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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.35 no.55 São Paulo jan. 2013

 

EDITORIAL

 

 

Caro leitor

Uma vez terminado nosso trabalho de preparação de mais esse número da ide, tenho o sentimento de termos conseguido uma coletânea de artigos que abordam, por diferentes ângulos, nosso tema – Excesso – de maneira muito rigorosa e profunda. Esse tema suscitou muitos bons artigos de colegas psicanalistas abordando a "clínica e a metapsicologia do excesso", mas como nossa meta é a de restringir a ide ao campo específico da reflexão sobre a Cultura, não foi possível publicá-los. Apesar dessa perda de ótimos artigos, penso que ganhamos ao fortalecer a interessante e original reflexão de vários de nossos colegas psicanalistas, assim como dos não psicanalistas, sobre esse tema, que foi considerado por todos extremamente atual.

Nesse número tivemos a honra e o prazer de entrevistar o emérito jornalista e escritor Alberto Dines. Foi uma experiência ímpar para todo o Corpo Editorial da ide e devo agradecer a colaboração de nossa colega Maria Olympia de Azevedo Ferreira França, pois sem ela a entrevista não teria sido possível. Alberto Dines nos fala dos efeitos do excesso na mídia e na imprensa, e ainda traça um panorama da evolução dessa última até hoje. Também nos fala sobre a relação entre Freud e Stefan Zweig, de quem escreveu uma biografia que se aprimora há mais de trinta anos. Saboreiem essa entrevista, caros leitores!

Para atiçar a sua curiosidade, caro leitor, falarei de alguns aspectos abordados em diferentes artigos. A questão de nossa colega Jassanan – "é possível uma existência sem excesso?" – serve para iniciarmos nossas indagações psicanalíticas sobre esse tema. Nossa colega evoca o sujeito trágico, percorrendo de maneira ampla toda a história do pensamento ocidental sobre a dimensão que é tocada pelo trágico. Essa dimensão trágica do sujeito foi tão bem explorada por Freud com a introdução do seu complexo de Édipo. A paixão, ligada a essa dimensão trágica, caracteriza um excesso da vida, as forças de um dos nossos deuses internos: Dioniso. Mas o excesso está do lado da vida, que precisa ser dominada para não seguir muito rápido seu destino final que é a morte (lembremos de Freud do Além do princípio do prazer [1920]: a vida tende para a morte). É então que deve entrar o princípio apolíneo, o qual tem a ver com o tempo e a memória. Mas o sujeito trágico, edípico, está para a neurose e o inconsciente freudiano assim como o sujeito contemporâneo, também chamado pós-moderno, estaria para uma outra forma psíquica de se organizar. Tocamos aqui nas questões da clínica atual e da reflexão sobre nossa sociedade atual. Como esta funciona em sua economia psíquica mais profunda?

Vários autores abordaram esses pontos. Marion Minerbo mostra-nos como cada indivíduo está completamente inserido na cultura e por isso sofre a influência das características de sua época. Ora, nossa época atual se caracteriza pela crise generalizada das instituições que leva cada indivíduo a um excesso pulsional, o qual, agora, sem essas instituições claras e fortes, será uma carga maior para um psiquismo empobrecido simbolicamente. Poderíamos falar em uma "depleção simbólica", como Minerbo. Seria correto dizer que nossa época dá prioridade à imagem em detrimento do simbólico? Enfim, essa autora insiste no fato de um peso maior para o sujeito, pois "cada um tem que se reinventar" agora. Outros autores, em universos diferentes dos de nossos consultórios, também abordam essa problemática de perda do simbólico. Mas não foram esquecidos em nosso número os excessos da neurose. Assim, as histéricas dos Estudos sobre a histeria (1895), de Freud, como a iconografia das pacientes de Charcot, aparecem sob uma forma poética.

Outros autores abordaram maneiras mais bem-sucedidas de lidar com o excesso, por meio de nossa relação com a arte. Canções, poesias, mitologia, literatura, dança, música, pintura, escultura, todas as artes a favorecer um árduo trabalho de ligação, que lida com pequenas quantidades de energia, e que enriquece nosso simbólico pessoal. Por exemplo, a destrutividade ligada à guerra e seus destinos na arte, como nos mostra nossa colega Eva Migliavacca.

As questões sociais ligadas ao tema do excesso também foram abordadas. O artigo "Velando sentidos ausentes" é o mais impactante para nós ao escancarar uma realidade da qual gostamos de nos alienar. Leiam, vocês ficarão impressionados!

Temos dois excelentes artigos que tratam diretamente do mundo virtual e seus excessos e dos novos paradigmas de relacionamento, ou de não relacionamento, por meio da internet e das suas redes sociais.

Na parte destinada aos artigos não temáticos, fomos requintados nesse número da ide. Nossa colega de Paris, Julia Kristeva, nos autorizou a publicar seu artigo sobre o "erotismo materno", o qual foi apresentado no Congresso de Psicanalistas de Língua Francesa, em 2011 em Paris. Trata-se de trabalho que me parece bastante inovador em sua reflexão sobre o materno e seu erotismo próprio, com suas incidências na cultura. A professora de Literatura da USP, Adélia Bezerra de Meneses, nos brindou com um delicioso artigo sobre o mito e a paixão do ciúme, analisando um poema de Safo e duas canções brasileiras, uma de Lupicínio Rodrigues e outra de Caetano Veloso.

Não podemos nesse editorial falar de toda a riqueza desse número da ide. Logo, caro leitor, fica para você se aventurar nesses terrenos do excesso.

Boas leituras!

 

 

José Martins Canelas Neto
Editor