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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437On-line version ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  no.56 Belo Horizonte July/Dec. 2021

 

PSICANÁLISE: CLÍNICA E TEORIA

 

Diversidade de tipos psicológicos: mito ou realidade nas organizações contemporâneas?

 

Diversity of psychological types: myth or reality in contemporary organizations?

 

 

Anderson de Souza Sant'AnnaI, II,III; Luiz Otávio Salgado VogelIV

I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
II Fundação Getúlio Vargas
III University of Louisiana at Lafayette
IV Fundação Dom Cabral

 

 


RESUMO

Criatividade, diversidade e inovação são continuamente apontadas como atributos centrais de diferenciação e obtenção de vantagens comparativas às organizações do competitivo mundo contemporâneo dos negócios. Tal premissa tem induzido inúmeras organizações adotar processos internos direcionados à maior inclusão de minorias sociológicas, bem como ao desenvolvimento de políticas e práticas que favoreçam a gestão da diferença e da diversidade. Nesse contexto, este artigo tem como objetivo investigar a amostra de 7.924 profissionais indicados por suas organizações para participação em programas de educação executiva promovidos por reconhecida escola de negócios brasileiros, os quais foram submetidos, no período de 2010 a 2016, ao MBTI, instrumento desenvolvido a partir dos tipos psicológicos de Jung, para a mensuração de preferências psicológicas individuais. A expectativa consistia em verificar, ao longo do período investigado, maior diversidade de perfis, com ampliação da presença da função psíquica Intuição, como dominante ou auxiliar nos tipos psicológicos investigados. Os resultados, todavia, apontam para elevada preponderância das preferências Pensamento e Sensação, tendo os perfis Intuição e Percepção, comumente relacionados à criatividade e inovação, apresentado as mais baixas incidências, ao longo da série histórica investigada.

Palavras-chave: Tipos psicológicos, MBTI, Diversidade, Inclusão, Jung.


ABSTRACT

Creativity, diversity and innovation are continuously pointed out as central attributes of differentiation and achievement of comparative advantages for organizations in the competitive contemporary business world. This premise has oriented innumerous organizations to the induction of internal processes aimed at greater inclusion of sociological minorities, as well as the development of policies and practices that favor the management of difference and the resulting diversity. In this context, this article aims to investigate a sample of 7,924 professionals appointed by their organizations to participate in executive education programs promoted by renowned Brazilian business schools, which were subjected, in the period from 2010 to 2016, to the MBTI, an instrument developed from Jung's psychological types, to measure individual psychological preferences. The expectation was to verify, throughout the period investigated, a greater diversity of profiles, with increased presence of the psychic function Intuition, as dominant or auxiliary in the psychological types investigated. The results, however, point to a high preponderance of the preferences Thought and Sensation, with the profiles Intuition and Perception, commonly related to creativity and innovation, presenting the lowest incidences throughout the historical series investigated.

Keywords: Psychological Types, MBTI, Diversity, Inclusion, Jung.


 

Introdução

A busca por categorizar a multiplicidade dos indivíduos humanos sem eliminar a singularidade de cada um não constitui iniciativa recente. Ao contrário, remonta a tempos longínquos. De acordo com Jung ([1921] 2013), a mais antiga talvez possa ser atribuída à astrologia do antigo Oriente, baseada nos trígonos dos quatro elementos: ar, água, terra e fogo. Ainda na Antiguidade, muita atenção é conferida, especificamente pelos médicos, à busca de princípios ordenadores que tornassem possível reduzir a caótica diversidade do gênero humano a grupos organizados. Entre eles, Empédocles, inspirado nos fenômenos naturais, propõe, por meio de conexão com a filosofia naturalista dos gregos, um ordenamento baseado nas noções igualmente naturalistas de seco, quente, úmido e frio. No entanto, a tentativa mais exitosa cabe a Galeno, que baseado no ensinamento de Hipócrates (século V a.C.) acerca dos quatro elementos fundamentais – ar, água, fogo e terra –, distingue, no século II de nossa era, quatro temperamentos humanos básicos: o sanguíneo, o fleumático, o colérico e o melancólico (JUNG, [1921] 2013). A tais elementos corresponderiam, no corpo humano, o sangue, a fleuma, a bile amarela e a bile negra. A ideia de Galeno era que as pessoas podiam ser divididas nessas quatro classes, de acordo com a mistura desses quatro elementos (JUNG, [1921] 2013).

O mérito de Galeno pode ser reconhecido não apenas por desenvolver uma classificação que seria aplicada ao longo de cerca de mil e oitocentos anos, mas, sobretudo, ao buscar estabelecer diferenças entre os indivíduos a partir de fatores "internos" e "externos". De um lado, indivíduos que se deixam determinar, em suas motivações, sobretudo pelo objeto externo e, de outro, aqueles determinados principalmente por características diretamente ligadas à sua subjetividade. Inspirado nessas noções, Jung ([1921] 2013) denominará o primeiro grupo de "extrovertido", e o segundo, de "introvertido".

Desde a Antiguidade, no entanto, a concepção de "temperamento" baseada em fatores internos e externos ao indivíduo apresenta-se recalcitrante. Somente com a modernidade, a dimensão psicológica vai se liberando da concepção de "alma" e de sua vinculação estrita com humores quentes e frios, mucosos e belicosos, os quais acabavam por induzir a muitos, mesmo atualmente, à tentação de considerar a psique

[...] como órgão sensível e dependente da fisiologia das glândulas, onde sutis hormônios influenciariam em larga escala o 'caráter' humano (JUNG, [1921] 2013, p. 530).

De modo geral, no entanto, o caráter humano pode ser compreendido como a forma individual estável da pessoa, de natureza corporal e psíquica. É, no entanto, verdade que a compreensão da dimensão psíquica é bem mais complexa que a do corpo visível. A psique, ainda hoje, constitui terreno estranho, pouco explorado, cuja apreensão se dá apenas por vias indiretas, fornecidas pelas funções da consciência, as quais, por sua vez, estão expostas a possibilidades infinitas de equívocos. O caminho mais seguro parece ser, portanto, e com razão, o que vai de "fora" para "dentro", do "conhecido" para o "desconhecido", do "corpo" para a "alma" (JUNG, [1921] 2013, p. 530).

Sob o enfoque científico, tal direção – de "fora" para "dentro" – deve, ademais, ser trilhada por meio de pesquisa sistemática, de modo a poder estabelecer, com relativa acuidade, certos fatos elementares da psique. A simples constatação de que certas pessoas se manifestam desta ou daquela forma não significa nada se não permitir inferir uma correlação psíquica. Sob tal perspectiva, os esforços de Jung não se direcionam ao estudo clínico de características externas, mas à pesquisa e classificação de dados psíquicos passíveis de se estabelecer por conclusões. Desse trabalho resulta, em primeiro lugar, uma fenomenologia psíquica que permite uma correspondente teoria estrutural e, por meio do emprego empírico da teoria estrutural, chegar a uma tipologia psicológica (JUNG, [1921] 2013).

A fenomenologia clínica é sintomatologia e, como se sabe, conseguida pelo uso de métodos analíticos. Atualmente, tem-se conhecimento dos processos psíquicos que produzem sintomas psicogênicos e, dessa forma, tem-se a base para uma fenomenologia psíquica: a teoria dos complexos não são mais que isso.

Aprofundando na dimensão da análise dos complexos, atinge-se logicamente a questão de suas causas. As diversas teorias desenvolvidas apontam para um número relativamente reduzido de formas, básicas e típicas, associadas aos principais complexos humanos, todas elas fundamentadas nas primeiras vivências da infância (FREUD, [1905] 2016). Isso traz à tona outra questão relevante, a qual não se coloca na existência de um dado complexo em si, mas no modo como atua nos indivíduos, em especial, como o indivíduo reage a ele (JUNG, [1921] 2013).

Há, certamente, indivíduos nos quais é possível reconhecer à primeira vista o "tipo" psicológico, mas isso não é o comum. Em geral, somente a observação e a ponderação cuidadosa de suas experiências tornam possível uma classificação precisa. A psique é singular a cada indivíduo e não é passível de explicação por nenhuma classificação. Contudo, a compreensão dos tipos psicológicos abre um caminho importante para melhor compreender a psicologia humana em geral (JUNG, [1921] 2013).

Em linhas gerais, a "diferenciação" do tipo acontece, muitas vezes, bem prematuramente. O principal sinal de "extroversão" na criança é sua rápida adaptação ao meio ambiente e a atenção que confere aos objetos, principalmente sua ação sobre eles. Parece não sentir especial distância entre eles e si mesma. Não se importa em levar seus empreendimentos ao extremo, expondo-se a riscos. Tudo que é desconhecido lhe parece atraente (JUNG, [1921] 2013).

Por outro lado, um dos primeiros sinais de "introversão" refere-se à sua natureza reflexiva e pensativa, seu pronunciado receio e, inclusive, medo de objetos desconhecidos. Bem cedo manifesta-se também a tendência de autoafirmação perante os objetos e a tentativa de dominá-los. O desconhecido é olhado com desconfiança. Em geral, essa criança coloca forte resistência contra influências externas. Ela quer ter seu próprio caminho e, de forma alguma, não aceita um caminho estranho que não consegue entender por si só (JUNG, [1921] 2013).

Na criança introvertida encontra-se, portanto, desde bem cedo a atitude de defesa contra o poder dos objetos, da mesma forma que se pode observar bem precocemente na criança extrovertida notável segurança, espírito de iniciativa e confiança no tratamento com os objetos. Esse é o traço fundamental da atitude extrovertida: a vida psíquica transcorre, por assim dizer, nos objetos e nas relações com os objetos, fora do indivíduo. Em casos especialmente marcantes, atinge-se uma espécie de "cegueira" para com a própria individualidade. Ao contrário, o introvertido se comporta em relação aos objetos como se estes possuíssem um poder sobre ele, contra o qual precisa se defender. Seu mundo propriamente dito é seu interior, sua subjetividade.

Lamentavelmente, dado aos valores psíquicos em lados opostos, os dois tipos tendem a manifestar entre si conceitos desfavoráveis. Não é de admirar, portanto, que se combatam. No entanto, com o tempo, emerge em cada um deles a necessidade de desenvolver também o que ficou desprezado. Para Jung (2013), o próprio desenvolvimento humano se realiza sob a forma da "diferenciação" de certas funções psíquicas.

Nesse sentido, a psique – e seu desenvolvimento – constitui uma espécie de aparelho de adaptação ou orientação, constituído de certo número de diferentes funções psíquicas. Como funções básicas ele elenca: a "sensação", o "pensamento", o "sentimento" e a "intuição". Sob o conceito de sensação, Jung ([1921] 2013) abrange as percepções através dos órgãos sensoriais; o pensamento é a função do conhecimento intelectual e da formação lógica de conclusões; por sentimento, entende a função que avalia as coisas subjetivamente e, por intuição, a percepção por vias inconscientes ou a percepção de conteúdos inconscientes.

De acordo com ele, portanto, uma orientação plena da consciência pressuporia que o conjunto das funções psíquicas concorressem igualmente. No entanto, as funções básicas estã o raras vezes – ou nunca – igualmente diferenciadas e, portanto, disponíveis. Em geral, uma ou outra ocupa o primeiro plano, e as demais permanecem indiferenciadas no segundo plano.

Assim, há indivíduos que se limitam a perceber simplesmente a realidade concreta, sem se preocupar em refletir sobre ela ou em considerar seu valor sentimental. Pouco se importam também com as possibilidades que podem estar presentes em certa situação. Tais pessoas, Jung ([1921] 2013) denomina pelo tipo "sensação". Outras se deixam determinar exclusivamente pelo que pensam, e não conseguem se adaptar a uma situação da qual não têm conhecimento intelectual. São os tipos "pensamento". Outras, ainda, deixam-se guiar em tudo exclusivamente pelo sentimento. Perguntam apenas se algo é agradável ou não e se orientam por suas impressões sentimentais. São o tipo "sentimento". Por fim, os "intuitivos" não se direcionam nem pelas ideias, nem por reações sentimentais, tampouco pela realidade das coisas. Eles se deixam atrair exclusivamente pelas possibilidades, abandonando qualquer situação que não permite vislumbrar maiores possibilidades.

Esses tipos apresentam ainda outra espécie de diferenciação que, no entanto, se complica de modo especial com a atitude "introvertida" ou "extrovertida" e, em geral, resulta na perda de equilíbrio se não psiquicamente compensada por uma atitude inconsciente oposta. Em outros termos, a pesquisa sobre o inconsciente indica que um introvertido tem, ao lado ou atrás de sua atitude consciente, uma atitude extrovertida que lhe é inconsciente e que compensa automaticamente a unilateralidade consciente. Como decorrência, se as atitudes extrovertida e introvertida não podem ser demonstradas, no caso particular, como algo geral, podem, no entanto, ser consideradas a partir da peculiaridade da função consciente predominante. Outra decorrência, que implica sérias dificuldades ao diagnóstico dos tipos, é, portanto, a possibilidade de identificar, por exemplo, em um intelectual introvertido sentimentos extrovertidos (JUNG, [1921] 2013).

Em outras palavras, como conclui Jung ([1921] 2013, p. 527), "[...] entre consciência e inconsciente existe normalmente uma oposição", um contraste que não se apresenta como conflito, enquanto a atitude não for unilateral em demasia e não estiver afastada demais da atitude inconsciente. Se isso, porém, acontecer, os impulsos inconscientes procuram simplesmente outras saídas, difíceis de reconhecer, abrindo válvulas indiretas que resultam nas neuroses.

Nessa direção, a oposição entre os tipos é não apenas um conflito externo entre as pessoas, mas também uma fonte infindável de conflitos internos, não apenas a causa de disputas e antipatias externas, mas também motivo de doenças e sofrimentos psíquicos.

Partindo da premissa de que, na luta pela existência e pela adaptação, cada qual emprega instintivamente sua função mais desenvolvida, que se torna, assim, o critério de seu hábito de reação, a investigação dos tipos se orienta por outra questão fundamental: "Como reunir todas essas funções em conceitos gerais de modo que possam distinguir-se dos simples acontecimentos individuais?" (JUNG, [1921] 2013, p. 541). Em outros termos, o que funciona, primordialmente, na reação individual?

Uma vez mais, para Jung ([1921] 2013), o tipo representa um exemplo, um modelo que reproduz de forma característica o caráter de uma espécie ou de uma generalidade. Em relação ao tipo psicológico, trata-se, portanto, de um modelo característico de uma atitude geral que se manifesta em muitas formas individuais. Como o tipo psicológico é evidenciado quando uma das atitudes é habitual, imprime-se ao caráter do indivíduo um cunho determinado.

Ainda de acordo com Jung ([1921] 2013), fundamentados nas funções básicas, esses tipos se dividem conforme a qualidade da função básica em duas classes: "racionais" e "irracionais". Fundamentados nas funções básicas, esses tipos se dividem em duas classes: "racionais" e "irracionais", conforme a qualidade da função básica (JUNG, [1921] 2013).

Aos primeiros pertencem o tipo "pensamento" e "sentimento"; aos últimos, o tipo "intuição" e "sensação". Cabe salientar que o conjunto dos tipos básicos pode pertencer a uma ou outra classe, dependendo da atitude predominante: se mais introvertida ou mais extrovertida. Ou seja, um tipo "pensamento" pode ser da classe "introvertida" ou "extrovertida" e, assim, qualquer outro tipo. A divisão em tipos "racionais" e "irracionais" é, portanto, outro ponto de vista e nada tem a ver com "introversão" e "extroversão".

De toda forma, para Jung ([1921] 2013, p. 557), a tipologia psicológica não tem a finalidade de dividir as pessoas em categorias. Ao contrário, visa se constituir como uma "psicologia crítica" que possibilite uma investigação e ordenação metodológicas de elementos empíricos relacionados à psique, representando auxílio relevante à compreensão das variações individuais, além de orientação quanto a diferenças fundamentais das teorias psicológicas em voga. Representa também possibilidades de mitigar erros no julgamento dos indivíduos, a partir de suposições e opiniões não científicas (JUNG, [1921] 2013).

Há que ressaltar que toda pessoa tem ambos os mecanismos para exprimir seu ritmo natural de vida. Uma alternação rítmica de ambas as formas psíquicas de ação talvez corresponda ao fluxo "normal" de vida. Contudo, situações de incerteza e elevada complexidade, raramente permitem um fluxo totalmente imperturbável da atividade psíquica. Circunstâncias externas e disposição interna favorecem muitas vezes um dos tipos. Tornando-se crônica da situação decorre, então, um tipo; ou seja, uma atitude habitual, na qual predomina um dos mecanismos sem, contudo, suprimir totalmente o outro, que também constitui parte necessária da atividade psíquica. Logo, não pode haver um tipo puro no sentido de possuir apenas um dos mecanismos e o outro ficar completamente atrofiado. Uma atitude típica significa sempre e tão somente a predominância relativa de um dos mecanismos (JUNG, 2013).

E, curiosamente, quanto mais se retrocede na história, tanto mais se constata a subjetividade "[...] desaparecendo sob o manto da atividade" (JUNG, [1921] 2013, p. 25). De fato, quando se chega à psicologia primitiva nem vestígios do conceito de indivíduo se encontra. Em vez da "singularidade" somente o "relacionamento coletivo" (JUNG, [1921] 2013, p. 25).

Mas o caso é diferente quando a ciência passa para a aplicação prática. Nesse contexto, em vez de falar em "fantasia criadora" tem-se a primazia de uma "psicologia prática", direcionada quase exclusivamente ao fim absoluto da ciência. Não se deve, entretanto, esquecer que a fantasia criadora mantida dentro de limites adequados pode produzir soluções bastante satisfatórias (JUNG, [1921] 2013).

Tais limites, no entanto, não deveriam ser artificialmente impostos pelo intelecto ou pelo sentimento racional porque são impostos pela necessidade e pela realidade irrefutável de cada individualidade. Além disso, e cada vez mais, os desafios de cada época são diversos e crescentemente mais complexos, tornando sistematicamente mais difícil discernir com segurança o que deveria ter sido e o que não deveria ter ocorrido. Ademais, sabe-se que toda boa ideia e toda obra criadora surgem da imaginação e tiveram seu começo naquilo que se costumar chamar de fantasia infantil. Em outras palavras, não é apenas o artista que deve sua máxima realização à fantasia, mas também qualquer pessoa criativa, pois o lúdico é o princípio dinâmico da fantasia (JUNG, [1921] 2013).

Próprio da criança e, por isso, aparentemente incompatível com o princípio do "trabalho sério", esse "brincar com a fantasia" constitui a origem da obra criativa, e a imaginação constitui seu ingrediente fundamental. Porém, adverte Jung ([1921] 2013), somente passível de realização quando criadas as condições para seu efetivo desenvolvimento.

A "seriedade" provém de uma necessidade interna profunda; o "jogo", porém, é sua expressão externa, que se apresenta para a consciência. Não se trata, evidentemente, de querer produzir uma obra criativa sem estabelecer as condições para a emergência da dimensão lúdica da fantasia, oriunda das necessidades internas de seus agentes, ou ainda pela compulsão das circunstâncias ou imposição da vontade: "É brincadeira séria" (JUNG, [1921] 2013, p. 134).

Afinal, se a "brincadeira" se esgota em si mesma, sem nada criar que seja duradouro e vital, trata-se, sem dúvida, de "mera brincadeira"; caso contrário, é uma "obra criadora". Logo, não é o intelecto que realiza a criação de algo novo, mas o instinto lúdico agindo por necessidade interna: "O espírito criador brinca com um objeto que ele ama. Por isso é fácil considerar toda atividade criativa cujas possibilidades ficam ocultas ao coletivo (JUNG, [1921] 2013, p. 135).

Mesmo que o grande valor da obra criadora e sua relação pessoal com o mundo esteja subordinada à tradição, somente é considerada enquanto tal ao se converter em "símbolo": "Para que saia da mera importância estética e chegue à realidade deve entrar na vida e aí ser assumida e vivida". Para tal, somente possível por meio de atitude "introvertida", baseada na abstração. Com vistas a essa finalidade, a função do extrovertido é "inferior", isto é, está no limite da restrição coletiva que impede que o símbolo criado pela "alma" se torne vivo (JUNG, [1921] 2013, p. 196).

Sob tal perspectiva, o racionalmente concreto apresenta-se como um conceito por demais direto para abranger e expressar suficientemente a vida em seu todo e em sua duração. Na incapacidade de compreender esse acontecimento, qualquer outra direção tende a desaparecer aos poucos, sucumbindo à obsolescência e à irrelevância (JUNG, [1921] 2013).

É corrente que a inteligência procura a solução sempre no caminho racional, consequente e lógico, o que se corrobora em todas as situações e problemas de "médio porte". Porém, ao se colocar incapaz de criar a imagem – o símbolo, de natureza "irracional" –, revela-se impotente para lidar com a esfera das grandes e decisivas questões. Como resultante, "quando o caminho racional se torna beco sem saída – o que sempre tende a ser depois de certo tempo – aí a solução só surge do lado que não se esperava", onde, a priori, a solução parecia a mais improvável (JUNG, [1921] 2013, p. 273).

Tal solução, não raro, é uma conciliação dos opostos. O critério da ação distintiva é a força irresistível do impulso inconsciente. Assim, sua liderança é orquestrada por aquela figura dotada de uma "força mágica" que parece tornar possível o impossível, de mobilizar um símbolo como caminho intermediário que integra os opostos em vista de um "movimento novo" (JUNG, [1921] 2013, p. 275).

Contudo, ao ser intimamente associada ao "perigoso" e ao "ameaçador", qualquer função que não hegemônica se vê imediatamente ameaçada de exclusão ou destruição. A aceitação do novo equivale a uma grande catástrofe, notadamente, ao derivar de uma função nova e poderosa, na qual não era presumível que houvesse alguma força ou possibilidade de desenvolvimento bem-sucedido, ainda mais associada à esfera do "inconsciente, daquela faixa da psique que por querer – ou sem querer – não se torna consciente e por isso é tratada por todos os racionalistas como não existindo" (JUNG, [1921] 2013, p. 277).

De fato, como admitir sem maiores sofrimentos, que dessas concepções desacreditadas e rejeitadas provém um novo afluxo de energia e renovação? E, antes disso, como explicar todos aqueles conteúdos psíquicos que, por sua incompatibilidade com os valores conscientes, foram reprimidos ou suprimidos? Como aceitar que aquilo que se desprezou anteriormente torna-se agora o princípio mais elevado? Essa inversão de valores equivale a uma destruição de valores vitais pessoais e coletivos antes fortemente internalizados e compartilhados (JUNG, [1921] 2013).

Em termos da economia psíquica, tal recusa à diferença corresponde à quantidade de libido reprimida. Porém, de toda forma, o símbolo, produz efeito. Mesmo não aceito de forma pura, ele é paulatinamente absorvido pelos poderes arcaicos e indiferenciados, abrindo-se espaço ao que Jung ([1921] 2013, p. 282) denomina de "enantiodromia", isto é, a "[...] transformação do que era valor, até agora, em não valor, do mal, até agora, em bom" (JUNG, [1921] 2013, p. 282).

De forma alguma, no entanto, isso significa que introversão e extroversão deixam de dominar como linhas de ação – dessa forma cessaria também a dissociação da psique –, o que se se registra é o aparecimento de uma função nova (JUNG, [1921] 2013). Nesse processo, em nível das relações interpessoais, a posição estrutural da "liderança" apresentar-se-ia fundamental como mediadora entre o símbolo e uma nova atitude capaz de integrar os opostos.

Para Spittler (1915), referenciado por Jung ([1921] 2013), o grande perigo em tais dinâmicas é, ao invés do símbolo emergente, os símbolos arcaicos despertados por esse processo serem assumidos racionalmente e reintegrados nas formas tradicionais de pensar. Diante disso, aponta-se também, em nível relacional, para o papel posicional da liderança na construção e identificação de ambiências coletivas em que predomine a diversidade de funções psicológicas e, em particular, a liberdade de cada indivíduo ser o que é, não preexistindo, nem forma ideal de integrá-los, tampouco configurações artificialmente arranjadas (JUNG, 2013).

Também referenciado por Jung ([1921] 2013), Gross (1909) sugere que do tipo extrovertido teria nascido o chamado "gênio civilizatório" e, do tipo introvertido, "o gênio cultural". Ao extrovertido corresponderia o agir prático, ao introvertido, a imaginação abstrata. Para o autor, vivendo na virada para o século XX, as expectativas de progresso alicerçada nos avanços da tecnociência: "[...] o novo século precisaria, sobretudo, da consciência restrita e aprofundada" (GROSS, 1909, p. 75).

Face aos desafios do século XXI, talvez fosse mais preciso indicar, conforme sugerido por Jung ([1921] 2013), a necessidade das duas instâncias – "civilização" e "cultura" –, com diminuição da função secundária na primeira e seu prolongamento na segunda. Cada vez mais ciente da impossibilidade de produzir uma sem a outra, o verdadeiro desafio lhe parece anterior: desenvolvê-las na humanidade atual. Em suas próprias palavras, "o que uma tem de mais, falta à outra se quisermos fazer um pronunciamento mais cauteloso. O repetido discurso sobre progresso torna-se continuamente mais desacreditado e suspeito (JUNG, [1921] 2013, p. 297).

Tendo por base tal problemática, analisamos os resultados de pesquisa destinada a investigar os tipos psicológicos dominantes junto a uma amostra de 7.924 profissionais indicados por suas organizações para participação em programas de educação executiva promovidos por reconhecida escola de negócios brasileira. Para tal, foi empreendida a análise do conjunto de respostas dos participantes ao Myers Briggs Type Indicator (MBTI), instrumento amplamente difundido junto a empresas e iniciativas de desenvolvimento de executivos para a identificação de preferências psicológicas, a partir do arcabouço teórico de Jung ( [1921] 2013). Oriundos de organizações de diferentes setores da economia, distintas áreas de atuação, foram considerados participantes de programas realizados ao longo dos anos de 2009 a 2016, período de significativo boom na adoção do MBTI em programas de capacitação profissional, no Brasil.

Quanto à sua relevância, a proposta se justifica na medida em que amplia os estudos acerca de tendências que apontam para a relevância de maior diversidade de perfis psicológicos diante das transformações que caracterizam o ambiente de negócios contemporâneo e dos modos emergentes de arquitetura e arranjos organizacionais mais flexíveis, adaptáveis e orientados à criação e à inovação.

Em termos práticos, visa aportar subsídios aos processos que se orientam a imprimir mais diversidade organizacional, extrapolando modelos de gestão centrados na mera racionalidade instrumental e na objetividade cientificista, em detrimento daqueles calcados na racionalidade substantiva e em soft-skills , comumente apresentadas, pelo menos em nível do discurso, como essenciais aos desafios de nossa época (CAMPBELL, 2015; WHITE, GUNASEKARAN, ROY 2014; IONESCU, CORNESCU, DRUICA, 2012).

 

Operacionalizando a tipologia junguiana: o MBTI

Na década de 1950, Katharine C. Briggs e Isabel Briggs Myers, tendo por base a tipologia de tipos psicológicos de Jung ([1921] 2013), propuseram a construção de instrumento que permitisse sua operacionalização por meio de escalas estatísticas. A primeira versão do que se viria a se configurar o Myers Briggs Type Indicator (MBTI) é aplicada em 1953. Desde então, o MBTI é sistematicamente aprimorado, expandido e validado, constituindo atualmente um dos instrumentos mais adotados, em nível internacional, em processos de aconselhamento de carreira, seleção e desenvolvimento profissionais (BAYNE, 2011, MYRES; MYRES, 2004).

Organizado em escalas compostas por pares dicotômicos, o MBTI apresenta conjuntos de definições empíricas relacionadas a cada aspecto da teoria dos tipos psicológicos de Jung ([1921] 2013): Extroversão (E) / Introversão (I), Julgamento (J) / Percepção (P), Intuição (N) / Sensação (S) e Pensamento (T) / Sentimento (F), conforme exposto no Quadro 1.

 

 

Dos pares antitéticos constantes do Quadro 1, cabe ressaltar o papel da dicotomia Intuição (N) / Sensação (S), no grau em que o indivíduo percebe a realidade em termos de dados e fatos, sem mais considerações a significados alternativos (Percepção).

De modo similar, a dicotomia Pensamento (T) / Sentimento (F) busca descrever a extensão em que eles se utilizam de processos racionais e sistemáticos para a apreensão da realidade, via análise e inferência lógica (Pensamento) vis-à-vis àqueles que enfatizam imagens e emoções (Sentimento).

A partir da conjugação desses oito pares de atitudes e funções psíquicas, o MBTI contempla a análise de 16 tipos psicológicos, no lugar dos 8 originalmente propostos por Jung ([1921] 2013), organizados pelos critérios dicotômicos apresentados no Quadro 2.

No instrumento, cada um dos tipos é representado por uma simbologia composta pelas letras iniciais em inglês das dicotomias, tais como ESFP, INTJ, ENTP e daí sucessivamente. A conjugação das duas principais atitudes e funções do indivíduo configurará, portanto, seu tipo psicológico, encerrando suas preferências e características comportamentais com as quais se sente mais "confortável" nas relações consigo mesmo e com os outros (GARDIELD, TAYLOR, DENNIS, SATZINGER, 2001).

Das análises estatísticas empreendidas por Myers e Briggs, resulta também uma hierarquia entre as funções dominantes, auxiliares e terciárias, definida a partir de dois componentes atitudinais e orientativos: E/I e J/P. Desse modo, se o indivíduo apresenta um tipo ENTP, ele terá um Pensamento (T) Extrovertido como função dominante, e uma Intuição (N) Introvertida como função auxiliar. A função inferior, como na teoria de Jung ([1921] 2013), é a oposta à dominante. Já a função terciária é a oposta da auxiliar (MYERS; MYERS, 2004).

 

MBTI: aplicações em nível organizacional

Em nível organizacional, vem sendo desenvolvido um número crescente de estudos e pesquisas empíricas sobre o tema (RANDALL, ISAACSON, CIRO, 2017). Como resultado, destacam-se achados de Garfield et al. (2001), os quais propõem que indivíduos Intuição/Sentimento (NF) tendem a gerar mais ideias de modificação de paradigma que os Sensação/Pensamento (ST).

Já Morasky (2002, p. 72) aponta que "indicadores de personalidade, como Myers-Briggs e Keirsey-Bates, vincula tipos de personalidade e estilos de liderança, existindo certos tipos e características de personalidade que tornam líderes eficazes". Tendo realizado sua pesquisa em estruturas militares americanas, Morasky (2002, p. 85) afirma que

[...] indivíduos com certos traços e tipos específicos de personalidade têm maior potencial de se tornarem líderes militares de alto escalão, sendo que [...] a mistura única dos traços da personalidade de um líder cria seu estilo de liderança e determina a qualidade de sua capacidade de liderança.

A autora identifica, especificamente, quatro tipos que descreve como os "[...] mais propensos a se tornarem líderes eficazes" nas forças armadas americanas: ISTJ, ESTJ, ENTJ e INTJ. O conjunto desses quatro tipos compõe, segundo a pesquisa, aproximadamente 78% da classe de oficiais em ascensão dentro das forças armadas americanas, embora esses tipos representem, em conjunto, apenas 30% da população americana.

Bayne (2011), por sua vez, em pesquisa junto a gestores norte-americanos, além de corroborar o interesse pelo MBTI em processos de seleção e desenvolvimento profissional, aponta para sua aplicação crescente em processos de comunicação, promoção da saúde ocupacional, aconselhamento de carreira, coaching e desenvolvimento de liderança. Em relação à dimensão da carreira, o autor sugere, inclusive, a existência de relações estatisticamente positivas e significativas entre determinados pares de funções psíquicas, satisfação e desempenho ocupacional (Quadro 2).

 

 

Lussier (2016), por seu turno, ao investigar a noção de gerenciamento intuitivo, constata que os indivíduos com perfil tipológico Intuitivo se apresentam mais afeitos à criatividade, principalmente quando acompanhados da Função Sentimento, compondo o par psíquico Intuição/Sentimento (NF), presente nos tipos psicológicos ENFJ, INFJ, ENFP e INFP.

 

Método

Em termos metodológicos, a pesquisa que subsidia os resultados deste estudo pode ser caracterizada como de abordagem quantitativa e caráter descritivo, conduzida por meio de análise de dados secundários. Em relação ao público-alvo, a pesquisa envolve o universo de egressos de programas de desenvolvimento de executivos – incluindo ex-participantes de 40 turmas de Executive Master Business in Administration (EMBA) de importante escola internacional de negócios sediada no Brasil, respondentes do MBTI, no período entre 2009 e 2016, totalizando 7.924 casos (Quadro 3).

 

 

Quanto ao perfil sociodemográfico e profissional, os respondentes, em sua maioria, são do sexo masculino (59,4%), casados (68,0%), na faixa etária de 39 a 54 anos (56,0%) – integrantes da chamada geração X e com idade medida de 43,87 anos –, com formação superior completa (99,31%), ocupando posições de nível gerencial (53%).

Já no que tange ao MBTI, o instrumento:

[...] consiste de uma bateria de 93 perguntas ou itens com respostas dicotômicas, ou seja, admite apenas uma resposta de duas possíveis, que a pessoa que está sendo avaliada responde. Os itens estão divididos em quatro escalas de preferências bipolares e cada pergunta avalia uma preferência específica. Cada resposta conta um ponto para um polo ou outro dessa preferência. Assim, temos: funções da Percepção (sensação ou intuição): avaliada por 26 perguntas. Cada polo pode acumular um máximo de 26 pontos, se todas as respostas às 26 perguntas forem referentes àquele polo. Funções de Julgamento (pensamento ou sentimento): avaliada por 24 perguntas. Cada polo pode acumular um máximo de 24 pontos, se todas as respostas às 24 perguntas forem referentes àquele polo. Funções de Orientação (julgamento ou percepção): avaliada por 22 perguntas. Cada polo pode acumular um máximo de 22 pontos, se todas as respostas às 22 perguntas forem referentes àquele polo. Funções da Atitude (extroversão ou introversão): avaliada por 21 perguntas (COUTO, BARTHOLOMEU, MONTIEL, 2016, p. 12).

No que se refere ao tratamento e análise dos dados, os registros foram submetidos a estatísticas descritivas e análises de correlação e, para tal, contou-se com o auxílio do pacote de tratamento estatístico de dados SPSS 21.0. Cabe destacar ainda a realização de análises comparativas entre as variáveis de interesse do estudo e aquelas de natureza sociodemográfica e profissionais investigadas. Assim sendo, para verificação de possíveis associações entre os dezesseis tipos psicológicos constantes do MBTI e as variáveis demográficas adotou-se teste Qui-quadrado de independência. O Qui-quadrado de independência – também chamado de associação – testa a hipótese de que os valores obtidos pelos dados e os valores esperados em caso de independência dos grupos é igual. O resultado desse teste gera um valor – estatística de teste – que no caso de ser superior a um valor crítico, pode-se considerar que as variáveis apresentam um perfil de associação entre si. Quando os resultados apontam para associação bivariada, o tamanho do efeito precisa ser averiguado. Nesse sentido, o teste V de Cramer foi aplicado para verificar a extensão do efeito da associação entre as variáveis. Essa métrica varia entre 0 e 1, e os pontos de corte para associação fraca, moderada e forte são, respectivamente, 0,1, 0,3 e 0,5.

 

Achados e discussão

Como resultado, o conjunto das respostas ao MBTI aponta como Funções dominantes, o Pensamento (41,0%) e a Sensação (40,9%), seguidas por Sentimento (10,1%) e, por fim, pela Intuição, representada por apenas 8,0% dos profissionais pesquisados (Tabela 1).

 

 

Análises considerando o cruzamento dos tipos psicológicos e variáveis socioprofissionais dos respondentes apontam em relação ao nível hierárquico, para a inexistência de diferenças estatisticamente significativas entre os tipos, não obstante a maior concentração de respondentes com perfil ESTJ e ISTJ, seguidos daqueles com perfil ESTJ e ISTP. Com exceção dos trainees e estagiários, registra-se significância estatística entre 9 dos 16 tipos psicológicos investigados e algum dos níveis hierárquicos ocupados, tendo o tipo INFP apresentado significância em três níveis hierárquicos, o tipo ENFJ em dois e os sete demais em um tipo psicológico. Em uma análise por sexo, os dados apontam para o predomínio tanto em homens (31%) quanto em mulheres (26%) do tipo ESTJ, seguido do tipo ISTJ, registrado por 25% dos respondentes do sexo masculino e 18% do sexo feminino. Os dois tipos somados totalizaram mais de 50% dos casos. Quanto à faixa etária, constata-se, para os anos 2010 e 2011, uma associação marginalmente significativa para o conjunto dos tipos psicológicos pesquisados, com exceção de 2013, cujos dados indicam associação significativa. Já em relação ao grau de escolaridade, constata-se significância na associação entre os tipos apenas para o ano 2015. Nos demais anos, os tipos se mostram independentes. De modo similar, quando analisados longitudinalmente, considerando o período de 2010 a 2016, verifica-se a inexistência de diferenças estatisticamente significativas em relação aos percentuais obtidos.

Em suma, a partir do conjunto de dados obtidos, constata-se baixo grau de diversidade quanto a preferências psicológicas, apontando para um ciclo vicioso de reprodução de discursos e práticas que corroboram teses que apontam para o caráter conservador da modernização brasileira (FAORO, 2012; LEITE, 1996). Sugere também desbalanceamento entre demandas por competências organizacionais ambidestras vis-à-vis a atração, o desenvolvimento e a retenção de competências individuais mais afins às dinâmicas contemporâneas de criação e inovação (HAVERMANS, DEN HARTOG, KEEGAN, UHL-BIEN, 2020). Nessa direção, não obstante os discursos que preconizam a relevância das chamadas soft-skills, não parece prevalecer ambiências organizacionais capazes de superar o caráter autoritário, hierarquizado e centralizado que ainda tende a caracterizar o contexto organizacional nacional (SANT'ANNA, MORAES, KILIMNIK, 2005).

Os dados obtidos corroboram também achados quanto às tendências de "objetificação" das relações humanas, via atração, desenvolvimento, reconhecimento e retenção de quadros profissionais centrados em premissas "gerencialistas", senão na mera automação de processos e atividades, indo ao encontro de estudos que sugerem relações entre modelos de negócios e de gestão caracterizados pelo empobrecimento do trabalho, sua precarização, bem como pela intensificação de novas patologias e mal-estares, inclusive o crescimento alarmante de casos de depressão, ansiedade e suicídio, associados a "estilos de liderança" – seria mais correto, nesse caso, apontar como estilos de "dominação" e "controle" (FOUCAULT, 2014) – "mortalmente" orientados a tarefas e resultados (ANTUNES, 2018). Vale acrescentar que personalidades Pensamento e Sensação (56,42%) são maioria entre os respondentes da geração X, sugerindo processos seletivos que igualmente tendem a priorizar a atração e a promoção de sujeitos com esse tipo de preferência psicológica.

Os dados, desse modo, corroboram achados anteriores, como os obtidos por Bayne (2011) junto a executivos e gestores norte-americanos, os quais, mesmo que em menor grau que suas contrapartes no Brasil, apresentam predomínio de tipos psicológicos associados às funções Pensamento e Sensação (67,7%), com foco em resultados de curto-prazo, "[...] na prática e em habilidades técnicas para fatos e objetos" (BAYNE, 2011, p. 55).

 

Conclusão

Conforme evidenciado por Jung ([1921] 2013), cada época apresenta, devido a suas características e jogos de poder dominantes, um conjunto de atitudes e funções psicológicas mais aderentes à sua (re)produção e sustentabilidade. Conforme a visão antecipatória desse autor, o ambiente contemporâneo sugere a impossibilidade de predomínio de dado tipo em contraposição ao outro. Ao contrário, o mais indicado parece de fato ser a capacidade de construção de ambiências coletivas e organizacionais em que ambas as atitudes e funções possam se manifestar, interagir e produzir, de forma interativa, resultados efetivos. Isso coloca, uma vez mais, a relevância da posição da liderança, a qual seja capaz de integrar as diferenças, superando padrões valorativos hegemônicos durante estágios anteriores de desenvolvimento dos processos de produção e regulação do trabalho humano.

Nesse sentido, os resultados obtidos de nosso estudo indicam a prevalência de "estilos de liderança" selecionados a partir de preferências psicológicas caracteristicamente marcadas pelos valores típicos das primeiras revoluções industriais, com processos de identificação, recrutamento, seleção e desenvolvimento sintomaticamente orientados à captação e valorização de tais perfis de trabalhadores orientados a "fatos" e "objetos" (BAYNE, 2011). Igualmente, registra-se a construção de estruturas organizações, filosofias e modelos de gestão orientados mais para tarefas do que para pessoas (HERSEY; BLANCHARD, 1986).

Em mercados e segmentos em que tecnologias disruptivas têm o potencial de alterar regras competitivas, a concentração monocórdia de dados perfis profissionais pode, todavia, impedir que as organizações identifiquem, o momento e a forma de se (re)posicionarem no "circuito superior da economia" (SANTOS, 2004) marcado pela transição em curso para a chamada "quarta revolução industrial" (SCHWAB, 2016), catalisada pela pandemia de covid-19.

Em O dilema da inovação, Christensen (2012, p. 24), igualmente, adverte para os riscos do foco no aparato do Management unicamente como meio de "[...] melhorar o desempenho de produtos estabelecidos".

De forma similar, Lévi-Strauss (1993, p. 336) também tece alertas sobre a relevância do desenvolvimento de competências societais, organizacionais e pessoais diversas que permitam à humanidade estar às voltas com os processos contraditórios que engendram sua dinâmica, dos quais um tende a instaurar a unificação, ao passo que o outro visa manter ou restabelecer a diversificação.

Sob tais perspectivas, a importância da diversidade configura-se vital, na medida em que não há inovação ou renovação na homogeneidade de tipos, de regras e de padrões. A questão, no entanto, não se limita à mera exclusão de um tipo em detrimento de outro, por meio de filtros estabelecidos – consciente ou inconscientemente – ao longo dos processos de contração, reconhecimento e promoção, tampouco em tentativas artificiais de domesticação ou aculturação de perfis minoritários. É possível, conforme os autores revisados neste artigo, que a saída moral, ética, econômica e socialmente resida, sobretudo no papel da liderança no manejo das diferenças, na integração e na sinergização dos opostos por meio da construção e da sustentação de contextos capacitantes que vão além de prescrições "objetivantes" e protocolos "normopatas" típicos do ancien régime (HAN, 2020; FOUCAULT, 2014).

Em suma, os achados corroboram as teses que defendem que as dinâmicas de atração, retenção e desenvolvimento dos talentos nos mais diversos níveis da organização e suas lideranças devem ser pensadas não somente a partir da caracterologia física e psicológica aparente ou suposta – gênero, idade, etnia, crença religiosa – do profissional, mas também em termos dos "recursos ambientais", "suportes organizacionais" e "espaços potenciais" que respeitem e efetivamente promovam a igualdade de condições à manifestação das atitudes e funções subjetivas dos diferentes agentes humanos em suas interações organizacionais, o que pressupõe espaços e dinâmicas relacionais de liderança que as fomente e desenvolvam. Sem dúvida, configuram-se necessários e urgentes os mais diversos tipos de diversidade.

Deve-se, portanto, atentar para os riscos de programas de inclusão que não levem em conta a interseccionalidade nem se restrinjam à dimensão de caracteres visíveis, ignorando dimensões menos aparentes, as quais se manifestam nos processos reconhecimento e promoção, em que, para driblar os "tetos de vidro", profissionais acabam por se submeter a "violências simbólicas" (BOURDIEU, 2019) que inferiorizam e denigrem seu modo genuíno de ser e agir, com prejuízos em nível tanto pessoal quanto organizacional, ao eliminar atributos subjetivos e de competência essenciais à transição para os contextos societal e organizacional do novo estágio de desenvolvimento capitalista, mesmo sob a aparente inclusão de diferentes grupamentos fenotípicos.

Desse modo, retomando à questão central proposta para este artigo, parece distante, em termos práticos, apontar que fatores contextuais, inclusive a difusão de discursos em torno de novos modelos de negócios, arquiteturas organizacionais e modelos de gestão, estão acompanhados, no mesmo nível, por uma diversidade de perfis profissionais. Ao contrário, as "inovações" parecem, na prática, reverberar na aplicação de "mais do mesmo", por meio de intensificação e sofisticação dos dispositivos de automação, monitoramento e controle; pela ênfase na "dessubjetivação" senão a mera eliminação do trabalho humano; pela adoção de configurações organizativas monocórdicas, não raro associadas a formas empobrecidas e precárias de trabalho (HAN, 2020), retroalimentando as impossibilidades quanto a ambiências organizacionais efetivamente favorecedores de dinâmicas intra e interorganizacionais mais saudáveis, diversas e criativas. Um círculo vicioso que somente poderia ser superado por uma postura ética, que leve em conta o maior equilíbrio entre as orientações a contexto, a tarefas e a pessoas.

 

Referências

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Recebido em: 10/11/2021
Aprovado em: 18/11/2021

 

 

SOBRE OS AUTORES

Anderson de Souza Sant'Anna
Psicanalista.
Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).
Sócio do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
Sócio da Federação Internacional de Sociedades Psicanalíticas (IFPS).
Graduado em administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em filosofia pela Universidade Paulista (UNIP).
Mestre e doutor em administração pela UFMG.
Doutor em arquitetura e urbanismo pela UFMG.
Pós-doutor em teoria psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Professor adjunto do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-EAESP).
Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Professor visitante da University of Louisiana at Lafayette, UL/Lafayette, Estados Unidos.
Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF).

E-mail: anderson.santanna@fgv.br

 

Luiz Otávio Salgado Vogel
Mestre em gestão contemporânea das organizações pela Fundação Dom Cabral (FDC)

E-mail: luizvogel65@gmail.com

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