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versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.35 no.54 São Paulo jul. 2012

 

EM PAUTA - CAOS

 

Nem Caos, nem Cosmos: "Conhecimento" e "Metaconsciência" (sobre a possibilidade de uma mente humana)

 

Not Chaos or Cosmos: "Knowledge"; and "Metaconsciousness&" (on the possibility of a human mind)

 

 

Fauzi Palis Junior*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo investiga o conceito de "Metaconsciência", a partir de compreensões anteriores, como um novo elemento constituinte, dentre os fenômenos universais conhecidos. Parte do exame de alguns campos do conhecimento humano, incluindo todos e sendo incluído por eles. Enfatiza o papel da psicanálise como área privilegiada do saber, reforçando seu papel primaz na condução conjunta desta etapa do desenvolvimento. Estimula, assim, investigação contínua.

Palavras-chave: Conhecimento, Meta-consciência, Metaconsciência, Psicanálise, Investigação.


ABSTRACT

This paper investigates the concept of "Metaconsciousness" from previous understandings, as a new constituent element from the known universal phenomena. Part of the examination of some fields of human knowledge, including all and being included by them. Emphasizes the role of psychoanalysis as a privileged area of knowledge, strengthening its role in conducting joint primate of this stage of development. Stimulates thus continuing research.

Keywords: Knowledge, Meta-consciousness, Metaconsciousness, Psychoanalysis. Research.


 

 

A relação entre Caos e Cosmos vem intrigando os seres humanos desde tempos imemoriais, antes mesmo que os sistemas organizados de pensamento tivessem iniciado. A origem e o significado da palavra caos mostram-se, como em inúmeros termos fundamentais, não confusos, mas complexos. O Dicionário Houaiss (2001) cita:

caos s.m. (1572) 1 MIT em diversas tradições mitológicas, especialmente na cosmogonia grega de Hesíodo (sVIII a.C.), vazio primordial de caráter informe, ilimitado e indefinido, que precedeu e propiciou o nascimento de todos os seres e realidades do universo 1.1 este vazio freq. personificado como uma divindade, a mais antiga da criação 2 p.ext. FIL na tradição platônica, o estado geral desordenado e indiferenciado de elementos que antecede a intervenção do demiurgo, por meio da qual é estabelecida a ordem universal – p. opos. a cosmos 3 mistura de coisas em total desequilíbrio; desarrumação, confusão <este armário está um verdadeiro c.> 4 fig. mistura de idéias e sentimentos; confusão mental; balbúrdia <sua cabeça ficou um c. depois da separação> 5 FÍS comportamento de um sistema dinâmico que evolui no tempo, de acordo com uma lei determinista, e é regido por equações cujas soluções são extremamente sensíveis às condições iniciais, de modo que pequenas diferenças iniciais acarretarão estados posteriores extremamente diferentes – cf. efeito borboleta – c. primordial COSM suposto estado de mistura e irregularidade dos elementos no espaço, antes de se separarem e ordenarem para formar o Universo – ETIM lat. chàos,i 'caos, confusão, mistura confusa dos elementos; os infernos; escuridão, trevas; o caos a que tudo será reduzido, o fim do mundo';, este do gr. kháos,eos ou ous 'caos; imensidade do espaço; fig. tempo ilimitado'; [...] SIN/VAR ver sinonímia de confusão – ANT ver antonímia de confusão (Houaiss, 2001, p. 605)

cosmos s.m.2n. (1563) 1 COSM espaço universal, composto de matéria e energia e ordenado segundo suas próprias leis; universo 2 FIL na filosofia grega, a harmonia universal; o universo ordenado em leis e regularidades, organizado de maneira regular e integrada – p.opos. a caosETIM gr. kósmos,ou 'ordem, conveniência, organização, ordem do universo, mundo, universo'; ver cosm(o)- (Houaiss, 2001, p. 853)

cosmos s.m.2n. (1563) 1 COSM espaço universal, composto de matéria e energia e ordenado segundo suas próprias leis; universo 2 FIL na filosofia grega, a harmonia universal; o universo ordenado em leis e regularidades, organizado de maneira regular e integrada – p.opos. a caos – ETIM gr. kósmos,ou 'ordem, conveniência, organização, ordem do universo, mundo, universo'; ver cosm(o)- (Houaiss, 2001, p. 853)

Neste sentido associar-se-á como fundamento do aspecto mítico/religioso a dualidade vazio-confuso/preenchido-ordenado; do científico, a questão da desorganização-organização e do psicanalítico, o significado e interação Tânatos-Eros. Estas correlações têm a função de expandir a noção de conceitos em dupla, representados pelos termos anteriores, mas particularmente por Caos/Cosmos, em direção a uma nova função monovalente, chamada aqui de "Metaconsciência". Essa função, a princípio, não entraria na configuração dialética tradicional, representando, portanto, um salto no processo evolutivo humano.

A etimologia grega de Caos é derivada do verbo "entreabrir-se" e tem o sentido de "vazio, profundidade insondável" (Brandão, 1991, p. 182). "Caos é a personificação do vazio primordial, anterior à criação, quando a ordem ainda não havia sido imposta aos elementos do mundo" (Brandão, 1991, p. 182). Ovídio, em Metamorfose, o denomina: "rudis indigestaque moles, massa informe e confusa" (Brandão, 1991, p. 182). Continua Brandão em outro texto: "No Gênesis 1,2, diz o texto sagrado: A terra, porém, estava informe e vazia, e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre as águas. Trata-se do Caos primordial, antes da criação do mundo, realizada por Javé, a partir do nada" (Brandão, 1991, p. 184).

O vazio absoluto é uma abstração. Do ponto de vista humano, pode-se pensá-lo como constituído por uma força transcendente à nossa compreensão, o que leva à ideia do deus de inúmeras crenças e religiões. Lembremos que em latim antigo a palavra deus tem o sentido de luminosidade. Isto significa que de uma forma ou outra, mesmo tentando uma abstração, a mente, por sua conformação, necessita de algo que dê contorno ao nada, ou antecedência ao que se sucede.

A palavra Caos nos traz atualmente, de imediato, a ideia de algo confuso. O confuso não pode ser nada, uma vez que con-fusão significa ajuntamento indistinto. Se há indistinção, tem que ser entre algo existente. Podemos ver em outras mitologias a presença de algo indistinto, mas existente, não organizado, mas real:

Na cosmogonia egípcia o Caos é uma energia poderosa do mundo informe e não ordenado, que cinge a criação ordenada, como o oceano circula a terra. Existia antes da criação e coexiste com o mundo formal, envolvendo-o como uma imensa e inexaurível reserva de energias, nas quais se dissolverão as formas nos fins dos tempos. Na tradição chinesa, o Caos é o espaço homogêneo, anterior à divisão em quatro horizontes, que equivale à criação do mundo. Esta divisão marca a passagem ao diferenciado e a possibilidade de orientação, constituindo-se na base de toda a organização do cosmo. Estar desorientado é entrar no Caos, de onde não se pode sair, a não ser pela intervenção de um pensamento ativo, que atua energeticamente no elemento primordial. (Brandão, 1991, p. 184)

Algumas cosmogonias, tais como a budista e certas vertentes do hinduísmo, não se preocupam com origens, mas com finalidades. Neste sentido o Caos teria a ver com o que não é organizado, o não cósmico. Usamos a palavra religião (latim religare = religar) assim como o hinduísmo antigo utilizava a palavra Rita, que apontava para a ordem cósmica do mundo, com a qual todos os seres deveriam estar harmonizados e que também se referia à correta execução dos ritos pelos brâmanes. Mais tarde, foi substituído por dharma, termo que atualmente é também usado pelo budismo e que exprime a ideia de uma lei divina e eterna.

A religião budista abstrai a existência de um deus criador para focar-se exclusivamente na busca do nirvana. Para essa religião, que se inicia com o despertar de Buda, o universo é simplesmente o que sempre foi "desde o tempo sem início".

O taoísmo tem uma visão interessante, pois é muito próxima de algumas ideias atuais:

El origen de todo, según los taoístas, es conocido como TAI YI (vacío, calma inicial) y se puede representar por un círculo dentro del cual no hay nada, está vacío siendo como el caldo de cultivo. En esta etapa inicial llega un momento en el que se produce un dinamismo primario, un movimiento que da a lugar a la etapa conocida como TAI CHU (aliento inicial o aliento primordial) que se representa con un círculo y un punto en su centro. Se podría comparar con la filosofía hindú y su BIN DU, el punto que contiene la creación y que va a explotar para manifestar todo el universo. A partir de esta dinámica indiferenciada se produce una organización dando lugar a un movimiento coherente, a un único aliento a partir del cual se genera YIN y YANG conociéndose esta etapa como TAI JI (principio supremo), gracias a este principio supremo todo puede existir y manifestarse en el campo de la materialización. Todavía nos encontramos en un plano de manifestación no material, es decir, el plano en el que todavía no hay una manifestación o existencia visible pero están definidas las bases para que todo pueda existir. Aparece el Yin y el Yang. Como consecuencia de la evolución en esta etapa el Yin y el Yang se encuentran en equilibrio. En este plano se encuentra el plano YANG que se corresponde al cielo y el plano YIN que se corresponde con la tierra. Entre el plano de manifestación que hay entre el YIN extremo y YANG extremo hay un estado intermedio de YIN y YANG que se corresponde con el plano de manifestación del cielo y la tierra, siendo en este plano donde existe el hombre. En este plano no estamos todavía en el cielo ni en la tierra sino que estamos entre los dos, siendo este el nivel o el plano que corresponde al hombre.

 

 

Em física, Caos é definido como "comportamento estocástico (aleatório). Nesta presente forma, a definição parece um paradoxo, pois algo aleatório não tem lei e é irregular, enquanto que algo determinístico é governado por uma lei exata e não passível de infração. O Caos é, portanto, um comportamento sem lei inteiramente governado pela lei" (Disponível em: <http://www.enemvirtual.com.br/dicionario-de-fisica/>. Acesso em: 14 abr. 2012).

A busca científica trouxe algumas teorias cosmológicas. O Big Bang, também por vezes denominado em português como a Grande Explosão, é a teoria cosmológica atualmente dominante, em relação ao desenvolvimento inicial do universo. Os cosmólogos usam o termo Big Bang (grande explosão) para se referir à ideia de que o universo estava originalmente muito quente e denso em algum tempo finito no passado e, desde então, tem se resfriado pela expansão ao estado diluído atual, sendo que continua expandindo-se no presente. Desta forma continuará este movimento até um ponto em que a entropia (medida da energia não disponível para a realização de trabalho; inércia) chegue a seu ponto máximo e crie uma condição de fim da matéria, ausência total de energia aproveitável e cessação do tempo, criando o fim de tudo conhecido (Big Rip ou Grande Ruptura).

A dilatação universal é feita pela energia escura. Em cosmologia, a energia escura (ou energia negra) é uma forma hipotética de energia que estaria distribuída por todo espaço e tende a acelerar a expansão do Universo. A principal característica da energia escura é ter uma forte pressão negativa. De acordo com a teoria da relatividade, o efeito de tal pressão negativa seria semelhante, qualitativamente, a uma força que age em larga escala em oposição à gravidade. A única força, portanto, que poderia impedir um fim total é a gravitacional, que tende a atrair, concentrar e unir, e que é criada pela matéria. Neste caso, a partir de um determinado momento, o universo tenderia a se contrair até voltar a um estado inicial de contração (Big Crunch ou Grande Colapso), onde daria início a um novo ciclo de expansão através de outro Big Bang, e assim infinitamente como tem sido sempre. Por outro lado, a combinação teórica destas forças – gravitacional atrativa, que tende a "lentificar" a expansão do Universo; energia escura repulsiva, que tende a acelerar a expansão – sugere que cerca de 70% do Universo seja constituído por energia escura e 30%, por matéria, sendo essa formada por 25% de matéria escura e 5% de matéria ordinária.

Sabe-se ainda que toda a matéria existente na terra formou-se de restos de poeira cósmica de alguma nebulosa, assim como o sol e os outros planetas. O curioso é que uma nebulosa se constitui pela morte de uma estrela gigante. Em sua agonia, esta gigante vermelha ameaça explodir, sendo contida pela força da própria gravidade em ondas sucessivas e por um longo tempo. Neste processo de morte e vida, o resultado é uma produção de substâncias diversas, como numa gestação. O fim de uma grande estrela gera elementos químicos complexos e energia que irão constituir novos corpos no espaço.

No início de sua formação, a Terra era incandescente com altas temperaturas. Foi a partir do resfriamento gradual que houve a possibilidade do início da formação da vida. A continuidade da diminuição do calor permitiu o surgimento de formas complexas evolutivas, entre elas nós mesmos. A vida é, portanto, um fenômeno que ocorre entre dois pontos extremos: calor intenso inicial; frio que colabará o sistema solar. Nascemos decorrentes da morte de algo, vivemos graças a um intervalo de tempo. Nem caos nem cosmos: transição transitória aproximada.

O senso comum vê a vida como uma punição, um sacrifício, ou por outro lado como uma benção de Deus ou da natureza. Podemos, dentro de uma mitologia científica, pensar a vida como um fenômeno organizacional decorrente, como nas estrelas, de etapas conflitantes dos fenômenos físicos que nos cercam. Com a vida, ocorre um aumento da complexidade desses fenômenos em luta, resultando, após longa evolução, em um elemento organizador interno: a mente. A formação da mente animal e, portanto, a da família hominídea, segue o mesmo caminho: cada passo é dado como resultado de processos em conflito.

Um dos atributos da mente animal é a capacidade de conhecer. Isto inicia como nóscère, um embrião de conhecimento, um começar a conhecer, aprender a conhecer, começar a tomar conhecimento. Não é ainda cognóscère, pois este acrescenta o com (cog), que dá uma ideia de algo em si mesmo. Enquanto o nóscère traduz um processo que se esboça, o cognóscère implica em algo bem mais complexo. A consciência torna-se humanizada quando se faz predominantemente autoconsciente, consciente de sua consciência. Enquanto a consciência primária é espontânea (a que surge de uma primeira impressão de si mesmo), a secundária é reflexiva, permitindo distinguir sujeito e objeto em si e ainda assim manter e preservar o Self. Poder-se-ia, por aproximação, equiparar no ser humano o processo do nóscère aos movimentos esquizo-paranoides, e o do cognóscère aos acontecimentos depressivos.

Este parece ser um fato realmente novo dentre os fenômenos universais conhecidos. Nesta esteira surge o ainda mais incerto e impreciso, porém impactante, conceito de "Metaconsciência" como:

a consciência da própria consciência, ou seja, um certo estado, ao qual seres sencientes podem ascender por intermédio da associação entre a razão e profundos conhecimentos culturais, comportamentais, filosóficos e mesmo lógicos, entre outros, mais ou menos relevantes. Pode-se admitir que uma meta-consciência apurada teria algo de muito semelhante ao que se chama de intuição, visto que, como não se atém simplesmente à fração subjetiva, possivelmente pode vir-a-ter a capacidade de "prever" certos eventos, com base numa experiência prévia e partindo do pressuposto de que a dinâmica do mundo segue tal padrão. (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Metaconsci%C3%AAncia#Metaconsci.C3.AAncia>. Acesso em: 14 abr. 2012).

Esse conceito conduz ao de metacognição que, segundo Menegassy, refere-se ao: "conhecimento, à consciência, à monitoração e ao controle dos processos cognitivos; é uma manipulação consciente das atividades cognitivas" (Menegassy, 2006, p. 153).

Alguns autores vêm estudando e definindo "Metaconsciência" em perspectivas comuns: "A maioria dos pesquisadores descreve meta-consciência como um dos muitos aspectos ou funções da consciência (Cole); como um estado psicológico diferenciado, de mais alta ordem (Rosenthal); a consciência da atividade da mente e dos processos mentais (Pinard)" (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Metaconsci%C3%AAncia#Metaconsci.C3.AAncia>. Acesso em: 14 abr. 2012).

Tudo isto leva Nozick (Nozick 1995, p. 132) a questionar os limites da racionalidade instrumental.

Estas noções resvalam em configurações filosóficas, psicológicas e místicas, recheadas de suposições sobre a capacidade de autoconhecimento e autocontrole imediato. As ideias levantadas neste trabalho não compartilham com a maioria destas conjecturas, que somente servem de base para uma compreensão "Metapsicológica".

Por ser reflexiva, a "Metaconsciência", em novo conceito, é uma instância da mente humana capaz de aprender a dirigir o conhecimento e consequentemente a ação, no sentido de um desenvolvimento organizado. Sabe, em primeiro lugar, que não sabe, e aceita que pode ou não vir a saber. O desenvolvimento psíquico básico, como conhecido em psicanálise, é fundamental para este passo subsequente. O momento em que isto ocorre em uma pessoa é extremamente difícil de ser definido, mas pode-se imaginá-lo como uma espécie de consciência clara. Outros vértices de observação chamariam a isto de iluminação, transcendência, inspiração etc. O sentido não é o mesmo, mas tem semelhanças, pois a psicanálise tem conseguido ir um pouco além dos limites impostos pela circunscrição restritiva de uma investigação eminentemente científica, buscando colaboração da mística, da estética, da filosofia, procurando por outro lado não cair nos processos que levam a ideologias: misticismo, filosofismo etc.

O prefixo meta, neste caso, possui uma acepção ampla como veremos a seguir. A intenção ao usá-lo é de mobilizar, no dizer de Bion, uma penumbra de associações, para poder expandir a compreensão e não fixá-la em nenhum ponto específico. Por isto, pode significar antes; durante; depois; mudança; intermediação etc. Houaiss define: "met(a)- prefixo culto, do gr. metá (adv. e prep., orign.) 'no meio de, entre; atrás, em seguida, depois; com, de acordo com, segundo; durante'; já no próprio gr.cl. formava vocábulos com as idéias de: 1) 'comunidade ou participação'; 2) 'interposição ou intermediação'; 3) 'sucessão (no tempo ou no espaço)'; 4) 'mudança de lugar ou de condição'; [...] inclui para mais de 700 derivados e complementos" (Houaiss, 2001, p. 1906).

Nesta perspectiva propõe-se uma perspectiva diferente em relação à proposta vincular de Bion. Esta seria a de que os vínculos são apenas dois: Amor e Ódio relacionados a Eros e Tânatos, Cosmos e Caos, Inn e Yang, Big Bang e Big Crunch etc. A separação em pares opostos faz-se necessária para a mente poder apreender racionalmente um todo interdependente, que é em si complexo e indivisível. O Conhecimento é o fator articulador destes princípios. Isto levaria a uma organização que poderíamos denominar provisoriamente de "Metaconsciência".

Os princípios acima convivem em conflito e oposição, buscando dominar e substituir um ao outro. É uma luta eterna levando, na visão da cosmologia atual, a um eterno retorno. O Conhecimento não privilegia um ou outro, mas utiliza com percepção clara o princípio adequado para a ação pretendida. Não se trata aqui de onisciência, é óbvio, mas de articulações crescentes que levam a um melhor desempenho, com saída gradual de movimentos repetitivos e a formação de uma organização verdadeiramente humana predominantemente em desenvolvimento.

Pode-se visualizar tais movimentos em diversas linhas do pensamento psicanalítico. Na metapsicologia freudiana, o movimento disruptivo encontra-se imerso no princípio primário e instalado no Id. A tentativa de controle é mobilizada pelo princípio secundário, em última instância no Super-Ego. No Ego estão as forças de equilíbrio. Em Klein, nas angústias de desintegração e paranoides, levando aos movimentos depressivos. Em Lacan, no conflito altamente simbólico entre Narciso e Édipo, podendo ser estruturados pelos movimentos da linguagem. Em Winnicott, a condição de dependência absoluta versus a crença em independência, integrados pelos cuidados suficientemente bons da mãe. Em Bion, não só nas interações entre Amor e Ódio, como também nas referentes ao Continente-Contido, ambas articuladas pelo Conhecimento. Poderiam se estender os exemplos a todos os autores e às diversas teorizações de um mesmo autor.

É necessário e fundamental elucidar inicialmente que, apesar da semelhança, não existe identidade entre o sistema hegeliano e a articulação pelo Conhecimento "Metaconsciente". O Conhecimento articulado pela "Metaconsciência" não é dialético, é de uma outra ordem a ser investigada. Um segundo ponto relevante diz respeito à similitude do processo articulado neste trabalho e a eminente obra de Teilhard de Chardin, O Fenômeno Humano. Em Chardin (Chardin 1995, p. 300) há um determinismo, sintetizado pelo Ponto Ômega, com o qual as considerações apresentadas neste trabalho não compatibilizam na totalidade. Também aqui a semelhança é reasseguradora de convergência, mas não de igualdade.

As semelhanças levantadas entre tão diversos campos do saber não são casuais. Explicitam a interação entre os fenômenos da natureza e a forma como são articuladas em novas dimensões complexas. No ser que se torna humano, a dimensão "Metaconsciente" configura-se em uma condição nunca vista anteriormente, diferenciando-se de qualquer processo conhecido: a atividade reflexiva da própria reflexão, denominada provisoriamente aqui como "Metaconsciência". O amparo deste conceito em outros campos do saber serve particularmente para clarear a proposta, mas abre espaço para uma compreensão extensa da existência. Independente das concepções metafísicas inerentes a tal especulação é um conceito eminentemente prático, podendo ser desenvolvido tanto na teoria quanto na clínica.

Cogita-se que, nesta visão, as considerações acima continuam sendo psicanalíticas, com a diferença de enfatizar um ponto de vista, não tão novo assim, contextualizador de múltiplas ideias e articulador de colaborações em diferentes áreas. A "Metaconsciência" conceitua um estado que se estende do indivíduo à coletividade, e da coletividade à universalidade: é um novo elemento constituinte da totalidade conhecida. A psicanálise tem papel fundamental neste movimento elaborador, uma vez que seu conhecimento do inconsciente e dos processos interativos "intra", "extra", e "trans-subjetivos", serve de referência para um processo consciente e organizado de desenvolvimento.

 

Referências

Brandão, J. S. (1991). Dicionário Mítico-Etimológico. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Brandão, J. S. (1990). Mitologia grega Vol. I. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Chardin, T. (1995). O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix.         [ Links ]

Houaiss, A. & Villar, M. S. (2001). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva.         [ Links ]

Menegassy, J. R. (2006). Interação, escrita e metaconsciência na formação inicial de professores. Revista Signum: Estudos da Linguagem, 9(2), 153.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fauzi Palis Junior
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E-mail: fauzipjr@yahoo.com.br

Recebido: 16/04/2012
Aceito: 27/04/2012

 

 

* Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.