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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.33 no.50 São Paulo jul. 2010

 

EDITORIAL

 

 

Um sorriso franco com leve toque de nostalgia. Foi assim que muitos dentre nós recebemos a palavra carta. É possível que a nostalgia tenha sua origem na relação quase atávica que temos com ela. Afinal, a redação de cartas tem nascimento simultâneo à própria escrita, de quem, pode se dizer, ela é uma irmã gêmea. Ambas nasceram no mesmo instante, sob a égide da necessidade humana de fazer com que aquele que está ausente se faça presente. As tábuas de argila, nossos primeiros papéis de carta, datam de 3200 a.C. Desde então ela percorreu os tempos e lugares, sofreu profundas transformações em sua forma, a ponto de hoje, na época da instantaneidade digital, perder sua concretude e passar a pertencer completamente ao universo virtual. Quase tudo nela se transformou, de modo que se pode pensar que ela própria deixou de existir. Quase tudo, mas não tudo. Aquilo que as palavras escritas, o papel dobrado, a caneta-tinteiro e o envelope selado carregavam, continua prioritariamente na ordem do dia: o desejo inexorável de chegar ao Outro.

A carta, na interioridade de sua elaboração, retira o sujeito da condição de Um e o coloca em contato com o Outro com o qual dialoga, reproduzindo nesse ato a gênese da construção do sujeito psíquico. Na passagem do imaginário para o ato da escrita, o missivista, enquanto escreve, encurta distâncias, modifica o tempo, transforma ausência em presença. A carta, uma voz da intimidade, é um objeto que carrega consigo um vínculo.

Além do fascínio que costumam provocar, não são poucas as razões que nos levam à leitura de correspondências. Elas podem nos interessar como documento histórico, registros de intercâmbio de ideias de uma época, retrato de costumes, gênero literário, testemunhos, ou seja, uma lista infindável de interesses. Mas não custa lembrar que, qualquer que seja o motivo que nos encaminhe para essa leitura, há algo que sempre encontraremos impresso em uma carta: o traço indelével da subjetividade do missivista. Essencialmente, está tudo lá, sob o registro da pena.

Nas páginas seguintes algumas portas se abrirão para o amplo universo da correspondência. Guiados pela mão de nossos colaboradores, veremos que uma carta pode ser imaginada tal qual uma garrafa lançada ao mar e que outra demorou séculos para chegar a seu destino. Entraremos em contato com algumas reflexões sobre o impacto que o recebimento de uma delas pode produzir e também sobre os acontecimentos provocados por uma carta que vem não se sabe de onde. Reencontraremos nosso país in natura e veremos como foi que se redigiu a liberdade em uma carta.

Testemunharemos uma história de amor e outra de amizade registradas em suas páginas. Veremos também os desdobramentos provocados por quem dela se utiliza para se despedir, e, sobretudo, conheceremos correspondências, algumas reais e outras imaginárias, trocadas entre psicanalistas, escritores, pintores e poetas.

Não há dúvida de que na leitura do que vem a seguir você, caro leitor, descobrirá muito mais ainda.

 

 

Cíntia Buschinelli
editora

 

P. S. Não se esqueça de que os textos que se seguem são missivas cujo destinatário é você.

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