SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número44Uma escrita autoral e dionisíacaA violência: um assunto de todos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) v.30 n.44 São Paulo jun. 2007

 

PUBLICAÇÕES

 

Da imagem à palavra: os primórdios da construção do pensamento

 

 

Regina Maria Rahmi

Analista em formação pela SBPSP

Endereço para correspondência

 

 

Avzaradel, José Renato (org.). Linguagem e construção do pensamento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, 285 p.

A palavra como guia...

“É a palavra que ilumina o entendimento. Daí a convicção do homem comum de que só o que tem nome existe” (p. 9).

Para Bion, o maior temor que pode acometer o ser humano é o terror sem nome. Urge encontrar alguém que possa nomear, circunscrever essa vivência. O sentido está, portanto, além da palavra dita, no bojo de uma relação.

Aparecem então imagens, sons, súbitas iluminações... Nesse terreno obscuro e sensível é que ingressou a Psicanálise. Freud, através da associação livre e da atenção flutuante, rompe o encadeamento lógico do pensamento, chegando a áreas em que o dinamismo dos movimentos emocionais se faz sentir.

Os processos de formação dos pensamentos e sua relação com a linguagem se constituem no motor propulsor de muitos de nossos estudos.

Lingüistas, psicanalistas e filósofos reuniram-se em um fecundo campo de diálogo sobre a questão do “significado”. Essa contribuição plural não busca a unidade de idéias, e sim um afinar dos sentidos. Cada autor procura, como diz Antônio Olinto, no prefácio, “o que de mais pessoal temos no fundo de cada um de nós, na própria usina em que nos dedicamos a construir as paredes mesmas do ser que pensa e sente” (p. 20).

Os trabalhos apresentados nesta coletânea revelam duas tendências que acompanham as vertentes da filosofia da linguagem.A primeira investiga a linguagem, a linguagem pictórica, a ideogramatização, os pensamentos oníricos, as relações entre a estrutura dos sonhos e a estrutura poética que permitem a construção de significados. Os trabalhos desses autores têm como ponto de apoio a obra de Bion.

A segunda tendência examina os significados na interação de duas subjetividades. A linguagem como elemento de ação apóia-se na teoria das relações de objeto. Dessa direção, as significações são fruto das inter-relações.

Isaias Melsohn estuda diferentes modalidades de constituição do sentido e do significado, nas obras de Cassirer e Hurssell. Ele destaca que a essência do sonho não reside na significação dos pensamentos latentes, mas na produção plástico-figurativa que os caracterizam.

Paulo Marchon afirma que “o pensamento é impossível sem imagens”, citando Aristóteles. Esse autor investiga como as imagens permeiam tanto a linguagem verbal como o pensamento e, para isso, utiliza-se de “Leonardo” para retornar à Gioconda e seu sorriso.Marchon percorre ainda Lucia Santaella,Winfried Nôth, Sartre, Estrella Bohadana e Henrique Honigsztejn. Ainda, correlaciona a imagem e a teoria do pensar de Bion, a função alfa e a criatividade.

Arnaldo Chuster resgata em Nietzsche, Eccé homo, como chegar a ser o que se é. Onde o significado adquirido realiza a existência de verdade do sujeito? Além disso, examina o trajeto de formação de significados através da teoria do pensar de Bion, tendo em vista que a turbulência emocional não pode deixar de existir. O processo de significar é sempre insaturado.

Em uma abordagem próxima, Elias da Rocha Barros relaciona criação e elaboração de significados com a produção de representações imagéticas da experiência emocional. Examina os significados presentes e ocultos, assim como os ausentes e potenciais. Propõe, a partir de A. Ferro, Piera Aulagnier e Julia Kristeva, o “pictograma afetivo”:

Como primeira forma de representação mental de experiências emocionais, fruto da função alfa, que cria os símbolos por meio de uma figuração para o pensamento onírico, como alicerce e primeiro passo para os processos de pensamento, ainda, contudo, sem se constituir como tal (p. 181).

Na busca da compreensão da comunicação inicial, José Renato Avzaradel objetiva, a partir de Bion, ver o “ideograma” e sua construção em vez de relatá-la. Torna-se este um precioso instrumento, que permite observar como a simbolização vai sendo construída. Para tanto, José Renato faz uso da poesia e da escrita chinesa, que evidenciam a construção do pensamento pictórico. O ideograma chinês mostra graficamente como signos reunidos de diversas formas produzem significados tão complexos.

Luiz Carlos U. Junqueira Filho demonstra que o poder do ideograma não reside nas imagens, mas sim nos vínculos que se articulam. Neste trabalho, ele aproxima a dinâmica do trabalho onírico de Freud ao funcionamento da função alfa descrita por Bion, apoiando-se nas propostas de Pontalis de valorizar os sonhos como experiência subjetiva e intersubjetiva, na relação analítica.

J. A. Bockmann de Faria trata do desenvolvimento da personalidade também se fundamentando em Bion. Ele agrega as contribuições de Matte Blanco e recorre a Cassirer para postular que a integração das percepções não gera apenas uma ampliação da realidade, mas uma nova dimensão.

Danilo Marcondes parte da concepção de que a filosofia se realiza através da linguagem. E, utilizando contribuições de Frege, Russel,Moore,Wittgenstein e Austin, encontra paralelo no trabalho de Betty Joseph, no qual o que se busca é a elucidação do jogo. O conteúdo das fantasias inconscientes não pode ser excluído do agir sobre o analista, e vice-versa.

Ney Marinho examina os trabalhos de Marcia Cavell, que estuda razão, crença, livre-arbítrio, perdão e gratidão, os quais, só podem ser desenvolvidos em uma concepção intersubjetiva, adotando, como pano de fundo para a discussão filosófica, a teoria das relações objetais de Melanie Klein. O sujeito da modernidade tem como sua maior marca “Penso, logo existo”, centrado na intersubjetividade como fonte de conhecimento. Nessa posição, está implícita a idéia de que a linguagem surge de processos internos. Na filosofia, a crise da modernidade acontece quando não se considera o ponto de vista do intérprete, pois é justamente na observação da interação que surge a compreensão da formação de significados. É na relação que o sujeito se constitui.

José Francisco da Gama e Silva mergulha na atmosfera lírica de Camões, poeta que vive as contradições amorosas e a impotência ante as incertezas, e a partir dessa imersão demonstra como se desencadeia o processo criativo da construção de significados fazendo um paralelo com a psicanálise.

Finalizando, Eliana Yunes afirma que o sentido não está guardado no texto – ele vai sendo produzido no espaço entre os dois. Ao postular que formas simbólicas diversas produzem realidades objetivas diversas, mostra concordância com Isaias Melsohn. As interações humanas é que criam a realidade. A autora amplia o diálogo entre os vários campos da abordagem lingüística encontrando similaridade com a Filosofia e a Psicanálise, por meio das teorias das relações de objeto.

 

 

Endereço para correspondência
Regina Maria Rahmi
Avenida Faria Lima, 1690/92 – Jardim Paulistano
01451 – São Paulo – SP
Tel.: 11 3813-17-73
E-mail: reginarahmi@uol.com.br