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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437On-line version ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  no.55 Belo Horizonte Jan./June 2021

 

PSICANÁLISE: CLÍNICA E TEORIA

 

Descritivo, recalcado, originário, estruturado como linguagem, Isso, resto de estrutura e outros: quantos são os inconscientes?

 

Descriptive, repressed, original, structured as a language, Id, rest of structure and others: how many are the unconscious?

 

 

Anchyses Jobim Lopes

I Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro
II Universidade Estácio de Sá
III Círculo Brasileiro de Psicanálise
IV International Federation of Psychoanalytic Societies

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A origem da primeira tópica a partir dos textos freudianos da década de 1890 até os textos de Os artigos sobre metapsicologia. A ligação indissociável entre o inconsciente da primeira tópica e o processo primário. Descrições por Freud do pré-consciente recalcado, do inconsciente originário e o do inconsciente recalcado enquanto desdobramentos da primeira tópica. A localização da linguagem na primeira tópica. A importância da negação e da temporalidade para a constituição da linguagem. Freud e a formulação da segunda tópica, e o Id como herdeiro radical do inconsciente da primeira tópica. Descrições por Freud de um Id originário e um Id recalcado. Localização e problematização da linguagem na segunda tópica. A proposta de Lacan da essência do Id como o que não é Eu e é todo o resto da estrutura gramatical. Problematização da noção de estrutura. A crítica de Green ao inconsciente estruturado como linguagem. Propostas sobre a localização da linguagem na segunda tópica. O Id localizado no Real do nó borromeano.

Palavras-chave: Freud, Inconsciente, Teoria psicanalítica, Metapsicologia, Aquisição da linguagem, Arte e psicanálise.


ABSTRACT

The origin of the first topic from the Freudian texts of the 1890s to the texts of Papers on Metapsychology. The inseparable link between the unconscious of the first topic and the primary process. Descriptions by Freud of the repressed preconscious, the original unconscious and the repressed unconscious as developments from the first topic. The location of language in the first topic. Importance of negation and temporality for the constitution of language. Freud and the formulation of the second topic and the Id as the radical heir of the unconscious of the first topic. Descriptions by Freud of an original Id and a repressed Id in Outline of Psychoanalysis. Localization and problematization of language in the second topic. Lacan's proposal of the essence of the Id as being what is not I and is all the rest of the grammatical structure. Problematization of the notion of structure. Green's critique of the unconscious structured as language. Proposals on the localization of language in the second topic. The Id located in the Real of the Borromean knot.

Keywords: Freud, Unconscious, Psychoanalytic theory, Metapsychology, Language acquisition, Art and psychoanalysis.


 

Soneto sonhado

Meu tudo, minha amada e minha amiga,
Eis, compendiada toda num soneto,
A minha profissão de fé e afeto,
Que à confissão, posto aos teus pés, me obriga.

O que n'alma guardei de muita antiga
Experiência foi pena e ansiar inquieto.
Gosto pouco do amor ideal objeto
Só, e do amor só carnal não gosto miga.

O que há melhor no amor é a iluminância.
Mas, ai de nós! não vem de nós. Viria
De onde? Dos céus?… Dos longes da distância?…

Não te prometo os estos, a alegria,
A assunção… Mas em toda circunstância
Ser-te-ei sincero como a luz do dia.

Manuel Bandeira

 

Introdução

A divisão do aparelho psíquico em dois sistemas – consciente/pré-consciente e inconsciente – constitui a primeira tópica de Freud. A descrição mais pormenorizada das qualidades e o modo de operar de cada um dos sistemas, bem como a forma de cada um se relacionar com a realidade externa e com o corpo, tiveram seu início no Projeto para uma psicologia científica (1895), passando pela Carta 52 (1896) e pela seção E do capítulo VII de A interpretação dos sonhos (1900-1901). Contudo, seu ápice ocorreu nos Artigos sobre a metapsicologia (1915), em que se destaca o texto O inconsciente (1915). O conjunto das características operacionais do inconsciente foi denominado de processo primário e o conjunto do sistema consciente/pré-consciente foi nomeado de processo secundário.

Numa primeira leitura, a divisão em dois sistemas e seu modo de funcionamento parece fácil. De fato, em livros didáticos e na maioria dos artigos sobre psicanálise, a oposição entre ambos pode ser colocada de modo claro e simples. Só que a partir dos Artigos sobre a metapsicologia, Freud ([1915] 1978) entrelaçou os dois sistemas de modo mais complexo. A fronteira entre ambos os sistemas agora não apenas se dá por linhas nítidas, mas também por áreas de transição, espaços que se superpõem.

Questões clínicas e o aprofundamento da pesquisa sobre a psiquê fizeram com que em menos de uma década Freud percebesse ainda mais problemas não explicáveis pela primeira tópica. E no próprio texto em que construiu uma nova teoria das pulsões, indicou a necessidade de uma nova compreensão do aparelho psíquico.

Três anos após a publicação de Além do princípio do prazer (1920), surge O ego e o id1 (1923). Agora consciente/pré-consciente e inconsciente deixam de ser dois sistemas e se tornam qualidades de cada uma das três novas instâncias: Id, Ego e Superego (ou mais bem traduzido: isso, eu e supereu).

Contudo, o encaixe entre os dois sistemas da primeira tópica, agora qualidades das três instâncias da segunda tópica igualmente não ocorre de modo simples. Ao longo do tempo, surgiram mais nuances ou problemas. Os dois principais textos que sucederam O ego e o id (1923) foram a Conferência XXXI: A dissecção da personalidade psíquica (1933) e o Esboço de psicanálise (1940 [1938]). Ambos indicam que Freud deixou em aberto questões metapsicológicas. A principal, a nosso ver, era como se dá o funcionamento de um Ego inconsciente. Até que também foi apontada uma nova leitura do texto freudiano, agora sobre o Id, que é todo inconsciente. O Id, sem dúvida, constitui a maior parte de nosso aparelho psíquico, um herdeiro mais radical do inconsciente da primeira tópica. Mas descritivamente coexiste nele uma parte distinta.

Descrever as funções do pré-consciente na primeira tópica e o trabalho da parte inconsciente do Ego na segunda, são questões que decorrem do texto de Freud. Já a leitura de que na segunda tópica há um inconsciente genuíno e outro recalcado tratou-se de uma surpresa, num texto de Freud já lido e relido. Surpresa trazida pela leitura do artigo Topologia do aparato psíquico freudiano e do inconsciente (da Carta 52 ao isso-inconsciente e da bolsa freudiana à garrafa de Klein em Lacan), de Marta Gerez-Ambertín (2020), que motivou a busca de outro texto da autora: Isso e inconsciente e supereu (GEREZ-AMBERTÍN, 2006).

Além disso, a constatação de que a dicotomia entre inconsciente genuíno e inconsciente recalcado de fato sempre esteve nos desenhos feitos por Freud para ilustrar a segunda tópica, em O eu e o Id (1923) e na Conferência XXXI – a dissecção da personalidade psíquica (1933). E por último descrita por extenso ao final de um parágrafo do Esboço de psicanálise (1940). Nele Freud estabelece com mais precisão que, na instância da segunda tópica, que é toda inconsciente – o Id –, de fato há a distinção entre um inconsciente genuíno e um inconsciente recalcado. Para ser mais exato, Freud escreve sobre a distinção entre um Id genuíno e um Id recalcado.

Já no trajeto ao longo da primeira tópica, Freud descobrira que o pré-consciente possui muito mais funções do que supunha, e uma parte é inconsciente e recalcada. Assim como na segunda tópica, merece mais uma leitura o relato de que há no Id uma parte originária do Ego e que ao Id retornou.

Como postulou Kant, a realidade em si é incognoscível – o númeno – dela só temos o que nossa mente consegue construir – o fenômeno. Conceitos que no século XX foram atualizados na filosofia da ciência por Kuhn (1978). Construímos modelos – paradigmas – que explicam mais que os anteriores. E desse modo progride a ciência. Contudo, em qualquer conhecimento que seja, nenhum paradigma abarca toda a área da realidade à qual é aplicado. Embora seja utilíssima, a conceitualização de fenômenos e paradigmas deixa brechas, que crescem ao longo do tempo. Através delas é que muito mais pode ser aprofundado e descoberto. Até que nasça um novo paradigma (LOPES, 1985).

Faremos dois breves inventários dos textos de Freud. Ambos ressaltam problemas postulados pelo próprio Freud quanto à abordagem das fronteiras internas de ambas as concepções do aparelho psíquico. Um inventário se refere à primeira tópica; o outro, à segunda tópica, fundamentando a importância e a utilidade de alguns dos momentos em que o paradigma criado por Freud não se encaixa lá muito bem, o que o próprio fundador da psicanálise percebeu e sua honestidade intelectual o obrigou a relatar. E como dessas brechas, além das citadas acima pela colega, pode-se arriscar novas concepções. E problematizar algumas leituras do inconsciente dinâmico.

 

Fronteiras problemáticas (I): Ics e Cs/Pcs - processo primário e secundário

É no artigo Histeria publicado em 1888 que o termo "inconsciente" aparece na obra de Freud três vezes, sem se referir apenas a alguém que desmaiou. Em Histeria, da primeira vez, Freud ([1888] 1978, p. 49 e 56) menciona apenas "atividade cerebral inconsciente automática", mas na terceira há um salto para "vida ideativa inconsciente".

Na década de 1890, a partir do Projeto e através do livro e dos outros artigos sobre histeria, configura-se o uso da palavra "inconsciente" de forma cada vez mais nítida, caracterizando algo que engloba vários fenômenos, cada vez mais distanciados de uma origem orgânica. Mas é na carta a Fliess, de 6 de dezembro de 1896, também conhecida como Carta 52, onde, acompanhado pelo primeiro desenho de Freud explicando a psiquê, surge o termo "pré-consciência":

Vb (Vorbewusstsein [pré-consicência]) – "a terceira transcrição, ligada à representação de palavra [Wortvorstellungen] e correspondendo ao nosso eu oficial [offiziellen Ich]. (FREUD [1896] 1985; s.d. tradução nossa do original em alemão).

Mais quatro anos se passam para que os termos "inconsciente" e ‘consciente/pré-consciente" configurassem dois sistemas e seu funcionamento fosse descrito por Freud na seção E do capítulo VII de A interpretação dos sonhos (1900). Então, em paralelo com os sistemas inconsciente e consciente/pré-consciente, foram descritas as características do funcionamento de cada um, sob a rubrica de processos primário e secundário.

Quinze anos depois, no texto O inconsciente (1915), dos Artigos sobre a metapsicologia (1915), Freud sintetizará de modo muito mais claro e didático o funcionamento do inconsciente pelo processo primário e do consciente/pré-consciente pelo processo secundário. No capítulo V de O inconscienteAs características especiais do sistema Ics – de modo direto e sintético – é descrito o funcionamento do sistema inconsciente pelo processo primário.

O núcleo do Ics consiste de representantes pulsionais que querem descarregar seu investimento, de impulsos de desejo, portanto. Esses impulsos pulsionais são coordenados entre si, coexistem sem influência mútua, não se contradizem uns aos outros. [...] Nesse sistema não há negação, não há dúvida nem graus de certeza. Tudo isso é trazido apenas pelo trabalho da censura entre Ics e Pcs. A negação é um substituto do recalque em nível mais alto. No Ics existem apenas conteúdos mais ou menos fortemente investidos. [...] Os processos do sistema Ics são atemporais, isto é, não são ordenados temporalmente, não são alterados pela passagem do tempo, não têm relação nenhuma com o tempo. A referência ao tempo também se acha ligada ao trabalho do sistema Cs. Vamos resumir: ausência de contradição, processo primário (mobilidade dos investimentos), atemporalidade e substituição da realidade externa pela psíquica são as características que podemos esperar encontrar nos processos do sistema Ics. (FREUD, [1915] 1978, p. 186-187, tradução nossa).

Mesmo sem ter lido todo o artigo, é fácil deduzir que as características do processo secundário são o oposto das do processo primário. A descrição dos sistemas e seus respectivos processos ficou clara e objetiva.

Só que as descrições teóricas de Freud têm por base a clínica. Ao início de O inconsciente reiterara sua oposição aos que se baseavam apenas na teoria – os filósofos. E as observações clínicas não se encaixavam tão bem na descrição didática dos dois sistemas e seus respectivos processos. Há certa ambiguidade de Freud em O inconsciente, onde muitas vezes se refere ao pré-consciente e o descreve sozinho como "sistema pré-consciente". Mas é no capítulo VI – A comunicação entre os dois sistemas – que o apreço de Freud à verdade o obriga ao relato de que os dois sistemas e os dois processos não se superpõem de modo exato.

Entre os derivados do inconsciente, impulsos instintuais2 3, do tipo que descrevemos, existem alguns que unem em si características do tipo oposto. Por um lado, são altamente organizados, livres da autocontradição, tendo feito uso de cada aquisição do sistema consciente e dificilmente se distinguiriam, em nosso julgamento, das formações deste sistema. Por outro lado, são inconscientes e incapazes de se tornarem conscientes. Ou seja, qualitativamente eles pertencem ao sistema pré-consciente, mas factualmente ao inconsciente. [...] De tal natureza são aquelas fantasias das pessoas normais, assim como dos neuróticos, nas quais reconhecemos como estágios preliminares para a formação tanto de sonhos como de sintomas e que, apesar de seu alto grau de organização, permanecem recalcadas e, portanto, não podem se tornar conscientes. (FREUD, [1915] 1978, p. 190-191; [1915] 2010, p. 132-133, tradução e negrito nosso).

O que Freud aqui descreveu, logo após ter tão bem separado os dois sistemas e os dois processos, é a existência no pré-consciente de formações do processo secundário que se tornaram tão recalcadas quanto as do sistema inconsciente e do processo primário. Desse modo, a descrição metapsicológica freudiana – topográfica, dinâmica e econômica – torna-se mais complicada. Há uma força permanente que mantém inconsciente uma parte do pré-consciente. Um pouco mais adiante no mesmo texto, com mais detalhes, há o reforço quanto à ideia de recalque ou censura de parte do pré-consciente.

Uma parte enorme desse pré-consciente se origina do inconsciente, tem o caráter dos derivados deste e submete-se a uma censura antes de poder se tornar consciente. Uma outra parte do Pcs é capaz de consciência, sem censura. Aqui temos uma contradição com uma hipótese anterior. Na abordagem da repressão, vimo-nos obrigados a situar entre os sistemas Ics e Pcs a censura decisiva no tornar-se consciente. Agora nos parece plausível uma censura entre Pcs e Cs. Mas convém não enxergar nessa complicação uma dificuldade, e supor, isto sim, que a cada passagem de um sistema para o seguinte e mais elevado, ou seja, a cada progresso para um estágio mais elevado de organização psíquica, corresponde uma nova censura. No entanto, com isso é eliminada a hipótese de uma contínua renovação dos registros. (FREUD, [1915] 1978, p. 191-192; [1915] 2010, p. 133, tradução nossa, cotejada com o texto original).

Neste momento do texto freudiano, quem estiver diretamente lendo o artigo relembra o início do parágrafo – o quarto do capítulo VI, onde é descrito um pré-consciente, que se pode também chamar de recalcado, mas diverso do recalcado originário do inconsciente, regido pelo processo primário.

Freud ([1915] 2010, p. 133) iniciara o parágrafo com a seguinte frase:

Quando investigarmos mais detidamente, em outro lugar, as condições para o tornar-se consciente, poderemos solucionar uma parte das dificuldades que aqui surgem.

As edições consultadas colocam um asterisco na expressão "em outro lugar" remetendo a uma nota de rodapé. Nela informam que provavelmente é uma referência de Freud a algum dos Artigos sobre a metapsicologiaque nunca foi escrito. Ou até poderia ter sido, em parte ou no todo, mas teria sido destruído por Freud, como foi provado pela descoberta do rascunho, e uma parte razoavelmente completa de Neuroses de transferência: uma síntese.4

Se há um pré-consciente recalcado (pode-se utilizar outro termo, como "suprimido"), dois parágrafos adiante da citação acima, ocorre o reforço teórico clínico de que há um tanto de processo secundário que sofreu um recalque posterior, mas agora retornou a um estado tão incognoscível quanto o inconsciente. Embaralhando ainda mais a separação do sistema inconsciente e do sistema consciente/pré-consciente, ainda na continuação na continuação do mesmo artigo, Freud estabelece até mesmo a dúvida de que, se além da constituição de um pré-consciente recalcado, haveria até mesmo uma parte do inconsciente, que poderíamos denominar de originário e outra que se configurou como pré-consciente e processo secundário, tendo pelo recalque retornado ao inconsciente, que poderia ser denominada de inconsciente recalcado.

O Ics é rechaçado pela censura na fronteira do Pcs, mas derivados do Ics podem contornar essa censura, alcançar um alto grau de organização e atingir uma certa intensidade de investimento no Pcs. Quando, entretanto, essa intensidade é excedida e eles tentam forçar-se à consciência, são reconhecidos como derivados do Ics e são reprimidos de novo na nova fronteira da censura, entre o Pcs e o Cs. Assim, a primeira censura funciona para o Ics mesmo; a última, para os derivados Ics dele. Podemos supor que a censura se adiantou um tanto no curso do desenvolvimento individual. (FREUD, [1915] 1978, p. 193; [1915] 2010, p. 135, tradução nossa cotejada com o texto original, negrito nosso).

Para o capítulo VII de O inconsciente – A avaliação do inconsciente (em outra tradução – A identificação do inconsciente), Freud descreve as características do discurso de pacientes esquizofrênicos. A partir da qual estabelece a diferença entre representação de palavra [Wortvorstellung] e representação de coisa [Sachvorstellung].

Acreditamos saber agora como uma representação consciente se distingue de uma inconsciente. [...] a representação consciente abrange a representação da coisa mais a da palavra correspondente, e a inconsciente é apenas a representação da coisa. O sistema Ics contém os investimentos de coisas dos objetos, os primeiros investimentos objetais propriamente ditos; o sistema Pcs surge quando essa representação da coisa é sobreinvestida mediante a ligação com as representações verbais que lhe correspondem. [...] Compreendemos que a ligação com representações verbais ainda não coincide com o tornar-se consciente, e apenas fornece a possibilidade para isso, ou seja, que não caracteriza nenhum outro sistema senão o Pcs. (FREUD, [1915] 1978, p. 201-202; [1915] 2010. p. 146-148, negrito nosso).

Embora mais tarde outras trilhas tenham sido acrescentadas, Freud seguiu todas aquelas abertas ao final dos anos 1880 e na década de 1890. A representação de palavra e sua relação com o pré-consciente seguem direto da Carta 52 para o artigo O inconsciente. Só que nesse artigo são também estudadas as alterações da linguagem em pacientes esquizofrênicos, ocorrência além de qualquer controle dos pacientes. Mais do que isso, é usual que estes pacientes sequer percebam a existência dessas alterações e que seu discurso pode estar até mesmo sendo incompreensível para outras pessoas.

E as pessoas comuns automaticamente se expressam em seu idioma. Sem terem de conscientemente pensar quais palavras serão utilizadas e qual sua disposição através das regras gramaticais ou sintáticas. A não ser quando inconsciente e espontaneamente alteradas pela psicopatologia da vida cotidiana.

Desde a carta de 1896 ao artigo de 1915, há a conexão entre o pré-consciente e a representação de palavra. Mas como seria que a sucessão dessas representações constituiria uma linguagem? Estaria de acordo com o que rege o inconsciente na primeira tópica: o processo primário?

 

Linguagem: tempo e negação

A negação, tema de um denso e breve artigo de Freud ([1925] 1978), associa-se à questão do tempo. Ou melhor, da vivência humana do tempo: a temporalidade. A temporalidade torna possível a linguagem. Tanto a verbal como todas as outras linguagens: música, dança, mímica, artes plásticas. Contudo, conforme seu título, o artigo vai além da temporalidade. Por esse motivo, o texto de Freud sobre a negação foi extensamente utilizado por Lacan. Apresentaremos uma outra interpretação, utilizando algumas pontes comuns.

A linguagem humana pode ter tido sua origem na música. Tese defendida por Nietzsche. Ou o verbal pode ser a origem de todas as linguagens, tese de Hegel. Independentemente de essa discussão sobre o originário ser o ovo ou a galinha, tempo e negação são essenciais a qualquer linguagem.

Discurso, música, dança e outras linguagens se constituem por sequências ao longo do tempo. Sequências que podem ser representadas por um número finito de componentes, que se recombinam infinitamente. Ao contrário dos sons e gestos dos demais seres vivos, quando os têm, as formas de comunicação entre os da sua espécie ou com o meio ambiente são inatas. Elas podem ser aperfeiçoadas, mas novas combinações são raras ou impossíveis. Nesses seres vivos temos o domínio do instinto ao invés da pulsão.

Nas linguagens humanas a combinatória é infinita. Possuem como ponto-chave o tempo, ou melhor, a temporalidade, a vivência humana do tempo. Palavras, sons, gestos que se seguem em contínua e infinita variedade, separados e recombinados por marcas de temporalidade. Compõe-se de uma sucessão de percepções corporais, criando imagens e associações, conscientes e inconscientes.

Pode ser questionado que há linguagens formais: matemática, lógica, jogos de xadrez e outras. Aí não existe o tempo. De fato, não como um fator inerente a essas linguagens, mas sua representação e compreensão para a mente humana se dá por representações dispostas em sucessões de símbolos. Psicologicamente necessitam da temporalidade.

Se falarmos de sucessão, falamos de tempo, sem o qual nenhuma linguagem humana pode existir. Se privilegiarmos a fala, com ou sem suas representações gráficas ou pelo resto do corpo, há a construção de um discurso, termo que se originou do latim discurrere: percorrer, atravessar. Bem, leva-se algum tempo para percorrer ou atravessar o que quer que seja.

Tomemos, por exemplo, as duas formas de linguagem que parecem ser as principais e mais antigas, desde que quanto se saiba da moradia humana na Terra. Realizadas por dois prodígios da morfologia dos seres humanos: a laringe e a mão. Desta última colocamos em primeiro plano a música, por serem as flautas pré-históricas, conhecidas até o presente, muito numerosas e mais antigas que as pinturas ou esculturas das cavernas.

Na linguagem verbal, há a separação, pela temporalidade, entre palavras e seus conjuntos maiores ou menores. Palavras também elas mesmas construídas a partir de conjuntos de sons em variação infinita. Palavras e sílabas hoje representadas na linguagem alfabética, a mais simples e universal, por vírgula, ponto, parágrafo, espaços maiores entre parágrafos e outras convenções gráficas para marcar o tempo na escrita e na leitura.

Na música instrumental, uma sequência de sons de intensidade e administração diversas, podendo ir até intervalos variáveis de silêncio. Sons também representados por pautas musicais, convenções gráficas para representar a sequência dos sons ao longo do tempo. Não houvesse a combinatória e a sequência dada pela temporalidade, teríamos apenas um uníssono berro ou um grande estrondo.

Porém, percorrer ou atravessar algo acaba por alcançar seu término. Origem existencial do sentimento do tempo, a percepção da finitude e do limite, a presença do Ser-para-morte (forma máxima de castração, esqueleto vestido de negro com uma foice).

Contudo, na música tudo pode ser visto como afirmação (Bejahung), palavra utilizada duas vezes por Freud ([1925] 1978) no artigo A negação. O limite da música é o término da peça musical. Mas a linguagem verbal pode por si mesma negar seu próprio conteúdo, no todo ou em parte. O que na comunicação humana torna possível uma referência direta da existência ou não daquele conteúdo, tanto na realidade subjetiva quanto na realidade externa. Assim como pode partir de ambas as realidades para se referir a seres e pensamentos que se desloquem delas, e no espaço entre ambas criar entidades jamais percebidas pelos sentidos: crenças em seres além da percepção, pensamento abstrato, poesia e poesis no amplo sentido de "criação".

Já a dança, por mímica e gestos, assim como o canto, associa-se à palavra, mas com obstáculos e um limite bem maior no que tange a negar-se a si mesma ou atingir o além do sensível. Principalmente na criação do mundo intermediário das crenças e abstrações. Por sua variedade de tipos e a aparente história mais tardia, deixaremos de lado as artes visuais.

Quanto à origem última do que possibilitou as linguagens verbal e musical, em A negação, Freud ([1925] 1978) também postula que a função da negativa surgiu na fase oral. O desejo do bebê em colocar dentro de si o bom e agradável e expelir o ruim. O eu-prazer, que cedo teve de levar em conta o meio ambiente e, em parte, modificou-se em eu-realidade. Na primeira tópica, o processo primário e o inconsciente permaneceram sem precisar levar em conta a realidade externa. Já o processo secundário e o sistema consciente/pré-consciente necessitaram ter em conta o meio ambiente e o teste de realidade.

Quanto mais maduro o ser humano, mais necessário colocar a ação sobre a realidade externa, ao menos em um primeiro momento, sob o controle do sistema consciente/pré-consciente.

Julgar é a ação intelectual que decide a escolha da ação motora, que põe fim ao adiamento devido ao pensamento e conduz do pensar ao agir. (FREUD, [1925] 1978, p. 238, tradução nossa).

Relembra Freud ([1905] 1978, p. 237) uma frase escrita vinte anos antes, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), assinalando que encontrar um objeto é reencontrá-lo e que o adiamento é apenas uma estratégia para obter por meios mais eficazes o mesmo objetivo. Essa frase foi atualizada no artigo de 1925, quando o objetivo primeiro e imediato do teste de realidade é não apenas encontrar na percepção real um objeto que corresponda ao representado, mas também reencontrar tal objeto, "[...] convencer-se de que ele está lá" (FREUD, [1925] 1979, p. 237).

Freud chega a esta consideração final:

O estudo do juízo nos permite, quiçá pela primeira vez, vislumbrar a gênese de uma função intelectual a partir do jogo das duas pulsões primárias. Julgar é uma continuação coerente da inclusão no Eu ou expulsão do Eu, que originalmente se dava conforme o princípio do prazer. Sua polaridade parece corresponder à oposição dos dois grupos de pulsões que supomos existir. A afirmação (Die Bejahung) – como substituto da união – pertence ao Eros, a negação – sucessora da expulsão – pulsão de destruição (Destruktionstrieb). (FREUD, [1925] 1979, p. 238-239, tradução nossa cotejada com o texto original5).

Além dos achados da clínica, a Primeira Guerra Mundial trouxe a Freud o fim da era da Belle Époque, mais de quatro décadas de paz e ápice da burguesia e da cultura europeias. E o medo concreto de que seus filhos morressem na guerra. Em 1915 escreveu dois textos muito pessoais: Reflexões para o tempo de guerra e morte e Sobre a transitoriedade. Este último é uma reflexão pessoal a partir de uma caminhada durante a Grande Guerra, com dois amigos, um deles "um poeta já famoso". (FREUD, [1915] 1978, p. 303-307).

Tratava-se de Lou Andreas-Salomé e Rainer Maria Rilke, por muitos considerado o maior poeta da língua alemã no século XX, cujas obras-primas foram as Elegias de Duino e os Sonetos a Orfeu. A oitava elegia, tida como a mais famosa e profunda de todas, tem por tema a finitude, sua relação com consciência humana e sua ausência nos outros animais, que vivem um eterno presente. É mais que provável Freud a tenha lido ou escutado. Ao início do poema, que surgiu dois anos após Além do princípio do prazer (1920), mas um ano antes de O eu e o isso (1923), e três antes de A negação (1925), Rilke descreve:

Com todos seus olhos a Criatura vê o Aberto. Apenas nossos olhos são revirados para trás [...] Nunca o Aberto, tão profundo na face dos animais. Livres da Morte. Somente nós a vemos. O animal livre possui a saída atrás de si, para sempre, e Deus a sua frente, e quando se move, move-se já na eternidade, tal uma fonte. [...] Nós, nunca, por um único dia, temos diante de nós o puro espaço no qual as flores infinitamente abrem. Sempre está o Mundo e nunca o lugar algum sem o Não [...]. (RILKE, [1922] 1989, p. 192, tradução nossa do alemão).

Rilke será o início de toda uma corrente de pensamento europeu deslocada do ápice da cultura europeia para meditações sobre seu declínio no entre e após as guerras: o Não ser, de Heidegger, leitor e escritor sobre Rilke, o Nada sartriano, que muito deve ao filósofo existencial alemão e a pulsão de morte freudiana. Para todos a finitude e sua percepção como origem da consciência e de tudo que constrói o humano.

Contudo, se retornarmos ao próprio Freud antes de todos os pensadores e poeta acima, veremos que a finitude e o nascimento da temporalidade já aparecem em sua obra. Quase ao final de Totem e tabu (1913), dissertando sobre as versões da Antiguidade, pagã e cristã, sobre o assassinato do pai primevo e o remorso dos filhos que o perpetraram, surge menção ao primeiro fragmento que sobreviveu do início da filosofia:

Um fragmento de Anaximandro diz que a unidade do mundo foi destruída por um crime primordial, e que tudo o que dali veio tem de suportar o castigo por isso. (FREUD, [1912-1913] 2012, p. 150).

Freud não copiou o fragmento para o texto de Totem e tabu. Tomou-o como do conhecimento geral. Resultado de suas lições de grego no ginásio e seu posterior estudo com Theodor Gomperz (cuja obra em três volumes Os pensadores gregos foi listada como uma de seus "dez amigos"). Diz o primeiro fragmento do pré-socrático:

Todas as coisas se dissipam onde tiveram sua gênese, conforme a necessidade; pois pagam umas às outras castigo e expiação pela injustiça, conforme a determinação no tempo (ANAXIMANDRO [séc. VI a.C.] citado por BORNHEIM, 1999, p. 25).

Essa frase pode levar a uma extensa meditação sobre a morte e a identificação. Decorridas pelo assassinato do pai primevo, com o nascimento da culpa, a criação do primeiro totem e do tabu do incesto e, finalmente, o aparecimento da temporalidade e da negação.

Ao descrever os processos primário e secundário na Interpretação dos sonhos (1900), em O inconsciente (1915) expor de modo bem claro que no primário não há dúvida nem graus de certeza ou negativa, e em A negação (1925) atrelar sua origem à pulsão de morte, torna-se claro que negativa e temporalidade nascem da percepção da finitude humana.

Ao contrário dos filósofos, toda a força e a origem da criatividade derivam do inconsciente dinâmico e

[...] finalmente, como já ouvimos, o Eu torna mais fácil para o Isso lidar com o domínio sobre as pulsões, sublimando partes da libido para si mesmo e seus propósitos. (FREUD, [1915] 1978, p. 47, tradução nossa cotejada com o texto original6).

Porém, a afinidade da temporalidade e da negação com o processo secundário na primeira e segunda tópicas torna-se rica, mas problemática. Se inexistem no processo primário a percepção da finitude humana, e se dela são decorrentes a temporalidade e a negação, no inconsciente da primeira tópica e no Isso da segunda não há linguagem. No máximo podemos postular blocos de representações articuladas entre si, tal como cristais com estrutura própria, mas blocos sem articulação uns com os outros. Coerente com a postulação freudiana de que o processo primário é atemporal.

Portanto, pelo referencial metapsicológico de Freud, a asserção de que o inconsciente é estruturado como linguagem torna-se inviável. Ou não?

 

Fronteiras problemáticas (II): eu, supereu e isso (originário e recalcado)

O desbravamento da psiquê humana na obra freudiana continua tão ou mais radical que nas conquistas das décadas anteriores. Apesar do repúdio em relação aos filósofos, por deixarem o lado prático à parte, Freud tenta metodicamente organizar suas descobertas clínicas em grupos susceptíveis à compreensão teórica. Mas a realidade não obedece. E nisso há o impulso para novas descobertas. No caso, para a criação de um novo modelo que explique a psiquê humana. Surge, então, a segunda teoria da pulsão com sua tão polêmica e aterradora pulsão de morte.

A segunda teoria das pulsões será um dos motivos que exigirá a criação de uma segunda tópica. Sem dúvida, mas além da questão pulsional, outros problemas ainda estavam sem uma explicação satisfatória. O que fica nítido é haver mais no inconsciente original das descobertas anteriores do que apenas um sistema e um processo de funcionamento. A criação da segunda teoria das pulsões traz o chamado para uma segunda tópica. E novas criações metapsicológicas para abordar um eu que se revela mais complicado.

Invoca Freud ([1920] 1978, p. 19) em Além do princípio do prazer:

Evitaremos a falta de clareza se colocarmos em oposição não o consciente e o inconsciente, mas sim o Eu coerente e aquilo que é reprimido. Não há dúvida de que muito do Eu é em si mesmo inconsciente, principalmente o que se pode chamar de seu núcleo; apenas uma pequena parte dele é coberta pelo termo "pré-consciente" [...]. (tradução nossa).

Três anos depois, no primeiro capítulo de O eu e o isso, Freud ([1923] 1978) enfatiza que

[...] a ideia de que em cada indivíduo há uma organização coerente dos processos psíquicos, e a denominamos de eu (ich). (FREUD, [1923] 1978), p. 17, tradução nossa).

Contudo, o eu agora não se refere mais a algo vago e genérico, "designando a personalidade como um todo" (LAPLANCHE; PONTALIS, 1978, p. 241, tradução nossa), sinônimo para muitos autores psicanalíticos de self, algo espontaneamente intuído e colocado ao início de nossas frases como sujeito. Agora o eu se refere especificamente a uma das três instâncias do aparelho psíquico; as outras duas são o isso e o supereu. Inconsciente e pré-consciente passam a ser termos para descritivamente nomear partes do eu e do supereu.

Mas Freud ressalta que o inconsciente mesmo é aquele recalcado, "para nós o protótipo do inconsciente" [...] (FREUD, [1923] 1978, p. 15, tradução nossa). Do ponto de vista dinâmico, o "protótipo" da psicanálise, o inconsciente recalcado, todo ele processo primário, agora é todo herdado pelo isso.

Apenas mais um parágrafo do primeiro capítulo de O eu e o isso, e Freud passa à questão clínica. A descoberta freudiana do inconsciente dinâmico ocorreu simultânea ao correlato clínico do recalque: a resistência. E ela só pode ser inconsciente e exercida pelo eu. Ou pela grande novidade de O eu e o isso: um grau do eu, uma diferenciação do eu, o supereu. Só que o supereu surgirá no texto freudiano somente dois capítulos adiante.

No primeiro capítulo, o relato é:

Como, entretanto, não há dúvida de que esta resistência emana do seu eu e pertence a ele, achamo-nos diante de uma situação imprevista. Encontramos com algo do próprio eu que também é inconsciente, que se comporta exatamente como o recalcado – isto é, produz efeitos poderosos sem ser ele mesmo consciente e que requer um trabalho especial até que possa ser tornado consciente. [...] a antítese entre a parte coerente do eu e parte recalcada que é cindida dele. (FREUD, [1923] 1978, p. 17, tradução nossa).

Aqui temos uma visão otimista da clínica de que tornar a parte do eu recalcada e inconsciente é só uma questão de trabalho psicanalítico. Logo adiante, ao final do texto, Freud não só se torna mais pessimista, como também sugere a possibilidade de parte do eu inconsciente, além de bem maior do que ele esperava, poderia permanecer sempre inconsciente. Como se não fosse bastante, ainda surge um terceiro inconsciente. Deixando ao leitor a pergunta: afinal quantos são?

Também uma parte do ego – e sabem os Céus que parte tão importante – pode ser Ics., indubitavelmente é Ics. E esse Ics. que pertence ao ego não é latente como o Pcs., pois, se fosse, não poderia ser ativado sem tornar-se Cs., e o processo de torná-lo consciente não encontraria tão grandes dificuldades. Quando nós mesmos somos confrontados com a necessidade de postular um terceiro Ics., que não é recalcado, temos de admitir que a característica de ser inconsciente, começa a perder o significado para nós. (FREUD, [1923] 1978, p. 18, tradução nossa).

E ainda por cima, num gesto dramático da escrita de Freud, não ficou muito claro qual seria esse terceiro inconsciente. Também é curioso que a primeira menção ao isso se refira a sua parte não recalcada.

Mais de duas décadas antes, ao início da descrição da primeira tópica, Freud deixava claro que nossa consciência forma apenas o topo do iceberg de nossa psiquê. Que todas as memórias mais ou menos acessíveis estão no pré-consciente. Mas ele ainda se parece com um mero arquivo. Mesmo que com graus variáveis de acesso às informações. Nos Artigos sobre a metapsicologia (1915) crescem e se tornam mais complexas as funções do pré-consciente. Inclusive, como vimos acima, processos que qualitativamente pertencem ao sistema pré-consciente, mas na prática tão recalcados quanto o inconsciente. Em O eu e o isso (1923), o pré-consciente recebe outra promoção.

Em consonância com o artigo O inconsciente, Freud ([1915] 1978) retorna à questão das representações de palavra e de coisa. São abordadas algumas novas questões dessas representações, inclusive em relação à nova instância do supereu. É mantida a ideia de que a representação de palavra é essencial para que a representação alcance a pré-consciente e a consciência. Mas é no que tange à relação entre pensamento e linguagem que algo mais é acrescido às funções do eu e do pré-consciente.

Por um lado, temos provas de que mesmo operações intelectuais sutis e difíceis, que ordinariamente exigem reflexão vigorosa, podem igualmente ser executadas pré-conscientemente e sem chegarem à consciência. Os exemplos disso são inteiramente incontestáveis; podem ocorrer, por exemplo, durante o estado de sono, como se demonstra quando alguém descobre, imediatamente após o despertar, que sabe a solução de um difícil problema matemático ou de outro tipo com que esteve lutando em vão no dia anterior. (FREUD, [1923] 1978, p. 26).

Agora Freud apresenta um eu estruturado. Possuindo o dom de durante o sono, inconscientemente resolver problemas numa linguagem abstrata que historicamente surgiu junto com outra, em grande parte puramente formal – a filosofia. Freud poderia ter sido mais simples. Poderia ter abordado algo muito mais prático e oriundo de muitos séculos anteriores ao nascimento da matemática e da ontologia: a nossa fala cotidiana sobre coisas simples e concretas. Mas já unem algo muito complicado: a representação de coisa com a representação de palavra. É comum acordar com uma frase, um pensamento ou uma ideia. Mas além de problemas matemáticos ou científicos, os mecanismos ou a estrutura da linguagem operam no sono de forma complexa. Que o diga o poeta brasileiro Manuel Bandeira, que um dia acordou com a lembrança de ter sonhado um soneto! Que por esse motivo recebeu o nome de Soneto sonhado.

Em o Eu e o isso, o termo "processo primário" só aparece no capítulo IV, referindo-se ao trabalho onírico. Mas como o isso é o herdeiro direto e ainda mais radical do inconsciente dinâmico da primeira tópica, deduz-se que todo ele funcione pelo processo primário. E é Freud quem adverte que a separação entre o eu e o isso não é nítida nem simples.

O Eu não é nitidamente separado do isso, sua parte inferior se funde com ele. Mas o reprimido também se funde com o isso, e apenas com uma parte dele. O reprimido é apenas nitidamente separado do Eu pelas resistências da repressão; pode comunicar-se com o eu através do isso. (FREUD, [1923] 1978, p. 24, tradução nossa).

Logo após Freud coloca o primeiro dos diagramas explicativos da segunda tópica. As linhas verticais pontilhadas permitem a observação de que o eu seria semelhante a certos experimentos químicos nos quais duas substâncias de cores diferentes em um tubo de ensaio não misturam, mas entre elas não há uma fronteira nítida. A cor de uma substância gradualmente vai se transformando na cor da outra.

Fonte: FREUD, (1923) 1978, p. 24.7

Apesar de muito escrever sobre assuntos não diretamente associados à clínica, a descoberta do eu e do supereu inconscientes a revolucionaram, tanto para Freud quanto para todos os psicanalistas. Publicado uma década após O eu o isso, o principal texto aprofundando a segunda tópica, a Conferência XXXI: a dissecção da personalidade psíquica, das Novas conferências introdutórias à psicanálise (1923-1936), assusta com sua descrição mais radical do isso. Algo tão alheio e frequentemente além do controle pelo eu, quanto frequentemente alimentar com a pulsão de morte a violência e o gozo do supereu.

Nesse texto, Freud também não usa o termo "processo primário". Mas agora repete uma a uma todas as características desse processo, referindo-as ao isso. Notadamente à atemporalidade e à ausência da contradição e da negação. O isso é todo ele processo primário, herdeiro direto da descoberta freudiana de décadas atrás. Contudo, o eu e o supereu, ambos descritivamente possuindo partes inconscientes, também merecem atenção.

Vocês notam, aliás, que estamos em condição de indicar outros atributos para o Eu, além do fato de ser consciente, e reconhecem a possibilidade de que partes do Eu e do Supereu sejam inconscientes sem possuírem as mesmas características primitivas e irracionais. [...] Também a relação com o tempo, tão difícil de descrever, é proporcionada ao Eu pelo sistema perceptivo; está quase fora de dúvida que o modo de operar desse sistema dá origem à ideia de tempo. Mas o que o diferencia muito especialmente o Eu do Id é uma tendência à síntese dos conteúdos, à combinação e unificação de seus processos psíquicos, que se acha inteiramente ausente no Id. (FREUD, [1933] 2010, p. 117-118).

Continuando a descrição do artigo O inconsciente, onde Freud ([1915] 1978) descreve a existência de parte do pré-consciente altamente organizada e incapaz de se tornar consciente, na Conferência XXXI (1933) essa parte configura como um pedaço inconsciente do eu. E se a percepção do tempo é conscientemente observada pelo eu, sua ideia originadora pode estar no eu inconsciente. E podemos propor que com essa ideia também teria brotado o fundamento para a linguagem e germinado aos poucos a sua complexa estrutura.

Nessa conferência, é colocado o segundo diagrama ilustrando a segunda tópica. Agora incluindo o supereu. E reduzindo as linhas pontilhadas verticais do primeiro desenho em duas horizontais. O que sugere uma separação nítida entre o consciente/pré-consciente e inconsciente.

Fonte: FREUD, (1933) 1978, p. 78.8

Um parágrafo mais abaixo Freud faz uma observação mostrando que, para ele, estava bem claro que a separação das instâncias da segunda tópica não possuíam fronteiras bem demarcadas. E para ilustrá-la usa uma raríssima metáfora pessoal com a arte moderna.

Não podemos fazer justiça à peculiaridade da psique mediante contornos nítidos, como no desenho ou na pintura primitiva, mas sim com áreas cromáticas que se fundem umas nas outras, como os pintores modernos. (FREUD, [1933] 2010, p. 222).

A metáfora com áreas coloridas em que as cores se superpõem e transformam umas nas outras, permite a compreensão de uma frase enigmática algumas páginas antes na conferência. Com essa frase podemos conectar a Conferência XXXI com o artigo O inconsciente, da Metapsicologia. Nesse artigo surgira a ideia de que um pedaço do inconsciente gerido pelo processo primário, que depois chegou a ser pré-consciente e organizado pelo processo secundário (?), posteriormente sucumbiu ao recalque e retornou ao inconsciente.

Freud ([1933] 2010, p. 216) escreveu na Conferência XXXI:

Desejos que nunca foram além do Id, mas impressões que pela repressão afundaram no Id, são virtualmente imortais, comportam-se após décadas, como se tivessem acabado de surgir.

Indo mais adiante, o inconsciente da primeira tópica e seu herdeiro direto, o isso na segunda tópica de 1923, cuja característica exclusiva é ser todo ele inconsciente, constrói um elo além daquele com O inconsciente (1915). Nesse artigo foi descrito que derivados do inconsciente podem contornar a censura, alcançar um alto grau de organização e atingir uma certa intensidade de investimento no pré-consciente. Quando, entretanto, essa intensidade é excedida e eles tentam forçar-se à consciência, são reconhecidos como derivados do inconsciente e são reprimidos. Haveria algo além do processo primário no inconsciente da primeira tópica. O tema também continua em um parágrafo do último e inacabado texto de Freud – Esboço (ou compêndio) de psicanálise. Texto escrito em 1938, mas publicado em 1940, um ano após a morte de Freud. Texto que merece uma citação de parágrafo inteiro.

O inconsciente é única qualidade dominante no Isso. O Isso e o inconsciente estão tão intimamente associados quanto o Eu e o pré-consciente e a relação é aqui [no primeiro caso] ainda mais exclusiva. Um olhar retroativo para a história do desenvolvimento de uma pessoa, bem como de seu aparelho psíquico, nos leva a verificar uma significativa distinção no Isso. Originalmente, por certo, tudo era Isso; o Eu se desenvolveu a partir do Isso pela influência contínua do mundo externo. Durante esse lento desenvolvimento, certos conteúdos do Isso foram alterados para o estado pré-consciente e assim acolhidos no Eu. Outros conteúdos continuaram imutáveis no Isso permanecendo como núcleo de difícil acesso. Porém, ao longo desse desenvolvimento, o jovem e débil Eu deslocou de volta ao estado inconsciente conteúdos já incorporados, abandonou-os e comportou-se de tal maneira perante algumas novas impressões, as quais poderia ter incorporado para si, de modo que essas, tendo sido dele expulsas, não puderam deixar mais que um vestígio no Isso. Essa última porção do Isso, em consideração à sua gênese, chamamos de recalcado. Pouco importa que nem sempre consigamos diferenciar com precisão as duas categorias do Isso. Elas correspondem aproximadamente à distinção entre o que é originalmente trazido e o que é adquirido durante o desenvolvimento do Eu. (FREUD, [1940] 2014, p. 59-61, negrito nosso).

Ao final do parágrafo, torna-se nítido que há nos conteúdos do isso duas origens. A primeira e maior é aquela que nasceu junto com o isso, parte do isso a qual pode ser nomeada de isso originário ou genuíno. A outra surgiu mais tarde. Em contato com a realidade externa, parte do isso que já se diferenciara em eu.

Contudo, num segundo momento, parte do que se diferenciara em eu foi rejeitada e expulsa de volta ao isso. A qual o próprio Freud nomeia de isso "recalcado". Para ser mais exato, Freud escreve sobre a distinção entre um isso genuíno e um isso recalcado. O Isso genuíno, sem dúvida, além da a mais antiga, é a parte imensamente maior do Isso,

[...] "reduto mesmo "dentro do isso" daquilo que não é apalavrado – "o inconsciente genuíno" – o isso inconsciente onde reina o silêncio das pulsões". E que fará extensão do supereu inconsciente. (GEREZ-AMBERTÍN, 2020, p. 21, itálico da autora).

Ao contrário da conferência de 1933, no Esboço [ou compêndio] de psicanálise (1940), Freud novamente escreve sobre o papel do processo primário. As características desse processo, inicialmente descritas em A interpretação dos sonhos e didaticamente elencadas no artigo O inconsciente unem, ao longo de três décadas de textos, a revolução freudiana.

Nossa teoria deduz, pela comprovação dessas duas tendências à condensação e ao deslocamento, que a energia presente no Isso inconsciente encontra-se em um estado de livre mobilidade e que, acima de tudo, importa ao Isso a possibilidade de escoamento para as quantidades de excitações; assim nossa teoria emprega essas duas peculiaridades para caracterizar o processo primário atribuído ao Isso. (FREUD, [1940] 2014, p. 73-75).

Como é unânime que não possuímos jamais acesso direto ao isso, ou a um puro isso, exceto do que nele se expressa mesclado ao processo secundário, surge o paradoxo de que só o temos através da linguagem. Que, junto com a representação de palavra, foi colocada por Freud no pré-consciente da primeira tópica. Pelo menos no que se refere à linguagem verbal.

Processos conscientes na periferia do Eu e todo resto inconsciente no Eu. [...] O estado pré-consciente, caracterizado, por um lado, por acesso à consciência e, por outro, por outro, por sua conexão com os resíduos da linguagem, é algo singular, cuja natureza não se esgota nestas duas características. A prova disso é o fato de que grandes porções do Eu e, sobretudo, do Supereu, ao qual não se pode negar a característica de pré-consciente, permanecem, na maioria das vezes, inconscientes no sentido fenomenológico. (FREUD, [1940] 2014, p. 57-59).

É difícil que não se pense na conexão deste trecho com as formulações, quando da descrição da primeira tópica, de uma parte recalcada do pré-consciente, ou do inconsciente que teria adquirido um alto grau de organização. Pode-se atribuir ao texto ter ficado incompleto e/ou sem uma revisão final. Certo é que Freud deixou-nos incompleto o funcionamento do eu e do supereu inconscientes.

Mas se, como acima foi mencionado, a linguagem não é apenas verbal? E a parte recalcada do pré-consciente da primeira e da segunda tópicas, qual sua relação com o isso recalcado?

 

Linguagem: aparelho linguageiro, recalque, arte e sublimação

Na primeira tópica, a representação de palavra pode ou não chegar à consciência, mas tem origem no pré-consciente, quando ele é acrescentado à representação de coisa. Freud conclui que funções psíquicas complexas, capazes de em sonho resolver problemas matemáticos, também são realizadas pelo pré-consciente.

Seja a linguagem verbal a origem de todas as outras, tal como postula determinada interpretação de Hegel, seja a linguagem musical a origem da linguagem verbal, conforme uma interpretação nietzschiana (LOPES, 2006), o que ambas as direções sobre a gênese da linguagem propõem como questão à psicanálise é o mesmo: complexas e organizadas funções realizadas pelo pré-consciente na primeira tópica.

Basta que se reflita pela nossa própria experiência de aquisição da linguagem: não a lembramos. A não ser que muito mais tarde tenham nos contatado, não recordamos como foi esse aprendizado na primeira infância. Se adquirimos sons articulados em sílabas e em palavras, se aprendemos com blocos já organizados em frases simples e muito menos como os primeiros sons e sílabas foram reunidos em palavras.

O mesmo se aplica à aquisição da linguagem lida e escrita. Há um pouco de lembrança da primeira escola, de alguns colegas, algumas professoras, frequentemente uma muito especial, mas muito pouco ou nada do processo de aprendizado em si. E o mesmo para outras linguagens, tal a matemática. Em tese não haveria necessidade desse esquecimento. Exceto que lembrá-lo seria inútil e impraticável. Paralisaria a comunicação, se fosse necessário cada vez que se precisasse expressar a mais simples das frases da vida cotidiana. O mesmo para todas as outras linguagens. Para executar uma soma simples, não é necessário lembrar as primeiras aulas de matemática de nossa vida. Contudo, nenhum desses exemplos se refere ao processo primário e sim ao secundário, embora hoje ocorram inconscientemente pelo pré-consciente.

Não sabemos qual a realização de desejo que em sonho foi satisfeita para Manuel Bandeira na forma de um soneto. E da qual sobrou um resto que o fez lembrar quando acordou. E um soneto é uma das formas mais rígidas e complicadas de se construir um poema.

Outro exemplo é o aprendizado de um novo idioma. Enquanto tem-se de pensar em cada palavra e como articulá-las entre si, há um enorme esforço. Prova que ainda não se conhece realmente o novo idioma. O dito popular – e muito psicanalítico – é que só se sabe outra língua quando se é capaz de sonhar nela. E embora a origem do sonho esteja, em grande ou maior parte, em um resto diurno que ativou desejo coetâneo vindo do processo primário, sua expressão final e a lembrança que temos ao acordar ocorre pelo secundário. Usando a nomenclatura da segunda tópica, todos os exemplos dados aqui ao trabalho dos sonhos, pertencem ao eu inconsciente muito mais que ao eu pré-consciente.

Pode-se aventar a hipótese de que o recalque dessa parte inconsciente do eu tenha sido facilitada por um enlace com o isso. Aprendemos os sons e as palavras para satisfazer as pulsões básicas ao início da vida, por amor e ódio aos objetos e às identificações, parciais ou totais.

Mas seja no "manhês" das pessoas ao redor, seja na "lalação" do bebê, a pulsão invocante descrita por Lacan ([1964] 1988) em O seminário 11 é pura pulsão de vida. Pulsão que se fortalece investindo pela libido em objetos cada vez mais unos. E seja o Édipo originário já no bebê, como descreve Melanie Klein, seja bem mais tardiamente como relata Freud no Pequeno Hans, esse investimento edípico certamente continua nos objetos edípicos substitutivos, tal a primeira professora. O que explicaria uma facilitação do recalque sobre nosso aparelho linguageiro, bem como as graves patologias de fala, comunicação e afeto da primeira infância.

Na primeira tópica, devido à representação de palavra, Freud localiza a linguagem verbal no pré-consciente. Sem sair do referencial de O inconsciente e pela descrição de como não possuímos acesso voluntário à estrutura de nosso aparelho linguageiro, só aos seus resultados, podemos localizá-lo na parte recalcada (censurada) do pré-consciente. Na segunda tópica fica mais fácil localizar nosso aparelho linguageiro pertencendo ao eu inconsciente. Em ambos os casos quando nos referimos à linguagem verbal.

Em relação às linguagens não verbais, a música, que possui temporalidade, mas é pura afirmação [Bejahung], sem negação, podemos hipotetizar a origem e a localização na parte recalcada do isso. Contudo, grande parte da música, evoca a nostalgia de objetos perdidos. Outras evocam agressividade e violência, principalmente associadas à dança. Nas artes plásticas, tomando por base a pintura, onde o mesmo sentimento de perda e destruição pode ser participado, pode-se sugerir que também possuem algo além da afirmação, embora diverso da negação.

A música e a dança, assim como as artes plásticas, domesticariam a pulsão de morte, completamente silenciosa, em comunicação possível ao próprio eu. Eros sublimaria Tânatos. Para manter a coerência da leitura freudiana, mesmo não possuindo representação de palavra, a pulsão de morte foi em parte convertida em afirmação, a associação com a pulsão de vida tornou possível sua representação. Contudo esse jogo, ou conflito, de pulsões ainda estaria mais próximo do processo primário que o secundário. Pertenceriam ao puro jogo das pulsões e demais características que Freud descreveu sobre o processo primário. Mas em todos os casos, não no isso originário ou puro, possuidor só de processo primário, sem nenhuma possibilidade de organização mais complexa, mas no isso recalcado.

Sendo o canto mistura com a representação de palavra, pode ser sugerido que forme uma daquelas áreas cromáticas que se fundem umas nas outras, como fazem os pintores modernos. Tal sugeriu Freud ao demonstrar que as instâncias psíquicas possuem áreas em comum e não separações rígidas. Do mesmo modo que, desde o século XX, muitos artistas plásticos utilizaram palavras e outros signos verbais, bem como recursos da mídia contemporânea. Exemplos de áreas cromáticas entre o isso recalcado e o eu recalcado. O segundo dos desenhos de Freud do aparelho psíquico, inicia-se em parte do eu afunda por dentro de parte do isso sem qualquer separação gráfica.

 

Isso: a radicalização freudiana e algumas leituras lacanianas

No século XX a palavra "estrutura" foi empregada por vários autores, entre eles, Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes, Michael Foucault, Jacques Derrida, Louis Althusser e outros. O termo quase sempre foi usado com várias acepções diferentes, frequentemente mal definidas. Mas de todos os autores classificados como estruturalistas, sem dúvida Jacques Lacan é o mais importante para a psicanálise. Portanto, pelo referencial metapsicológico de Freud, como pode aplicada a asserção de que o inconsciente é estruturado como linguagem?

No Curso de linguística geral, de Saussure (2006), a palavra "estrutura" aparece apenas três vezes e em sentido bastante genérico. Já a palavra "sistema" é usada pelo linguista mais de uma centena e meia de vezes, referindo-se principalmente a: sistema de signos, sistema da língua, sistema da escrita e sistema fonológico. (SAUSSURE, 2006, p. 278).

A diferença entre sistema e estrutura pode ser caracterizada em suas relações com o tempo. Cristais possuem estruturas em princípio eternas, salvo algum acidente da natureza. Sistemas funcionam com seus vários componentes produzindo efeitos sucessivos e cumulativos sobre algo que constroem e/ou passa por eles.

Aplicamos o termo sistema para designar o conjunto concreto de elementos harmonicamente funcionais. Já uma estrutura é um conjunto de relações. Não tem o atributo da funcionalidade. Um sistema funciona. Uma estrutura é. As relações estruturais podem ser abstratas, se e quando puramente lógicas, ou podem ser relações concretas, se e quando incorporadas a um sistema. (THIERY-CHERQUES, 2006, p. 142).

Portanto, para aplicarmos o termo "estrutura" à linguagem, na acepção da linguística de Saussure, é necessário que o aceitemos na qualidade de "sistema". Considerando que, desde A interpretação dos sonhos (1900) até ao Esboço (ou compêndio) de psicanálise (1940), Freud sustentou que o funcionamento do inconsciente enquanto sistema e, posteriormente, de seu sucessor mais radical – o isso –, é configurado pelo processo primário. E uma das características desse processo, segundo Freud, é que

[...] são atemporais, isto é, não são ordenados temporalmente, não são alterados pela passagem do tempo, não têm relação nenhuma com o tempo [...]. (FREUD, [1915] 1978, p. 186-187, tradução nossa).

Torna-se contraditório à leitura freudiana, desde o os escritos do final da década de 1890 até ao que foi postumamente publicado, associar a radicalidade do inconsciente e do isso à linguagem. Pelo menos à linguagem verbal que, tanto quanto tenhamos conhecimento, é a do discurso lacaniano. Podemos formar a hipótese de que, no pré-consciente recalcado da primeira tópica, ou no eu inconsciente da segunda, poderia estar a linguagem verbal, e no isso recalcado as linguagens não verbais.

Contudo, em ambos os casos, estamos no topo do iceberg, que é como Freud descreve o aparelho psíquico. A imensa parte submersa, que realmente configura o iceberg, constituída pelo inconsciente sistêmico na primeira tópica e pelo isso originário na segunda, não pode dispor de alguma forma de linguagem, verbal ou não.

Apenas duas vezes o isso – Es (das) – é mencionado nos Escritos, de Lacan (1998), de modo tão passageiro que se torna difícil maior discussão. Já o processo primário é mencionado duas dúzias de vezes. Mas nenhum dos dois termos aparece em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953) ou em A instância da letra no inconsciente ou a razão desde de Freud (1957), dois dos textos dos Escritos, de Lacan, tidos como referência sobre o inconsciente estruturado como linguagem. Em Subversão do sujeito e dialética do desejo (1960), terceiro texto de referência dos Escritos , há menção ao processo primário.

[...] os mecanismos descritos por Freud como sendo os do processo primário, onde o inconsciente encontra seu regime, abrangem exatamente as funções que essa escola toma por determinantes das vertentes mais radicais dos efeitos da linguagem, quais sejam, a metáfora e a metonímia, ou, dito de outra maneira, os efeitos de substituição e combinação do significante nas dimensões respectivamente sincrônica e diacrônica em que eles aparecem no discurso. (LACAN, [1960] 1998, p. 813-814).

É inquestionável que Lacan ou outro autor possam ter interpretações várias do texto freudiano. Só que as palavras "sincronia" e "diacronia", vindas diretamente do grego, vinculam-se diretamente com Cronos, o deus do tempo e vocábulo usado para designar o tempo em sua acepção comum.

Não ocorre nenhuma menção de Lacan ao fato de que Freud reiteradamente colocou como característica básica do processo primário, em ambas as tópicas, a atemporalidade. É inquestionável o direito de interpretações a partir de Saussure, Jakobson ou Lévi-Strauss, mas não de as atribuir a Freud. Ao rigor da leitura freudiana, o único termo viável para o processo primário seria "acronia" – não consideração do fator tempo. Quanto à palavra "discurso" e sua ligação com a temporalidade da representação de palavra do processo secundário, já foi mencionado mais acima.

As referências de Lacan ao Isso também são bastante raras nos 27 livros de O seminário (mais o inconcluso Nomes-do-Pai). São 11 referências em 9 seminários. E ao processo primário, são 8 referências em igual número de seminários (KRUTZEN, 2003, p. 1459), menções bastante passageiras. A que nos pareceu mais pertinente comentar foi uma em O seminário 14 – a lógica do fantasma:

Claro, não vou repetir essa lição para vocês hoje. Tenho um campo suficiente a percorrer para me contentar em marcar o que é a essência do Id, na medida em que não é "eu": é todo o resto da estrutura gramatical. (LACAN [1966-1967], p. 60, tradução nossa).

Além das definições mais precisas acima da diferença entre sistema e estrutura, na citação de Lacan, elas poderiam ser torcidas e até defendidas como sinônimas: a estrutura como sistema produtor de linguagem. Mas a expressão "resto da estrutura gramatical" em tudo lembra a de um cristal. Tomada como essência do isso, originalmente tido como a radicalização de Freud ao inconsciente dinâmico da primeira tópica, nada poderia ser mais oposto. O isso como molde para relações abstratas e puramente lógicas, fixas como a estrutura de um cristal. Totalmente distante do ameaçador caos pulsional do processo primário e da origem do isso buscada por Freud na obra de Georg Groddeck. E a crítica de Lacan ao eu ficaria inválida. Caberia ao eu pegar no isso o molde da estrutura para temporalmente transformá-lo em um sistema produtor de linguagem. O inconsciente estruturado como linguagem faria sentido, mas referido à parte inconsciente do eu.

Em O seminário 14, há a extensa participação de André Green, autor que posteriormente se distanciou de Lacan e passou a criticá-lo. Além da crítica a questões referentes ao afeto e à clínica, Green também refez sua participação em O seminário 14 sobre o isso como resto da estrutura e ao inconsciente estruturado como linguagem.

Justamente, se nos colocarmos na perspectiva de Freud (com a qual estou de acordo), a linguagem não pode cobrir toda a atividade psíquica. Freud passou toda a vida lutando contra a ideia de um "psíquico = consciência". Seguido seus passos, rejeito a ideia de um "psíquico = linguagem". Poderíamos, no limite, nos erguendo por nossos próprios cabelos, sustentar a validade da ideia de Lacan segundo a qual "o inconsciente é estruturado como linguagem" no enquadramento da primeira tópica. Mas, com a segunda, dado que a representação – toda representação! – desaparece da noção de Isso para ser substituída pelas moções pulsionais (então situadas no aparelho psíquico), a linguagem é colocada em xeque! É que o postulado para o aparelho psíquico tem seu correlato no tratamento: é o próprio tratamento, na medida em que ele se assenta na linguagem, que é posto em xeque! Posto em xeque pelo irrepresentável. Pelo que escapa à linguagem. Pelo que se furta ao modelo "tratamento/relato de sonho". A interpretação é posta em xeque. E, nesse ponto, vemos surgir uma nova problemática, digamos, do objeto: uma problemática do objeto que não é mais forçosamente aquela em que a relação é suscetível de corresponder à ordem da linguagem. (GREEN, 2019, p. 51).

Discordamos de Green quanto ao inconsciente estruturado como linguagem na primeira tópica.10 Preferimos localizá-lo na primeira tópica na parte recalcada do pré-consciente. Mas concordamos com o retorno de Green à proposta radical de Freud de que o inconsciente da primeira tópica tenha como seu sucessor o isso originário, regido pelo processo primário, portanto incompatível com a linguagem.

Tendo pessoalmente participado durante cinco anos dos seminários do Prof. Dr. Coutinho Jorge, com o qual partilhamos o apreço pelo nó borromeano, como uma das mais originais e produtivas contribuições de Lacan, uma vez indagamos onde ficaria no nó o isso. Após minutos olhando o desenho no quadro branco, respondeu: "no Real". Concordamos, algo que jamais pode ser inteiramente simbolizado, diante do qual todas as palavras estancam, mas que sempre insiste, local de emergência das pulsões, principalmente da que sempre retorna ao mesmo lugar – a pulsão de morte –, que só pode aparecer mais diretamente na psicose. E quando no estado mais grave de psicose – estupor catatônico ou depressivo – há o completo desaparecimento do sujeito e de qualquer linguagem ou vida de relação. Mesmo o corpo passa a ser algo inerte, passível de ser completamente manipulado por terceiros e colocado, sem oposição e permanentemente, nas mais esdrúxulas posições, como se fosse um boneco de cera, o que leva o rótulo de "flexibilidade cérea" (NOBRE DE MELO, 1981); um corpo sem humanidade.

No que concerne ao nosso aparelho psíquico, o Real e o isso podem ser o mesmo. Sem dúvida bastante assustador no que tange a uma morte vinda de dentro e não apenas do meio ambiente, mas de acordo com a pulsão de morte postulada por Freud. E que não somos senhores em nossa própria casa. As três feridas narcísicas descritas por Freud – operadas por ele, Copérnico e Darwin – não se originam apenas de fora, mas de dentro de nós mesmos. A percepção da finitude de nossa existência origina a temporalidade humana, castração máxima, assim como origina o discurso. E, como foi acima assinalado, sem a negação também seria impossível o processo secundário, logo não existiria linguagem e

[...] a afirmação – substituto para a união – pertence ao Eros; a negação – sucessora da expulsão – pertence à pulsão de destruição. (FREUD, [1923] 1978, p. 238, tradução nossa).

Felizmente, até em uma vertente filosófica, as reflexões de Leibniz, Schelling e Heidegger sobre a "pergunta fundamental" (Grundfrage) da filosofia: "Por que o ser e não o nada?", indagação de Heidegger. Uma resposta pelo nó borromeano seria que, felizmente, enquanto estamos vivos, o próprio Real também possui um furo, o objeto a. E ao tentar insistir sobre o simbólico, nos obriga ao conhecimento, à linguagem (não apenas verbal, mas todas) e sirva de empuxo para que o simbólico se mescle com o imaginário e funde o amor.

 

Conclusão

Ao iniciar sua trajetória, últimos anos da década de 1880 e toda a de 1890, Freud não tinha ideia de até onde iria. De uma aplicação clínica da neurologia até uma teoria global sobre o ser humano e sua cultura. De casos clínicos de histéricas tratadas por hipnose até a mais completa formulação de uma psicologia e uma psicopatologia até então jamais feitas. Além de uma teoria da cultura que se tornou a mais influente do século XX.

Quanto às suas descobertas sobre a psiquê, já na década de 1890, a maior contribuição de Freud foi a descoberta do inconsciente dinâmico. Com a força que o oculta – o recalque – e seu modo de funcionamento – o processo primário. Só que o inconsciente da segunda metade dos anos 1890 foi sendo desdobrado, à medida que sua pesquisa teórico-clínica foi sendo aprofundada. Pela primeira vez descrito com mais detalhes em A interpretação dos sonhos (1900), conduziu Freud, nos Artigos sobre metapsicologia, também a um pré-consciente recalcado. Em O eu o isso (1923), ocorre a radicalização do local exclusivo do processo primário: o isso. E nas Novas conferências introdutórias (1932-1936) e no Esboço de psicanálise (1940 [1938]), a descrição elaborada de que além do isso, também há partes recalcadas e inconscientes do eu e do supereu.

O isso guarda toda a radicalidade da descoberta freudiana. Houve tempo hábil possível para Freud aprofundar ainda mais o conhecimento sobre o supereu inconsciente. Algo extremamente importante para a clínica. Já o eu inconsciente ficou em segundo plano, o que facilitou que descambasse para uma psicologia adaptacionista do eu.

Contudo, o estudo de eu inconsciente pode revelar a sua importância no que tange às funções cognitivas e, em especial, em relação à linguagem. Nessa perspectiva, o eu inconsciente tanto fascina como estruturante da linguagem, como sendo por ela estruturado. Então, teremos nesse pré-consciente, do ponto de vista sistêmico, mas descritivamente inconsciente e em sua quase totalidade recalcado, o funcionamento pelo processo secundário.

Assim como ocorreu a recusa de muitos filósofos em abandonar a ideia de psíquico = consciência, a concepção do inconsciente enquanto morada de pulsões irracionais, selvagens e de furores animais, é recusada por muitos psicanalistas. Após Copérnico Darwin, a terceira das feridas narcísicas golpeia a vaidade humana: a radicalidade do processo primário, parte esmagadora do inconsciente da primeira tópica e do isso na segunda.

Podemos exemplificar com uma frase do filósofo e psicanalista esloveno Zizek. Sem desmerecer suas instigantes e polêmicas obras. Frase tirada das páginas iniciais de um livro publicado no Brasil ao final da década passada.

Para Lacan, o inconsciente não é um espaço pré-lógico [irracional] de instintos, mas um conhecimento simbolicamente articulado ignorado pelo sujeito (ZIZEK, 2017, p. 15).

Se o modo de funcionamento do inconsciente da primeira tópica é o processo primário, obviamente trata-se de um espaço pré-lógico. O isso, algo do Real de Lacan, não só é ignorado pelo sujeito, como se trata de um assustador caldeirão de instintos (melhor tradução: pulsões). Que sempre retorna ao mesmo lugar, mas sempre insiste sobre o Simbólico e assim sabemos de sua existência. Exceto pela divisão do sujeito, que o cinde de modo a que possamos negá-lo enquanto morada de pulsões irracionais (e mortais), selvagens e de furores animais. Tal sintetiza Gerez Ambertín em Isso, inconsciente e supereu:

Isso inconsciente genuíno [...] satisfação silenciosa: o isso não fala [...] compulsão à repetição (Tyché), sujeito (acéfalo) da pulsão, mudo [...] (GEREZ-AMBERTÍN, 2006, p. 286).

Dessa forma, faz sentido a crítica de André Green de que o inconsciente estruturado como linguagem de Lacan poderia ser aceito enquanto localizado no pré-consciente ou, até mesmo no inconsciente, mas só na primeira tópica. Assim como a crítica de Green de que o inconsciente estruturado como linguagem é incompatível com o isso da segunda tópica, em que todo o aparelho linguístico se localiza no eu inconsciente.

Quanto ao isso recalcado, em contrapartida ao originário, assim como nas obras dos pintores modernos, formaria uma área cromática. Área que conteria toda uma gradação de cores entre as diversas formas de linguagem, desde daquelas que se aproximariam e até se associariam à linguagem verbal, até as puramente imagéticas, desde as figurativas até as mais abstratas. Assim como no caso da música, que cria a sonoridade de qualquer idioma, mesmo na exposição de uma aula de lógica. Ou a dinâmica de percepção em quadros completamente abstratos, tal os mais conhecidos de Kandinsky11, cujas formas podem ser colocadas em movimento e traduzidas em sons musicais. Seria uma sugestão e uma dúvida: linguagem paralela ou até mesmo a origem de toda linguagem, originária do isso recalcado?

 

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Endereço para correspondência
E-mail: anchyses@terra.com.br

Recebido em: 10/06/2021
Aprovado em: 25/06/2021

 

 

SOBRE O AUTOR

Anchyses Jobim Lopes
Médico e bacharel em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mestre em medicina (psiquiatria) e em filosofia pela UFRJ.
Doutor em filosofia pela UFRJ.
Psicanalista e membro efetivo do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro (CBP-RJ).
Professor do curso de formação psicanalítica do Centro de Estudos Antonio Franco Ribeiro da Silva do CBP-RJ.
Supervisor clínico do Centro de Atendimento Psicanalítico (CAP) do CBP-RJ.
Coordenador do Grupo de Trabalho Sobre Neo e Transexualidades (GTNTrans) do CBP-RJ.
Ex-professor assistente do quadro principal do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
Ex-professor adjunto da Faculdade de Educação e da graduação em psicologia da Universidade Católica de Petrópolis (UCP).
Professor titular III dos cursos de graduação em psicologia e de especialização em teoria e clínica psicanalítica da Universidade Estácio de Sá (UNESA).
Patrono das Turmas de Formandos em Psicologia da PUC-RJ, 1998 e 1999.
Um dos editores da revista Estudos de Psicanálise, publicação semestral do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
Presidente do CBP-RJ 2000-2004, 2008-2012 e 2014-2018.
Presidente do CBP 2004-2006 e 2017-2021.
Delegado do CBP para a International Federation of Psychoanalytic Societies (IFPS).
Um dos editores regionais para a América do Sul da revista International Forum of Psychoanalysis.

 

 

1 As traduções de das Es serão variadas ao longo do texto: Id, Isso ou isso. Serão o mais próximo possível das citações de Freud, em que os termos também variam entre as diferentes traduções.
2 Vb (Vortbewusstsein) ist die dritte Umschrieft, an Wortvorstellungen gebunden, unseren offiziellen Ich entsprechend. (FREUD, s.d.).
3 No original "Triebregungen". A tradução literal seria "impulsos pulsionais".
4 FREUD, S. Neuroses de transferência: uma síntese (manuscrito recém-descoberto). Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1987. Texto não publicado por Freud, integrante da série de artigos metapsicológicos que ele não chegou a publicar integralmente, conforme seu plano inicial. O manuscrito foi localizado junto à correspondência a Ferenczi.
5 Disponível em: http://freud-online.de/Texte/PDF/freud_werke_bd14.pdf.
6 Endlich erleichtert, wie wir gehört haben, das Ich dem Es die Bewältigungsarbeit, indem es Anteile der Libido für sich und seine Zwecke sublimiert. Disponível em: http://freud-online.de/Texte/PDF/freud_werke_bd13.pdf.
7 Por questão didática, a figura da Standard Edition foi substituída por sua versão em português.
8 Por questão didática, a figura da Standard Edition foi substituída por sua versão em português.
9 A lista pode estar muito incompleta. Em francês e em português ça e "isso" são palavras ou sílabas muito frequentes. Em princípio, o índice referencial citado menciona ça apenas quando usado numa acepção psicanalítica.
10 Há relato de que Green também teria se pronunciado que mesmo na primeira tópica o inconsciente estruturado como linguagem poderia estar apenas no pré-consciente. Como não localizamos a citação direta do autor, cuja grande parte da obra mais teórica só é acessível em francês, e os livros pouco disponíveis, preferimos não colocar no corpo do artigo. A citação é: "Lacan está dizendo que o inconsciente é estruturado como uma linguagem... quando você lê Freud, é óbvio que essa proposição não funciona por um minuto. Freud opõe muito claramente o inconsciente (que ele diz ser constituído por apresentações de coisas e nada mais) ao pré-consciente. O que está relacionado à linguagem só pode pertencer ao pré-consciente". In: JACOBUS, M. The Poetics of Psychoanalysis. (London, 2005. p. 5n. The Poetics of Psychoanalysis: In the Wake of Klein. 1 st ed., by Mary Jacobus. Oxford University Press, 1 st ed. (February 16, 2006).
11 Wassily Kandinsky - The Creator. Uploaded by Bauhaus Movement. https://www.youtube.com/watch?v=43YsRHdxIq4. (Acesso em 06/04/2021).

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