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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.35 no.54 São Paulo jul. 2012

 

EDITORIAL

 

 

Caro leitor

Aqui está mais um número da ide, cujo tema – Caos – suscitou, de diferentes maneiras, um contato com um aspecto escuro, desconhecido, um "abismo sem fundo". Esse processo do mergulho na escuridão uniforme do caos permitiu a constituição, para esse número da revista, de um conjunto de artigos bastante heterogêneo, abordando questões difíceis, tanto do ponto de vista teórico quanto da experiência vivenciada nessas reflexões. O caos remete a um impensável da origem, assim como a uma desconstrução de uma ordem dada. Na sequência dos artigos, pensamos que seria importante partir das origens gregas da palavra – Kháos. Para tanto, tivemos a honra de receber o belo artigo do Professor de Literatura Grega da USP, Jaa Torrano, o qual foi o tradutor da Teogonia de Hesíodo, diretamente do grego. Esse autor nos mostra que no pensamento mítico hesiódico a ideia de caos é desprovida de uma anterioridade cronológica, e não se trata de uma relação de primazia espacial, mas teria a ver com uma ação de nascimento. Por exemplo, na Física, remete a concepções de difícil assimilação, como nos mostra a esclarecedora entrevista com outro Professor, dessa vez de Física, Marcelo Gleiser.

A relação entre a arte e o caos é abordada na entrevista com Rodrigo Naves, Professor de História da Arte e crítico de arte. Essa entrevista abarca muitos pontos interessantes de sua visão da arte, de uma arte que é viva e deve tomar cuidado com os especialistas e academicismos exagerados. A arte vai aparecer como uma espécie de ordenação do caos de formalização, de ordenação do mundo e da experiência sensível, mas que permitem novos interrogantes. A relação entre ética, caos e felicidade proposta por outro autor traça um vasto panorama dessas questões na história do pensamento ocidental e sua correlação com a mitologia grega.

Os psicanalistas que escreveram neste número abordaram o tema de maneiras bastante diversas e criativas. Podemos afirmar que a reflexão psicanalítica correlacionou o caos tanto com as forças desligantes da pulsão de morte, quanto com os excessos desordenados do Id. Na clínica contemporânea, o analista é solicitado a mergulhar nessas vivências de caos e de desorganização. Também quanto ao próprio processo analítico em si mesmo podemos falar de momentos de caos, o que aparece de forma clara no pensamento de Fabio Herrmann através da noção de ruptura de campo e de vórtice, como vocês poderão ler no respectivo artigo.

Outros autores psicanalistas preferiram abordar a questão mais dentro da esfera da Cultura. O colega Daniel Delouya, por exemplo, se interroga sobre a análise, a sujeição e a liberdade. Lembra o combate de Freud contra as ilusões sobre o poder de resolução das carências, sobretudo o das ideologias e religiões. E se indaga se a liberdade pode fazer face à inexorável ação destrutiva da vida em cultura. Aqui tocamos o tema paradoxal de "ordens"que podem produzir o caos.

Dentro das questões atuais da nossa vida cotidiana contemporânea, Deodato Azambuja nos traz uma consistente reflexão sobre o individualismo, o isolamento do corpo e a solidão. Esse autor fala de uma fuga da solidão e tece considerações teóricas sobre o sentimento de solidão.

Enfim, na seção de artigos trazemos um belíssimo texto do escritor francês Laurent Mauvignier, que obteve uma tradução extremamente cuidadosa, sobre a escritora Marguerite Duras que acaba de ter sua obra completa publicada na coleção da Pléiade da editora Gallimard. Outros dois artigos abordam, respectivamente, as relações entre canção popular e psicanálise e a relação entre sonho e memória, este último a partir de um romance do escritor Amós Oz.

Assim, caro leitor, esperamos que essa breve introdução o deixe com água na boca e frio na barriga de adentrar tema tão atual e ao mesmo tempo difícil de conceber. Boa viagem!

 

 

José Martins Canelas Neto
Editor