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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) v.30 n.45 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

“O espelho”, no mito de Narciso, em Machado de Assis e em Guimarães Rosa*

 

“The mirror”, in Narcissus, in Machado de Assis and in Guimarães Rosa: the narcissism thought as condition of ego’s structuring

 

 

Homero Vettorazzo Filho**

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
Instituto Sedes Sapientiae

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A proposta do texto é especificar dentro do referencial psicanalítico a noção de narcisismo e colocá-la em movimento a partir de seu emprego tanto na teoria como na prática psicanalíticas. Discuto o narcisismo como condição de estruturação e desenvolvimento do Eu, considerando-o tanto no que diz respeito às suas bases de implantação como às suas derivações na constituição dos processos identificatórios e dos mandatos presentes nos sistemas de ideais. Pontuo diferenças entre tais mandatos e os mandatos referentes à consciência moral e ética, discutindo as implicações clínicas decorrentes dessas distinções. O espelho do mito de Narciso e dos contos “O espelho” de Machado de Assis e de Guimarães Rosa são utilizados como forma de configurar e dar corpo às noções teóricas discutidas.

Palavras-chave: Constituição de subjetividade, Ego ideal, Ideal do ego, Narcisismo, Superego.


ABSTRACT

The purpose of the present text is specify the concept of narcissism using Psychoanalysis as a referent and to put it in motion both as its uses in psychoanalytic theory and practice are concerned. Narcissism is hereby discussed as far as its structuring and developing conditioning of the ego referring to its implementation basis and its derivation in the constitution of both the identification processes and the mandatory ones that are present in the ideals systems. Differentiations are made and discussed in the moral conscience and ethical mandates. The clinical consequences of these differentiations are also discussed. The specular reflections in the Narcissus’s myth and in Machado de Assis and Guimarães Rosa’s novels, both named “The mirror”, are used as a means of configuring and giving body to the psychoanalytical concepts formerly discussed.

Keywords: Constitution of subjectivity, Ego ideal, Ideal ego, Narcissism, Super-Ego.


 

 

A noção de narcisismo, por ser tratada com freqüência tanto pelas ciências humanas como pelas formas estéticas de expressão do humano, perde com freqüência sua especificidade quando considerada sob o vértice psicanalítico. Vivemos hoje numa sociedade dita pós-moderna que favorece a assim denominada “cultura do narcisismo”.1 Assim, é necessário ter clareza sobre os nossos próprios paradigmas, questão que traz como efeito imediato o dever de nos situarmos, enquanto analistas, frente à nossa forma de pensar a estruturação tanto de nosso psiquismo como do sujeito psíquico que somos. Tal interrogante parece essencial para que estejamos constantemente nos reformulando, seja para nos desacomodar das certezas – obtidas pela transformação de teorizações psicanalíticas em dogmatismos teóricos – como também por nos fazer considerar, sob o vértice psicanalítico, novas questões fundamentadas, por sua vez, nas transformações contidas nas formas socioculturais atuais com suas conseqüentes repercussões nos padrões contemporâneos de obtenção de prazer, de relações interpessoais, de vida familiar, e que sem dúvida vão estar implicados nas formas de subjetivação atual. Se a psicanálise pode, a partir de seus referenciais teóricos, pensar tanto as questões como as subjetividades contemporâneas, esses novos referenciais devem ser também usados pelos psicanalistas como referentes para se repensar a psicanálise em suas formulações conceituais.

Existe controvérsia, nas teorizações psicanalíticas, sobre como considerar a condição narcísica. Opto por seguir Freud (1914/2004) que relaciona o narcisismo com os processos identificatórios, mostrando ser esta a nova ação psíquica necessária para saída do auto-erotismo rumo à constituição de um Eu,2 que tende a uma unidade do indivíduo em contraponto à dispersão auto-erótica. Tal processo identificatório é configurado, em “Introdução ao narcisismo”, na imagem de “sua majestade o bebê” proposta por ele como efeito do narcisismo dos pais identificado na criança. Ao lado disto, nesse mesmo trabalho, Freud reformula sua teoria pulsional propondo que o Eu se constitui à medida que se toma por objeto libidinal, reforçando assim a idéia de um Eu que se estrutura em um processo do qual o narcisismo faz parte.

A relação entre “imagem” e o desenvolvimento do Eu, como subjetividade, sempre esteve presente nas teorizações psicanalíticas. Lacan, seguindo Freud, propôs com a noção de estágio do espelho um momento constitutivo, no qual se produz a partir da identificação à imagem do outro – matriz identificante –, uma imagem unificada de si, correspondente aos primeiros esboços do Eu. Ao reconhecer sua “imagem”, a criança inicia uma relação especular com ela, correlata à sua relação com a mãe, cujo olhar é tal qual o próprio espelho em que se vê. Tal condição nos permite ainda pensar a questão narcísica sob o vértice do “outro” que, implicado em seu próprio narcisismo, também se vê refletido na própria imagem que projeta. Temos, portanto, neste momento inicial dois espelhos.

 

Dois espelhos enquanto metáfora de constituição tanto do aparelho psíquico – enquanto labirinto – como do Eu

O cristal nos espreita. Se entre as quatro
Paredes do aposento há um espelho,
Não estou só. Há outro. Há o reflexo
Que arma na aurora um sigiloso teatro

Borges, 1960/2005

Para Borges (Cerqueira, 2005/2007), dois espelhos opostos bastam para se construir um labirinto. Tal observação parece-me uma metáfora privilegiada porque nos permite considerar os processos muito precoces da constituição do Eu representando-se e estruturando-se em função de suas formas de vinculação com este “outro/espelho” – de quem o Eu não só está indiferenciado, como ainda o tem como referência de sua existência – e ao mesmo tempo, a partir daí, pensarmos o que é visto e refletido também pelo “espelho” nessa duplicidade com o Eu que nele se espelha.

A idéia de labirinto em sua figuração de dispersão, de multiplicidade de trajetos que se entrecruzam e se repetem, me parece extremamente expressiva como modelo de constituição do nosso psiquismo em sua dimensão primitiva, ou seja, de pictogramas, audiogramas, impressões olfativas, táteis, que, informes, procuram organização e derivações.

Borges (Cerqueira, 2005/2007), vê o homem perdido dentro de um caos, como em um labirinto, onde o fantástico e o real estão de tal maneira entrelaçados no argumento, que se torna praticamente impossível isolar um do outro. O autor pensa a escritura como uma forma privilegiada de poder se lutar contra esse caos. Usa assim a narrativa fantástica como um processo de transfiguração em que, alternando o real e o fantástico, recria o mundo por meio da multiplicação lingüística, levando o leitor, sob o efeito de uma “magia da linguagem”, a “redescobrir”, numa constante intertextualidade, a realidade em que vive.

Esses propósitos de Borges chamam minha atenção porque configuram, a meu ver, com muita propriedade, a função do trabalho analítico. As marcas primitivas impressas em nossa mente devem ser retranscritas, durante a estruturação de nosso aparelho psíquico, em um contexto simbólico mais elaborado. O trabalho analítico tem a função de ampliar as possibilidades de simbolização por meio das associações, de pontes simbólicas, de dramatizações e das atuações que, ocorrendo dentro do par analítico, ganham expressão por meio de uma narrativa fantástica também produzida pelo par. Sob o vértice analítico, diferentemente da literatura fantástica, penso que a função da narrativa fantástica assim constituída na sessão é tanto a de discriminar o ficcional – tendo em vista a implicação e a apropriação do íntimo de si – como a de minimizar a perda da realidade. A narrativa parece assim se constituir em uma nova escritura, nova impressão, do que se expressa entre o par analítico, iluminando e abrindo novas modalidades de comunicação entre as representações que nos constituem.

Iniciei a elaboração interna desse trabalho quando li o conto “O espelho” de Guimarães Rosa (1960/1985). Já conhecia previamente o conto homônimo de Machado de Assis (1882/1983). Ao relê-los, seguido da releitura de algumas versões sobre o mito de Narciso, a ressonância desses três espelhos como metáfora dos tempos de constituição do psiquismo e de desenvolvimento do Eu me serviu como elemento desencadeador para a escrita desse texto. Falemos um pouco dos interrogantes levantados a partir das questões suscitadas por esses espelhos.

 

O mito de Narciso: O Eu em sua “apresentação” especular

– Não nos admiramos de que pranteeis Narciso dessa maneira. Ele era tão belo!
– Narciso era belo? – indagou o lago.
– Quem sabe melhor do que vós? – responderam as Oréadas.
– Ele nos desprezava ao vos cortejar debruçado às vossas margens, mirando-vos,
e contemplando a própria beleza, no espelho de vossas águas.
E o lago retrucou:
– Eu amava Narciso porque, quando ele se debruçava sobre as minhas
margens para contemplar-me, eu via sempre se refletir,
no espelho dos seus olhos, a minha própria beleza.

Oscar Wilde, 1881/20013

No mito, a história de Narciso começa marcada pelo excesso. Sua beleza desmedida, fora do comum, coloca-o em perigo uma vez que, segundo as leis vigentes na cultura grega, a desmesura, o exagero – o hybris, ou seja, a ultrapassagem do metron –punha o mortal em risco perante os deuses. Isso faz sua mãe, Liríope, procurar Tirésias para saber sobre o destino de seu filho. O cego vidente profetiza que ele viveria longos anos, desde que não se conhecesse (visse) (Brandão, 1987).

Narciso estava com dezesseis anos quando, ao procurar saciar sua sede em uma fonte, outra sede surge dentro dele. Enquanto bebe, arrebatado pela beleza que vê em sua imagem, apaixona-se por um reflexo sem substância: toma por corpo o que não passa de sombra. Aprisionado, tenta em vão beijar a água enganosa. Sua imagem, refletida na fonte, foge enquanto a “coisa” ilusória de si, dissolvendo-se na água. Desesperado em sua vivência de perder-se de si, encerra-se tanto em seu desespero, em sua insatisfação, como no imenso desinteresse pelo que o circunda. Abandona assim qualquer possibilidade de desenvolver uma posição desejante de conhecimento.

Eco, uma ninfa de voz sonora, que não respondia com silêncio a quem lhe falava, e nem falava em primeiro lugar, apaixona-se por Narciso. O fato de só poder ressonar a quem lhe falava era conseqüência de um castigo, aplicado por Juno, visto que “iludira” a deusa com sua linguagem loquaz enquanto Zeus namorava outras ninfas. Os “diálogos” de Narciso e Eco, em tais circunstâncias, são muito expressivos como configuração do desencontro e isolamento que pode se dar entre fala e escuta.

Pinço, nessa pequena síntese de algumas versões do mito, alguns interrogantes para pensá-los dentro do referencial da clínica psicanalítica.

Tomando o mito sob o vértice do excesso que marca Narciso em sua origem, e relacionando-o a esse avesso do espelho no qual ele se mira, acredito que tal relação nos permite configurar não só a idéia freudiana da criança enquanto herdeira do narcisismo dos pais, mas principalmente a noção de sedução originária proposta por Laplanche (1988), a partir da releitura de Freud.

Nesse sentido, o mito de Narciso parece configurar condições predisponentes àquilo que Bleichmar (1994) conceitua como falha na função narcisisante materna4 e que estaria na base de posteriores restituições narcísicas defensivas, nas quais Narciso se enreda quando, na adolescência, se vê solicitado em sua subjetividade: tem de saber quem é. No mito, a insistência e persistência configuradas no aprisionamento à sua imagem refletida no espelho de água, insinuam sua alienação e passividade em relação a esse espelho que lhe diz quem é. A falha da função narcisisante, em sua função estruturante de subjetividade, fica aludida no excesso excitante que ganha corpo na confusão indiscriminada entre Narciso e o Lago. Penso ser isso interessante por marcar bem a diferença entre se excitar com o outro e tê-lo enquanto objeto de descarga pulsional – objeto sexual parcial – e ter o outro como objeto de ternura e amor5 – reconhecido em sua alteridade, mesmo se tratando de uma subjetividade em constituição. A função narcisisante da mãe, decorrente de sua capacidade amorosa e continente, diz respeito a esta última situação. Em outro texto (Vettorazzo, 2007), tomando como eixo o narcisismo em sua função identificante primária, correlaciono a condição narcisisante materna com os conceitos de “projeto identificatório” e “violência primária”, em Aulagnier, de holding e espaço transicional, em Winnicott e de revêrie e função alfa, em Bion. A falha no exercício de tal condição não significa que falte amor, no sentido humanístico da palavra; a falta diz respeito ao desconhecimento e à implicação com o sexual – primordialmente pré-genital – que nos habita e que ao ser ignorado é atuado, tendo como apoio a indiscriminação subjacente à relação com nossos objetos de amor.

 

A falha da função narcisisante e suas conseqüências na constituição e nas funções dos ideais

Em seu conto “O espelho: esboço de uma nova teoria da alma humana”, Machado de Assis apresenta, de forma interessante e singular, “a imagem refletida no espelho” como modelo para configurar a alma externa, ou seja, aquela que olha para fora. Na direção oposta à do autor, penso que tal alma externa, da maneira por ele configurada, pode ser uma excelente metáfora para considerarmos a constituição e as funções dos ideais – tal como proposto inicialmente por Freud – na organização e na constituição do Eu enquanto subjetividade. Os ideais poderiam ser configurados como os “espelhos internos” por meio dos quais não só nos medimos, mas também podemos ter, ou perder, o sentido de existência. O ponto de coincidência entre “os ideais” e o “externo” – no sentido proposto por Machado – é possível ao considerarmos que tais ideais em suas origens derivam desse “externo” que nos espelha e, a partir do qual continuamos, desde o “interior”, a nos espelhar, a nos encenar, e a nos enunciar.

A idéia de que a criatura humana traz consigo duas almas – uma que olha para dentro e uma que olha para fora – é proposta por Machado de Assis (1882/1983) por meio de uma experiência vivenciada pelo seu personagemnarrador. Assim ele relata que, quando jovem, ao ser nomeado alferes, passa a ser tão prestigiado e identificado ao seu novo posto que

o alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem (p. 76).

Nesse trecho o personagem machadiano descreve sua refinada observação sobre o que poderíamos pensar, enquanto analistas, como sua transformação da condição de “sujeito desejante”, mencionada por ele como humanidade, para uma situação em que se transforma no “objeto” alferes desejado e investido. Tal situação é interessante para considerarmos as relações entre o Eu ideal e os ideais do Eu. Retomo a seqüência do conto que abre elementos significativos para considerarmos tal questão.

Prosseguindo o narrador relata uma viagem à casa de uma tia que queria homenageá-lo pela nomeação. Esta estipula que todos o chamem apenas de “senhor alferes” e coloca no quarto em que está hospedado um “espelho de corpo inteiro” para que se olhasse ao vestir seu uniforme. Em função de um imprevisto, a tia tem que se ausentar e lhe pede que tome conta da propriedade até sua volta. Há na seqüência uma debandada dos escravos e dos freqüentadores da casa, deixando o alferes só. Relata o narrador-personagem:

O característico daquela situação é que eu nem sequer podia ter... o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico. Dormindo, era outra coisa... Acho que posso explicar assim esse fenômeno: – o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o garbo, que me chamavam alferes... Mas quando acordava esvaía-se com o sono a consciência do meu ser novo e único – porque a alma interior perdia a ação exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar... Desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho... no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra... Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer. – Vou-me embora, disse comigo (p. 78).

Penso que tal experiência de “desrealização”, da maneira como foi relatada, é muito rica para se considerar a constituição e a relação entre as instâncias ideais dentro do processo de constituição do Eu. O tempo de instalação das instâncias ideais e do superego – respectivamente ideal do Eu e consciência moral – diferenciam-se claramente do tempo de instalação e das funções do Eu ideal narcisista. Bleichmar (1999/2005) define as propostas dos ideais do ego tendo caráter de mobilidade; assim sendo, mesmo que se articulem indubitavelmente como mandatos, não submetem o sujeito à angústia de aniquilamento, mas sim de castração. Isso se contrapõe aos imperativos que, instaurados no ego ideal, se expressam como exigências sobre formas de Ser, submetendo o sujeito à angústia de aniquilamento quando não cumpridos. Tais mandatos se enunciam ao modo: “serás o que devas ser, ou não serás nada”, transformando-se em uma demanda terrível tanto por marcar uma só possibilidade para o devir do indivíduo, como por abrir um caminho regressivo para que aquilo, que deveria ser ideal do ego, persista como ego ideal. Muitas vezes as demandas narcisistas do ego ideal vêm mascaradas de exigências com emblemas culturais, confundindo-se com demandas de ideais do Eu. Ressalta a autora que, por meio da escuta atenta de nossos analisandos e pela angústia em questão, podemos intuir formas de circulação do narcisismo familiar que contaminam certas opiniões particulares sobre o mundo que ganham o aspecto de lei geral: as crianças formulam o que querem “ser” espelhando diretamente o “mandato” proposto pelo adulto. Tal situação parece ganhar contorno na seqüência final do conto.

Assim o narrador relata que, ao trocar-se para partir, se lembra de vestir sua farda, e, estando em frente ao espelho, vê com surpresa

sua figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho... Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir (p. 81).

A alegria descrita nesse reencontro com o reflexo da imagem perdida de si configura, em palavras, a importância da função identificante primária – esta sombra falada de si – como base de articulação e organização do Eu. A questão que se impõe então é como dar prosseguimento a tal processo sem manter o Eu alienado nesse espelho, externo ou interno, que o reflete. Como desenvolver possibilidades para o Eu ter prazer em pensar-se ainda que para isto tenha que se abstrair da imagem unificada de si, sem que, ao mesmo tempo, isso signifique perdê-la.

 

A desidentificação como experiência de apropriação e enunciação de si: “O espelho”, em Guimarães Rosa

O conto de Guimarães Rosa (1960/1985) fornece, a meu ver, uma metáfora primorosa sobre o método e a função do trabalho analítico. Por meio de um “desconstruir-se” diante do espelho, “abstraindo-se” de cada traço ou detalhe marcado em seu rosto, o personagem-narrador do conto relata a um interlocutor sua experiência que tanto exigiu tolerância à angústia e ao estranho – proveniente da desconstrução do saber familiarizado de si – como a disciplina e principalmente a receptividade ao vazio do informe que busca, na singularidade do íntimo, novas configurações, ou seja, formas de reenunciar-se.

Rosa narra por meio do relato testemunhal de seu personagem a experiência psíquica a que este se propõe: desconstruir-se a partir de um processo radical de desidentificação. Um desidentificar-se em que o desenunciarse possibilita a apropriação íntima das sonoridades contidas em cada uma dessas identificações. Tal apropriação abre caminho para o surgimento de um re-enunciar-se e, então, re-identificar-se.

A narrativa de tal experiência nos permite ainda configurar metaforicamente uma situação que poderia ser vista como a saída da passividade traumática dos primeiros tempos para a possibilidade do apropriar-se ativa e simbolicamente de si. Penso estar aí o trabalho de análise no qual “o espelho-analista”, mesmo quando concebido como um saber suposto que vai além do paciente, não tem o propósito de defini-lo, mas apenas de acompanhá-lo em sua experiência, possibilitando seu processo de desconstrução/construção, à medida que possa refletir o analisando na sonoridade de seu estranhar-se.

Rosa, a meu ver, inicia seu conto com uma bela metáfora do processo analítico quando nos convida, por meio do personagem-narrador, para uma experiência: “Se quer seguir-me narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições...” (p. 65).

Falando sobre os espelhos, ele introduz elementos que me pareceram muito significativos para pensarmos a importância clínica das autoteorizações e das superstições dos analisandos como pontos de partida de escuta e pesquisa de suas “almas”, ou seja, de suas formas mais primitivas de se representarem em suas crenças – vértice mítico-religioso.

Sim, são para se ter medo, os espelhos. ... Sendo talvez meu medo a revivescência de impressões atávicas? O espelho inspirava receio supersticioso aos primitivos, aqueles povos com idéia de que o reflexo de uma pessoa fosse a alma. Via de regra, sabe-o o senhor, é a superstição fecundo ponto de partida para a pesquisa. A alma do espelho – anote-a – esplêndida metáfora. Outros, aliás, identificam a alma com a sombra do corpo. (p. 66).

Prosseguindo no relato de sua experiência, o narrador-personagem cria, a meu ver, magníficas metáforas metáfora para o “desconstruir-se” na experiência analítica – enquanto trabalho disciplinado de desidentificação e dessaturação do “saber-se” – como condição para um mergulho livre no desconhecido, que, acompanhado pela reflexão, por associações e religações, possibilita a apropriação e a formulação de novos enunciados.

Desde aí, comecei a procurar-me – ao eu por detrás de mim – à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio (p. 67).
Concluí que, interpenetrando-se no disfarce do rosto externo diversos componentes, meu problema seria o de submetê-las a um bloqueio visual ou anulamento perceptivo, a suspensão de uma por uma, desde as mais rudimentares, grosseiras, ou de inferior significado. Tomei o elemento animal, para o começo... E, então, eu teria que, após dissociá-los meticulosamente, aprender a não ver, no espelho, os traços que em mim recordavam o grande felino. Atirei-me a tanto (p. 68).
Mas, era principalmente no modus de focar, na visão parcialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar não vendo (p.69). Assim, o elemento hereditário – as parecenças com os pais e avós – que são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual. (p.69). ... E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa idéias e sugestões de outrem; e os efêmeros interesses, sem seqüência nem antecedência, sem conexões nem fundura (p.70).
Um dia... Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi.(p.70). ... E a terrível conclusão: não haveria uma existência central, pessoal, autônoma? ... Então o que se me fingia de um suposto “eu”, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine? ... Seríamos não muito mais que crianças – o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.(p. 71).

Por fim os indícios da reconstrução e do re-enunciar-se:

Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei (p. 71). Por aí perdoa-me o detalhe, eu já amava – já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E... Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; ... o ainda-nem-rosto – quase delineado apenas ... E era nada mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só. Só. E o julgamento-problema... Você chegou a existir? (p. 72).

Guimarães Rosa conclui sua narrativa nesse ponto, deixando em aberto uma interessante questão a ser considerada sob o vértice psicanalítico. Na desconstrução proposta no conto fica ambígua a condição de nos fingirmos um suposto “Eu”, visto que Guimarães Rosa apesar de propor que nada mais somos do que “a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine”, ou seja, “será que chegamos a existir?” concomitantemente ressalta, ao tratar da reconstrução, que muito tempo depois, quando “já amava”, após ter “apreendido a conformidade (eu diria o consentimento) e a alegria”, vi delinear “a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto ainda-nem-rosto”, onde “o mínimo ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha emoção”. Acrescentaria de minha parte: percebi que existia “nos meus ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória”.

Insisto nesse ponto para marcar diferença entre pensar o Eu em seu caráter metafórico e considerá-lo mera abstração defensiva. Tal diferença resulta em posturas clínicas diversas ao trabalharmos o processo de desconstrução dentro de uma análise. Concordo com Aulagnier (1979/1985) que não devemos desconstruir os pontos de certeza básicos, ou seja, as propostas identificantes que motivam o aparelho a continuar à busca de representar-se enquanto houver vida. Apesar de entender a preocupação de Lacan (1953/1986), que vê no Eu uma estrutura sintomática a ser desconstruída em função de seu caráter resistencial à escuta do vazio e do informe do inconsciente, continuo a pensar o Eu para além de seus sistemas defensivos e, portanto, que devemos aproximar nossos analisandos da experiência de se sentirem autênticos, à medida que se enunciam a partir de suas formas primitivas de apresentação e encenações, com as quais se configuraram. Considero o Eu como “uma continuidade necessária de si” que torna possível a receptividade e continência ao vazio do informe, possibilitando sua simbolização dentro da singularidade de cada um de nós. É neste sentido que “a esperança e a memória”, como Guimarães Rosa acima coloca, pode fornecer uma interessante metáfora sobre a apropriação singular de nosso passado em suas retranscrições em nosso porvir.

 

Discussão e levantamento de questões

Falar do narcisismo enquanto adjetivo é dar uma qualidade que, ganhando o valor de resposta, mascara e satura os interrogantes que podem se abrir, quando o narcisismo, ao contrário, é tomado, em sua implicação subjetiva, portanto, como substantivo. Meu interrogante central tem sido pensar o narcisismo desde sua implantação – a partir do investimento amoroso da mãe –, articulado, por sua vez, com seus desdobramentos que, por meio dos processos identificatórios, ganham corpo no próprio desenvolvimento do Eu e na formação das instâncias ideais. Azambuja (2007) enfatiza a função constituinte e estruturante do narcisismo na formação das instâncias ideais localizando no ideal do ego a herança cultural que nos guia, mas ressaltando, ao mesmo tempo, que é a partir do ego ideal que “nosso narcisismo nos inspira, num sopro de vida própria, única e singular”. Propõe assim que o ideal do ego, partindo de sua ancoragem “fora”, nos penetra na cultura e que o ego ideal se enraíza dentro de nós mesmos impulsionando-nos em nossa originalidade.

O narcisismo, a partir de sua concepção por Freud, se caracteriza em sua função estruturante pela capacidade de amar e respeitar a si mesmo como efeito da investidura amorosa do outro. Para se amar é necessário poder estimar-se. Neste sentido acho importante a observação de Bleichmar (2006) de que a função narcisisante materna impõe, em sua própria conceituação, que haja renúncia da mãe para com o filho enquanto puro objeto de satisfação pulsional. Tal condição, por sua vez, constitui as bases da renúncia pulsional, que também deve ser exigida do infante em relação à mãe, instalando-se assim o que a autora denomina “condições de amor”. Bleichmar chama a atenção para a instauração de processos patológicos em situações de amor incondicional, nas quais o narcisismo fica capturado defensivamente, perdendo sua função de criar, a partir de seus desdobramentos, condições para que o Eu se desenvolva por meio da constituição de suas instâncias ideais e do superego.

Esta última função do narcisismo me parece fundamental: sem narcisismo não pode haver desenvolvimento de superego, uma vez que, para amar e respeitar o outro, se deve também amar e respeitar a si – condição que implica que o amor a si e ao objeto esteja marcado, desde as origens, por preceitos éticos. Com relação a essa condição, eu penso ser muito importante, na clínica, a escuta e a apreensão dos mandatos que regem o Eu em suas oscilações entre “Eu ideal” e “ideais do Eu”.

Tais mandatos se fazem presentes no trabalho clínico, atuados, na maioria das vezes, sob as formas das condições – ou da exigência incondicional – de amor que, sem poder ganhar palavras, tomam corpo no tipo de vinculação entre analista/analisando. É no sentido de intervenção clínica, portanto, que a reflexão sobre a constituição das instâncias ideais e da ética me parece essencial, principalmente por serem correlativas à estruturação do superego. As origens dos ideais do Eu, ao contrário do superego, não provêm da culpabilidade, mas sim de desdobramentos e transformações do narcisismo a partir do Eu ideal. Se para o ideal do Eu a angústia diz respeito à discordância entre o Eu e àquilo que se esperava ser, para a consciência moral do superego o que está em jogo, seguindo Freud, é o reconhecimento das diferenças e, a partir disso, a identificação com o semelhante – como condição, portanto, ligada à noção ética de não se causar danos a terceiros. A implicação disso na escuta clínica é muito importante na diferenciação do tipo de angústia que nossos analisandos nos comunicam, quando relatam o sofrimento a que se vêm expostos ou ao qual expõem os outros. Muitas vezes diante de um relato que nos impõe uma sonoridade melancólica vamos perceber que o sofrimento presente está muito mais relacionado ao nãocumprimento das expectativas desejadas de si em relação ao objeto do que à culpa derivada da ambivalência em relação àquele objeto – escuta que mudaria o vértice de nossa intervenção. O sentimento de culpa associado, em última instância, às situações de não-cumprimento de mandatos dos ideais apresenta-se na clínica muito mais vinculado a um sentimento de “decepção” do que de “culpa”, no sentido ético de um dano causado ao outro. Tal distinção me parece fundamental para a apreensão de sua atuação no par analítico e, portanto, para sua abordagem clínica. Muitas vezes, apesar do revestimento ético com que a culpa envolve tal decepção, podemos claramente perceber o plano secundário que “o outro” está ocupando – quer seja “o outro” uma outra pessoa ou simplesmente “o outro” diferente do ideal exigido de si. Além disto, os maus tratos dirigidos a este “outro” não estão regidos por princípios éticos morais, estando, portanto, em plena dissonância com o discurso culpabilizante.

Ressalto assim a importância na discriminação do tipo de mandato – e, portanto, de angústia – a que nosso paciente está submetido e que pode ser depreendido por meio da escuta, a partir de seu relato. Os mandatos, rigidamente fixados, referentes a “quem sou”, correspondem a restituições narcísicas importantes decorrentes de falhas na estruturação narcísica fundamental, tendo em sua base a angústia vivenciada como risco de desmoronamento egóico. São mandatos extremamente rígidos, tirânicos aos modos do “Ser ou não-ser”. As intervenções nessas situações devem tanto priorizar a criação de um espaço identificante, promovedor das condições narcísicas primárias, como visar ao recalque e, portanto, à contenção do autoerotismo que ameaça a unidade do Eu, reproduzindo uma situação traumática. Os mandatos referentes a “o que sou” e às suas derivações no sentido do que “enuncio sobre mim e sobre meu desejo” dizem respeito à angústia – de castração – representada já dentro de um referencial simbólico em um contexto, portanto, não mais de “Ser ou não-ser”, mas sim de “Ser e não-ser”. Tais mandatos, perante uma situação traumática circunstancial, desencadeada ou não por elementos da realidade, podem sofrer uma degradação regressiva, deixando emergir a tirania dos mandatos originais e configurando fragilidades na estruturação narcísica fundamental.

Bleichmar (2006) pontua a importância de repensar as bases da ética como possuidora de suas raízes antes mesmo da resolução edípica, não sendo, portanto, apenas seu efeito. Neste sentido relata o autor que, no psicodiagnóstico de uma criança – mesmo no período pré-edípico –, sempre investiga por que ela chora, o que lhe causa dor, e qual sua postura ante seu sofrimento e o sofrimento do outro. A autora registra que em crianças, ainda que muito pequenas, com grande transbordamento e atuação de sua condição polimorfa perversa, deve-se tomar tal situação para investigar como estão se constituindo as bases da ética. E enfatiza que, mesmo nas relações duais, já deve se instalar a renúncia não só por medo da perda de amor, como também pelo sofrimento causado ao outro. Eu acrescentaria, neste contexto, o cuidado em se pesquisar, na constituição dos sistemas de ideais, como está se processando o trânsito entre o Eu ideal e os ideais para o Eu – questão que logicamente deve ser considerada na clínica com analisandos adultos.

A questão, portanto, de recuperar neste texto o narcisismo fundamental, estruturante e colocá-lo em discussão me interessa muito mais no sentido do exercício clínico desse conceito do que no de uma discussão teórica. A condição narcísica está, a meu ver, na base das relações amorosas de objeto tanto no sentido de amor pelo outro como de amor por si enquanto retorno amoroso do outro, transmitido e identificado sob a forma dos ideais para o Eu. Meu intuito é propor o exercício no “ato” analítico de tal função que, considerada em seu estatuto metapsicológico, não deve ser confundida com complacência ou maternagem.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Homero Vettorazzo Filho
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Tel.:11 3085-9181
E-mail: hvettorazzo@uol.com.br

Recebido: 20/04/2007
Aceito: 15/05/2007

 

 

* A constituição da subjetividade a partir do narcisismo e de suas derivações nos mandatos dos ideais.
** Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Professor e supervisor do Instituto Sedes Sapientiae.
1 Na cultura do narcisismo que marca a pós-modernidade, Birman (1998/1999) ressalta estarmos frente à fragmentação da subjetividade em função do paradoxo entre autocentramento e exterioridade. Os destinos do desejo, numa direção marcadamente exibicionista e individualista, têm como contrapartida o esvaziamento da alteridade e das trocas intersubjetivas, instituindo-se na hegemonia da aparência, uma nova modalidade de sujeito “fora de si”.
2 Considero o Eu massa libidinal que se constitui e se desenvolve a partir da articulação de posições subjetivas desejantes e defensivas. Essas articulações, que têm o sistema pré-consciente/consciente como provedor de ferramentas para o conhecimento de si e do mundo, se fazem sobre moções pulsionais inconscientes que pressionam e invadem a organização do Eu sob a forma de correntes excitantes ou de enunciados incorporados.
3 Oscar Wilde, invertendo a perspectiva, propõe em seu poema o lago se refletindo nos olhos de Narciso.
4 Bleichmar propõe essa condição, diferenciando-a da concomitante sedução originária exercida também pela mãe.
5 Ferenczi (1933/1992) discorre a respeito da confusão de línguas entre o adulto e a criança, marcando a intrusão da “linguagem sexual” do adulto na “linguagem de ternura” da criança. O autor pontua o efeito de tal situação no que diz respeito à submissão da criança a este adulto agressor, ao qual internaliza por identificação.