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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.33 no.51 São Paulo dez. 2010

 

EDITORIAL

 

 

Caro leitor

Posso garantir que não é por falta de imaginação que a psicanálise se vale de diferentes fontes de conhecimento para falar de si. É possível pensar que a justificativa de se apresentar muitas vezes em sentido figurado deve-se ao fato de que ela prefira trilhar os caminhos do inconsciente, este que surge aos nossos ouvidos com palavras fora de lugar e aparente falta de sentido. Além disso, é da natureza da psicanálise que suas asserções tenham poros abertos para o mundo dentro do qual está inserida.

Assim, não por acaso, Freud trouxe a prática do escultor como fonte de reconhecimento para o fazer psicanalítico. Essa escolha de forte expressão metafórica, proposta em 1914, marcou, desde então, a clínica e o pensamento psicanalíticos.

Ficamos então curiosos para saber como é que os envolvidos nessa ideia freudiana − psicanalistas e escultores − se sentem diante dessa aproximação nos dias de hoje.

Nas páginas seguintes se encontram as reflexões que nossos colaboradores desenvolveram a esse respeito. Nelas, em relação à experiência dos escultores, você poderá se envolver na intimidade de um deles, com seu material de trabalho, e também no diálogo que outro estabelece com os observadores de sua obra. Poderá, através de reflexões estéticas e psicanalíticas, perceber como o olhar humano pode significar como escultóricos os relevos e volumes da natureza.

Além disso, você possivelmente será tocado, no decorrer de sua leitura, pelo sensível reconhecimento de esculturas que se ofereceram como fonte de inspiração para psicanalistas, e como alguns deles chegaram a propor o corpo humano como se fora uma delas. Uma observação apurada do contato de artesãos com seu material de trabalho in natura os levará também a um mundo primitivo, quase onírico, da construção de uma obra de arte. Vocês encontrarão também psicanalistas que ofereceram sua experiência clínica para reconsiderar o per via di levare no cotidiano de seu consultório.

Enfim, a frase de Leonardo da Vinci continuou ressoando e se desdobrando em um sem-fim de pensamentos.

Ah!, mas per via di levare são mesmo palavras de Da Vinci?

Bem, você, leitor atento, notará em determinado momento, em meio a tantas palavras e pensamentos sobre esse tema, que a máxima per via di levare será atribuída a Michelangelo. Imagino que se surpreenda. Nós também nos surpreendemos.

Primeiro imaginamos que houve um equívoco a ser corrigido. Depois percebemos que esse assunto abria um amplo leque de considerações e aprofundamentos que mereciam, quem sabe, outro número desse periódico. E, para fazer jus à importância da questão, achamos por bem deixá-la exatamente como chegou até nós, sem tirar nem pôr.

Quem seria o verdadeiro autor dessa frase é matéria de historiadores. Tomar o equívoco, caso o seja, como ato falho, nos encaminha diretamente para nosso espaço de investigação: o divã e a sala de análise, lugar privilegiado para acompanharmos as manifestações do inconsciente.

Para você, caro leitor, ao invés de respostas, deixamos mais uma interrogação.

 

 

Cíntia Buschinelli
editora

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