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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) v.31 n.47 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Desamparo e violência de gênero: uma formulação*

 

Gender violence and distress: a new formulation

 

 

Susana Muszkat**

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo, partindo de uma crítica às políticas públicas em violência de gênero, pretende trazer ao leitor, as noções fundamentais da teoria construcionista e de como as articulei com a metapsicologia freudiana, uma vez que vejo nessas duas teorias do conhecimento, um denominador comum fundamental: o processo de desconstrução de paradigmas e modelos de funcionamento fixos. Nesse sentido, o trabalho, embora focado mais exclusivamente nas práticas violentas masculinas, tem como aspiração maior, evidenciar um modo de se pensar e praticar o trabalho clínico psicanalítico para além da clínica individual. Proponho uma distinção entre modalidades de atos violentos, cunhando a expressão desamparo identitário. Essa proposição, embora formulada a partir do estudo das práticas de violência masculina, carrega a possibilidade de ser estendida, contribuindo na compreensão de fenômenos de universos bem distintos, do âmbito social, individual e institucional.

Palavras-chave: Construcionismo social, Masculinidade, Psicanálise, Violência de gênero.


ABSTRACT

The present article, brings about a critical discussion on public policies in gender violence, and in so doing, intends to introduce the reader, into the basic notions of the constructivist theory and its articulation with the psychoanalytic ideas as postulated by Freud. The inter-relation of both theories of knowledge has to do with their fundamental common denominator: the deconstruction of fixed models and paradigms. In this sense, this paper, despite having its main focus on violent male practices, has as bigger aspiration, to highlight a way of thinking and practicing psychoanalytical clinical work as work that goes beyond the private individual clinical practice. The author also proposes to differentiate between modes of violent practices, coining the expression identitary distress. The paper, although originated from the study of violent male practices, can be used in a more ample form, in the sense of contributing to the understanding of phenomena pertaining to a wider range of experiences of social, individual and institutional spheres.

Keywords: Social constructivism, Masculinity, Psychoanalysis, Gnder violence.


 

 

O presente artigo, partindo de uma crítica às políticas públicas em violência de gênero, pretende trazer ao leitor, as noções fundamentais da teoria construcionista e de como as articulei com a metapsicologia freudiana, uma vez que vejo nessas duas teorias do conhecimento, um denominador comum fundamental: o processo de desconstrução de paradigmas e modelos de funcionamento fixos. Nesse sentido, o trabalho, embora focado mais exclusivamente nas práticas violentas masculinas, tem como aspiração maior, evidenciar um modo de se pensar e praticar o trabalho clínico psicanalítico para além da clínica individual. Proponho uma distinção entre modalidades de atos violentos, cunhando a expressão desamparo identitário. Essa proposição, embora formulada a partir do estudo das práticas de violência masculina, carrega a possibilidade de ser estendida, contribuindo na compreensão de fenômenos de universos bem distintos, do âmbito social, individual e institucional.

No trabalho que desenvolvi com homens em situação de violência familiar, questiono um tipo de compreensão normalmente adotada pelas organizações governamentais e suas correspondentes políticas públicas acerca da violência praticada no âmbito familiar. Habitualmente denominada de “violência doméstica” refere um tipo de ato praticado principalmente contra mulheres e/ou seus filhos, por seus companheiros e/ou pais respectivamente.

Como resultado deste tipo de compreensão, verifica-se uma predominância quase absoluta de programas sociais voltados exclusivamente à proteção de mulheres, crianças e adolescentes, evidenciando uma perspectiva polarizada onde a situação define-se por lados bem definidos de vítimas e agressores.

O presente trabalho faz um recorte, onde priorizei como objeto de estudo, minha experiência com o atendimento e coordenação de grupos de reflexão de homens das classes populares do município de São Paulo.

Abordo o tema da violência familiar sob dois vértices: o primeiro questiona a adoção de uma lógica não complexa e maniqueísta com a qual as políticas públicas habitualmente enfrentam essa questão, atribuindo valores positivos e negativos à complexa dinâmica das relações conjugais. Trabalho com a hipótese de que os efeitos destas políticas tendem a cristalizar e perpetuar aquilo mesmo que pretendem combater.

O segundo vértice pretende explicitar qual o lugar imposto simbolicamente a estes homens, procurando identificar quais os determinantes culturais, sociais e psicológicos organizadores da subjetividade masculina, visando compreender como os papéis de gênero e as relações resultantes destes são distribuídas, transmitidas e perpetuadas pelos gêneros.

Para tanto uso do arcabouço teórico Psicanalítico cotejando- o com os estudos das Relações de Gênero visando ampliar a compreensão da questão da transmissão e perpetuação das relações violentas.

 

De que violência falamos?

Ao longo dos anos em que trabalhei na coordenação de grupos1, tanto de homens como de mulheres das classes populares, foi possível constatar a prevalência do que é designado nos estudos de gênero, como ideologia naturalista. Esta denominação diz respeito a um modo de organização das idéias que determina de forma quase dogmática os atributos femininos e masculinos, ou ainda, o que é considerado próprio do comportamento de homens e mulheres, como algo naturalmente dado, algo da constituição do indivíduo e que vem atrelado ou é definido pelo sexo biológico.

Comportamentos que envolvem práticas tais como: agressão física, ofensas verbais, desqualificação sistemática da/o companheira/ o, negligência afetiva em relação a/o companheira/o e/ou aos filhos, negligência financeira em relação aos filhos e/ou companheira, proibição de que esta exerça algum trabalho fora do âmbito doméstico, interdição da vida social, acusações que põem em dúvida o caráter moral da mulher, violência praticada por homens sob efeito de substâncias tóxicas (principalmente álcool), infidelidade conjugal, atos violentos desencadeados por ciúme e tantos outros, não são identificados nem como práticas violentas nem como atos que visam à manutenção do lugar de poder, mas sim, como práticas naturais, ligadas a um ou outro sexo. A guisa de exemplo, dentro deste código de naturalidade, é próprio do homem &– o que em outras palavras quer dizer que é justificado &– que este agrida a mulher ou destrua os bens da casa quando sob efeito do álcool. Embora, tanto homens quanto mulheres, ao relatarem fatos como estes, adotem uma postura tipo auto-recriminadora (verbalizando sua desaprovação em relação a eles), isso não tem, contudo, um caráter de implicação do sujeito como responsável por si mesmo e por seus atos: é, antes, tomado como efeito do álcool, sendo normal que homens bebam. De modo complementar, tampouco as mulheres se vêem como sujeitos, com possibilidade de autodeterminação, podendo aceitar ou recusar a convivência com tal comportamento.

Este é um exemplo dentre muitos, onde a naturalização de certos atos tem como conseqüência não só autorizar ou justificar práticas violentas e abusivas, quanto impedir que estas práticas sejam reconhecidas enquanto tais.

As práticas violentas de homens contra suas companheiras não se esgotam na violência física, e estão inseridas dentro de um código perpetuado na cultura, que as associa a valores quanto à concepção de masculinidade.

Na teoria psicanalítica, encontramos ao longo da obra freudiana, uma série extensa de trabalhos (Os três ensaios sobre a sexualidade, 1905/1972a; Sobre o narcisismo: Uma introdução, 1914/1974e; O instinto e suas vicissitudes, 1915/1974b; Luto e melancolia, 1917/1974c; O mal-estar na civilização, 1930/1974d, e outros), que abordam a questão da agressividade, do ódio, da destrutividade e da violência (embora o termo violência propriamente dito só tenha sido usado na correspondência com Einstein, intitulada Por que a guerra, 1933/1976d). A pulsão agressiva ou o ato violento aparecem tanto como elemento fundante e constitutivo do psiquismo, como ato que inaugura a civilização e sua organização social, como propõe Freud em Totem e tabu (1913/1974f).

Como elemento garantidor da integridade psíquica, Freud discorre sobre o desamparo fundamental inerente à condição humana e o conseqüente estado de dependência de um outro na constituição de sua subjetividade. Isso, ao mesmo tempo em que marca a intersubjetividade como da ordem do imprescindível na constituição do indivíduo e na manutenção de um si-mesmo, também evidencia o peso do social &– transmitido inicialmente por este outro que cuida imbuído de valores da cultura &–, na construção da subjetividade e da identidade de cada sujeito da e na cultura. Assim, o sujeito é ao mesmo tempo individual e social, como lemos em Freud em Psicologia de grupo e análise do Ego (1921/1976e, p.91).

Descreve em Formulações sobre os dois princípios de funcionamento mental (1911/1969), o aparelho mental como constantemente sujeito a pressões e excitações tanto vindas do mundo externo quanto de seu interior, e a necessidade a que fica submetido em eliminar tais excitações uma vez que, regido pelo Princípio da Constância, visa manter o nível de excitação do aparelho psíquico o mais baixo possível, evitando assim, o desprazer. O desprazer resultante da intensidade pulsional a que o aparelho psíquico fica submetido, é vivido como desamparo, pondo em risco a integridade deste, assim como a do sujeito. Marin (2002) em seu livro intitulado Violências, irá argumentar a favor do que denomina como violência fundamental, definindo-a como uma violência necessária para a constituição do sujeito, para a sua saída do Princípio do Prazer, condição para o surgimento do sujeito socializado. Sem esta violência, o indivíduo ficaria abandonado a uma intensidade pulsional insuportável cuja resultante, segundo a autora, seria a transformação destas pulsões internas numa violência aniquiladora que impeliria o sujeito a expeli-las de forma destruidora sobre o outro.2 A agressividade como meio de expulsar o mau, o indesejado, é assim descrita em O instinto e suas vicissitudes (1915, p. 160), “pode-se asseverar que os verdadeiros protótipos da relação de ódio se originam não da vida sexual, mas da luta do ego para preservar-se e manter-se narcisicamente”. Neste artigo, Freud dirá que inicialmente, o mau, assim como aquilo que é externo ao ego, não se distingue; são sentidos como idênticos. Descreve o mecanismo de projeção como sendo, no princípio, um mecanismo de preservação do aparelho mental, cujo intuito é o de procurar livrar-se, expulsar de dentro de si, sobre um outro externo, aquilo que é sentido internamente como mau e desorganizador atendendo ao princípio norteador do funcionamento mental, o Princípio do Prazer. Com efeito, para Freud a agressividade tem duas versões, uma no interior do Princípio do Prazer, e outra a partir do abandono desta premissa básica para o psiquismo. Ainda que a agressividade seja inerente ao ser humano em ambas, estas versões resultam em concepções muito diversas para o que nos interessa. Inicialmente, na primeira teoria das pulsões, ela é pensada enquanto um elemento da própria sexualidade, elemento que visaria possibilitar uma apropriação do objeto sexual no caso deste não se oferecer espontaneamente. Esta primeira versão pareceria, de fato, se aproximar da idéia de uma naturalidade da violência na sexualidade masculina. Em sua segunda versão, após 1920, a agressividade se desvincula da sexualidade com o conceito de Pulsão de Morte. Nesse caso ela adquire, contudo, um caráter destrutivo apenas quando desfusionada de Eros, sendo, normalmente, garantidora da vida e da integridade psíquica quando integrada às pulsões amorosas ou de vida. Essa segunda versão da naturalidade da violência inerente a ambos os sexos, serve para compreender a própria organização vital a partir de outras bases, sendo que dificilmente pode ser invocada para atribuir uma natureza violenta de modo privilegiado ao gênero masculino.

Novamente em 1921, em Psicologia de grupo e análise do Ego, Freud assevera a importância no sentido de uma unificação dos instintos como condição de desenvolvimento, ao afirmar que há um “avanço irresistível no sentido de uma unificação da vida mental” (Freud, 1921/1976e, p.133). Tomando como base suas formulações acerca dos processos de fusão e integração dos instintos - como garan tidor da vida e da saúde mental-, seria possível estendermos essas concepções para uma melhor compreensão quanto ao insucesso das políticas públicas vigentes, uma vez que estas se apóiam habitualmente em modelos dualistas? No mesmo sentido, é notável o modelo maniqueísta que rege as práticas de dotação de valores positivos e negativos para tratar das diferenças, dado este plenamente constatado tanto nas problemáticas relacionadas à violência de gênero, quanto, vale ressaltar, do preconceito em geral.

Identificamos distintas violências no âmbito conjugal, desde aquela do marido que espanca sua mulher de forma recorrente que nos remete a pensarmos na violência da desfusão pulsional, do sadismo, onde a violência associa-se ao prazer sexual, até aquelas que permeiam as relações de maneira naturalizada evidenciadas na desigualdade de poderes.

Bourdieu (1998), referindo-se ao caráter naturalizado destas relações, nos oferece uma interessante contribuição ao dizer que, a dominação de gênero impede que tanto homens quanto mulheres possam pensar fora do esquema de dominação masculina, levando-os a interpretar essa relação como natural e assim conspirar por sua própria dominação. Descreve este modo de funcionamento social como esquemas não-pensados de pensamento, sugerindo um caráter inconsciente compartilhado de funcionamento (p. 22).

Com efeito, o que justificaria essa permanência ou adesão a esquemas tradicionais de gênero e à violência a que mulheres são freqüentemente submetidas, e que temos visto repetirem-se por gerações e gerações a despeito dos esforços dos movimentos feministas e das políticas públicas destinadas a eliminação destas práticas?

 

O construcionismo social

O construcionismo social se propõe a questionar como se produzem, na cultura, os sentidos atribuídos às condutas, comportamentos, crenças, valores, ideologias e práticas humanas, como processos que se dão dentro de um determinado contexto histórico, social e cultural.

Vale lembrar que, a cultura que reproduz e perpetua as relações hegemônicas masculinas de gênero, onde práticas de dominação dos homens sobre as mulheres são avalizadas, não se restringe ao universo masculino. Sem querer com isso culpabilizar às mulheres por situações de humilhação ou violência a que são muitas vezes submetidas, não podemos desconsiderar que também, elas, compartilham extensamente destes mesmos códigos e valores, contribuindo com sua manutenção. É, portanto, essencial despertarmos nosso olhar para um sujeito implicado como sujeito da e na cultura.

Gregori (1993), em seu livro Cenas e queixas, faz uma rica descrição do trabalho realizado numa instituição feminista paulista, fundada nos anos 80, voltada ao atendimento de mulheres vítimas de violência. As observações desta autora convergem com as nossas ao afirmar que a simples exclusão de uma das partes do casal, e a atribuição de sentidos vitimizadores ou culpabilizantes às mulheres e homens respectivamente, têm se mostrado ineficaz no que se refere a eliminar comportamentos de tipo abusivo em relação às mulheres. Há que se considerar que as relações de complementaridade, os desejos e sonhos das mulheres em relação ao companheiro e a ligação afetiva entre eles impedem que a questão seja tratada exclusivamente sob um prisma punitivo pelas políticas públicas vigentes.

Ainda outros sociólogos do campo construcionista, tais como Jeffrey Weeks (1996) e Carol Vance (1995) descrevem como preocupação central do construcionismo social não o que causa uma ou outra forma de definição de sentidos &– como, por exemplo, os sentidos atribuídos à homossexualidade ou a heterossexualidade - mas sim o problema de por quê e como a nossa cultura privilegia um e marginaliza outro. A que fim ou finalidade servem essas definições, ou ainda, a serviço do que elas estão.

Sob a perspectiva dos estudos de gênero, categorias como homem e mulher devem ser entendidas dentro de seus contextos sociais e culturais, levando-se em conta não apenas a constituição biológica, mas principalmente questões sobre como se articulam o corpo biológico, o desejo sexual, e as práticas dos indivíduos, além de sua inserção dentro de um determinado contexto sócio-cultural, levando sempre em conta características como raça, religião, classe social, escolaridade, etc. (Monteiro, 2002; Paiva, 2000).

Esta corrente de pensamento põe em questão o caráter de naturalidade, de conceitos fortemente enraizados na cultura tais como a heterossexualidade ou o lugar atribuído ao feminino em função de sua condição reprodutiva, ou seja, questionase tanto o lugar quanto os papéis naturalmente atribuídos a homens e mulheres em função de sua constituição biológica e de sua capacidade reprodutiva.

Voltemos a Freud onde em seu artigo, Três ensaios sobre a sexualidade (1905/1972a), destaca a diferença entre as concepções de instinto e de pulsão, retirando desta última o caráter natural da sexualidade humana. A pulsão, segundo ele, tem como objetivo sua satisfação, admitindo, contudo, um obprejeto variável para tal fim. Visa à diminuição das excitações do aparelho mental, vivenciadas como desprazerosas. A busca pelo objeto que atenda à demanda da pulsão é, conseqüentemente, ao mesmo tempo permanente e inatingível, uma vez que o objeto almejado associa-se a um objeto mítico, fantasiado, mediado pelo desejo e inspirado nas primeiras relações objetais da infância. É por este motivo, que ele é um objeto ao mesmo tempo buscado, mas nunca encontrado. Este não é um ponto de menor importância quando nos deparamos com as falas dos homens que constituem a nossa amostra. Ouvimos deles o relato sobre suas buscas por uma companheira, cujas características descritas são nitidamente idealizadas; companheiras que preencheriam suas demandas fantasiadas. Ao serem frustrados &– dada a condição do objeto da pulsão &– atribuem a falha às mulheres, disparando contra elas, acusações de teor manifestamente maniqueístas.

Ao instinto, por sua vez, vincula-se uma necessidade, cuja satisfação é atendida no encontro com um objeto fixo, determinado, característica do comportamento animal.

Encontramos em Castells (1999/2000) uma interessante discussão sobre a forma de construção social da identidade como um processo inter-relacionado que se dá num contexto marcado pelas relações de poder.

Ele propõe três diferentes formas de origem dessa construção, denominando-as: Identidade legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes na sociedade, cujo intuito é garantir e expandir sua dominação sobre os atores sociais.

Este primeiro grupo seria constituído pelas instituições já legitimadas, ou ainda, por aquelas que exercem uma maior ascendência na sociedade em termos de definição de padrões e valores sociais. Carrega em si a proposta de transmissão ideológica de uma identidade padronizada, não diferenciada, ou ainda, uma identidade imposta.

Um segundo grupo, o de Identidade de resistência, caracteriza-se pelo agrupamento dos atores sociais que se encontram em posições desvalorizadas e/ou estigmatizadas, ou seja, esse grupo não compartilha da atribuição de sentidos sociais que se verifica no primeiro grupo. Criam, assim, um movimento de resistência aos valores hegemônicos, identificando-se entre si como um grupo de identidade política.

O terceiro grupo descrito, o de Identidade de projeto, se dá “quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade, e ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social” (Castells, 1999/2000, p.24).

Este é o caso de todos os movimentos sociais organizados, como o feminista, movimento negro, movimento pela legalização do aborto, de igualdade de direitos a grupos minoritários, etc., que agrupam atores sociais, de início pertencentes ao grupo excluído, mas que passam a se organizar de forma a sair deste lugar. Caso sejam bem sucedidos, podem vir a ocupar o lugar definido pelo primeiro tipo de identidade &– a institucionalizada &– dando-nos, portanto, a dimensão da fluidez contida na noção de identidade; da possibilidade de transitoriedade ao longo da história do que são valores hegemônicos ou excluídos.

Considero este um ponto que merece ser destacado uma vez que indica como valores e padrões aceitos e/ou rejeitados na cultura podem ser alterados &– o que atesta para o caráter não estático e refuta uma concepção essencialista destes padrões &– sendo assim, passíveis de transformação.

Verificamos na população masculina desta pesquisa, o predomínio de um tipo de pensamento pautado pelos ideais tradicionais de gênero. Sendo assim, costumam apresentar idéias bastante definidas quanto a valores de conduta, comportamentos, idéias sobre o que é certo e errado, mostrando pouca flexibilidade em relativizar suas opiniões. Apresentam não raro, narrativas prontas e inflexíveis, atribuindo ao “outro” o motivo de suas aflições.

O trabalho de grupo com estes homens visa questionar paradigmas estabelecidos, a fim de romper com este modelo hierárquico, veiculando uma nova ideologia que pressuponha a equidade, parceria e responsabilidade, formando sujeitos transmissores ou agentes de transformação de uma nova forma de funcionamento social.

Essa proposta remete aos conceitos de empoderamento e protagonismo, que, embora já um tanto desgastados pela grande proliferação de ONGs nos últimos anos, estão formulados mediante uma concepção do ser humano como um indivíduo capaz de enfrentar situações de dificuldade, refletir sobre elas e tomar decisões de forma responsável.

Aponto o desgaste dos termos por um uso clichê destes, sendo comumente usados como forma de se referir à necessidade de se fortalecer grupos tidos como oprimidos ou vitimizados. Como resultado, vemos, não raro, as concepções de empoderamento e/ou protagonismo sendo traduzidas ou interpretadas como numa reprodução às avessas do mesmo sistema de funcionamento de opressão de uns sobre outros. Assim, proponho que ambos os conceitos não se refiram a tornar homens - muitos dos quais violentos &– mais poderosos no sentido das relações de poder, da ocupação de um lugar de domínio na hierarquia conjugal. Isso, ao contrário do que visamos, nos levaria a solidificar ainda mais relações pautadas por poderes fixos, constituídos. Acredito, sim, que a necessidade de manutenção de dominação e de poderes fixos constituídos não representa uma condição de poder, mas pelo contrário, uma falta do mesmo, que faz com que homens se apeguem, de forma adesiva, a padrões tradicionais de masculinidade, acreditando que estes serão garantidores de sua identidade masculina. O empoderamento consiste, a meu ver, em poder abrir mão da obrigatoriedade em funcionar dentro de preceitos rígidos, podendo contar com uma gama de recursos identificatórios mais ampla. Ou seja, quando a manutenção da identidade masculina depende de poucos indicadores tais como dominar mulher e filhos, ou ser o provedor exclusivo da família, ao depararse com a alteração destas condições, o homem sente sua identidade ameaçada, sobrando-lhe como recurso débil e precário de resgate de identidade e de seu narcisismo, o uso da violência. Assim, entendo que o uso da violência não se apresenta como recurso de poder, mas sim evidencia o que denominei de desamparo identitário. Defino este conceito como uma forma de funcionamento mental e social, construída a partir de ideais culturais nos quais estes homens ficam mergulhados em função da precariedade da rede de significados de que dispõem como definidores do que é masculino e feminino. O conceito de desamparo identitário se contrapõe, portanto, à noção de uma rede identificatória diversificada, na qual a base de sustentabilidade do indivíduo se amplia, dando-lhe mais recursos pessoais garantidores de um maior equilíbrio narcísico.

Em uma pesquisa realizada com sujeitos de classe média, com grau de escolaridade superior na cidade de São Paulo, intitulada Os Homens, esses desconhecidos: Reprodução e masculinidade, (Oliveira, Bilac, & Muszkat, M., 2000) os resultados apontaram para a necessidade de novos arranjos entre homens e mulheres nas relações conjugais. A pesquisa evidenciou o questionamento e novas formas de organização entre estes jovens casais de classe média paulistana, negociando funções e papéis que contrariam os antigos sistemas de gênero de suas famílias de origem. Contudo, como já dissemos em outra parte (Muszkat, M., & Muszkat, S., 2003), verificamos algo distinto nas famílias com as quais trabalhamos na PMFC. É sabido que as mulheres dos extratos mais pobres, sempre estiveram inseridas no mercado de trabalho fora do âmbito doméstico, sendo inclusive, com freqüência, a principal ou única fonte de renda destas famílias. Isso, no entanto, não alterou, nestas famílias as expectativas em relação aos esquemas de gênero no nível do imaginário. Ou seja, embora essas famílias não se constituam segundo os modelos tradicionais de família nuclear nem tampouco atendam ao padrão de divisão sexual do trabalho preconizado por este modelo (uma vez que nem os homens são provedores, nem as mulheres podem dedicar-se exclusivamente ao cuidado doméstico e da prole), mantém, ainda assim, na esfera do imaginário, lugares e funções que dizem respeito ao esquema tradicional hegemônico. Propusemos naquela ocasião que a manutenção destes lugares imaginários fixos poderiam estar associados “à tradução de uma manifestação simbólica em que o homem corporifica a idéia de autoridade moral do grupo, de responsável pela respeitabilidade familiar” e que seria “este fator que estimularia as mulheres a manter simbolicamente uma posição de subordinação que lhes garanta respeitabilidade” (Muszkat, M., & Muszkat, S., 2003, p.130). Vemos, portanto, que outros valores &– como o da respeitabilidade &– atuam na esfera simbólica de forma a complexizar a questão quando pensamos em discutir determinados lugares de poder. Dito de outro modo, e como também lemos em Sarti (1996), a subordinação feminina no âmbito da família, por paradoxal que seja, é a garantia de uma posição simbólica de poder dentro de um universo cuja presença masculina outorga à mulher um diferencial quanto ao seu status social. A evidente contradição entre o universo imaginário e a vivência cotidiana é um aspecto que não pode ser negligenciado como tema de reflexão. É importante destacar como a força das representações que habitam o mundo mental dos sujeitos, quando coladas a determinados sentidos, podem perdurar como esquemas de pensamento fixos em detrimento da percepção da realidade externa.

 

Identidade sexual e identidade de gênero

Como já dissemos, a construção da identidade de gênero está ligada à ideologia predominante numa determinada cultura. Refere-se aos papéis atribuídos a homens e mulheres.

Construída dentro de esquemas de gênero e esquemas de gênero oposto (Paiva, 1999), obriga a uma identificação com os valores adotados na cultura, uma vez que os esquemas são binários, ou seja, não admitem alternativas de identidade, impedindo que a sexualidade seja exercida em conformidade com o que é legítimo do indivíduo, próprio de seus desejos. Uma vez fora dos dois esquemas de gênero possíveis, outras formas de exercer-se a sexualidade podem resultar na construção de identidades definidas ou vividas como desviantes.

Sennet (2000) propõe um modelo interessante para se pensar o funcionamento da identidade. Define por uma identidade fraca, aquela em que o sujeito rigidamente se apega a valores e imagens fixas de si mesmo, não podendo reformulá-las, e como identidade forte, aquela em que o sujeito se vê capaz de revisar as circunstâncias e adaptar-se a essas mudanças sem prejuízo à sua noção de si mesmo. A impossibilidade seja por motivos culturais, de preconceitos, de determinadas estruturas mentais patológicas ou de idealização narcísica, de alterar a noção que se tem de si mesmo, é um fator aprisionador e impeditivo do poder narrar-se em construções alternativas mais gratificantes para o sujeito. A estas idéias que se apresentam tendo um caráter rígido, e que são veiculadas e compartilhadas na cultura tanto por homens como por mulheres, Sennet as denominou como mitos controladores, por exercerem um poder controlador de comportamentos e papéis, de forma estereotipada.

Se, como sustentam os diversos autores, os esquemas de gênero ou a dimensão de gênero é algo construído social, histórica e culturalmente, com base nos valores predominantes numa determinada cultura em determinado momento histórico, podemos então pensar nesses conceitos (gênero, identidade de gênero, sexo, sexualidade, etc) como concepções que admitem sua desconstrução.

Se pensarmos que definições têm um caráter temporal e que atendem a interesses diversos &– culturais, sociais, políticos, econômicos, psicológicos &– isso justifica pensarmos que projetos ou valores de grupos minoritários possam passar de meras resistências (no sentido dado por Castells) a valores compartilhados ou, ao menos, tolerados. Poderes institucionalizados representam a dominação de alguns e a correspondente opressão de outros que, conseqüentemente, têm que se adaptar a uma ideologia predominante e valorizada ou então ficar relegados a um lugar de exclusão, a fim de evitar conflitos identitários com seus próprios ideais.

Em nosso trabalho com grupos de homens, observamos que estes, tendo pouco poder na esfera pública em função da precariedade de recursos culturais, sociais e econômicos de que dispõem, buscam exercer este poder no âmbito familiar ou privado, de forma compensatória.

Consideramos que a rígida divisão sexual de trabalho (homens voltados ao universo público e mulheres ao privado), aprisiona tanto homens como mulheres a uma condição de insuficiência, onde o que compartilham é a precariedade, evidenciado num movimento de acusações mútuas, em que cada um procura atribuir ao outro o motivo desta precariedade. Assim, aprisionados em papéis fixos, não podem vislumbrar novos arranjos nas relações conjugais, familiares e/ou sociais.

A resposta violenta visa, com freqüência, o resgate da auto- estima através de uma demonstração de poder sobre a mulher, condição esta entendida como essencial e natural para a manutenção da virilidade e masculinidade dentro do sistema de valores aqui discutido.

A construção e a manutenção de uma identidade de gênero, seja ela masculina ou feminina, está diretamente relacionada à pré-conceitos quanto ao que é desejável, social e culturalmente, de homens e mulheres, sendo estas crenças compartilhadas por ambos os sexos dentro de determinados sub grupos culturais. Assim, padrões valorizados na cultura e/ou nos distintos agrupamentos sociais se confundem com os desejos dos indivíduos, adquirindo uma força controladora de padrões de comportamento.

 

O narcisismo e o ideal do ego: a cultura na constituição da subjetividade

No artigo sobre narcisismo, Freud (1914/1974e) deixa clara a vinculação entre o desejo, por parte do indivíduo, pela manutenção de seu narcisismo &– entendido como a representação de uma vivência mítica originária na vida do bebê, de plenitude, onipotência, numa experiência de amor fusional vivida com a mãe &–, e os mecanismos que o ego desenvolverá para a recuperação desta situação narcísica. A este momento inicial e mítico de experiência do ego, denomina-o ego ideal. No processo de desenvolvimento, o ego, a fim de manter-se íntegro, deverá reprimir seus impulsos edípicos e agressivos, aceitando as imposições da cultura, o que implicará a renúncia ao ego ideal. A repressão pulsional, exercida por mecanismos que provêm do próprio ego, tem como finalidade a proteção deste, e é o resultado do que Freud denominou de amor-próprio do ego. O ego “percebe” os riscos ao qual estará submetido caso rejeite as imposições da cultura, ou seja, o risco da castração, da perda do amor que ameaça sua integridade3. Paradoxalmente, é preciso que o sujeito abra mão deste narcisismo originário a fim de manter sua integridade narcísica. Desta forma, o ser humano deverá renunciar à sua completude narcísica e, ao fazê-lo, passará a realizar uma busca incessante a fim de recuperar seu narcisismo perdido.

O ideal do ego, é assim o substituto do narcisismo perdido da infância, diz Freud (1914/1974e), postulando a criação de “um agente psíquico especial (futuramente, em 1921, denominado superego), que realizará a tarefa de assegurar a satisfação narcísica proveniente do ideal do ego, medindo o ego real por aquele” (p. 112). Esclarece ainda que, “o ideal do ego desvenda um importante panorama para a compreensão da psicologia de grupo. Além de seu aspecto individual, esse ideal tem seu aspecto social; constitui também o ideal comum de uma família, uma classe, uma nação” (p. 119), dando-nos importantes subsídios para a compreensão da relevância dos ideais culturais sobre os padrões de comportamento de distintos grupos. A construção da identidade, resultante da interação do sujeito inicialmente com o ambiente familiar &– permeada pela cultura &– e posteriormente com o grupo cultural no qual está inserido, se dá com a introjeção das interdições e valores transmitidos por estes dois grupos. Freud ainda adverte que a separação do ideal do ego, a partir do ego, impõe a este último um esforço considerável na busca de equiparar o ego a este ideal, afirmando que “há sempre uma sensação de triunfo quando algo no ego coincide com o ideal do ego” (p. 166). A partir disto, deduz-se que a distância experimentada entre o ego e seu ideal, é vivida como fracasso e sentimento de inferioridade, o que muitas vezes observamos no universo de nossa amostra ao, por exemplo, serem confrontados com sua impotência real ante as demandas que lhes são impostas, com base num referencial hegemônico de masculinidade.

Assim como o ideal do ego diz respeito ao ego, a idealização diz respeito ao objeto. Este último é engrandecido à custa da libido narcísica do ego, que, ao realizar este processo, se enfraquece. Podemos observar a maneira como isso se dá pelas falas dos participantes de um dos grupos ao descreverem o que pensam sobre a figura do pai. Ouçamos a definição de um desses homens: “O pai é tudo. É Deus”.

Esta afirmação é complementada por outras, atendendo a um pedido meu sobre o que achavam ser a função de um pai do ponto de vista do filho. Anoto o que dizem: “O pai serve para alimentar, dar carinho, brincar, conversar, dar atenção, sair juntos”.

A certa altura, dois outros participantes, relembram o fato de já estarem trabalhando aos oito anos de idade, retirando assim o caráter idealizado por meio do qual a figura paterna vinha sendo descrita e evidenciando uma realidade menos fantasiosa quanto aos ‘poderes’ do pai em relação aos filhos. Vemos aí a contradição entre o pai-deus-tudo, idealizado, e a real condição de um pai que não tem meios de manter os filhos, ou que não está presente, impondo ao filho que trabalhe tão precocemente. Verificamos como aquilo que não tem inscrição como experiência real é vivido no plano idealizado e preenchido com roteiros pré-estabelecidos. O afeto e a intimidade, experiências construídas no cotidiano familiar, não se constituem como registro no mundo emocional da maioria destes homens, quanto às funções de pai e de marido.

Relacionamentos em que predominam a distância e a escassez de contato, combinados com os valores disseminados por uma cultura hegemônica quanto aos papéis e funções de pais e mães, têm como resultante a atribuição idealizada dos lugares parentais, assim como vimos no relato acima. A idealização, como bem sabemos, associa-se intimamente ao sentimento de persecutoriedade (conhecido disparador de atos violentos), tendo como conseqüência inevitável, o sentimento de baixa auto-estima.

Constatamos que a rigidez dos papéis em que homens são meramente provedores e mulheres são as responsáveis exclusivas pela vida doméstica &– onde se inclui a criação dos filhos &– promove um abismo na comunicação e nos afetos, produzindo ressentimentos para ambos os lados, bem como uma sobrecarga de tarefas muitas vezes impossíveis de serem preenchidas, resultando em ódio, frustração e sentimentos disseminados de insuficiência. Portanto, verificamos que a idealização e a manutenção do sentimento de poder se dá à custa de uma negação de parte da realidade em que vivem. A possibilidade de manter-se o ideal de ego e a ocupação de um lugar idealizado de poder são muitas vezes alcançadas tendo em vista o apoio &– não raro inconsciente &– da companheira, de forma complementar. Contudo, uma vez que esta recuse este lugar, exigindo que o homem proveja aquilo para o qual está impossibilitado, desvela a condição real e não, a ideal. A sustentação da cultura hegemônica de gênero se dá, portanto, desde que se perpetuem os acordos inconscientes entre ambas as partes envolvidas, homens e mulheres.

O desejo de ser valorizado e amado é, segundo Freud, um desejo presente no ego. Descreve a submissão do ego às demandas do id, submetido à observância do superego e a serviço do ideal do ego e dos valores da cultura. Deve permanecer em bons termos com o id, atendendo também às prescrições da realidade. Nas palavras de Freud:

Para com as duas classes de instintos (de vida e de morte), a atitude do ego não é imparcial. Mediante seu trabalho de identificação e sublimação, ele ajuda os instintos de morte do id a obter controle sobre a libido, mas, assim procedendo, corre o risco de tornar-se objeto dos instintos de morte e de ele próprio perecer. A fim de poder ajudar desta maneira, ele teve que acumular libido dentro de si; torna-se assim o representante de Eros e, doravante, quer viver e ser amado (1923/1976b, p. 73).

Ou ainda, em O mal-estar na civilização, postula o desejo de ser amado, não como um desejo de ordem afetiva como pensamo-lo no âmbito do senso comum, mas sim ligado ao temor imposto por uma ameaça de desamparo em função do abandono dos pais, ou de seus representantes na idade adulta, a cultura. O mau, assim, para o ego é aquilo que representa uma ameaça à integridade do mesmo, e é a isso que Freud denomina “a perda do amor”. Risco para o ego é aquilo que leva ao desamparo (Freud, 1930/1974d, p.147).

É com base na identificação que temos com determinados grupos que construímos também nossas identidades pessoais. A impossibilidade do sujeito em poder identificar-se com aquilo que valoriza, leva-o a sentir-se desvalorizado. Podermos manter a dimensão de que valores não têm caráter absoluto e que podem ser questionados cria condições para que tais valores não se tornem impeditivos de um desenvolvimento mais pleno e gratificante para cada indivíduo, mas sim que sejam construídos em consonância com suas necessidades pessoais, dentro de um princípio ético e humano. O aprisionamento no que denomino de identidades desejadas, como são as identidades de gênero, compromete a condição do sujeito de exercer-se enquanto agente de seu próprio destino e ter uma mente própria, vivendo uma identidade pessoal forjada.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Susana Muszkat
Rua Jericó 255/68 &– Vila Madalena
05435-040 &– São Paulo &– SP
Tel.: 11 3031 9232
E-mail: smuszkat@terra.com.br

Recebido: 30/05/2008
Aceito: 10/07/2008

 

 

* Trabalho amplamente baseado na dissertação de mestrado “Violência e masculinidade: Uma contribuição psicanalítica aos estudos das relações de gênero”, defendida pela autora no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo em 2006.
** Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, mestre em Psicologia Social pelo IPUSP.
1 Os grupos aqui referidos fazem parte do trabalho realizado pela ONG Pró-Mulher Família e Cidadania (PMFC), uma Instituição criada nos anos 70, no auge do movimento feminista, cujo intuito era o de proteger mulheres vítimas de violência. Desde 92, revendo seu modo de trabalho, a PMFC passou a incluir homens no atendimento, acreditando que para se tratar de relações de gênero não se podia excluir um deles.
2 Em outra parte deste trabalho, não incluída neste artigo, volto-me principalmente para uma análise baseada na teoria psicanalítica, procurando identificar neste corpo teórico subsídios para a compreensão das práticas violentas de gênero. Baseando-me amplamente no trabalho já citado de Marin, onde a autora discorre sobre suas concepções acerca da violência pulsional e violência fundamental, discuto em que medida a problemática da violência de gênero converge ou diverge da violência descrita por ela, definida como resultado do desamparo pulsional. Proponho que enquanto a violência descrita por ela é movida pelo predomínio da fantasia do Ego Ideal, regida pelo narcisismo onipotente sem a mediação das interdições culturais, a violência de gênero, por sua vez,é regida pela busca do Ideal do Ego, cuja marca é sua associação com os valores definidos pela cultura.
O desamparo, no segundo caso, não seria o desamparo pulsional, mas sim o desamparo identitário, que defino mais adiante, decorrente de uma rigidez de paradigmas culturais.
Procurando também identificar semelhanças ou diferenças entre práticas de violência física e crueldade com as práticas violentas de gênero, apoiando-me na concepção freudiana de sadismo, aponto que, atos de violência que evidenciam características de crueldade apóiam-se nas relações socialmente autorizadas de desigualdade de poderes entre homens e mulheres, mas devem ser entendidas, em realidade, como manifestações resultantes da ação da pulsão sádica, onde a Pulsão de Morte, desfusionada de Eros, é projetada para o exterior expressando-se como ação destrutiva contra o outro. Sendo assim, temos que a pulsão sádica está a serviço da satisfação libidinal, de um prazer obtido no ato destrutivo ou violento, ao passo que a violência de gênero, como a entendo, está a serviço da manutenção da identidade masculina idealizada.
3 O temor à castração como o marco que leva o sujeito à entrada na cultura, representa a condição da incompletude humana. Assim, a renúncia ao ego ideal,à plenitude fálica, promove por um lado a entrada na cultura, e a promessa futura de ser recompensado através da adesão a valores culturais, levando o sujeito agora a não mais buscar alcançar o ego ideal- perdido para sempre- mas sim seu equivalente social, o ideal do ego. É importante a ressalva de que a busca em atingir-se o ideal do ego a fim de ‘driblar’ a castração, é o engano a que o ser humano está fadado a viver, uma vez que a castração, a incompletude, a fragilidade são próprias da condição humana, podendo ser apenas provisoriamente afastadas, mas nunca definitivamente eliminadas, gerando uma eterna busca pelo ideal do ego fantasiado. Embora essa idéia possa ser fonte de desalento, é também o que permite pensarmos em processos de transformação do sujeito da cultura.