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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) v.30 n.44 São Paulo jun. 2007

 

EDITORIAL

 

Jassanan Amoroso Dias Pastore

Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 

Dando continuidade à linha editorial da ide, marcada desde a parceria com Magda Guimarães Khouri, a quem somos gratos pela imensa contribuição nos três números anteriores, o atual grupo editorial elegeu, para o presente número, o tema Linguagem – tão fundamental para se pensar o sujeito na Psicanálise – como mote para a nossa interlocução com os demais campos do conhecimento.

A idéia de que o sujeito é um ser de linguagem suscitou em nós o ensejo de trazer à luz e refletir sobre o lugar e a função da linguagem num mundo em que nos confrontamos com a possibilidade de degradação da palavra e com um questionamento de sua potência. Buscamos a aproximação com manifestações de linguagem singulares, emergentes na cultura contemporânea, para dizer aquilo que, pela linguagem, opera no nosso fazer clínico e produz teorias.

Segundo alguns pensadores, o que melhor definiria o ser humano é o fato inestimável da fala, o que o caracteriza como um “animal simbólico”. Nesse registro, procuramos indagar e pensar, por meio dos diversos textos, sobre a natureza dos fios que tecem a malha das relações humanas, das relações entre dois corpos em presença e que se falam. São discutidas as questões relativas tanto à atividade de linguagem que nos é própria, enquanto psicanalistas, como também ao estatuto do discurso psicanalítico e o lugar que ocupam, nesse discurso e em nossa prática, a metáfora, a metonímia e a alegoria.

O que sustenta a palavra – gerada por uma série de transportes – em sua articulação com o silêncio dos “sentires” e das sensorialidades na sessão de análise é a linguagem própria da relação paciente-analista, construída, passo a passo, por meio da intimidade da dupla.

Falar não é ver, alerta-nos Maurice Blanchot, em seu livro A conversa infinita: A palavra plural (2001). Na singularidade de cada análise, o falar se aproxima de buscar, tornear, dar a volta, rodear. Encontrar um canto é tornear o movimento melódico, fazê-lo girar, sem idéia de finalidade ou parada. Essa busca seria da mesma espécie que o erro. O erro é sem caminho, é força árida que desenraíza a paisagem e devasta o deserto. Errar é voltar e retornar, abandonar- se à magia do desvio. E, para enfrentar tal desafio, enfatiza Blanchot, é preciso ser daimon, “pequeno demônio” que é promessa de homem.

Se contar é uma maneira de errar, será na errância do discurso poético que acompanharemos nossos pacientes em nossa prática clínica. Os tropeços da fala – produtores de novos sentidos –, por romperem com a homeostase subjetivante do princípio do prazer, abrem brechas que conduzem para a alteridade. Da ambigüidade essencial da palavra nasce a verdade do desejo.

A linguagem metafórica, ao colocar a natureza do conhecimento mais próxima da interpretação do que da explicação, desestabiliza conceitos, verdades e permite ao sujeito reescrever sua subjetividade por meio de novas metáforas. Aí podemos localizar o discurso psicanalítico, ao produzir um manejo da linguagem que é caminho para a crítica da verdade e do conhecimento.Manejo que busca não só desconstruir certezas e convicções como também desfazer a ilusão da palavra plena. Busca da inverdade, da incerteza, da in-ciência.

Uma série de acasos marca a feitura desta revista, particularmente deste número. Para nossa surpresa, uma vasta gama de colaboradores nos presenteou com delicados textos, articulados com densidade e maestria, o que nos proporcionou o desdobramento da temática Linguagem em dois números. Prosseguindo e ampliando nossas incursões rumo a uma escuta sensível de abertura perante diferentes pensamentos, teremos, na próxima ide, Linguagem II.

 

 

Endereço para correspondência
Jassanan Amoroso Dias Pastore
R. Capote Valente, 432/82 – Pinheiros
05409-001 – São Paulo – SP
Tel.: 11 3081-4349
E-mail: jassanan@uol.com.br