação simbólica que as coisas, as atividades e os interesses se tornam os temas dos fantasmas libidinais.

Logo, quando não é desenvolvida no sujeito uma assimilação simbólica – como possibilidade de reparar uma fantasia sádica de autodestruição, angústia de aniquilamento (desintegração), medo de ser atacado, extinto ou destruído (pulsão de morte) –, isto é, uma capacidade de sublimar a libido sexual e desenvolver mecanismos de defesa mais elaborados, ele continuará agindo por atos compulsivos e repetitivos.

Desde Inibição, sintoma e angústia, Freud ([1926] 2014) já havia declarado que a angústia não pode mais ser considerada uma consequência do recalque, mas o contrário: é o fracasso no processo de recalcamento do Ego, a sede geradora do estado afetivo de angústia, representado pelo temor à separação e à perda do objeto.

Considere-se que o fenômeno da compulsão à repetição, enquanto um fracasso do recalque para elaboração psíquica não é novo; o novo é como esses atos obsessivos estão sendo movidos atualmente.

Reconhecendo que "qualquer sintoma, enquanto produto do conflito defensivo, é formação de compromisso" (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008, p. 203) entre a satisfação pulsional e as exigências defensivas, ele também serve como mediador entre os desejos inconscientes, as exigências e as permissões externas, ou seja, as possibilidades reais utilizadas pelo Ego para satisfazer um desejo.

É através da formação de compromisso que o desejo inconsciente (deformado pela censura) e as exigências defensivas são simultaneamente satisfeitos. (TENENBAUM, 2021, on-line).

Mas a formação de compromisso serve como possibilidade de o desejo encontrar satisfação e, a partir daí

[...] o sintoma [aparecer] sobretudo como formação substitutiva; inversamente, nas formações reativas é o processo defensivo que predomina. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008, p. 203). [e não o desejo].

Tendo em vista que os processos do sistema inconsciente são atemporais – já que não são "ordenados temporalmente", não são "alterados pela passagem do tempo" e não têm "relação nenhuma com o tempo" (FREUD, [1915] 2010, p. 128) –, quando o Ego não consegue produzir o efeito do recalque, não é preciso aguardar que retorne do inconsciente o que já está livremente exposto.

A antiga fórmula do retorno do recalcado por meio de disfarces, como sintomas, sonhos, lapsos, atos falhos, etc., não tem aparecido com frequência nos tempos modernos: os atos e os pensamentos penosos, quando não há disfarce, podem aparecer a qualquer momento ou em qualquer situação que os estimule.

Se o Ego do sujeito estiver fragilizado frente às exigências do mundo externo, e não receber auxílio de uma parte boa do Superego,19 ele não se tornará capaz de controlar as leis do processo primário, inconscientes, cujos impulsos são mais fortes do que a consciência.

O Superego do sujeito atual, grande parte aliado à pulsão de morte – conduzindo o sujeito a uma redução quase completa das tensões pela fuga do sentimento de desprazer –, ordena que o sujeito abdique de seu desejo e aja pelo dever de seguir o ato compulsivo de consumir tempo/dinheiro/corpo.

Embora essa compulsão seja uma forma de descarga rápida, de alívio imediato, e por não haver uma representação simbólica, ela tem pouca durabilidade e precisa sempre ser refeita.

Essa busca fracassada do Ego em negar/recusar as exigências do Superego gera um conflito entre ele e o mundo externo. Por conseguinte, não havendo nos sujeitos um mecanismo de recalque positivo e um Superego estável/auxiliar no processo de desenvolvimento positivo do Ego, também não haverá uma elaboração psíquica capaz de equilibrar simbolicamente o conflito entre as pulsões e os mecanismos de defesa: os sujeitos hipermodernos estarão com o Ego sempre vivendo em sinal de perigo.

Como o sujeito se deixa levar pelo automatismo de consumir tempo/dinheiro/corpo e o Ego está sempre em estado de alerta, não haverá muito tempo de acontecer o

[...] fenômeno psíquico da dúvida, como expressão de um pendor à repressão. (FREUD, [1912-1913], 2013, p. 135).

Todo esse imediatismo frente ao sinal de perigo tem prejudicado a capacidade do Ego em preservar a sua integridade pela censura diante dos atos considerados proibidos: os atos é que antecederão os pensamentos.

Além de haver uma dificuldade do sujeito em conseguir desenvolver sua capacidade intelectual madura, seu potencial criativo, sua expressão espontânea (verdadeiro self), sua autonomia e sua subjetividade, seu mecanismo de fuga frente à angústia será o escoamento da libido e a redução da tensão. Não necessariamente uma realidade de pensar antecipadamente como viver e reagir, apenas uma faculdade de viver-reagindo-sem-desejo. Isso pode levar o sujeito a permanecer fixado numa busca infinita de encontrar modelos e objetos identificatórios no self-outro. (MOORE; FINE, 1992, p. 224).

A partir do momento em que a relação mútua entre o somático e o psíquico não é bem desenvolvida no sujeito para a constituição do seu self, a sua libido pode retornar ao Id, potencializar o Superego ou invadir o Ego: são outros mecanismos de defesa que costumam aparecer, tais como a cisão20 do Ego e/ou a cisão do Superego.

 

As defesas psíquicas hipermodernas

Na medida em que a pulsão sexual se situa no limite psicossomático, a libido designa o seu aspecto psíquico; é a "manifestação dinâmica na vida psíquica da pulsão sexual". [...] uma insuficiência de "libido psíquica" provoca a permanência de tensão no plano somático, onde se traduz sem elaboração psíquica em sintomas. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008, p. 266).

Se naqueles casos clássicos de neurose obsessiva, tão estudados nos tempos de Freud, as inibições impediam o sujeito de ter uma passagem ao ato, já que havia neles um equilíbrio entre desejo e proibição,

[...] possibilidade de escolha e elaboração psíquica, nas compulsões contemporâneas, o intervalo de tempo para a existência de uma dúvida/escolha é eliminado; o caminho mais curto é a passagem ao ato. (PERISSÉ, 2018, p. 31).

Em vista disso, se nos antigos casos de neurose e psicoses clássicos havia sintomas fóbicos, obsessivos, conversões histéricas e delírios, nos casos de pacientes cindidos,

[...] duas ou mais partes de personalidade coexistem simultânea e independentemente, sem que haja entre elas qualquer conflito. (KAHTUNI; SANCHES, 2009, p. 90, grifo dos autores).

Apesar de serem considerados sujeitos assintomáticos, já que não há neles uma formação de compromisso com elaboração psíquica, surgem outros tipos de sintomas nos sujeitos cindidos:

[...] o sentimento de vazio, o sentimento de desamparo, tédio, distorções da autoimagem, sintomas alimentares, depressão, déficit do juízo crítico, ansiedade difusa, sintomas psicossomáticos; acting out, etc. (KAHTUNI; SANCHES, 2009, p. 90, grifo dos autores).

Fica claro nessas manifestações clínicas da clivagem do Ego o acontecimento de choques psíquicos, próximos de "uma ‘cicatriz' que evidencia uma história de trauma" (KAHTUNI; SANCHES, 2009, p. 90, grifo nosso).

Quando são excitatórios demais, os objetos externos podem causar efeito traumatogênico na criança (FERENCZI, 1931) e ser agentes causadores da clivagem do Ego.

Nesse tipo de estrutura não neurótica (GREEN, 2008) com falha no processo de simbolização e constituição do Ego, o Ego fica dividido entre os impulsos do mundo interno (pulsão) e os objetos do mundo externo.21 Ou seja, a clivagem do Ego não utiliza a formação de compromisso – uma solução encontrada para que o conteúdo reprimido tenha acesso à consciência – entre as duas atitudes mentais, a realidade interior e a realidade exterior:

As duas atitudes psíquicas coexistem ao mesmo tempo, uma levando em conta o aspecto da realidade em questão, enquanto que a outra o nega e coloca em seu lugar desejo relacionado com o aspecto da realidade em pauta. (TENENBAUM, 2021, on-line).

A clivagem é o resultado de um conflito mental inconsciente, em que o mecanismo da relação com o objeto externo se dá por este sendo considerado, simultaneamente, como objeto bom (idealizado) e um objeto mau (negado).

O uso deste processo em relação às representações do objeto é a base da idealização e serve como defesa contra a percepção dos impulsos destrutivos do objeto amado. (TENENBAUM, 2021, on-line).

Vale ressaltar que o trauma não é uma fantasia que se coloca no lugar de uma situação real, mas um evento real que pode originar um trauma psíquico no sujeito, dependendo da forma como esse choque impactou o seu psiquismo.

Mesmo que pareça estranho dizer isso, a autoclivagem do Ego funciona como um mecanismo de defesa psíquico ante o traumático. Ao fugir da faculdade do sentir e do desamparo, embora o sujeito esteja com a criatividade empobrecida para conseguir gerar uma formação simbólica através do sintoma, ele consegue se manter, de alguma forma, vivo e ativo.

Na ausência de uma figura protetora frente às falhas ambientais traumatogênicas, o sujeito acaba assumindo o papel daquele que lhe faltou, tornando-se um bebê sábio (FERENCZI, 1923), ou seja, aquele que passa a dar conta de si na falta de um terceiro.

Quando o sujeito fica numa tentativa repetitiva de dar conta da experiência traumática, a identificação com o agressor22 pode servir como uma saída ante a ameaça de cisão do Ego, ou ainda, de algo mais patológico, como atomização23 da vida psíquica. (FERENCZI, 1932 citado por KAHTUNI; SANCHES, 2009).

Se houver falhas na mentalização das fantasias, uma insuficiência da libido psíquica para a constituição da subjetividade e o sujeito não conseguir aprender a lidar com a experiência traumática – casos em que as ações do corpo e as ações cognitivas são afetadas negativamente –, o escoamento da energia parte para processos somáticos e diversos tipos de dependências.

Essas dependências relacionadas a tudo que alimenta o corpo do sujeito, seja "adições24

com droga", ou seja "adições sem droga", conforme declarou Fenichel (1945), correspondem a possíveis falhas ambientais ocorridas durante o seu processo de desenvolvimento. (POMMEREAU, 2012).

Algo que impediu acontecer um afastamento

[...] de um outro objeto, primário e constitutivo da satisfação das necessidades e dos desejos em jogo na relação precoce mãe-filho. (POMMEREAU, 2012, p. 32).

Winnicott ([1951] 1953) já havia considerado a adicção como uma regressão a uma fase precoce em que os fenômenos transicionais não estavam em questão. Além disso, considerou que, seja em fases anteriores, seja em fases posteriores ao período transicional, elas podem ser um gatilho na origem da adicção, em consonância com a escolha de um objeto-fetiche. (HUMBERG, 2014).

Caso o sujeito esteja prisioneiro dos apegos da primeira infância, a adolescência se tornará um campo fértil para dependências aditivas e não aditivas que marcarão sua vida adulta. São elas: a relação com o meio ambiente, os cuidados maternos, bem como a função de outras instâncias, sejam positivas, sejam negativas, as que determinarão se o sujeito será ele mesmo, tendo o seu verdadeiro self, expressão espontânea, ou se desenvolverá um falso self, um viver reativo, isto é, se ficará direcionado a um viver pelo imediatismo, seja consumindo seu tempo/dinheiro com objetos/coisas desnecessárias (algo natural neste mundo capitalista), seja consumindo seu tempo/dinheiro/corpo com objetos/coisas/atos para além do princípio de prazer, indo em direção à pulsão de morte: passagem ao ato, violência contra os outros ou agressividade contra si mesmo,25 adicções com droga, adicções sem droga, etc.

 

Fragmentos de um caso clínico

Tive uma paciente chamada Júlia,26 na época com 33 anos, que foi procurar terapia menos de um mês após a morte de sua mãe com câncer. Suas dificuldades em dormir a fizeram se "automedicar" (sic) com Alprazolam.

Embora não demonstrasse nenhum sentimento de luto pela perda da mãe – afeto desligado da ideia –, Júlia teve vários sonhos com a mãe, com o corpo que tinha antes de emagrecer extremamente por causa do câncer. Enfim, mais do que não querer perder a mãe, Júlia não queria perder o que a imagem especular daquele corpo representava para ela.

Júlia me dizia ter umas sensações internas estranhas, mas não sabia me explicar detalhadamente o que era. Parecia que estava na fronteira entre o Eu-pele e o Eu psíquico (ANZIEU, 1985) ou, quem sabe, uma regressão a um estado de angústia catastrófica (BION citado por ZIMERMAN, 2008; Tustin,27 1981), de não integração, de um medo do colapso (breackdown), de agonias impensáveis (WINNICOTT, 1974 citado por ZIMERMAN, 2008), já que não conseguia simbolizar os acontecimentos de sua vida.

Por achar que o seu corpo estava acima do peso que esperava estar, algo próximo da anorexia, sua prática em atividades físicas era bastante intensa. Durante a maioria das sessões, Júlia ficava numa comunicação primitiva (não verbal), cuja tendência antissocial (WINNICOTT citado por ZIMERMAN, 2008) sempre a deixava em silêncio, olhando para mim, esperando que eu lhe perguntasse algo. (Metaforicamente, era como se fosse preciso espremer uma esponja úmida para pingar gotas de fala).

Havia dias em que Júlia dizia: "Hoje não sai nada da minha mente". Outras vezes, embora fosse raro, Júlia falava: "Vim preparada para dizer um monte de coisas". Ao que parece, não era exatamente um efeito de repressão das representações em sua mente, de esquecimentos, etc., mas realmente de não perceber algumas questões de sua vida a serem trabalhadas simbolicamente.

Para compensar esse vazio existencial, uma falha representativa diante de seus estados emotivos (afeto), Júlia tinha atos compulsivos em comer doces. Por outro lado, ela também seguia umas dietas aleatórias para tentar controlar esse vício. Enfim, de que forma ela conseguiu realmente "controlar" esses vícios? Passou a tomar Rivotril para controlar a ansiedade e Bupropiona para controlar a sua compulsão alimentar em doces. Houve apenas um deslocamento dos vícios alimentares em doces para o vício em consumir medicamentos.

Júlia tinha uma falha no período transicional e precisava se sentir acolhida, amparada por um objeto-fetiche que foi substituído pela adicção sem droga e, depois, pela adicção com droga.

O self dessa paciente não era verdadeiro, era um self que vivia reagindo intensamente (self reativo) comprando remédios. Faz sentido ela ter procurado uma saída medicamentosa como tentativa de aliviar e controlar seus impulsos: seus pais, embora tenham sido presentes fisicamente mas ausentes na função de pais suficientemente bons eram, nada mais, nada menos, do que médicos lhe receitando remédios.

Enquanto a mãe de Júlia sempre foi depressiva e indisponível para acolher a filha, seu pai tinha uma relação de controle e de imposições sobre ela. Um complexo de Édipo erotizado. Ambos foram ausentes enquanto objeto primário e constitutivo na satisfação das necessidades e dos desejos infantis na relação precoce mãe-filho com o auxílio de um pai num ambiente. "Cuidar do corpo" (sic), consumir doces, consumir remédios, etc. foi uma saída para Júlia compensar a falta e aliviar o sofrimento referente às falhas ambientais e as ausências afetuosas na fase mais importante da sua vida: a infância.

 

Considerações finais

Na sua função, o analista precisa estar atento a todas essas novas modalidades de subjetivação contemporânea: o Ego está na fronteira entre o ganhar e o perder, entre o ter e o não ter, entre o ser e o não ser, entre o viver e o morrer.

Esse totemismo moderno, que exige do sujeito abdicar de seu desejo e viver pelo imediatismo consumindo tempo/dinheiro/corpo com objetos e coisas na tentativa de fugir do desprazer, também pode direcioná-lo ao conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte. Essa ambivalência não permite haver consonância entre a realidade de pensar e o fenômeno psíquico da dúvida, acompanhado da repressão.

Como a carência simbólica é praticamente impossível de ser preenchida pelo consumo e pelo seu extremo, o consumismo, as organizações psíquicas contemporâneas têm um vazio existencial que precisa ser preenchido pelo simbólico, para que a vida lhes traga algum sentido de existência.

Dessa forma, é essencial que seja respeitada a vida privada do analisando, a relação transferencial e haja uma contratransferência positiva do analista, para que o setting terapêutico traga algum efeito positivo na vida do analisando.

Considerando-se que nem todos os fatos contados pelo analisando fazem parte de uma verdade material e que nem todas as vivências do passado podem ser reativadas em sua memória, não devemos nos restringir à antiga ideia freudiana de apenas interpretar as histórias contadas pelo sujeito.

Devemos valorizar a nova ideia freudiana de, ao longo do processo de análise, escutar a verdade histórica, representativa contada pelo analisando e, através de um trabalho preliminar, conseguir fazê-lo "trazer o que está oculto inteiramente à luz" (FREUD, [1937] 2018, p. 332) e, desse modo, conseguir elaborar, ser criativo para construir e, quem sabe, reconstruir sua própria história.

Não podemos dizer que todo passado pode ser reativado na memória do sujeito, no presente, já que, em certa fase do seu desenvolvimento,

[...] o corpo não tem memória, mas marcas inscritas, gestos repetidos que, por si mesmos, nada podem evocar. (DARDENNE; ÓDEONE; VALLERY-MASSON, 1988, p. 295).

Desse modo, não cabe ao analista, por meio de uma análise selvagem e imediatista, transpor suas opiniões invasivas diretamente para o analisando, mais ainda, nos casos considerados difíceis. Caso assim seja, a atuação clínica corresponderia a uma ocultação do desejo do analisando e uma reafirmação narcísica do analista, o que pode gerar um espaço contratransferencial negativo nessa cultura do narcisismo.

É importante destacar que as relações sociais mudaram de algumas décadas para cá, mais ainda de 2020 para o momento presente. As novas leis totêmicas passaram a nos exigir isolamento social, distanciamento físico, consumo e uso de   álcool 70%  (gel ou líquido) nas mãos , consumo e uso de máscara e protetor facial, bem como diversas outras formas de consumo que impeçam a proliferação do vírus e suas mutações.

A crise da covid-19 e suas derivações nos colocaram num novo formato de relação social, tanto no ambiente privado, quanto no ambiente coletivo. Apesar de haver essas novas restrições impostas pela cultura – do ser humano civilizado renunciar a busca por satisfação e felicidade em favor da segurança privada e pública –, há aqueles que vivem buscando alcançar felicidade e satisfação individual, não seguindo essas novas restrições, as quais deveriam também servir para o altruísmo.

Os conflitos relacionados com as novas modalidades de relações sociais ocorrentes tanto no ambiente privado quanto no ambiente público, frente a este cenário global de incertezas e medos gerados pela pandemia, também aumentaram o número de casos de ansiedade e depressão, razões que exigem de nós, analistas, uma nova dimensão de escuta.

Ficam aqui as seguintes questões:

Na história de vida infantil do analisando, houve confusões de língua entre os adultos e as crianças? (FERENCZI, 1933).

O seio foi bom ou seio foi mal? (KLEIN, 1957).

Ou melhor, a mãe conseguiu ser suficientemente boa? (WINNICOTT).

Ou foi excessivamente boa ou excessivamente má? (MCDOUGALL, 1992).

A culpa é realmente da mãe na relação especular ou faltou a presença de um terceiro para haver um ambiente facilitador?

A culpa é somente dos pais ou um novo mal-estar da civilização a ser enfrentado nos últimos tempos gerou um novo formato de relações sociais e novos conflitos?

Somente a partir da fala do paciente (ou, se for necessário, durante um atendimento familiar), transmitida à distância, por um novo setting terapêutico remoto, poderemos responder melhor a essas questões.

"[...] impressão de que seu corpo não lhe pertence, de que vai despencar no espaço e experimenta sensações afins". (ZIMERMAN, 2008, p. 276).

Segundo a linguagem winnicottiana: "O ambiente facilitador possibilita ao indivíduo a chance de crescer, frequentemente em direção à saúde, enquanto que o ambiente que falha, principalmente no início, mas provavelmente levará à instabilidade e à doença". (ABRAM, 2000, p. 25). Esse termo foi muito bem explicado por Winnicott (1983) num conjunto de textos dispostos em O ambiente e os processos de maturação.

Essa seria uma visão contemporânea de O mal-estar na civilização. (FREUD, 1930).

"O seio bom que nutre e inicia a relação de amor com a mãe é o representante da pulsão de vida e é também sentido como a primeira manifestação da criatividade". (KLEIN, [1957] 1997, p. 233).

O emprego desse termo remonta à década de 1950, quando Winnicott estabeleceu "uma distinção entre a terminologia kleiniana e a sua". (ABRAM, 2000, p. 144).

 

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Endereço para correspondência
E-mail: brunostamato@gmail.com

Recebido em: 10/06/2021
Aprovado em: 25/06/2021

 

 

SOBRE O AUTOR

Bruno Stamato Savi
Psicanalista e membro efetivo do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro - (CBP-RJ).
Psicólogo pelo Centro Universitário Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR) – Rio de Janeiro.
Graduado em Educação Física pela Universidade Estácio de Sá (UNESA).
Especialista em Psicomotricidade pela AVM Educacional, conveniada à Universidade Cândido Mendes (UCAM) – Rio de Janeiro.
Pós-graduando do curso Aspectos Diagnósticos e Terapêuticos das Disfunções Sexuais pela Faculdade Unyleya.

 

 

1 Trabalho apresentado na V Jornada das Monografias do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro, em 24 abr. 2021.
2 "Objeto" nada mais é que uma representação mental de um objeto externo ao sujeito.
3 "Coisa" seria aquilo que não tem uma representação mental definida, isto é, algo inanimado, sem vida.
4 A identificação é "o principal mecanismo psíquico responsável pela formação da personalidade", é por "[...] várias identificações que o indivíduo vai transformando seu Ego, formando e diferenciando sua personalidade à imagem e à semelhança dos modelos identificatórios". (KAHTUNI; SANCHES, 2009, p. 211).
5 Em O mal-estar na civilização (1930) Freud deu resposta às críticas que o amigo Romain Rolland (1866-1944) fez ao texto O futuro de uma ilusão (1927), considerando que essa sensação de eternidade é apenas uma tentativa humana e narcísica para reformular a figura de um pai protetor frente aos impasses civilizatórios.
6 "[...] na criança, opõem-se e implicam-se mutuamente, fatores de origem biológica e social". (WALLON, 1968, p. 49); "há, pois, em toda noção intelectual, duas espécies de condições: umas psicossociais, outras psicobiológicas". (WALLON, 1971, p. 203). O psiquismo humano é, portanto, uma junção entre o "inconsciente biológico" e o "inconsciente social".
7 Tendo início com a imagem do Superego dos pais e dando continuidade às exigências do mundo externo, as leis são internalizadas no sujeito para que ele se torne capaz de inibir a sua agressividade diante do social; mas quando não é desenvolvida no Ego do sujeito uma barreira pelo recalque, o narcisismo pode ser maligno e ele se sentir acima da lei.
8 Não se utilizava a palavra "homossexual".
9 Incorporação é um processo fantasístico, pelo qual o sujeito se apropria e conserva em si aquilo que é transmitido de fora. Seria esse um modelo mais arcaico da introjeção, relacionado não somente a uma atividade oral, mas também respiratória, visual e auditiva; "um modelo corporal da introjeção". (CHEMAMA, 1995, p. 108).
10 Vale lembrar que "[...] todo objeto é parcial, e que, por isso, tal busca se remete à Coisa , ou seja, é sempre uma busca pelo objeto primeiro, pela satisfação total, mítica. A repetição presente nessa busca do objeto é que traz a satisfação, ainda que parcial". (GUEDES, 2010, p. 161)
11 Karl Abraham (1925] 1977) clareou esse tema dos estágios da libido em Teoria psicanalítica da libido.
12 Preferimos utilizar a palavra "Ego" em vez de "Eu", empregado no texto de Freud da editora Companhia das Letras.
13 Esse tema da relação "prova do espelho" entre mãe-bebê se originou com Henri Wallon (1879-1962), que Jacques Lacan (1901-1981) tomou como base para desenvolver sua teoria do "estádio do espelho", a respeito da qual Donald Woods Winnicott (1896-1971) discordou e fez uma notável correção.
14 Segundo Robert Stoller [1924-1991], a perversão é considerada uma "forma erótica do ódio".
15 Embora já se saiba que o termo "emoção" não tenha sido tão utilizado nas obras diretas de Freud – algo que a corrente kleiniana o faria mais tarde – a palavra "afeto" (do latim "emovere", "pôr em movimento"; traduzido do alemão affekt para o francês como "estado emotivo") ( Houzel , 2005, p. 556), é entendido como um complexo de estados psicofisiológicos, que também incluem "[...] uma experiência subjetiva, assim como componentes cognitivos e fisiológicos". (MOORE; FINE, 1992, p. 5). O conceito de "afeto" é tão importante nas obras de Wallon quanto o conceito de libido (do latim libido , "desejo", "vontade"), uma expressão tirada da teoria da afetividade – energia de grandeza quantitativa "[...] das pulsões que se referem a tudo o que podemos incluir sob o nome de amor" –, totalmente associada à emoção, o é nas obras de Freud. (PESTANA;PÁSCOA, 1998, LAPLANCHE; PONTALIS, 2008).
16 Objetificar: "Atribuir ao ser humano a natureza de um objeto, tratando-o como objeto, como coisa". (Dicionário online de português).
17 Sobre esses conceitos de "verdadeiro" e "falso" self, cabe destacar que "[...] não se referem a uma ordem moral, mas a qualidades nas experiências de self - outro que apoiam a expressão espontânea (self verdadeiro) ou o viver reativo (self falso)". (MOORE; FINE, 1992, p. 224).
18 Algo parecido com o que Frances Tustin [1913-1990] considerou como "estados autísticos".
19 O Ego auxiliar é um aspecto positivo e harmonioso do Superego, pois, ainda que estabeleça limites ao Ego, impondo valores morais e éticos para que o sujeito consiga lidar com os bons costumes, as normas e as leis culturais e da família, ele estabelece valores de forma mais amigável, menos agressiva a serem internalizados no Ego, e este consiga desenvolver um bom senso crítico.
20 Embora esse fenômeno já tenha aparecido nos estudos de Pierre-Marie-Felix Janet [1859-1947], Josef Breuer [1842-1925] e Eugène Bleuler [1857-1939], o termo "clivagem" ou "cisão" ficou mais estabelecido na psicanálise quando Freud escreveu O fetichismo (1927) e estendendo-se em Clivagem do Ego no processo de defesa (1940), Esboço de psicanálise (1940), e Análise terminável e interminável (1937). Vale lembrar que a teoria do trauma, de Sándor Ferenczi, (a qual, apesar de tomar início desde os seus primeiros trabalhos psicanalíticos, começou a ser mais elaborada desde 1928) foi um dos motivos de Freud repensar o conceito de clivagem, o qual não se restringe aos casos de perversão.
21 Os casos de psicoses, de transtornos de personalidade borderline ou estados-limite fazem parte do grupo de estrutura não neurótica de Green.
22 Embora esse conceito tenha sido descrito mais claramente por Anna Freud (1936) em O Ego e os mecanismos de defesa , Ferenczi já havia o utilizado com outra denominação "[...] identificação fantasmática com o destruidor , identificação com os objetos do terror e – a expressão que parecia preferir – introjeção do agressor ". (CABRÉ, 2019, p. 594).
23 Ferenczi fez uma analogia, relacionando esse fenômeno químico da pulverização "com o fenômeno psíquico de cisão extremada da personalidade". (KAHTUNI; SANCHES, 2009, p. 63). A atomização seria um grau extremado da cisão do Ego.
24 Na época de Otto Fenichel [1897-1946], conforme disposto em sua obra Teoria psicanalítica das neuroses , de 1945, a palavra que provém do vocabulário latino " adictus " que significa "escravo por dívidas", ainda era "adição"; nos dicionários mais recentes, foi alterado para "adicção". (POMMEREAU, 2012).
25 Ferenczi (1929, p. 48) diria que essas seriam uma das dificuldades da pulsão de vida em contrabalançar as "tendências inconscientes para a autodestruição".
26 Nome fictício.
27 Esse conceito está melhor explicado no capítulo Nascimento psicológico e catástrofe psicológica do livro Estados autísticos em crianças , de Tustin (1981).
28 "[...] impressão de que seu corpo não lhe pertence, de que vai despencar no espaço e experimenta sensações afins". (ZIMERMAN, 2008, p. 276).
29 Segundo a linguagem winnicottiana: "O ambiente facilitador possibilita ao indivíduo a chance de crescer, frequentemente em direção à saúde, enquanto que o ambiente que falha, principalmente no início, mas provavelmente levará à instabilidade e à doença". (ABRAM, 2000, p. 25). Esse termo foi muito bem explicado por Winnicott (1983) num conjunto de textos dispostos em O ambiente e os processos de maturação.
30 Essa seria uma visão contemporânea de O mal-estar na civilização. (FREUD, 1930).
31 "O seio bom que nutre e inicia a relação de amor com a mãe é o representante da pulsão de vida e é também sentido como a primeira manifestação da criatividade". (KLEIN, [1957] 1997, p. 233).
32 O emprego desse termo remonta à década de 1950, quando Winnicott estabeleceu "uma distinção entre a terminologia kleiniana e a sua". (ABRAM, 2000, p. 144).

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