SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número55"O guri tá muito grudado": impactos da violência doméstica na díade mãe-filho índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437versão On-line ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  no.55 Belo Horizonte jan./jun. 2021

 

PSICANÁLISE: CLÍNICA E TEORIA

 

Psicanálise: uma revisão didática sobre as principais contribuições de Freud

 

Psychoanalysis: a didactic review of Freud's main contributions

 

 

Renata Franco LeiteI; Fernanda Nunes MacedoI; Sara Bezerra Costa AndradeI

I Círculo Psicanalítico de Sergipe

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho se propõe a pensar de maneira breve e a partir de uma abordagem didática, a evolução da teoria psicanalítica, apresentando os principais conceitos que, ao longo dos anos, vêm se mantendo e se desenvolvendo no sentido de aprofundar cada vez mais os estudos psicanalíticos. A principal figura psicanalítica, sem dúvida, é Freud e, a partir dos conceitos por ele traçados, outros estudiosos se interessaram e buscaram aprofundar ou complementar sua teoria. Sendo assim, este artigo tem como finalidade apresentar, de maneira sucinta, os conceitos iniciais da teoria, como forma de ilustrar a evolução e a importância da psicanálise para o desenvolvimento dos estudos sobre o psiquismo humano.

Palavras-chave: Freud, Psicanálise, Psiquismo.


ABSTRACT

The present work proposes to think briefly and from a didactic approach the evolution of psychoanalytic theory, presenting the main concepts that, over the years, have been maintained and developed in order to further deepen the psychoanalytic studies. The main psychoanalytic figure, without a doubt, is Freud and, based on the concepts he traced, other scholars became interested and sought to deepen or complement his theory. Therefore, this article aims to briefly present the initial concepts of the theory, as a way of illustrating the evolution and importance of psychoanalysis for the development of studies on the human psyche.

Keywords: Freud, Psychoanalysis, Psychism.


 

Introdução

A psicanálise está associada ao seu principal representante e fundador, o médico austríaco Sigmund Freud. Nascido em 1856, em Viena, sua formação médica contribuiu diretamente para o surgimento do pensamento psicanalítico e, consequentemente, de toda uma teoria que até hoje vem sendo estudada, desenvolvida e aplicada em processos terapêuticos que envolvem as mais diversas necessidades humanas.

É interessante apontar que, mesmo havendo uma grande evolução no pensamento científico, especialmente no contexto da psicologia com o surgimento de diversas abordagens teóricas de terapia, a essência psicanalítica, que foi criada e desenvolvida por Freud, permanece válida, é amplamente respeitada e utilizada, aspecto que dá ainda mais credibilidade a toda a teoria por ele desenvolvida.

Freud, de fato, foi o principal fomentador de toda a teoria psicanalítica, porém não se pode deixar de citar a importância de outros estudiosos. Há aqueles que chegaram a fazer parcerias diretas com o próprio Freud e que, mesmo após o rompimento por parte de alguns, contribuíram diretamente para o crescimento da psicanálise. Esses rompimentos se deram por causa de conflitos de interesses e divergências sobre o pensamento analítico. Alguns deles aconteceram por parte de Freud e outros partiram de seus seguidores.

Podemos citar autores como Abraham, Anna Freud, Bion, Bleuler, Ferenczi, Jung, Lacan, Melanie Klein, Reich e Winnicott, que foram fundamentais para o desenvolvimento da psicanálise, trazendo inúmeras contribuições que nem sempre convergiam com as opiniões de Freud.

Para ilustrar a importância de Freud, Zimerman (1999, p. 41) traz:

É quase uma redundância falar em "escola freudiana" porquanto toda a psicanálise, e todos os psicanalistas, de uma forma ou de outra, estão ligados aos postulados metapsicológicos, teóricos e técnicos legados por Freud e seus seguidores diretos, tanto os seus contemporâneos como os pósteros a ele.

O surgimento da psicanálise está diretamente ligado ao desenvolvimento das ciências médicas em geral. Em decorrência da relação de Freud com a medicina e outros médicos que, de certa forma, o auxiliaram durante o processo, pode-se afirmar que a psicanálise está associada, inicialmente, a aspectos neurológicos e psiquiátricos, porém ao longo do seu desenvolvimento passa a transitar por diversas áreas.

Além disso, não há uma data que se considere a "fundação" ou o "surgimento" da psicanálise. Considera-se apenas que a primeira grande obra sobre psicanálise tenha sido A interpretação dos sonhos, escrita por Freud em 1899 e publicada em 1900, mesmo que se tenha ciência de que antes disso já havia estudos sobre a teoria. (JUNG, 1989).

A hipnoterapia, praticada e estudada por Charcot por volta do ano 1885, chamou a atenção de Freud e foi a partir daí que ele passou a se dedicar aos estudos ligados à histeria. (JUNG, 1989).

Pode-se afirmar que o primeiro tratamento psicanalítico foi utilizado com uma paciente de Breuer, médico que fez algumas publicações em parceria com Freud, a exemplo de Estudos sobre a histeria.

Por meio de cartas trocadas entre ele e Freud, ricas discussões foram travadas em relação ao tratamento da paciente, evidenciando que se trata do primeiro relato de processo psicanalítico feito através da hipnoterapia.

De acordo com esses registros, é possível concluir que tal tratamento foi escolhido porque a paciente tinha necessidade de relatar seus sentimentos, o procedimento médico passou a ser uma "cura pela fala", que Freud veio a denominar de "livre associação de ideias", uma das principais características da teoria e o mais relevante meio de viabilizar a sua concretização. (ZIMERMAN, 1999).

Não há dúvida de que foi Freud, embora muitas vezes influenciado em seus estudos por outros cientistas, que deu início à teoria psicanalítica. Entretanto, é necessário esclarecer que não houve uma estagnação no que diz respeito à elaboração e ao desenvolvimento de outras teorias. A essência psicanalítica desenvolvida por Freud permanece, porém há inúmeras novas contribuições que devem ser consideradas importantes, mesmo que não anulem ou substituam as contribuições originais.

 

Principais aspectos psicanalíticos descritos por Freud

Como dito anteriormente, Freud descreveu os principais conceitos psicanalíticos utilizados até hoje. Apesar da influência de outros autores, não se pode negar a essencialidade e a importância de conceitos formulados por ele, por exemplo: a análise dos sonhos, o conceito de consciente e inconsciente, a estrutura de personalidade: Id, Ego e Superego, as pulsões, o desenvolvimento psicossexual e os mecanismos de defesa, entre outros.

Ao se debruçar sobre o estudo dos sonhos, Freud percebeu que se tratava de um fenômeno psíquico constituído por imagens e representações não conscientes. Então, estabeleceu um método de interpretação através das livres associações feitas pelo paciente (ROUDINESCO; PLON, 1998).

Os sonhos representam a manifestação desses conflitos existentes no inconsciente somados aos restos diurnos ou acontecimentos diários. (ZIMERMAN, 1999).

A descrição freudiana de consciente o considera uma parte acessível do nosso aparelho psíquico e o inconsciente a parte onde seriam armazenadas as informações com as quais os sujeitos teriam dificuldade de lidar, por isso seriam recalcadas ou esquecidas, mas mesmo assim estariam "vivas" nesse local. (BENSON, 2012).

Enquanto temos acesso direto ao nosso consciente, há grande dificuldade em acessar as informações contidas no inconsciente. Seria, pois, função do analista auxiliar o paciente a acessar essas informações.

Freud conceitua a estrutura do aparelho psíquico em dois momentos/etapas que ele denomina de primeira tópica e segunda tópica.

A proposta da primeira tópica funcionou entre os anos 1900 e 1920, período em que o autor distinguia três instâncias: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente. A partir das suas observações, em 1920, Freud buscou rever essa conceituação e passou a entender a estrutura do aparelho psíquico como Id, Ego e Superego, conceitos ainda utilizados nos dias atuais.

Sendo assim, o modelo da segunda tópica funcionaria da seguinte forma: apesar de não existir acesso direto às informações inconscientes, o Ego recebe influências dos conflitos existentes no Id e no Superego, e atua com o objetivo de manter a homeostase psíquica do sujeito.

Os principais conflitos vividos pelo sujeito surgem, portanto, da relação entre as estruturas do inconsciente, pois nelas são armazenados os nossos principais desejos, nossas repressões e nossas frustrações. E o Ego "trabalha" para que haja a possibilidade de uma interação social adequada. (BOCK, 2008).

Ainda sobre essa teoria, Bergeret (2006) traz que, para Freud, a principal diferença entre o modelo da primeira e da segunda tópica seria com relação ao funcionamento do Ego. Na primeira tópica, o Ego estaria apenas no lugar da consciência, quando, na verdade, Freud revê essa questão e passa a entender o Ego não apenas como consciente, mas também como parte inconsciente.

Em 1916 Freud pensa no conceito de pulsões, entendendo que elas se caracterizam como uma energia que funciona internamente para manter o funcionamento de todas essas estruturas. Há, inclusive, uma descrição do que seria um circuito de comunicação entre o corpo e a mente do sujeito. O conceito de pulsão veio junto com a comunicação entre os neurônios e os neurotransmissores. (ANNA FREUD, 1968).

Com relação aos mecanismos de defesa, considera-se que correspondem às forças internas que atuam na defesa da homeostase psíquica do sujeito. Através dos mecanismos de defesa, o Ego se protege dos conflitos gerados tanto internamente quanto externamente, entre os quais se destacam: a negação, a sublimação, a regressão, a formação reativa, a racionalização, o deslocamento, a projeção, a introjeção. (BENSON, 2012).

Para que seja formada a personalidade do sujeito, Freud sugere as fases do desenvolvimento psicossexual. O autor propõe a existência de quatro fases: a fase oral, a fase anal, a fase fálica, a fase genital, inclusive o período de latência, que se apresenta entre as fases fálica e genital. Nessas fases ou etapas, o sujeito entra em contato com inúmeros aspectos que o auxiliam na formação da sua personalidade e no direcionamento de seus desejos. (BERGERET, 2006).

Nunca é demais enfatizar que todos esses conceitos estão intimamente ligados, evidenciando a complexidade da teoria freudiana, que poderia ser expressa como uma abordagem do sujeito como uma estrutura única, uma espécie de máquina, formada por diversas peças de engrenagem trabalhando simultaneamente para o funcionamento do todo.

 

Conclusão

A teoria psicanalítica e seus conceitos são extremamente complexos. Embora tenham sido inicialmente formulados por Freud e permaneçam até os dias atuais, não se trata de uma teoria estática.

Conforme foi descrito neste artigo, inúmeros autores se apropriaram dessa teoria, desenvolvendo novas perspectivas e distintas maneiras de atuação em relação tanto a técnicas quanto ao público-alvo.

O que não se pode negar é que, seja considerada em sua forma original, seja complementada pelos estudos posteriores a Freud e todo o aprofundamento e desenvolvimento da teoria, a psicanálise perdura e se reafirma, cada vez mais, como uma abordagem eficiente e capaz de ser manejada por profissionais competentes, atingindo o escopo maior de ajudar o sujeito a se conhecer e se integrar plenamente ao meio social em que está inserido.

 

Referências

BENSON, N. C. Entendendo psicologia. Tradução: Marly N. Peres. São Paulo, SP: LeYa, 2012.         [ Links ]

BERGERET, J. Psicopatologia: teoria e clínica. 9. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2006.         [ Links ]

BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 14. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2008.         [ Links ]

FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Tradução: Álvaro Costa. Rio de Janeiro, RJ: BUP – Biblioteca Universal Popular, 1968.         [ Links ]

JUNG, C. G. Freud e a psicanálise. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.         [ Links ]

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução: Vera Ribeiro e Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira Marco Antônio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1998.         [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria e clínica - uma abordagem didática. Porto Alegre, RS: Artmed, 1999.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Renata Franco Leite
E-mail: renatafrancoleite@hotmail.com

Fernanda Nunes Macedo
E-mail: fernandanunesmacedo@hotmail.com

Sara Bezerra Costa Andrade
E-mail: sarabc_andrade@hotmail.com

Recebido em: 27/06/2021
Aprovado em: 14/07/2021

 

 

SOBRE AS AUTORAS

Renata Franco Leite
Psicóloga graduada pela Universidade Tiradentes (Unit).
Psicanalista.
Membro autorizado do Círculo Psicanalítico de Sergipe.

Fernanda Nunes Macedo
Psicóloga graduada pela Universidade Tiradentes (Unit).
Psicanalista.
Membro autorizado do Círculo Psicanalítico de Sergipe.

Sara Bezerra Costa Andrade
Psicóloga graduada pela Universidade Tiradentes (Unit).
Psicanalista.
Membro Autorizado do Círculo Psicanalítico de Sergipe.

Creative Commons License