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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.33 no.50 São Paulo jul. 2010

 

EM PAUTA - CARTAS

 

Sobre cartas: uma garrafa lançada ao mar

 

On letters: a bottle launched at sea

 

 

Sonia Curvo de Azambuja*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora faz uma aproximação entre o desejo que moveu Freud no seu sonho “Injeção de Irma” como um desejo de se endereçar a posteridade, levando a ela a lógica do inconsciente. Aproxima também o sonho-carta a aspiração de se dirigir ao jovem analista, em uma aula inaugural do ano 2007.

Palavras-chave: Interpretação dos sonhos, Desejo inconsciente, Sonho-carta, Destinatário, Posteridade, Poeta.


ABSTRACT

The author brings together the desire that moved Freud in his dream, “Irma’s Injection”, and the desire to address posterity, granting it the logic of the unconscious mind. She also connects the dream-letter with her wish to speak with the young analyst, at an inaugural lecture in the year 2007.

Keywords: Dream interpretation, Unconscious desire, Dream-letter, Addressee, Posterity, Poet.


 

 

Em A interpretação dos sonhos (1900/1972), Freud, citando a Eneida de Virgilio, coloca: “Se não posso dobrar os poderes supremos, comoverei o Aqueronte das regiões infernais”.

Vemos aí como, na sua base, a psicanálise faz emergir aquilo que sempre foi considerado para a história da consciência uma categoria negativa.

Nesta comoção dos deuses demoníacos, com seu sonho da “Injeção de Irma”, sonho tido por ele como paradigmático, o que seria a excelência do sonhar, dos pensamentos oníricos, que nos levariam ao insondável, ao umbigo, por assim dizer, que é o seu ponto de contato com o desconhecido. Aí pulsa o que move o sonhar: o desejo inconsciente.

Nesse sonho há algo que paira, que é o escrito em negrito: a fórmula química da trimetilamina, que é uma referência à sexualidade como básica nas pulsões que nos habitam. Contudo, esta fórmula química é também uma inscrição simbólica e ela se dirige a nós: seus leitores. É como se Freud lançasse uma garrafa ao mar. Quem pegar, pegou. Quem puder lê-lo, verá que seu maior desejo inconsciente nesse sonho é que possamos aceitar a lógica do inconsciente.

O destinatário desse sonho inaugural de Freud é a posteridade. O que move o sujeito para o inconsciente é a sexualidade, e o que se encontra nele é o simbólico que se dirige sempre ao outro. Como diz Ferenczi: “Eu durmo para mim e sonho para você”.

Esta necessidade profunda de formação de parceria, de encontrar um receptor, é o que nos faz sonhar e também é o que nos faz criar pensamentos e produzir tudo o que produzimos.

A carta talvez seja o gênero literário que mais se aproxime desse desejo.

Em uma carta que escrevi para os jovens analistas, tomei como mote Rilke (1966) em suas Cartas a um jovem poeta, livro amado por mim na juventude e que, como em um sonho, fisgou-me na minha vocação de analista: porque o analista, como o poeta, percebe que o homem é um ser passional. Como um barquinho, ele é tocado por paixões: amor, ódio, medo, ciúme, inveja, ternura, sedução. E foi na companhia do poeta que eu pude me dirigir em uma carta aos meus colegas em 20071.

 

Referências

Azambuja, S. C. de (2007). Carta a um jovem psicanalista. Jornal de Psicanálise, 40(72), 177-191.         [ Links ]

Freud, S. (1972). A interpretação de sonhos. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vols. 4/5). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900).         [ Links ]

Rilke, R. M. (1966). Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Sonia Curvo de Azambuja
R. João Moura, 647/22
05412-911 – São Paulo – SP
tel: 11 3064-7451
E-mail: scazambuja@terra.com.br

Recebido: 20/03/2010
Aceito: 10/04/2010

 

 

* Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
1 Este trabalho foi escrito para uma aula inaugural do Instituto da SBPSP e posteriormente publicado no Jornal de Psicanálise.

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