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Ide

versión impresa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) v.31 n.146 São Paulo jun. 2008

 

EDITORIAL

 

Jassanan Amoroso Dias Pastore*

Endereço para correspondência

 

 

Neste número pretendemos resgatar os fundamentos da diretriz editorial da ide &– que desde sua fundação, há mais de trinta anos, em 1975, tem girado em torno do diálogo entre psicanálise e cultura &– e sua importância na abertura de fronteiras para o pensamento, como também discutir as articulações entre linguagem e cultura envolvidas na produção de novas subjetividades. Entrevistamos Deodato Curvo de Azambuja, um dos coordenadores editoriais do grupo fundador da ide, para nos contar a sua história sobre a origem e a trajetória desta revista.

A prática psicanalítica, que opera na fronteira entre o sujeito e a cultura, sofre variações conforme o contexto histórico e cultural. Por meio dessa entrevista observamos que,se,de um lado, podemos localizar uma permanente necessidade de troca e de conciliação entre tradição e renovação, tradição e vanguarda, de outro verificamos que certas temáticas resistem ao desgaste do tempo, conservando seu interesse e atualidade. É o caso da temática que reuniu os artigos deste número, focalizando os lugares possíveis de intersecção entre psicanálise e cultura.

Tivemos como objetivo pensar criticamente sobre a função da cultura, por meio de instrumentos históricos, conceituais, políticos, midiáticos, entre outros, e debater as várias formas em que ela tem sido considerada por diferentes campos do saber.

A palavra cultura origina-se de colere, que significa “cultivar”, “habitar”,“criar” e “preservar”. Na sociedade romana, o termo associava-se ao cuidado da terra e ao trato do homem com a natureza. Talvez daí a extensão do termo, do cultivo da terra, para o cultivo da alma e dos valores do espírito humano.

Interrogar a cultura é interrogar sua transitoriedade. Tradicionalmente, para se definir uma cultura era fundamental delimitar o território em que se articulava sua língua, em que se processavam seus símbolos, seus valores, suas memórias, suas tradições etc., ou seja, estava presente a idéia de que uma cultura podia ser delimitada e definida pelas suas fronteiras. Porém, as idéias viajam e, atualmente, a partir do fenômeno da globalização, os acontecimentos culturais se deslocam cada vez mais e as culturas se tornam cada vez mais híbridas. Se, no passado, as culturas tendiam a ser associadas a um território e a identidades definidas, hoje encontramos um cruzamento, por vezes até mesmo um embaralhamento, das fronteiras culturais e simbólicas, uma desterritorialização e uma reterritorialização dos fenômenos culturais. Uma manifestação simbólica, característica de um contexto,migra facilmente para outros e é recontextualizada por meio de um intenso processo de reelaboração.

Se a cultura é algo que diz respeito a todos nós,se ela é parte integrante de nossas vidas, enquanto sujeitos, procuramos investigar o que está em jogo no contato entre estruturas da subjetividade e modos de interação social,e como o contemporâneo condimenta essa polêmica.

Ao escrever O mal-estar na civilização (1929), Freud teve como objetos indivíduos de uma sociedade capitalista de produção, calcada na ética protestante. Vivemos no presente em umasociedade capitalista deconsumo, baseada, segundo alguns autores, na ética do “direito ao gozo”. Para pensarmos sobre as conseqüências psíquicas dessa passagem, trazemos, neste número, colaboradores que se debruçaram em discutir a relevância, para a nossa época, das posições levantadas por Freud, no que se refere à constituição do supereu &– é possível falarmos, hoje, de um supereu diverso daquele que articulava uma consciência moral fundada na repressão das moções pulsionais? &– e ao sentimento de culpa para o desenvolvimento da civilização.

Outros autores desenvolvem seus pensamentos sobre o modo em que se dão as relações singulares entre o sujeito, suas experiências e a cultura, numa sociedade &– a contemporânea &– em que a própria cultura pode ser um objeto de consumo; alguns outros versam sobre o impacto das mutações culturais das metrópoles sobre a subjetividade e sugerem possíveis norteadores a sustentar a cultura contemporânea, em sua diversidade de expressões e de movimentos de singularização, percorrendo espaços tão diversos como aqueles que caracterizam o mundo urbano.

O grupo editorial publica, ainda, um texto &– espécie de homenagem a todos aqueles que pela ide passaram &–, em que expressa seu pensamento acerca do lugar da cultura na teoria e na práticaclínica, bem como da necessidade e do valor social da psicanálise, reafirmando a linha editorial da ide, que explora as fronteiras do conhecimento, fronteiras nas quais se trançam psicanálise e literatura, e filosofia, e antropologia, e política, passagens que fazem circular idéias por entre territórios, enfim, campos em que a psicanálise se enfrenta com as coisas do mundo.

Assim, ao abordar a intersecção entre Psicanálise e Cultura, a questão das fronteiras se destacou, fazendo com que adquirisse sua potência de problemática. Se, de um lado, a manutenção do homem em fronteiras inflexíveis pode asfixiá-lo, de outro, as fronteiras móveis não lhe asseguram os alicerces fundados por modelos preestabelecidos, e ele se confronta com a arriscada travessia da criação. Ou, dito de outro modo, a abertura de fronteiras descortina a possibilidade do trânsito, do nomadismo, da imaginação, mas passa-se a correr o risco de apagar justamente aquilo que constitui um corpo coletivo de pensamento ao instituir o diferente em um contexto considerado homogêneo.

Conduzidos por essas observações, elegemos, para o próximo número, a temática Estrangeiro.

 

 

Endereço para correspondência
Jassanan Amoroso Dias Pastore
R. Capote Valente, 432/82 – Pinheiros
05409-001 – São Paulo – SP
Tel.: 11 3081-4349
E-mail: jassanan@uol.com.br

 

 

* Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.