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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.35 no.54 São Paulo jul. 2012

 

EM PAUTA - CAOS

 

O caos, a arca e o mundo: análise, sujeição e liberdade1

 

Chaos, Noah's ark and earth: analysis, subjection and liberty

 

 

Daniel Delouya*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho inspira-se em um conto de Machado de Assis voltado à arca de Noé para traçar sua relevância na discussão da viabilidade dos fins da análise, isto é, da elaboração do árduo caminho à liberdade. Neste, os remanejamentos da segunda tópica quanto ao eu, à angústia e ao sintoma, destacam a elasticidade psíquica em meio ao alerta sobre os desvios crescentes para diversas formas de gozo e de sujeição, para os quais a cultura oferece várias vias de escoamento.

Palavras-chave: Ternura, Gozo, Sintoma, Masoquismo, Sujeição, Liberdade.


ABSTRACT

The work is inspired by a story of Machado de Assis in relation to Noah’s ark, tracing its relevance to the discussion on the feasibility of the goals of analytical work, which implies hard and long way to freedom. The rearrangements that Freud realizes in his theories about self, anxiety and symptom, emphasize the psychic elasticity, while warning us of the increasing deviations of subjects to various forms of joy and subjection to which culture offers several outlets.

Keywords: Tender, Joy, Symptom, Masochism, Bondage, Freedom.


 

 

Paradoxo da análise: um tempo mensurado – ritmo e duração fixa das sessões – e, um fora de tempo, o do inconsciente; um espaço fechado – o consultório, um enquadre imutável, segredo das trocas –, e um espaço interior aberto, sem fronteiras, uma travessia que nos faz descobrir aquilo que nos determina a nossa revelia e um aprendizado laborioso da liberdade. Um lugar de apego e desapego.

(J.-B. Pontalis, 2012, p. 86, os itálicos são nossos)

Um grupo centrado na leitura, análise e escrita literária, lança-me o desafio de abrir-lhe, pelo veio literário, uma janela ao fazer analítico, para poder acompanhar e, eventualmente, desfrutar da interlocução entre literatura e psicanálise. Passam-se meses e, na proximidade do encontro, dois textos – um conto de Machado de Assis e outro de Antonio Candido, sobre a função da literatura – insistem em me visitar. Como outras obras, acontecimentos e vivências que trançam o fundo da rede associativa da escuta clínica, alguns trechos desses textos têm comparecido com frequência na minha mente; também, em função do debate constante sobre a natureza e os fins da análise.

Perto de completar 40 anos de idade, Machado abandonara, nas suas crônicas e contos diários, os temas de interesse da "juventude casadoura" do Rio de Janeiro, e passara a se dedicar à narrativa que explora, de forma sutilmente irônica e satírica, a complexidade da alma e suas reverberações na vida social. Assim, Na arca (1878/2007), conto escrito em estilo bíblico, encontra-se no início do livro Papeis avulsos (1882) seguido de O alienista, Teoria do medalhão e O espelho, entre outros do referido gênero. A paródia Na arca lança mão da disputa do império russo com o otomano sob o domínio de Constantinopla – que Machado volta a cutucar em Dom Casmuro, uma década mais tarde –, para abordar uma questão de ordem geral. O elo com a Bíblia é de esta situar o desembarque dos passageiros da arca de Noé – os seletos “clones”, animal e humano, de outrora – no Monte Ararat, no sudeste da Turquia. No conto, pouco antes de tocar os pés na terra, e com o mundo todo para repartir, dois filhos de Noé brigam, até sangrar, pela propriedade do rio que há de dividir suas futuras terras, causando grave desgosto ao bondoso pai. “Maldito seja o que não me obedecer... antes de descer da arca não quero nenhum ajuste a respeito do lugar em que levantareis as tendas” (Assis, 2007, p. 37), brada Noé ante a sangrenta cena. E enquanto a portinha do teto da arca abre, revelando o céu, clama com tristeza: “Eles ainda não possuem a terra e já estão brigando por causa dos limites. O que será quando virem a Turquia e a Rússia?” (Assis, 2007, p. 37). O narrador constata que os filhos não entenderam a última frase do pai, e conclui “a arca, porém, continuava boiando sobre as águas do abismo” (Assis, 2007, p. 37).

Os filhos não compreendem, porém Machado, com este intencional deslize do contexto bíblico, permite-nos estabelecer, sobre a ponte de tristeza que prenuncia os destinos do homem no mundo, a relação entre a alegoria bíblica e as finalidades do trabalho analítico. O último visa não à cura, no sentido médico de restabelecer as funções e a integridade do organismo, mas a auxiliar o sujeito a enfrentar o desafio do exercício da liberdade. Na história bíblica, Noé não aguentara sua volta à terra: retira-se para o seu vinhedo, embriaga-se dia e noite, perde a dignidade e envergonha os filhos. A história da arca de Noé continua tendo um fascínio implacável sobre os frequentadores dos jardins de infância. Isso se deve à promessa de retiro ao resort ou à reserva junto aos genuínos casaizinhos de animais, e sob o aconchego e a guarda dos adultos – avós (Noé e esposa), pais e tios (Cam, Sem, Jafé e respectivas famílias) –, ao abrigo do dilúvio. Tal imagem na qual se recupera o gozo e as referências da ternura, sob a guarda e as garantias do genitor2, remete de imediato aos retiros civilizatórios ao lar, ao lazer e às férias. Para explicitar minha fórmula sobre as finalidades da análise e sua ética – de acompanhar os transtornos do exercício árduo da liberdade, em contraposição à nostalgia e ao retorno à arca – vou me deter um pouco nos bastidores do diálogo de Machado com a narrativa bíblica.

Na tradição judaica, o texto bíblico não constitui um documento histórico, não é relato de uma "realidade material" (Freud, 1927/1985a), mas é expressão de sua visão ética, seu projeto e o combate de sua realização3. O próprio uso dos nomes reflete tal concepção: o nome Noé (alento, conforto, gozo) foi dado, segundo o Gênesis, ao menino pelo consolo e afago da tristeza nos adultos, causada pelo malogrado trabalho da terra que Deus reserva aos homens. Noé é descendente do projeto de reforma da criação: após o assassino de Abel por Caim, do qual sucedem gerações de assassinos, Deus, desapontado com sua cria humana, resolve abrir um novo ramo (Sheit) a partir de Adão e Eva. Sheit, caçula do casal, nasce e gera Enosh (ser humano), de cuja linhagem surge Noé. Porém, a nova prole frustra a expectativa divina, de que seres puros e inocentes, iguais a Noé, sobrepujassem os demais. Uma depressão abate-se sobre Deus e, bravo, decide levar a cabo o seu ideal de purificação, optando por erradicar o mal pela raiz. Ele seleciona, para o futuro mundo, as melhores cepas animais, e dos humanos – as famílias de Noé e de seus filhos Cam (calor, paixão), Sem (nome, razão) e Jafé (belo, beleza). E enquanto eles abrigavam-se na arca, a terra voltou a afundar-se no caos de origem. Ante tal desastre, Deus faz um balanço sobre sua criação, que o leva a mudar sua concepção do homem, decidindo, após o dilúvio, declinar, para sempre, a tentativa de selecionar a boa e a inocente índole humana. Ele desiste do projeto de banir o mal do universo: "não mais castigarei a terra em prol do homem, pois ele se impulsiona ao mal desde a adolescência – ('yetzer h´adam rá menúrav') – e, por isso, jamais voltarei a atacar os seres vivos" (Gênesis 8: 21). O mundo passa às mãos dos homens. A Bíblia justifica: uma vez feito à imagem de Deus, o homem terá de se responsabilizar, de agora em diante, pelos seus atos; pagará pela sua gana e o seu ímpeto de eliminar o outro. É nesse estágio que a parábola de Machado interroga o nosso ofício.

Machado enxerga o mal surgir com o vislumbre da vida no mundo: enquanto havia dilúvio lá fora, a vida na arca estava "uma delícia", "tudo de bom!", como se resume, hoje, nosso agradável tempo de lazer. Já a agressão, a rivalidade e as desculpas triviais pela posse surgem, no conto, com a expectativa de habitar o mundo. Isso ocorre mesmo e talvez justamente porque há à vista espaço que dá e sobra para todos! A partir desta constatação corriqueira, tece-se a trama machadiana, deixando aberta a questão "por que o mal?". Como mostrei acima, é a Bíblia que indica o caminho à questão, e que a psicanálise retoma: após o dilúvio, deixa-se de conceber o bom e o mau como atributos inatos. Eles passam a se determinar em função das consequências, na adolescência, da inevitável consciência da falta, separação e existência do outro. O autor do Gênesis dota Deus de insight sobre o homem; deste poder adquirir consciência – o juízo –, tornando-se responsável, livre, quando da travessia pela zona-limite: a adolescência. Esta demarca, concomitantemente, vida adulta e infância; define a última après coup em face da consciência da solidão. A adolescência vinga a fuga da noção da falta e da separação: rivalidade, agressão e posse são reações que negam – mas ao mesmo tempo elaboram – o reconhecimento da solidão, da existência do outro e, portanto, da necessidade de diálogo. Noé, o Joyce (gozo) judaico, é o ser remanescente do mítico paraíso (gan-éden: em hebraico, jardim do infinito tempo da ternura) e, portanto, ele não tolera a vida fora da arca. Adão, o primeiro morador do paraíso, não poderia ter tido infância (Herrmann, 2002), pois ela só se constitui pelo estágio posterior, do corte ou do recalque do primeiro. Hoje, a psicanálise cede a uma pesquisa da infância feita de observações desvinculadas da vida adulta, configurando o desvio do campo da transferência, através do qual o infantil se mostra e se deixa inferir: é um retrocesso à visão pré-psicanalítica. O achado de que a sexualidade ressurge pós-recalque e cujo caráter instaura-se em dois tempos – o segundo retoma, em outro patamar, o primeiro, para constituí-lo como infantil – é fundamental à concepção de Freud da ética e prática da psicanálise. Nessa perspectiva, não se trata de topografia que separa os períodos contíguos de infância, puberdade e vida adulta, mas, ao contrário, da dinâmica no plano transicional entre, de um lado, o mundo da falta e da alteridade e, de outro, sua fonte de sustentação: a ternura infantil e suas fontes pulsionais. A cisão entre o infantil e a vida adulta deve-se à recusa em reconhecer a falta; isto é, a liberdade em lançar mão do infantil e admitir o desconhecimento seja do mundo físico, seja o do convívio e da construção junto aos outros – no trabalho – para sobreviver e criar. Trata-se de uma cisão em prol de uma supervalorização ou da ternura infantil, para assegurar o amor, o aconchego da arca, de outrora; ou de um conhecimento supostamente "certeiro". Em uma intuição notável, Machado trama a cena sangrenta entre Sem e Jafé, ou seja, no plano do fascínio pelos poderes da razão e do belo, insight que Freud só alcança na segunda tópica.

Uma concepção positivista do bem e do mal, do certo e do errado, é fadada a buscar suas raízes em um substrato inato e aspirar ao melhoramento genético da espécie, ao qual incorrem o projeto e os feitos do herói da saga bíblica, o criador. No entanto, o salto para a concepção negativa, fundada na descoberta da falta e da solidão, estabelece o plano ético e os seus valores (bem e mal) sob os auspícios da alteridade e as consequentes redes de identificação com os outros. Tal abertura sobre o desconhecido apavora, e impele o homem a recuar – ele que foi criado à semelhança do Deus que ele mesmo inventou – à certeza das origens, à obsessão pelo inato bem. Aqui reside o fascínio pelas promessas de regimes autoritários e nazistas (purificar a raça). Curiosamente, a psiquiatria moderna e seus aliados na psicologia – sob apoio de certo bando deslumbrado de jornalistas – não param de varrer clones e sítios genéticos dos desvios e das debilidades mentais e éticas do homem. Por detrás de tal afã dedetizador do mal, jaz o amor do mal, como ilustra a parábola da criação do homem em Gênesis. Todos fazem o mal, mas alguns o amam. Green, no artigo Por que o mal? (Green, 1988/1990), julga que amar o mal não significa só gozar com o sofrimento do outro – isto é banal –, mas é algo muito mais radical e impessoal: é adorar traçá-lo, detectá-lo, apontá-lo e localizá-lo, imaginando poder exterminá-lo e assim assegurar o triunfo definitivo do bem soberano. Deste modo aniquilem-se, em si, qualquer culpabilidade ou remorso. Positivar o mal, estar à espreita de seus rastros para flagrá-lo e dizimá-lo, é um modo de desengajamento de si; de abolir, concomitantemente, o singular pessoal em si e o do e no outro.

Após essas demarcações gerais, vou tentar distinguir alguns desdobramentos na prática clínica e seus elos com a teoria. Antes, uma breve nota: a revolução encontrada no Gênesis – que arquiva o projeto da detecção do mal e de seu extermínio – é tributária de uma interpretação da tradição judaica. Nesta, a autonomia da moral, isto é, a abertura sobre a liberdade e sua outorga de arbítrio, matiza-se nos ritos de passagem através dos quais o adolescente se torna um bar-mitzva, responsável pelas obrigações práticas! Nelas se sela uma marca negativa, impondo contenção à impulsionada e imediata realização em meio aos afazeres cotidianos, dando condição ao poder de juízo sobre a ação (boa ou má) mediante a noção da falta e do outro. Já a tradição cristã recua para a ideologia do tempo pré-dilúvio, dos inatos bem e mal, ou, na versão do pecado original – em contraposição à aquisição judaica em relação ao luto da perda do paraíso –, à imperiosa necessidade de salvação. Os rituais de batismo os refletem (no cristianismo, com o nascimento; no judaísmo, na puberdade).

E quanto às metas da clínica psicanalítica? Embora haja diferentes idiomas reivindicando os direitos da descrição e do entendimento da vida psíquica, há consenso de que a análise visa um tipo de ajuda em função de um predicado especificamente humano. O humano advém, por definição, do desvio do regime inato da vida para o de um campo aberto à criação, à liberdade. Tal abertura, a falta, requer uma ajuda alheia, do próximo (nebenmensch), para se estruturar como tal: a arca figura este tempo de provisão de subsídios e de meios sobre o fundo caótico do desamparo, para propiciar o desembarque no terreno da falta. Aqui, é a incubação primeira, na arca, que se coloca à prova da criatividade em meio à solidão, onde se impõe o jogo ético, derivado da fala e do diálogo sobre a divisão dos bens do mundo. Se a liberdade – regime da falta – é tolerada, viabiliza-se a invenção de inesgotáveis e indeterminados modos de viver; ou viabiliza-se, na bela fórmula de A. Candido, o exercício do direito à literatura. Os idiomas da psicanálise versam sobre a construção da falta, baseando-se nos insights clínicos dos impasses e dos fracassos de sua constituição. A descrição do caminho da sexualidade infantil à aceitação da castração (Freud, 1905/1977); do embate na fantasia ao reconhecimento da agressividade própria (Klein, 1946/1975); do engodo especular à noção da falta (Lacan); da ilusão à desilusão e ao uso (Winnicott, 1969/1989); dos alucinatórios pressupostos básicos ao enfrentamento da insegurança (Bion, 1963/1989) – obedece, entre outras fórmulas, a uma só lógica: o psíquico como abertura, graças ao meio, ao negativo da separação e falta, propiciando o palco para a invenção de literaturas, sujeitos. Concebe-se o enquadre analítico – com sua disposição, sua aparelhagem (linguagem), seu ambiente e guardião (analista) – como potencial a dar condições e meios (cuidados, Winnicott) para a aquisição da tolerância à falta (castração, Freud).

No entanto, técnicas e estratégias que surgiram junto ao enquadre, explorando sua potencialidade na interpretação – inicialmente da representação, depois da resistência, seguida da transferência etc. – encontraram, em certo momento, dificuldades, trazendo dúvidas quanto às benesses da análise. O que levou, no intervalo que perpassa a primeira guerra do século vinte, a remanejamentos na psicanálise que confrontarão sua prática, a partir da década seguinte, com uma vulnerabilidade nunca antes suspeitada. Nessa travessia entre o narcisismo e a pulsão de morte, o complicador principal situa-se no âmago da cultura; no mundo, segundo Machado. A virada freudiana ocorre com a descoberta do insolúvel impasse que a vida em sociedade impõe ao sujeito e ao seu direito à literatura. Até então tudo parecia caminhar numa linha reta, da arca ao mundo, conforme a metáfora inspiradora de Machado de Assis. Porém, na nova trama econômica da vida psíquica – onde a desesperança de subjetivação coloca-se à prova da descarga das pulsões, de seu entrelaçamento e de sua sutura masoquista de base –, a estruturação mediante a falta fica sujeita (à imagem de uma equação química) à reversão: uma vez que a cultura requer – em meio à solidão – uma sublimação progressiva, a capacidade de contenção da descarga da pulsão atinge a saturação. O sujeito protege-se então do desmantelamento – do desenlace pulsional – efetuando uma reversão (via masoquismo original) em relação à castração (Freud, 1923/2011a), como ocorre com o Noé bíblico: o mundo torna-se intolerável, e a nostalgia pela arca o leva a alcoolizar-se.

Em vista da importância da última afirmação, algumas implicações merecem destaque: a construção singular em relação à falta deve-se às "propostas" do objeto e sua cultura – o seu inconsciente –, constituindo o terreno da sedução e do cuidado (onde se constrói, também, o narcisismo). No novo mito freudiano4, uma vesícula hipotética de origem mantém um encolhimento numa dormência edênica – gozo da quietude –, graças a certo equilíbrio entre duas tendências: uma excitada, visando descarga, e a outra, a retração. A pressão da carência – oriunda do organismo e acentuada pela intrusão do mundo e do objeto – a faz acordar, desequilibra-a, dispondo-a ao cuidado e à sedução do objeto; isto é, na medida em que o adulto respeite as inerentes moções de excitação e contenção, permitindo com a sedução distender o estado de nirvana, tornando-a potencialidade de masoquismo erógeno, para ampliá-la em redes e formar um corpo passível de separação. Neste trabalho com o objeto, o masoquismo erógeno abre-se para a geração de amálgamas dos derivados do enlace dual da pulsão em trajetos criados pelas relações nas e entre as experiências: uma espécie de fiação em expansão da vida psíquica. Porém, a opressão contínua da pulsão, imposta pela cultura na vida civil, do trabalho e educação, impede, em grande parte, as vias habituais infantis de escoamento pelo contato, corpo e afeto. A sublimação – no cerne do trabalho da cultura – acarreta, então, uma inundação interna; acúmulo de agressividade pela aceleração do desenlace entre pulsões. Configura-se, então, uma iminência regressiva ao desamparo, ou seja, uma perda da singularidade e da subjetividade. A obra de subjetivação se vê então abalada. Esta que foi fruto do empenho do objeto – para construir a fiação psíquica pela via do masoquismo erógeno, que, por sua vez, possibilita à passividade nascer como masoquismo feminino e, através da trama edípica, submeter-se à castração em direção à diferenciação e à alteridade – sofre uma reversão em prol da alienação gerada pela saturação dos benefícios dos ideais que regem nosso supereu, herdeiro da guarda amorosa de outrora. Reversão que expressaria uma regressão de acordo com a dialética particular do sujeito entre uma pressão do ambiente e a resistência de sua história, isto é, de sua fiação psíquica. As regressões se dão seja no retorno aos estados alucinatórios da satisfação primária da pulsão, seja na atuação reivindicada pela sexualidade perversa polimorfa, seja na generalizada animação da situação edípica para reaver a garantia amorosa, e incestuosa, da ternura infantil. O que desemboca nas respectivas adições; atuações sexuais (exuberantes ou reservadas) e/ou delinquentes entre outras variadas compulsões; procura pelas religiões ou ideologias sociais de salvação; além dos refúgios nas psicopatologias. Todas expressam desespero em suturar o desenlace das pulsões pela sexualização do masoquismo moral onde a dócil entrega, a servidão, torna-se ninho, abrigo ante o desamparo e a extremada alienação. E mais: a escassa fiação da vida psíquica de alguns coloca em xeque a sustentação somática dos caminhos da libido. A defesa operatória no pensar e no agir recruta-se, então, em prol – na feliz fórmula winnico-bioniana – de uma espécie de psicose da matriz somática.

Tal reviravolta que Freud esforça-se em transmitir desde 1923 até 1930, refere-se ao recuo da cultura para a era de Noé que articula caos e refúgio na arca. Um refúgio que compromete todo o projeto da cultura (Freud, 1924/1991b): compromete a liberdade! Ao invés de esta poder lançar mão do recalcado infantil para que, em meio à falta, haja o reconhecimento dela e a livre realização junto aos outros, efetua-se uma volta, via masoquismo do eu, à reanimação e atuação do infantil em vista do ansiado gozo em ternas moradas. A submissão em favor da salvação, da "felicidade", vira a tônica da espera contemporânea pelo "futuro".

Freud combate a ilusão sobre o poder da resolução das carências, sobretudo aquela proposta pelas ideologias e religiões, pois essas acabam destruindo a árdua conquista da liberdade. Mas será que a liberdade pode ter vez face à inexorável ação destrutiva da vida em cultura? Para examinar as respostas que Freud esboça para essa questão, que continua sendo a nossa, seria preciso voltar ao campo da transferência na clínica, onde emergem as indagações de Freud e onde ele tem obtido os insights sobre a vida psíquica.

A clínica não está imune à fuga da liberdade, muito pelo contrário! A demanda pela arca é frequente, senão inerente à análise. O grande desafio é como, a partir de tal demanda, ter acesso às dificuldades do sujeito, sem precisar – o que culminaria na falência dos propósitos clínicos – entregar-se a ela.

Lembro-me, ainda, de uma longa e intensa análise, encerrada anos atrás, na qual a luta contra a tendência de nos tragar para a arca exigiu, insistentemente, um delicado e, ao mesmo tempo, um bravo manejo. A paciente parecia querer tornar nosso espaço à imagem de sua lembrança, a "mais feliz da minha vida" – que o estado de ânimo no instante de sua evocação confirmava – onde, criança, a querida avó a transportava para a cena das duas se encontrarem num barco em alto mar. Deitada no divã, ela imitava as guinadas da avó, desviando o barco do abismo que se abria debaixo das ondas do tempestuoso mar. Nos primeiros anos da análise, eu atendia na minha residência, com uma evidente estrutura de apartamento de solteiro. Nessa arca de quatro encontros semanais, a restauração animada do ambiente de ternura foi tecendo-se sobre o fosso depressivo que se anunciou com o rompimento, pelo marido, de longo casamento, afundando-a no terror insone e precipitando-a numa tricotilomania. Os espaços da arca foram se ampliando. Aos poucos, ela passou, excitada, a frequentar o bairro de minha moradia, tramando relações com donos e clientes da padaria, da banca de jornal, da locadora etc. O que já denotava a defesa ante uma noção, segundo nossa metáfora, da existência do mundo. Porém, à medida que isto se torna evidente, o sofrimento da descoberta dá lugar à forte reação; ela passaria a montar guarda sobre mim, vigiando-me, criticando as informações que colhe sobre os meus, e em tudo que diz respeito aos terceiros – os pacientes, familiares etc. Um estado de guerra, prenhe de gozo sádico, instala-se como reação a essas frustrações e decepções. Tudo isso exigiu um delicado manejo que foi sendo atravessado, e, em meio ao luto e às concretas transformações (mudança de consultório para um comercial em outro bairro etc.), empenhou-a na elaboração histérica da sexualidade e feminilidade, até a conclusão do trabalho que se estendeu por mais de uma década.

O recorte clínico traz, em função da lembrança evocada no interior do enquadre, o processo de vida em arca – o trabalho da ternura – sobre o fundo do dilúvio, do desamparo. O que permite o desembarque no mundo da falta. Não obstante, todo trabalho clínico coloca-nos o desafio de alcançar o terreno da liberdade, sobretudo diante de certas configurações clínicas cada vez mais evidentes e frequentes na clínica atual.

Tenho em mente um paciente em que a ação – incluindo a adição a drogas e ao sexo – visa dominar e afagar francos ou iminentes mal-estares. Executivo de notáveis habilidades – um "cabeção" –, tem esbarrado, de tempos em tempos, desde sua adolescência, com estados agudos de depressão que o levavam, de início, a planos e execuções suicidas. Itinerante, ele tem estudado e trabalhado em vários países de diferentes continentes. Sua filosofia de vida se resume a nada se prender (casamento, filhos, país) e a tudo aproveitar. Sente-se incapaz de manter a moderação seja no número de relações sexuais, modalidades e pares, seja no consumo de drogas, entre outros prazeres, como comida, bebida e esportes; além de, continuamente, expor-se a riscos, físicos e outros. Quanto aos nossos encontros, iniciados há 2 anos, ele os conduz pela fala ininterrupta sobre si, racionalizando posições ao recrutar conhecimentos gerais que vem acumulando de diversas áreas, mas com utilidade questionável. O silêncio lhe é intolerável, e, no início, qualquer intervenção de minha parte parece incomodá-lo, atropelá-lo. Só recentemente, ele consegue vez e outra registrar algo que eu disse, sobretudo quanto aos seus sonhos.

Curiosamente, acabei submetendo-me às suas imposições de frequência das sessões, seus valores e forma de pagamento: ele determinou e eu aceitei! No final de cada encontro, marca a próxima sessão após verificar minha disponibilidade, e paga de acordo com o combinado. Aos poucos, o temor da depressão, de um lado, e sua voracidade atuada, de outro, vão se ligando ao mesmo movimento de domínio que remonta à vivência de infância que ele atribui às consequências do infeliz casamento e separação dos pais. A vivência à qual ele se reporta, com frequência, é da mãe nunca ter tido tempo para ele – ou passando o maior tempo no trabalho ou, na volta, fixada na tela da televisão. Sozinho, desde pequeno, tentava ocupar-se – dominar – lendo tudo que aparecia a sua frente, desde a bula de remédio até os livros de ciência e literatura e ensaiando experimentos com qualquer objeto disponível. A ocupação de então, de uma criança hiperativa, persiste no modus vivendi de seu cotidiano e na relação estabelecida com a realidade (a análise inclusa), mesmo depois de completar seus 40 anos de idade. "Viver para mim é como estar diante de uma enorme check-list, tanto no trabalho (workaholic como minha mãe), como nos prazeres (bon-vivant como meu pai)." É ele, não eu, quem liga o estado da solidão da criança com uma suplantação voraz e atuada. Na sua incessante autoavaliação, além da insaciabilidade, ele atribui a sua incansável entrega às tarefas, e a generosa recepção dos amigos, à inquieta busca de admiração – aqui, a palavra amor surge em mim, nunca em seu discurso (nas sessões, a docilidade nunca falta à exibição de menino prodígio e refinado). Espanta-o descobrir-se, nas suas palavras, um ser "egocentrado".

A essas genéricas notas eis uma particular: ele se indaga por que diante de notícias chocantes, como o abuso de meninas pelo pai, tio ou padrasto (como o pai austríaco que engravidou a filha e a confinou etc.), fica indignado – fica prestes a chorar, mas as lágrimas nunca surgem a não ser pelo nó na garganta – e, de outro lado, excita-se, identificando-se com o adulto na cena de abuso.

Não podendo ficar só, do qual o estado de agonia da infância é seu protótipo, atesta a fragilidade de sua fiação psíquica, montada junto ao objeto pela via do masoquismo erógeno. O acarretado afrouxamento no enlace das pulsões prenuncia o desamparo. Um mal-estar que a hiperatividade – desesperada busca de re-anelo – tenta aquietar, para alcançar a passividade, o masoquismo feminino (abuso), em vista de uma restauração da atenção terna da infância, acordando, assim, o roteiro de subjetivação via o incestuoso universo edípico. Reanimação da qual Freud ressalta a incitação do masoquismo do eu infantil para a culpa inconsciente por não ter podido lidar com a solidão da vida adulta e, portanto, pede redenção, alívio, gozo, e salvação infantil, de outrora5. Nesses casos, diz Freud, o esforço terapêutico não se garante. O que esperar, então?

Em primeiro lugar depende da intensidade do sentimento de culpa, a que a terapia, frequentemente, não pode opor a força contrária de igual magnitude. Talvez dependa também da pessoa do analista permitir que ela seja colocada, pelo doente, no lugar de seu ideal do eu; e a isto se relaciona a tentação de desempenhar, ante o paciente, o papel de profeta, salvador de almas, redentor. Como as regras da análise se opõem resolutamente a essa utilização da personalidade médica, há que honestamente conceder que temos aí um novo limite à ação da psicanálise, que, afinal, deve proporcionar ao Eu do paciente liberdade de decidir de uma ou outra maneira, e não tornar impossíveis as reações patológicas. (Freud, 1923/2011a, p. 63)6

Freud considera que tal refúgio na arca, em função das carências no paciente e no analista, é ansiada pelo primeiro e "tentadora" para o último. E que talvez "resolva" como na hipnose em que o médico ("profeta, salvador, redentor") passa a mensagem implícita: "não se preocupe, estás no lugar certo, o melhor; estás salvo". Uma animação ("estou em análise") que a minha paciente transpunha do aconchegado devaneio infantil junto à avó ao nosso convívio. Neste caso, em que o analista conluia em se colocar no lugar do eu ideal do paciente, a patologia "resolve-se" num toque de mágica tanto quanto o efeito do beijo da mãe sobre o local da dor de uma criança solitária. Efeito que assistimos produzir-se transitoriamente ao cabo de uma entrevista inicial, equivalendo-se, por vezes, às dramáticas cenas de práticas milagrosas de pastores curandeiros que a mídia divulga e propaga nos programas da madrugada. E, no entanto, Freud nos adverte: não se pode ceder à tal tentação; há limite para a nossa ação. Melhor permitir as reações patológicas do que comprometer a liberdade do sujeito (é Freud que sublinha) pela qual a psicanálise se caracteriza e deve velar. Eis a laboriosa ética do nosso ofício.

Considero capital a citada passagem de O eu e isso, uma vez que rege o tom de toda a segunda tópica na insistência sobre a liberdade – separação – do sujeito. A ameaça sobre elas, na clínica e na cultura, se torna a preocupação central de Freud. "O futuro de uma ilusão" (1927/1985a) e "Mal-estar na cultura" (1929/2011b) engajam-se nessa luta tendo o foco na cultura, pois essa, como afirmamos, relança o sujeito para o desamparo do qual tenta escapar refugiando-se na arca, no gozo de atuações, e na sujeição a variadas adições, em busca de alívio e salvação (em ideologias e religiões). O ideal de Noé imprime de forma crescente a alma de jovens na atualidade, alguns dos quais acabam endereçando-se à terapia. Não obstante, já em 1923, quando somos advertidos de que o próprio trabalho analítico poder vir a ser solapado e tragado pelo mesmo perigo, Freud suspeita que talvez a liberdade possa se conservar a preço da manutenção do sintoma. Tal suspeita abre-se logo (1924-1926) para uma nova virada na concepção de Freud sobre a liberdade do sujeito, e que aguarda ainda maior consolidação entre nós: a separação do sujeito torna-se possível à condição da admissão do sintoma nos aposentos do eu: "Assim, o sintoma assume gradativamente a representação de importantes interesses; passa a ser útil na afirmação da posição do sujeito, imerge-se mais intimamente no Eu, e se torna cada vez mais indispensável para ele" (Freud, 1926/1993a, p. 251)7. Freud retoma aqui sua antiga concepção (Freud & Breuer, 1895/1974) segundo a qual o sintoma é consequência do traumatismo ante a falta de meios para lidar com o excesso oriundo da pulsão, do mundo e do objeto. O sintoma seria o molde primeiro da representação – uma solução primária – que resulta da ajuda do outro no estado de desamparo, constituído da ação/palavra do adulto que nomeia, propicia forma: destino ao corpo em agonia. Tal transformação da pulsão – do corpo – pela palavra do outro, tem de início o caráter absoluto, de imposição (congruente à urgência das pulsões); inocula a figura inflexível de ação e plasma a forma primitiva dos afetos (Freud, 1926/1993a). Estes são, portanto, precipitados da identificação do adulto com a criança que a dotam com isto (com as palavras) de primeiros movimentos para lidar, no futuro, com a falta: separar-se e pensar, isto é, exercer a liberdade.

Nós tratamos recentemente desse tema em um trabalho que apresentamos numa reunião científica em nossa sociedade em 08/2011 (Eu, sintoma e análise) na interlocução que travamos com G. Morel (2008). Basta, para nosso propósito, acrescentar que a passagem do desamparo para o reconhecimento da falta supõe a separação, a constituição do sujeito. A ação das palavras do adulto sobre o corpo da criança gera a sexualidade e o seu imaginário. Com eles se faz a trama do Édipo e sua elaboração para desembocar na noção da castração, da separação. Entretanto, com a pressão da cultura sobre o arranjo das pulsões, os ecos do desamparo voltam a ameaçar gerando – em defesa ante tal violência (da angústia) e como sua salvaguarda – os sintomas (assim como inibições e cisões e fissuras) no eu. Originalmente cultivado no regime do incesto (segredo) e in-diferenciação, o sintoma não poderá mais passar pelo crivo da castração para se somar, de um lado, aos meios sensuais, e de outro, às correntes afetivas. Ficaria, então, retido (ver acima), e somente disponível para os diferentes modos de gozo da fábrica dos masoquismos, da sujeição. A análise consiste em transportá-lo da área do segredo para o domínio público do sujeito, ao proveito da área da alteridade. Os sintomas, como afirma Freud no livro de 1926, precisam se tornar úteis para uma "afirmação da posição do sujeito". Ou seja, o reconhecimento na análise, o público, coloca o sintoma a serviço da separação e, portanto, o dispõe ao poder criativo da troca, junto aos outros, na cultura.

Não tendo o espaço para ilustrar tais pontos, algo que fiz no citado trabalho, gostaria apenas de apontar que nesta configuração chega-se a um interessante entendimento da contemporaneidade: a pressão da cultura não libera apenas a atuação destrutiva e sua ligação em novas modalidades regressivas de fugas ao entorpecimento e no gozo de sujeição, mas abre possibilidade à diversidade em que os sintomas e os seus derivados encontram um espaço público de legitimidade criativa. A contemporaneidade é testemunha dessas duas faces.

Por fim, a liberdade na análise e na cultura não significa "poder fazer o que você quer", mas medir esse seu querer e sua potencialidade dentro das propostas da alteridade, face à falta e à existência do outro. Algo que é sempre temido – sujeito à reversão em via do gozo e, em prol dele, à servidão –, tornando a liberdade tarefa árdua, mas da qual não nos podemos eximir.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Daniel Delouya
Rua Capote Valente, 439/104 – Pinheiros
05409-001 – São Paulo – SP
tel.: 11 3063-0018
E-mail: danieldelouya@gmail.com

Recebido: 16/04/2012
Aceito: 01/05/2012

 

 

* Psicanalista e membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
1 Texto elaborado a partir de uma conferência realizada, a convite do grupo literário Tantas letras, em setembro/2011 na biblioteca municipal de São Bernardo de Campo.
2 O adulto que viabiliza a transformação, no bebê (e também via o plano especular, dual), da parte da agressividade do Isso e seu caldeirão pulsional – fonte do desamparo –, em um corpo habitável. Isto é, estabelecendo coordenadas autoeróticas, base da ternura, e que também servirão de vias de descarga/escoamento da sexualidade junto ao corpo alheio, convertendo, assim, o dilúvio em balanço rítmico, prazeroso, sobre as águas e o abismo do Isso.
3 Cf. o primeiro capítulo de Delouya, D. (2000). Entre Moisés e Freud. São Paulo: Via Lettera.
4 Freud monta entre 1919 e 1924 um concerto formidável entre as três, até então inconciliáveis, coordenadas da metapsicologia. O elemento qualitativo, o gozo – fonte da representação – é fruto do delicado equilíbrio de enlace, dinâmico e econômico, de tendências opostas da pulsão. Essa semente corre, porém, o risco – a partir das pressões das necessidades, do meio sensório e as do objeto – de se desenlaçar em morte; e/ou fortalecer, graças ao objeto, entre pressão e contenção, tal enlace de espaço de vida, distendendo a vesícula para a formação de um corpo, feito de memória e experiência, passível a tolerar e tirar proveito da alteridade (ver na sequência).
5 A exposição sumária das duas configurações clínicas não esclarece suficientemente uma diferença. Nos dois pacientes há a reivindicação pela ternura infantil, porém, no primeiro caso, esta se vale de alguns vestígios de experiências significativas com os objetos primários, por isso tende a se situar no universo da neurose, da histeria. Já no segundo caso, os vestígios são tão escassos que se desenlaçam e se dissolvem em desamparo, em uma alienação que desemboca em um desespero para recorrer ao socorro via voracidade indiscriminada. Por exemplo, uma despedida de uma namorada no aeroporto é insuportável a ponto de, logo, minutos depois, dar vez a uma caça ansiosa para um envolvimento sexual. É nessa diferença, da perda da singularidade, que Freud (1924) situa o retorno do masoquismo moral para o desamparo de origem e suas vias de busca de compensação voraz e atuada.
6 Recorte (o itálico é de Freud) da vigésima nota de rodapé do livro O eu e o Id (1923/2011a).
7 Desde 1924 e até o fim, 1939, Freud acrescentará aos sintomas e às inibições que eles geram no eu, as cisões, fissuras e rachaduras. Elas ocorrem, como assinalamos anteriormente, em função da pressão cultural sobre a fiação psíquica, e passam a constituir uma condição para a manutenção da inteireza do eu, como acontece a certos vasos que racham para não se desmontar em pedaços (imagem de Freud).