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Ide (São Paulo) vol.35 no.55 São Paulo ene. 2013

 

EM PAUTA - EXCESSO

 

A apresentação do eu na sociabilidade virtual: a economia libidinal da amizade1

 

The presentation of self in the virtual sociability: the libidinal economy of the friendship

 

 

Mariana Zanata Thibes*,I; Pedro Felipe de Andrade Mancini**

I Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Redes sociais e mundos virtuais popularizaram-se como formas de interação em quase todo o mundo a partir do início do século XXI. A despeito da ausência do corpo físico e do conjunto de expressões faciais nas interações virtuais, resta a face – no sentido atribuído por Erving Goffman – a ser preservada e o mecanismo de renovação de desejos tão inerente à lógica da sociedade de consumo quanto necessária para sua reprodução.

Palavras-chave: Sociabilidade virtual, Apresentação do eu, Sociedade de consumo, Erving Goffman.


ABSTRACT

Something that is unequivocally remarkable at the 21st century is the popularization of the social networks and virtual worlds as new modes of social interaction. Despite the lack of the physical body and the whole of facial expressions in the virtual interactions, there is still the face, in Goffman's sense, to be preserved and manipulated. To be well-regarded and expand the number of friends or "followers", the individual must exhibit the "right" symbols. As he finds a demand of always being in track with a changing social imaginary which informs the symbols for new presentations of the self, we are able to recognize the same mechanism of renewing desires inherent to the consumption logic and necessary to its reproduction.

Keywords: Virtual sociability, Presentation of self, Consumption society, Erving Goffman.


 

 

A popularização das formas de sociabilidade virtual é algo notável desde a virada do século XXI. Entre as mais famosas redes sociais da atualidade, podemos destacar o Twitter e o Facebook, além do Orkut, mais frequentado por brasileiros. Além destes, houve também a criação dos chamados "mundos virtuais": programas de computador compartilhados na internet que simulam o mundo físico e apresentam regras próprias de convívio social.

Nesse artigo, propõe-se que as formas de interação próprias a esses ambientes criam modos de subjetivação baseados na reconfiguração plástica do eu, que se relacionam claramente à dinâmica da economia libidinal contemporânea. O surgimento da internet e sua incorporação ao cotidiano das pessoas criou novas formas de sociabilidade mediadas pelo computador que suprimem o contato face a face. A ausência do corpo físico nas interações virtuais mostra que a plasticidade do eu passa a ter um novo locus: além da identidade corporal, ela coloniza o espaço virtual. Como pretendemos mostrar, essa mudança confere atualidade ao processo de reconfiguração do eu, cuja dinâmica está alinhada ao desenvolvimento da tecnologia e da retórica de consumo. Desse modo, partiremos de uma exposição comparativa das lógicas operacionais e das regras de interação social típicas de determinadas redes sociais (como Orkut e Facebook) e de um mundo virtual, o Second Life, para tecer algumas interpretações à luz de um olhar sociológico crítico.

 

Interação virtual e interação face a face: o corpo e o computador como veículos da face e as implicações para a apresentação do eu

O primeiro movimento para se tornar membro de uma rede social é a criação de um perfil. É por ele que o indivíduo irá interagir com os outros membros da rede. Essa seção é composta, essencialmente, de informações de cunho pessoal, cuja quantidade é variável. O mínimo que se pode revelar são dados básicos, como nome e data de nascimento, mas em geral permite-se que o adepto também insira informações mais detalhadas sobre sua personalidade, como orientação sexual, informações profissionais, fotos, links para sites de seu interesse e outros elementos que podem ser editados a qualquer momento. Tais informações são vistas por todos os membros da rede social ou apenas por contatos selecionados, conforme a opção de privacidade do usuário.

Nos mundos virtuais, por sua vez, existe a ferramenta adicional de criação e modelagem de uma personificação individual. Quando do momento de ingresso nesses programas, é requerido que se escolha um modelo básico para seu "avatar". As características a serem escolhidas variam de acordo com a espécie de MV2: naquelas relacionadas às práticas de RPG deve-se optar, por exemplo, por uma "classe" (guerreiro, mago etc.) e uma "raça" (humano, elfo, anão, orc etc.). Após essa escolha inicial entre modelos pré-formatados, o adepto pode editar vários detalhes de sua aparência, como características estéticas gerais e opções de vestuário.

Após a criação de um perfil (e, no caso dos MVs, do avatar), o indivíduo está pronto para interagir com os outros membros da rede. Essa interação, todavia, possui características específicas conforme o tipo de ambiente – RS ou MV –, em função dos recursos que cada um oferece aos indivíduos. No caso das RSs, é possível encontrar amigos, conhecer pessoas, trocar mensagens e compartilhar conteúdos, tais como fotos, comentários e notícias. Assim, elas unem em uma mesma plataforma diversos tipos de recursos e conteúdos que possam enriquecer a comunicação. Nos MVs a interação é ornamentada com os recursos gráficos de simulação do mundo físico. Em ambos, é possível observar uma prática de "manipulação da identidade"3 similar àquelas das interações face a face. No entanto, existem diferenças fundamentais introduzidas pelo tipo de interação online aqui tratado. Para captá-las, é preciso deixar claro o que muda quando as interações não são diretamente mediadas pelo corpo físico e passam a ser mediadas pelo computador. Para tanto, lançaremos mão de determinados conceitos do sociólogo canadense Erving Goffman, cuja teoria possui significativa importância para o tratamento da temática das interações sociais.

De acordo com sua perspectiva, toda interação tem como tema básico subjacente o desejo de cada participante de guiar e regular a conduta dos outros, principalmente a maneira como o tratam (Goffman, 1975). Esse controle é realizado principalmente pela influência sobre a definição da situação que os outros venham a formular. O indivíduo pode ter influência nessa definição a partir de sua forma de expressão, de modo a causar uma determinada impressão nos outros, que os faça agirem de acordo com o que havia planejado. Em seu livro Interaction ritual: essays in face-to-face behavior (2006) Goffman mostra que o eu é um assunto cerimonial fundamentalmente motivado pelo desejo de ser bem considerado, já que emocionalmente vulnerável – facilmente atacável, traído, desacreditado, constrangido etc. Porém, se todas as interações oferecem riscos – de falha, exposição e rejeição –, elas também carregam a promessa de satisfação se as ameaças puderem ser evitadas. Essa é a dinâmica que rege as interações sociais que ocorrem nos limites físicos de uma arena, mas que também está presente nas interações em âmbito virtual: nosso comportamento online é reflexo do que somos ou gostaríamos que os outros pensássemos que somos. Isso diz respeito a tentar controlar como aparecemos para nossos amigos online e offline.

A diferença é que, nas interações face a face, os outros podem utilizar aspectos não governáveis do comportamento expressivo do indivíduo como prova da validade do que é transmitido pelos aspectos governáveis, isto é, podem perceber expressões sobre as quais o indivíduo tem pouco controle e que contradizem o conteúdo de sua fala, ou de seus gestos calculados, por exemplo. Assim, nesse tipo de interação, os elementos não governáveis da expressividade podem ser captados a todo instante e utilizados para guiar a ação.

Nas interações típicas das redes sociais, as expressões faciais, corporais e aspectos da fala encontram-se quase inteiramente suprimidos. Há apenas imagens e sinais indiretos sobre aspectos corporais dotados pelos indivíduos, presentes, por exemplo, nas fotos dos perfis. Resta a face4, materializada não pelo corpo, mas pelo perfil virtual ou avatar do indivíduo. Assim, a interação precisa ser pautada, em grau muito maior, no imaginário que se possui a respeito dos outros, dependente de informações que são manipuladas por eles de modo a causar determinada impressão. Nas interações face a face também há, segundo Goffman, certa preparação realizada pelos atores no backstage, isto é, antes de entrarem nas arenas de atuação, em suma, antes de adentrarem uma esfera pública. Porém, assim que isso ocorre, por mais que tenha preparado sua máscara, o ator não poderá esconder sinais de sua corporalidade dos outros. Haverá sempre o risco do enrubescimento, do silêncio embaraçoso, de gaguejos e palavras mal colocadas, que podem ameaçar a face do ator. Nas interações virtuais, por outro lado, o controle é facilitado tanto pela proteção da tela do computador quanto pelos próprios recursos que as RSs e os MVs disponibilizam para que os indivíduos possam efetuar uma seleção simbólica cuidadosa do que desejam apresentar.

As ferramentas disponibilizadas ao usuário permitem simular uma gama de ações, comportamentos e posturas corporais expressos por seu avatar, por meio de movimentos previamente programados. O maior controle dessas simulações sobre as expressões emitidas manifesta-se por simples cliques de mouse e toques de teclas, que acionam movimentos dos avatares de modo mecanicamente perfeito: um caminhar, a execução de passos de dança, ou desempenhos sexuais. Assim, evita-se praticamente qualquer possibilidade de improvisação, imprevisto ou ruptura violenta na ação, resultante, por exemplo, de uma grande gafe (como a famosa "pisada" no pé da dama, durante uma dança de salão – só possível devido a uma falta de controle sobre o próprio corpo físico, que está ausente nos ambientes virtuais).

No entanto, embora o corpo esteja suprimido nas interações virtuais, com seus aspectos não-governáveis da expressão, ainda há a "face" a ser cuidada e manipulada na forma de um "perfil virtual" de rede social ou de um avatar. Tal cuidado revela aspectos intrincados: embora seja facilitado pela supressão da materialidade corporal, é complexificado pela multiplicação dos observadores, pela dificuldade de saber por quem se é observado e pelo acúmulo de informações disponíveis sobre os indivíduos na rede. A disseminação e a utilização de todo o volume de dados que voluntariamente ou involuntariamente é inserido na rede não é passível de controle. A nebulosidade das fronteiras entre público e privado em âmbito virtual certamente cria dificuldades para o indivíduo controlar as impressões a seu respeito5. Portanto, se por um lado o controle sobre a apresentação do eu pode ser meticulosamente exercido a partir das ferramentas disponíveis nas RSs e MVs, por outro, ele é dificultado no que tange à apreensão das informações a seu próprio respeito6. Para exemplificar essa questão, podemos imaginar o primeiro dia de trabalho de um indivíduo que ainda não sabe qual é o dress code daquele ambiente. Assim que entrar no local de trabalho, ele receberá uma série de informações visuais que o permitirão saber se está ou não devidamente trajado. Na sociabilidade virtual, não há esse tipo de informação para guiar a conduta. Como saber então se o eu está sendo aprovado pelas centenas ou milhares de amigos das redes sociais e realidades virtuais em que o indivíduo participa?

Sabemos que o conjunto de apresentações e de reconfigurações do eu nesses ambientes é pautado pelas definições de status, poder e felicidade de uma determinada sociedade. Como afirma Erving Goffman no artigo "The Nature of Deference and Demeanour" (2006), é na interação social que os homens encontram mostras de deferência, cortesia e aprovação do próprio comportamento, de apreço à identidade.

O conjunto de definições que constitui uma espécie de imaginário social capaz de fundamentar a formação de identidades muda rapidamente em função da velocidade com a qual os conteúdos são transmitidos pela internet. Isso significa que tendências de moda, consumo, cultura, informações e toda espécie de símbolos podem ser compartilhados pelo globo instantaneamente. Dessa forma, o universo simbólico não apenas se multiplica, como também adquire um caráter plástico7.

Se alguns elementos simbólicos garantem maior status ao indivíduo, é provável que ele os explore e manipule em seu perfil. Como afirma Contardo Calligaris a respeito do Facebook, "a felicidade dá status, como a riqueza. Por isso, os sinais aparentes de felicidade podem ser mais relevantes do que a íntima sensação de bem-estar"8.

Na medida em que as informações inseridas na rede estarão, em grande parte, visíveis, o indivíduo estará exposto ao olhar do outro, ainda que não de forma imediata, como nas interações face a face. A seleção simbólica dos elementos que deseja exibir, portanto, será baseada no que ele pensa ser mais adequado e favorável à sua apresentação. Alguns pontos devem ser ressaltados acerca dessa seleção. O primeiro é que ela é pautada no imaginário social daquilo que é considerado positivo em determinada sociedade. Porém, isto é algo também presente nas interações físicas e bastante tratado pelos teóricos sociais. O segundo ponto, que mais nos concerne, são as interversões criadas pela internet em relação a essa seleção. No que diz respeito a isso, é importante retomar que o imaginário social amplia-se a partir do intercâmbio global de informações e símbolos que ocorre com a generalização da internet. A visibilidade e o grau de exposição dos indivíduos também se torna maior. Além disso, a existência de uma plataforma de intercâmbio de mensagens online e global permite que o indivíduo possa exercitar e modificar constantemente (de forma instantânea) suas formas identitárias, conforme percebe as mudanças no imaginário social mais amplo.

Não é preciso muito tempo ausente ou offline para que o indivíduo deixe de captar elementos importantes para uma reconfiguração do eu e corra o risco de parecer obsoleto, perder amigos, seguidores e acontecimentos. Assim, o atrativo para ampliar a rede consiste na capacidade de ser bem-sucedido nesse universo: a exibição dos símbolos certos é o caminho para aumentar a rede de amigos. Uma rede em crescimento é, por sua vez, o maior sinal de aprovação que o indivíduo pode ter. No entanto, caso o indivíduo exiba os símbolos "errados", ele pode ser desaprovado – o que resultaria na perda de prestígio e, possivelmente, na redução da rede de contatos. Nesse sentido, é possível reconhecer uma espécie de instância repressiva constituída no processo de reconfiguração do eu: a apresentação pode ser malsucedida e o indivíduo "pagar um mico" perante os amigos, arrepender-se e sentir culpa. Mas há também uma situação intermediária, que é o silêncio. O que pensar quando não há respostas às manifestações do eu, quando não há comentários positivos ou negativos que lhe permitam guiar sua conduta? O indivíduo que não recebe resposta – e vale dizer que isso é algo bastante comum nas interações online – experimenta grande ansiedade, continuando sua busca por aprovação. Essa procura impele o indivíduo a permanecer ativo nesses ambientes; em algum momento ele obterá um comentário, ou alguém vai "curtir" o que ele exibiu.

No Second Life, a necessidade do indivíduo participar constantemente das interações sociais e renovar as informações que emite – frases de perfil, fotos e até a aparência do avatar – não é menos evidente. Manter uma rede de contatos demanda um esforço considerável dos participantes, que devem demonstrar apreciação pelas relações estabelecidas, alimentando-as com diálogos constantes. Além disso, devem sempre manter uma imagem atraente, que facilite o estabelecimento de novos vínculos online. Assim como os usuários de redes sociais parecem sempre aguardar pela aprovação dos demais (por meio de comentários, réplicas ou pelo uso da ferramenta "curtir"), no Second Life é comum observarmos vários avatares aglomerados nas regiões de maior movimento, aguardando a abordagem de outros indivíduos – em geral, na forma de "cantada". Outros, por sua vez, agem de modo mais ativo, abordando outros avatares, mas o objetivo é o mesmo: uma busca incansável pela aprovação alheia.

As RSs e os MVs são, portanto, essencialmente dinâmicos. Sem a atividade constante de seus usuários, eles perdem seu propósito e atrativo. Por isso solicitam a participação contínua dos indivíduos, com a qual garantem sua existência. Nesse sentido, seu substrato é a própria vida das pessoas; sem o alimento cotidiano fornecido por elas, as redes seriam estáticas e perderiam seu propósito9.

Entretanto, cabe explorar o vínculo existente entre esses modos de socialização e a lógica da sociedade de consumo, com seu imaginário social específico. Se a participação nas redes virtuais de sociabilidade está ligada ao exercício de reflexividade dos indivíduos10, este exercício também é determinado pela lógica social operante, caracterizada por parâmetros determinados de formatação dos desejos.

As linhas seguintes são dedicadas a uma análise sobre esses mecanismos sociais e os modos pelos quais a lógica da sociedade de consumo permeia as formas de sociabilidade virtualmente mantidas.

 

O "eu plástico": sociedade de consumo e sociabilidade virtual

Desde Freud aprendemos que as dinâmicas de socialização não se separam de pulsões individuais e processos subjetivos de investimento libidinal, conflito sobre o qual se edifica a cultura. Daí a gênese da instância repressiva do supereu que, como lembra Vladimir Safatle, teve papel importante para o desenvolvimento da sociedade de produção capitalista graças a sua função de contenção das moções pulsionais. Se é verdade que esse modelo cede lugar a um outro cuja dinâmica encontra-se nas práticas de consumo, isto é, "no sentido de que problemas vinculados ao consumo acabam por direcionar todas as formas de interação social e de desenvolvimento subjetivo" (Safatle, 2008, p. 34), então é possível pensar que a ética do ascetismo, tal como tratada por Weber e outros teóricos da modernidade, cede lugar a uma ética do direito ao gozo11. O discurso social deixa de ser pautado pela repressão ao gozo e em seu lugar há o gozo como imperativo superegoico, no sentido proposto por Jacques Lacan (1975). Os processos de socialização tendem a não mais estarem vinculados a mecanismos de repressão, mas à procura incessante de satisfação imediata, de modo a configurar "uma moralidade libidinal necessária à multiplicidade plástica da sociedade de consumo" (Safatle, 2008, p. 22). Como explica Safatle, "o que o conceito lacaniano de supereu nos indica é a desvinculação geral entre imperativo de gozo e conteúdos normativos privilegiados" (p. 23). Devido à ausência de determinações normativas, a lei do supereu

[...] pode nos ajudar a compreender por que, na sociedade contemporânea de consumo "Magro, bonito e bronzeado" pode facilmente ser trocado, por exemplo, por "doente, anoréxico e mortífero" sem prejuízos para sua capacidade momentânea de mobilização de desejos. (Safatle, 2008, p. 38)

Apesar disso, a fragilidade dos vínculos com os objetos é mobilizada com sucesso pela sociedade mediante a disponibilização de formas vazias que podem ser constantemente reconfiguradas.

O autor toma como objeto privilegiado de sua crítica a publicidade e sua relação direta com a retórica do consumo mediante suas representações do corpo e da sexualidade: "Trata-se da ideia do corpo como interface e superfície de reconfiguração que coloca o sujeito diante da instabilidade de personalidades múltiplas e da desidentidade subjetiva" (Safatle, 2004, p. 4). No entanto, o que procuramos demonstrar neste artigo é que além do corpo como interface de reconfiguração há, a partir da sociabilidade em ambientes virtuais, uma nova forma identitária que permite que a multiplicidade seja administrada graças aos recursos disponibilizados pela tecnologia da informação. Assim, a despeito da ausência da materialidade corpórea nessas interações, é possível reconhecer um mecanismo semelhante de renovação constante de desejos, tão inerente à lógica do consumo quanto necessária para sua reprodução. Tal mecanismo encontra-se presente na demanda das redes sociais por uma contínua renovação da roupagem do "eu" virtualmente expresso.

Essa remodelagem surge como mais uma forma de desempenho do indivíduo: é preciso habilidade com as ferramentas para evitar gafes e constrangimentos nesses ambientes virtuais, nos quais a exposição é massiva. A mudança na "temporalidade" do exercício de apresentação do eu exige treino para garantir o bom desempenho. Na medida em que os papéis virtuais podem ser desempenhados simultaneamente, não só em relação a outros do mesmo ambiente (perfis de comunicadores e redes sociais diversas, gerenciados ao mesmo tempo), como àqueles exercidos nas relações físicas, é necessária habilidade para que as diversas apresentações sejam bem-sucedidas e não se contradigam. Assim, o indivíduo alocado em seu escritório exerce o papel de profissional, enquanto, no computador, conversa com a família pelo MSN, interage com sua namorada em algum mundo virtual, gerencia seu perfil no Facebook e, ainda, administra as informações de seu perfil profissional no LinkedIn. Isto quer dizer que na mesma rede social ele administra uma multiplicidade de contatos e de esferas sociais: família, trabalho, amigos12 e de vínculos ad hoc, com base em interesses diversos. Essa situação parece, portanto, superar a fragmentação das identidades da vida urbana moderna em vários ambientes (doméstico, profissional, religioso, de lazer etc.) ocupados pelo indivíduo em momentos sucessivos. Hoje, para além disso, deve-se possuir a habilidade de gerenciar vários papéis exercidos ao mesmo tempo, de forma análoga ao modo como o popular sistema operacional Windows, da Microsoft, é capaz de administrar suas diversas "janelas" ativas. Conforme aponta Turkle, os usuários de modos de sociabilidade virtuais "podem desenvolver um modo de pensar segundo o qual a vida é feita de muitas janelas, e a vida real é apenas uma delas" (Turkle, 1995, p. 192). Todas essas identidades físicas e virtuais, a serem administradas de forma simultânea, adquirem um elevado caráter plástico, estando sujeitas a uma constante renovação.

A possibilidade de remodelagem ilimitada desses "eus" também se manifesta com vigor na manipulação constante das informações exibidas nos perfis pessoais das RSs e nos MVs. No caso de mundos virtuais como o Second Life, ela aparece, de modo ainda mais nítido, pela formatação absoluta do corpo e do vestuário dos avatares, bem como na configuração de seus gestos e comportamentos corriqueiros.

Ademais, os indivíduos são incitados constantemente a responder perguntas nas redes sociais, sobre o que são, do que gostam, o que fazem e o que consomem. O Facebook, por exemplo, pergunta-nos o que pensamos, o Twitter, o que estamos fazendo e o Foursquare onde estamos. A permeabilidade entre mundo virtual e físico alimenta um fluxo de modelagens do self que é substrato da própria riqueza da rede. Entre os elementos que configuram essa modelagem, há o produto da própria interação; trocando em miúdos, o intercâmbio de recados, comentários e atualizações age como uma baliza, uma orientação para seu exercício. Dessa forma, o processo de modelagem e remodelagem do "eu" nas redes sociais, embora pareça um exercício solitário e individualista, ocorre mediante a interação dos participantes, criando uma reflexividade constante sobre a identidade: adicionando e excluindo amigos, inserindo e retirando fotos, recebendo e escrevendo mensagens, declarações de amor ou ofensas, revelando detalhes do cotidiano, preferências e gostos, o indivíduo mobiliza-se para constituir um retrato de sua vida que se modifica no ritmo em que o imaginário social e o próprio dinamismo das redes requerem.

O que percebemos por detrás dessa fachada de liberdade de desenvolvimento identitário é a constituição de uma forma maleável, pronta a se modificar no ritmo das necessidades de ampliação do consumo. As formas de sociabilidade criadas nas redes sociais e MVs incrementam consideravelmente esse poder de reformulação contínua e rápida da apresentação do eu.

Assim, se a sociedade de consumo incita a renovação constante dos desejos e aspirações, essa renovação estará intimamente ligada à renovação das formas identitárias e de configuração dos selves. As formas de sociabilidade e remodelagem do eu criadas pela internet parecem estar alinhadas com esse processo de um modo inédito em toda a história da indústria cultural – e talvez nunca antes tão eficaz. No Second Life e outros MVs, essa relação parece ainda mais evidente: as reformulações das aparências dos "avatares" são condicionadas à aquisição de inúmeros produtos e subprodutos virtuais – que vão desde partes do "corpo", como cabelos, olhos e órgãos genitais, até itens de vestuário, móveis e imóveis, cujos modelos são vendidos aos milhares em lojas distribuídas em seus ambientes. Assim, não é demandado aos indivíduos que se adaptem às exigências do imaginário coletivo, já que estas são vazias e impalpáveis; é-lhes prometido o gozo pelo consumo direto, mediante a renovação constante dos itens de seu inventário.

Vislumbra-se aqui uma mudança na forma de controle social da conduta. Embora os indivíduos possam realizar mudanças constantes em suas formas de apresentação do eu, de que modo lida-se com o perigo constante de perda da face que, a despeito da supressão do corpo, permanece na sociabilidade virtual? Como mostrou Goffman, os perigos de perda da face estão sempre à espreita; a qualquer momento pode haver um obstáculo que nos faça tropeçar, derrubar objetos, ou esbarrar em pessoas. O corpo exposto é passível de imprevistos que podem ameaçar nossa dignidade. Por isso Goffman percebe que certa forma de controle é introjetada e que cada indivíduo torna-se seu próprio algoz na "prisão da vida social" (Goffman, 2006, p. 10). Como observa Gastaldo, "docilmente nos enquadramos, docilmente lemos os livros que todos lêem, docilmente aceitamos um ordenamento social freqüentemente injusto, desigual. Fazer frente a isso pode 'pegar mal', pode 'ficar chato', pode ser embaraçoso" (Gastaldo, 2008, p. 151). Mas como pensar essa forma de controle interacional diante das mudanças nos processos de sociabilidade que pontuamos aqui? Se formos adiante com o argumento de Safatle de que a tendência das imagens sociais ideais deixa de estar vinculada a representações do "auto-controle sereno" (Safatle, 2008, p. 32) da renúncia pulsional como princípio de conduta, de que forma então o controle sobre as interações se manifesta? Acerca disso, podemos concluir que o controle social continua a ser exercido durante o trabalho da face, já que permanecemos tendo medo de perdê-la nas interações online. A diferença é que a instância repressiva do controle passa a operar em conjunto com uma instância de incitação dos impulsos individuais. Assim, o indivíduo tem sempre dupla missão, contraditória e potencialmente dilacerante: manter a face e ainda assim gozar; manifestar-se, mas ter cautela; parecer "espontâneo", embora agindo de modo calculista.

A esse respeito, cabe destacar o desenvolvimento recente de uma série de recomendações de "netiqueta" e de cuidado com a exposição de intimidade nas redes sociais, que têm se disseminado pela mídia e entre os próprios usuários13. Mais do que nunca, recomenda-se que se tenha cautela ao divulgar opiniões pessoais e informações íntimas nas redes, comumente tratadas como espaços privados. Como tais informações sempre correm o risco de serem consultadas e difundidas por indivíduos "indesejáveis", ocorre a possibilidade real da perda da face em várias esferas; relações amorosas, profissionais e de amizade podem ser dissolvidas caso alguma informação comprometedora difundida na rede mundial de computadores alcance o monitor errado.

Essas recomendações de cuidado na sociabilidade virtual são internalizadas como uma forma de controle dos impulsos. Assim, cada indivíduo, preocupado com as possibilidades de perda da face, torna-se seu próprio fiscal, regulando seu desejo de gozar livremente, incitado pela sociedade de consumo.

Não é à toa que, cada vez mais, se tem notícia de pessoas reclamando a retirada de conteúdos que elas mesmas postaram na internet e depois se arrependeram (como antes mencionado a respeito do "direito de ser esquecido"). Se a todo instante somos incitados a responder perguntas sobre nós, é previsível que em algum momento possamos nos arrepender de algumas delas. Antes das redes sociais, apenas as celebridades sentiam os efeitos de uma vida privada tornada pública. Hoje, conforme se exibe para uma multidão de amigos ou seguidores, o indivíduo pode sentir que desperta o interesse e é amado por muitos, como tais celebridades. Mas ele também corre o risco de perda da face, caso haja rejeição.

A ansiedade gerada com a expectativa de quantas pessoas irão "curtir" as mudanças e pela possibilidade da desaprovação online é compensada pelo gozo da aprovação. No entanto, e aí reside a dialética da experiência de sociabilidade nas redes sociais, o próprio gozo não impede a posterior perda da face e o arrependimento. Afinal, o fato de um dado símbolo exibido ter sido aprovado em um certo contexto, não impede que resulte em desaprovação e na destruição da reputação individual em uma outra situação ou esfera social. Fazer comentários sobre a própria boemia pode causar uma boa impressão sobre os amigos, mas péssima sobre seus superiores no ambiente profissional.

É importante ressaltar que a aprovação é submetida à lógica da quantidade: o número de seguidores no Twitter, o de amigos no Facebook, de quantas pessoas "curtiram" suas postagens, ou gostam de determinada marca. A própria amizade, submetida a essa lógica, torna-se objeto de fetiche, como a própria forma mercadoria. Conforme afirma Rosana Hermann sobre o Twitter:

Grande número de seguidores causa uma impressão de poder, não só aos visitantes, mas até para o Twitter. O número de seguidores, que faz a pessoa parecer "importante", tem tanto valor de mercado que há várias ofertas de compra e venda.
Aquele tempo ingênuo, quando Roberto Carlos sonhava em ter "um milhão de amigos", acabou. Hoje é possível conquistar, aliciar, permutar ou até comprar um milhão de amigos, embora a palavra "amigo" aqui seja bastante questionável. (Hermann, 2011, p. 42)

Nas redes sociais fazemos amigos com a mesma facilidade com que compramos produtos. Os próprios sites encontram pessoas que possamos conhecer ou com quem possamos ter algum tipo de afinidade. A partir do número de amigos em comum e das informações que disponibilizamos a nosso respeito, eles nos oferecem possíveis amigos para ampliarmos nossos contatos. O mesmo procedimento é utilizado por sites de compras online e fornecedores de anúncios para nos oferecer produtos e serviços. O desejo nunca pareceu tão previsível. Mas, afinal, o que todos esses convites para fazer amigos, dizer o que se pensa, aonde se vai e comprar mercadorias representam? Parece lógico pensar que, se as pessoas gastam grande parte de seu dia dedicadas a essas atividades14, é porque delas extraem algum tipo de satisfação. No entanto, o que se nota é justamente a impossibilidade de satisfação. Há apenas a ilusão do desejo realizado e sua constante substituição por outros desejos. Os amigos adquiridos nas redes sociais, as partes do corpo substituídas no Second Life e toda a aprovação que parecemos obter desse universo simbólico não podem gerar satisfação. São apenas modos de administrar o gozo. Como afirma Safatle:

[...] devemos pensar aqui na tese de que a incitação e a administração do gozo transformaram-se na verdadeira mola propulsora da economia libidinal da sociedade de consumo, isto ao invés da repressão própria à sociedade da produção. (Safatle, 2008, p. 36)

A aparente liberdade que esses veículos oferecem, conduzindo à ideia de que finalmente é possível "ser o que quiser", nada mais é do que a forma do puro gozo desvinculado dos objetos que, por sua vez, estão condenados à contínua obsolescência. Porém, acreditamos que a incitação ao gozo não elimina o convívio contraditório com formas de autocontrole sobre os impulsos, pautados pelo medo da desaprovação social. O que aparenta ser o cerne de uma sociedade não-repressiva, por aparentemente permitir uma liberdade nas formas identitárias, revela-se subordinado ao imperativo de gozar, aliado a uma força contrária que permanece como instância repressiva dos impulsos. Enquanto lidamos com a ansiedade resultante dessa contradição, buscando um gozo que não nos ameace, os sites de sociabilidade online garantem que o preço de suas ações continue a crescer vertiginosamente15.

 

Referências

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Endereço para correspondência
MARIANA ZANATA THIBES
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E-mail: mariana.thibes@usp.br

PEDRO FELIPE DE ANDRADE MANCINI
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Recebido: 13/04/2012
Aceito: 26/10/2012

 

 

* Doutoranda do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
** Mestre em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
1 Trabalho derivado das dissertações dos autores defendidas no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo e também das discussões desenvolvidas no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Sociabilidade Contemporânea (GREPSC), na mesma universidade.
2 As siglas RS e MV serão utilizadas como correspondentes aos termos "Rede Social" e "Mundo Virtual", respectivamente.
3 A noção de "manipulação da identidade" foi criada pelo sociólogo Erving Goffman em seu livro Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (1988) para se referir às estratégias que os portadores de alguma espécie de estigma utilizam para interagir com pessoas consideradas normais pela sociedade. Embora a noção seja mobilizada para tratar do estigma, o autor deixa claro que a manipulação da identidade é um recurso presente, em diferentes medidas, em todas as interações sociais. Ver capítulo "Controle de Informação e Identidade Pessoal", pp. 51-115.
4 O conceito de "face" é definido por Erving Goffman como "o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha por ela tomada durante um contato específico" (Goffman, 1988, pp. 76-77). Como observa Gastaldo, "Goffman chama de 'face' algo mais do que o rosto, toda a fachada que sustenta um indivíduo. O trabalho de face é o esforço que cada um de nós faz para manter-se à altura da dignidade que projetamos sobre nós mesmos, à altura do tratamento que acreditamos merecer por parte dos outros" (Gastaldo, 2008, p. 151).
5 Houve caso recente de um ex-diretor comercial da empresa Locaweb, patrocinadora do time de futebol São Paulo F.C., que fez comentários difamatórios sobre este clube no Twitter por ser torcedor do time rival, o Corinthians. Os comentários foram divulgados pela mídia e o ex-diretor foi demitido da empresa. Ver, por exemplo, revista InfoOnline, matéria "Tuíte causa demissão de diretor da Locaweb", 30/03/2010. Casos assim tornam-se cada vez mais frequentes em razão da dificuldade de se perceber que, enquanto o corpo está na esfera privada, as ações realizadas online estão em âmbito público.
6 Projeto de lei em curso no parlamento da União Europeia propõe que as pessoas tenham o direito de serem esquecidas ("the right to be forgotten", como o projeto ficou conhecido). Esse direito garantiria que as pessoas pudessem dizer aos websites que corrigissem ou apagassem dados pessoais sobre elas.
7 Como explica Richard Sennett em A cultura do novo capitalismo, o fim das burocracias e corporações fixas cedeu lugar a um universo de condições sociais instáveis e fragmentárias, com relações e expectativas de curto prazo, migrações de uma tarefa para outra, e de um lugar para outro. No âmbito do consumo o que há são desejos fugazes, nunca satisfeitos. Quanto às implicações para a identidade, "o indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida, e mesmo a se virar sem um sentimento constante de si mesmo" (Sennett, 2011, p. 13).
8 Calligaris, C. (2010, 23 de setembro). Felicidade nas telas. Folha de S. Paulo, São Paulo, Ilustrada. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2309201026.htmhttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2309201026.htm
9 Pesquisa divulgada pelos institutos de pesquisa Oxygen Media e Lightspeed Research em julho de 2010 demonstrou o quanto o uso de redes sociais pode ser objeto de compulsão: das 1.602 mulheres de 18 e 34 anos que foram entrevistadas, 40% consideram-se "viciadas" no Facebook e 26% admitiram levantar no meio da noite para verificar atualizações em suas redes.
10 Ver Giddens, A., Beck, U., Lash, S. (1997), Modernização reflexiva. Nesse livro, os três autores discutem a noção de modernização reflexiva. Na introdução do livro, Ulrich Beck define a modernização reflexiva como a "possibilidade de uma (auto)destruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial. O sujeito dessa destruição criativa não é a revolução, não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental" (p. 12). Dentre as consequências desse processo, ocorre que "fontes de significado coletivas e específicas de grupo (por exemplo, consciência de classe ou crença no progresso) na cultura da sociedade industrial estão sofrendo de exaustão, desintegração e desencantamento. Estas deram apoio às democracias e às sociedades econômicas ocidentais no decorrer do século XX e sua perda conduz à imposição de todo esforço de definição sobre os indivíduos. [...] As oportunidades, ameaças, ambivalências da biografia, que anteriormente era possível superar em um grupo familiar, na comunidade da aldeia ou se recorrendo a uma classe ou grupo social, devem ser cada vez mais percebidas, interpretadas e resolvidas pelos próprios indivíduos" (p. 18).
11 Como explica Safatle sobre o "gozo", "a psicanálise trouxe uma noção absolutamente particular de cálculo de interesse, uma noção profundamente não-utilitarista. É tendo isto em vista que psicanalistas como Jacques Lacan insistiram que a inteligibilidade da dinâmica pulsional dos sujeitos não está vinculada à lógica polar do prazer/desprazer. Tal inteligibilidade exige a introdução de um outro campo conceitual com sua lógica própria, um campo que desarticula as distinções estritas entre prazer e desprazer. Este campo organiza-se através de uma noção bastante peculiar de 'gozo'. Neste contexto, 'gozo' não significa o usufruto dos bens dos quais sou proprietário, mas algo totalmente contrário, uma perspectiva de satisfação que não leva mais em conta os sistemas de defesa e controle do Eu, perspectiva que flerta continuamente com experiências disruptivas, ou ao menos com a 'retórica' da transgressão [...]. Como veremos, isto talvez nos explique uma certa tendência contemporânea em utilizar o gozo como conceito chave para compreender a economia libidinal própria à sociedade de consumo" (Safatle, 2008, pp. 2-3).
12 Mesmo a categoria "amigos" torna-se bastante complexa, pois na mesma rede social há os amigos de infância, do trabalho, de outros círculos sociais mais próximos e mais distantes, colegas e pessoas desconhecidas com quem só se interage virtualmente. Gerenciar o que será exibido para cada uma dessas categorias é um trabalho bastante difícil e, com frequência, malsucedido, como mostra o exemplo do ex-diretor da empresa Locaweb, citado anteriormente.
13 A organização sem fins lucrativos Safernet traz um exemplo a esse respeito, com uma lista de 18 recomendações sobre como se comportar "adequadamente" na virtualidade – conselhos que abordam desde modos mais "educados" de enviar e-mails ou mensagens particulares em redes sociais até formas polidas de se portar em um chat ou fórum público (www.safernet.org.br/site/prevencao/glossarios/netiqueta), de modo que se proteja tanto a própria face quanto a dos demais usuários com quem se interage.
14 Pesquisa realizada em março de 2011 pela agência Experian Hitwise mostrou que no Reino Unido o acesso a redes sociais superou pela primeira vez os sites de entretenimento, como os que possuem conteúdo pornográfico, por exemplo. No Brasil, pesquisa feita pelo Ibope mostrou que 72% dos brasileiros já incorporaram o hábito de acessar redes sociais.
15 O Facebook, por exemplo, cujo valor estimado em setembro de 2010 variava entre 23 e 33 bilhões de dólares, passou a valer cerca de 50 bilhões de dólares em 2011, após receber investimentos do grupo americano Goldman Sachs e da empresa russa Digital Sky Technologies.