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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.36 no.56 São Paulo jun. 2013

 

EM PAUTA - FÉ E RAZÃO

 

Uma neurose demoníaca do século XXI

 

A case of demonic neurosis in the XXI century

 

 

Orlando Hardt Junior*

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O tema da alteridade é abordado segundo sua ocorrência no texto freudiano Uma neurose demoníaca do século XVII (1922), e confrontado com as contribuições teóricas de pensadores como André Green e Marcuse, entre outros. A arte, muitas vezes ligada a um pacto faustiano, é observada como portadora da alteridade em uma sociedade.

Palavras-chave: Alteridade, Arte, Criatividade, Cultura, Sinistro.


ABSTRACT

The theme of alterity is approached according to its occurrence in the Freudian work A case of demonic neurosis in the seventeenth century (1922), and confronted to the theoretical contributions of thinkers like André Green and Marcuse, among others. The art, often linked to a Faustian pact, is seen as the bearer of alterity in a society.

Keywords: Alterity, Art, Creativity, Culture, Sinister.


 

 

Introdução

Sob o título Uma neurose demoníaca do século XVII (1923/1976b), Freud, nos derradeiros meses de 1922, dedicou-se a estudar um fato histórico. Tratava-se do pintor Christoph Haizmann, que apresentou um quadro clínico curioso: uma neurose demonológica. Em agosto de 1677 o artista sofrera convulsões e admitira ter feito um pacto com o demônio. Teria se comprometido, por escrito, a entregar-se de corpo e alma para Satanás após um prazo de nove anos, que expiraria em setembro de 1677.

[…] ao passo que as neuroses de nossos pouco psicológicos dias de hoje assumem um aspecto hipocondríaco e aparecem disfarçadas como enfermidades orgânicas, as neuroses daqueles tempos surgem em trajes demoníacos e se tivesse concedido maior atenção às histórias de tais casos na época não teria sido difícil retratar neles o tema geral de uma neurose. (Freud, 1923/1976b, p. 91)

O alerta de Freud reproduzido acima equipara, de maneira clara e sensível, as neuroses ao diabólico outro que cada um porta dentro de si próprio, e propõe algo que nos nossos pouco psicológicos dias de hoje é evidente: o corpo como objeto estranho ao sujeito.

Na Idade Média, desejos considerados pecaminosos eram atribuídos ao demônio, mas desde o advento da Psicanálise percebemos que o demônio não é um outro que toma o corpo do sujeito, mas o próprio sujeito. Eliminamos esta projeção ao aceitarmos a ideia de inconsciente e do descentramento do próprio desejo.

Na segunda parte deste artigo, Freud escreve que o motivo para tal pacto com o demônio fora a tentativa do pintor de libertar-se de um estado depressivo e da perda da capacidade artística causadas pela morte de seu pai. Desejava um pai substituto, uma chance de recuperar aquilo que perdera. Assim, o pintor estaria ligado ao demônio como um filho durante nove anos seguidos: o período de uma infância.

Numa primeira aparição, o demônio teria se apresentado como um bom cidadão, honesto, de barba castanha, usando capa vermelha e com um bastão e um cão preto ao seu lado. Aos poucos, este demônio vai se tornando horripilante, adquire chifres, enormes garras de águia, e a capa transforma-se em asas de morcego. Posteriormente em outra aparição, desta vez na capela, ganha a forma de um dragão alado com seios balouçantes. Se Deus é a representação do pai, o Demônio, sua antítese, não lhe é tão distante, sendo até muito próximos em sua natureza. Talvez idênticos.

Freud chama a atenção para o fato de que a figura do demo apresentava dois seios, atributos femininos. Isto seria um indício da atitude feminina do pintor em relação ao pai, que, somada aos nove anos de duração do pacto, culminaria na fantasia do artista de dar um filho ao demônio. O posterior curso da neurose do pintor acabou demonstrando que o vínculo feito com o diabo não o havia ajudado. Após a morte paterna sentia-se incapaz de prover-se e finalmente ao ingressar na ordem religiosa, o pintor colocou fim às necessidades materiais e em sua luta interior. As convulsões desapareceram após a devolução do pacto e Freud concluiu que tudo aquilo que o pintor mais desejava era tornar sua vida segura, o que de início o artista procurou no demônio como substituto do pai, mais tarde encontrou nos padres (Deus) que o aceitaram em seu mosteiro. A miserável situação de Christoph Haizmann não teria provocado uma neurose demonológica se sua necessidade material não tivesse agravado o seu anseio paternal.

Tomaremos este texto freudiano que oferece vasto material e elementos fundamentais para pensarmos sobre a alteridade, essa estrangeira provocante que traz consigo o germe do sentimento de incerteza, do não saber sobre si. Torna a identidade flutuante enquanto as significações e os conceitos do indivíduo se metamorfoseiam. Faz com que surjam interrogações ao invés de afirmações. Segundo Shacobinski "cada novo ato faz surgir um novo eu, sobre o qual não pesa nenhum passado" (citado por Matos, 1997, pp. 78). O sujeito enfrenta o heteros até a alteridade maior: a morte.

Voltando à afirmação de Freud que usamos no início deste artigo, percebemos que a doença psíquica recai, muitas vezes, sobre o corpo, identificado, assim como o demônio, com o estranho, àquele ao qual estamos sujeitos. O estranho a nós, em nosso próprio corpo, o diabólico que nos transpassa, não seria a sexualidade? Não seria esta a marca da alteridade que nos penetra?

Como marca da alteridade, a sexualidade se impõe à medida que implica a ideia de complementaridade do sujeito nas várias etapas de sua vida (Green, 1997, pp. 229-233). É através da diferença introduzida pela sexualidade que o homem inicia-se no imaginar, assim, a sexualidade seria a "fundante" da alteridade.

Se concebermos uma imagem paradigmática que represente a essência da alteridade, esta será a Esfinge no exato momento em que ela e Édipo se confrontam, se interrogam mutuamente e se espantam. Neste momento de vida e morte, que se repete com cada ser humano e sua própria esfinge, é que se é seduzido, ameaçado, saciado, produzindo-se sentidos e descobertas...

O filósofo Herbert Marcuse encontrou na literatura sua maneira de trabalhar com o tema da alteridade, confrontando a sensibilidade artística com as estruturas organizadoras do denominado mundo real. Conhecida como Der Deutsch Kunstlerroman (O romance do artista alemão), sua tese de doutorado desenvolveu-se sobre a separação entre arte e vida, a dissonância entre o mundo da arte e o mundo da vida real. A riqueza da imaginação e da criatividade humana será sempre vista em conflito estético e social com a "realidade". O "romance do artista" acontece pelo fato de que o artista possui um estilo de vida particular, e isto foi tomado como evidência de que outras maneiras de viver na sociedade não são adequadas ao viver do artista que é tratado na tese como um tipo filosófico especial.

Analisado por Marcuse como um caso particular do romance de formação (Bildungsroman), o chamado Kunstlerroman tem como herói um artista, e o complexo de situações e eventos que nele se desenrolam referem-se ao desenvolvimento da autoconsciência deste artista e de um modo de vida essencialmente estético e à tensão que tal especificidade provoca no próprio sujeito e no mundo à sua volta, o dos homens comuns que o cercam (Menschentum). A diferença entre arte/vida, essa separação, segundo Marcuse, causaria "o sofrimento e a solidão do artista, sua luta por uma nova comunidade" (Marcuse citado por Kangussu, 2005, p. 347).

A arte e a realidade convivem num terreno pantanoso do qual é difícil determinar os limites. Em qual momento, e sob quais circunstâncias, a ilusão criativa passa a ser uma alucinação aprisionante?

Voltando ao texto de Freud, podemos pensar que algo semelhante ocorreu ao pobre, ou empobrecido, Christoph Haizmann. Após a morte do pai, sentindo-se desamparado psiquicamente, não encontra mais condições para criar, sua vida passou a diferir daquela da sociedade em que vivia, quando sua arte não era mais imanente à vida, quando o artista tornou-se um tipo humano e social, cuja essência permanecia fora dos limites da sociedade estabelecida, estranho a si mesmo, a ela; em êxtase, raiva ou desespero surge o vínculo do artista com o demônio.

É neste ponto que se faz o pacto faustiano entre o pintor e o demônio. A substância da vida de um artista é a beleza, e a forma é a alienação, entendida aí como a impossibilidade de integração no dia a dia comum do século XVII. O pintor é apresentado por Freud como um órfão que sofre em um mundo antagônico à experiência de criação estética, e como portador de uma sensibilidade inábil em integrar-se ao modo de vida de sua pequena cidade natal. Em busca da integração, procura uma forma de vida que "resolva a oposição entre o espírito e a sensualidade, a arte e a vida, a existência artística e o mundo em volta" (Marcuse citado por Kangussu, 2005, p. 346).

O desejo de ultrapassar esse sofrimento mental é ativado pela ideia da existência de um estado anterior de harmonia entre subjetividade artística e mundo exterior, forma e realidade, sujeito e objeto. Ainda segundo a tese marcuseana, este tipo de ficção do Kunstlerroman é definida quando acontece um contraponto, em um estágio primevo da civilização, quando era ainda ignorada a oposição entre a vida e a forma. A interpenetração da arte e da vida só pode existir se a vida for vivida efetivamente como ideia e como espírito, escreve Marcuse, "mas desde que o mundo daqui de baixo foi dessacralizado, o espírito se ressente de sua carne como uma incongruência e uma limitação e aspira a se arrancar à realidade entrando, assim, em conflito com ela" (Marcuse citado por Kangussu, 2005, p. 347).

O preço da transcendência que a obra de arte é capaz de propiciar aos sujeitos fruidores é a alienação daquele que a produz. Simultaneamente, a vida se realiza e se aliena nas formas estéticas. Na aproximação acima, o artista seria aquele que sempre solicitaria um campo novo para criar, um ser reflexivo que solicita um tradutor para a abertura, para a visibilidade da alteridade.

 

O outro mim mesmo

A alteridade deflagrada no interno do sujeito sempre estará presente numa relação atualizada, sempre alguma coisa ou alguém denunciará a diferença na qual o indivíduo estabelecerá uma estranheza, depositará uma esperança, expectativa de alívio ou cura da sua dor. Assim como alguém que busca análise, insatisfeito com o arsenal que tem sobre si, supõe que algum outro saiba ou possa mais que ele. O mesmo ocorreria neste pacto demoníaco. Consideramos que o pacto que Christoph Haizmann fez, era uma necessidade para um encontro, um desesperado modo de busca, um movimento criativo para a captura dessa diferença ou do outro em si mesmo, que surgiu como estrangeiro.

Foi na feitura de um pacto escrito com tinta, depois com sangue, que se deu a evidência da alteridade do artista manifestada de forma bizarra. Este pacto faustiano propiciou alguma percepção da alteridade e implicou algum efeito de transformação. Foi através dessa introdução, a figura do demônio, que o artista percebeu uma transformação em sua vida mental, e entrou em contato com representações próprias que lhe apareceram como um estranho. Este material estranho seria a atualização do inconsciente, que nas palavras de Versiani e Celes é um "outro mim mesmo".

Convivendo com o conteúdo de um outro mim mesmo que desconhecia, que lhe foi revelado por esse vínculo, vieram à tona conteúdos anteriormente recalcados, e uma reaproximação de uma parte deste outro mim mesmo do pintor.

Em 1919, no texto O estranho, é discutida a ambiguidade. Neste texto Freud coloca que heimlich pertence a dois conjuntos de ideias que mesmo sendo contraditórias são bem distintas. Se por um lado significa familiar, por outro lado é o oculto mantido longe. Segundo Freud, "quando complexos infantis que foram recalcados seriam novamente revividos por alguma impressão, ou quando crenças primitivas que foram superadas parecem ser confirmadas novamente" (Freud, 1919/1976a, p. 249).

Em português, isto também ocorre, como foi reparado por Pedro Luzes (citado por Bégoin, 2005, p. 127). A palavra alter pode ser entendida de duas maneiras muito distintas: como diferente mas também semelhante, como em alter ego. O mesmo mecanismo de estranho/familiar está aqui contido e nos permite entender alteridade "como caráter que é outro que não o si-próprio, mas também como reconhecimento da existência do outro enquanto diferente do si-próprio, ao mesmo tempo que continua a ser mais ou menos semelhante" (Luzes citado por Bégoin, 2005, p. 127). O outro sentido para alter é o de alienus, entendido como completamente diferente, alienado, no sentido de heimlich, quando predominaria o processo de clivagem e exclusão.

Segundo Versiani e Celes (2006, p. 62), o reconhecimento remeteria de uma só vez ao familiar e ao estranho. O indivíduo se apropriaria do que lhe pareceria estranho tornando-o familiar, assim como se depara com o oculto naquilo que sempre havia lhe parecido familiar. Essa seria, segundo este autor, uma das dimensões do reconhecimento da alteridade, com a ressalva, porém, de que seria duvidoso reduzir somente a isso todo o trabalho do reconhecimento da alteridade.

Se considerarmos "que todo recalcado supõe um outro mim mesmo e um outro em mim" (Versiani & Celes, 2006, p. 62), podemos considerar que o conteúdo recalcado do sujeito seria a sua contribuição para a alteridade que se constrói à medida que certos conflitos infantis estariam sendo colocados em cena.

Quando Freud, no texto, pergunta aos leitores "por que deveria seu pai após ser reduzido à condição de demônio portar esta marca física da mulher?" (Freud, 1919/1976a, p. 115) (os seios), Freud faz um raciocínio clínico sobre castração, e termina mencionando a teoria de Alfred Adler sobre o "protesto masculino".

À medida que fomos pesquisando sobre alteridade, nos ocupamos da tese de Jacques André (1996), que nos propõe a hipótese da "feminilidade primária", que apresenta a alteridade como feminina baseado na concepção da "sedução originária" (Laplanche, 1988), continuando o caminho que Freud iniciou. Em seus escritos As origens femininas da sexualidade, o investigador Jacques André postula que a base do outro é o feminino, que a qualidade da alteridade provém da abertura amorosa introduzida pela mãe, mediada pela sedução. Tema esse que foi estudado por Laplanche em 1988 sob o título sedução originária, que consta de "uma situação fundamental em que o adulto propõe à criança significantes impregnados de significações sexuais inconscientes" (André, 1996, p. 11).

André propõe que a alteridade é feminina, que o feminino é o outro. E, textualmente, "a feminilidade é a própria qualidade da alteridade ou a abertura (amorosa) para esta" (André, 1996, p. 11). E a compreensão freudiana sobre o pintor C. H.:

[…] é perfeitamente compreensível que se tenha voltado para a imagem da mãe em busca de auxílio e salvação. Essa é razão de haver declarado que apenas a Santa Mãe de Deus de Mariazell poderia libertá-lo de seu pacto com o demônio, e de haver obtido sua liberdade mais uma vez no dia da Natividade da Mãe (8 de setembro)... (Freud, 1919/1976a, p. 116).

Nos estudos sobre histeria há algumas descrições de que algo de demoníaco, irrepresentável precisa ser exorcizado, algo como uma possessão. Mas nesse texto a que aludimos, Freud postula a existência de uma alteridade que não se representa, uma marca convertida no corpo resultante de um ataque do "outro" corpo estranho interno. Neste texto freudiano sobre o qual nos debruçamos, há uma preocupação de Freud com este outro "estranho invasor demoníaco" como parte entranhada do artista.

 

O enigma do demônio

Assim como o Demônio surge de onde menos se espera, o mesmo ocorre com a alteridade. Segundo Figueiredo (1998), citando Laplanche, ela surge na absoluta proximidade, por isto é tão espantosa e teria estas qualidades de demoníaco. A alteridade é simultânea ao surgimento do si próprio.

Segundo Laplanche, a criança ao se defrontar com a densidade do mundo adulto, um mundo invasivo, complexo, intraduzível, percebe-o enigmático assim como é a fala dos oráculos, e assim é posta a capacidade simbólica da criança. Mas aquilo que não foi suficientemente traduzido e está ainda intraduzível para essa criança, permanece atraente e impenetrável, gerando uma "pulsão tradutiva" que produzirá tentativas de compreensão.

Um homem que caiu em melancolia por causa da morte do pai deve realmente ter gostado muito dele. Se assim foi, no entanto é muito estranho que esse homem tenha tido a ideia de aceitar o Demônio como substituto do pai que amara. (Freud, 1919/1976a, p. 105)

Segundo Figueiredo (1998, p. 65), as circunstâncias como perda ou luto promoveriam movimentos "de-tradutivos" ou de "destecimento", desligamento dos elementos de uma trama, ou seja, provocariam uma análise no sentido preciso do termo. Esta trama promoveria uma resistência para a emergência de elementos excluídos como resíduos não traduzidos, corpos estranhos, objetos fonte de pulsão.

O acúmulo de enigmas forma uma entropia que implementa no sujeito a necessidade de um trabalho de tradução, trabalho este sempre imperfeito e de um entendimento precário, que permite assim a emergência de recalcados estranhos e enigmáticos.

 

Comentários

Conseguimos alguns elementos para dizer que somos todos artistas, ou melhor, pintores como Christoph Haizmann, cujo trabalho não é a expressão de um sentido, "mas o da sua impressão num suporte" (Merleau-Ponty citado por Frayze-Pereira, 1994). Também somos um pouco da tela antes que ela se exprima. Mais adiante o filósofo concluirá que "o pintor é um homem em serviço que toda manhã detecta no aspecto das coisas a mesma interrogação, o mesmo apelo a que jamais terá conclusivamente respondido. Aos seus olhos a obra nunca está terminada, mas sempre em curso […]"(Merleau-Ponty citado por Frayze-Pereira, 1994). Talvez, como Christoph Haizmann, surpresos, percebemos que a alteridade mais surpreendente é a nossa própria e não a do outro. O inaudito da alteridade é que ela faz parte deheimlich e do estrangeiro que está próximo demais para ser captado inteiramente e assim ser dominado ou compreendido.

A alteridade se estabelece nos primórdios da infância quando predomina a fragilidade humana e ela será então responsável pelas nossas relações, confrontos e humanização. Todos trazemos demônios conosco. Isto não foi um privilégio de Fausto ou de Christoph Haizmann. A alteridade constitui a capacidade de investimento de si e do outro reconhecido como um sujeito distinto. A alteridade é fundamental para o reconhecimento do estético quando ainda o bebê está no colo da mãe, mas num caso de ausência do desenvolvimento da alteridade, como no caso relatado por Freud, o pintor estaria preso em um estado de alienação psíquica que manifestaria assim o desespero de não desenvolver-se a sua personalidade ou a criatividade.

As aparições horrendas demoníacas, esta agonia psíquica, segundo Freud, seriam devido à angústia, ou à transformação direta da libido não utilizada. Na verdade, a libido não pode ser investida se as condições de alteridade e de reciprocidade não foram suficientemente boas. Essas aparições ocorreriam devido ao surgimento do sentimento de terror, que pode ser considerado como a mais extrema repulsa possível de experiência da visão da nossa morte psíquica. O demônio decorre do fato de não terem surgido condições de um crescimento psíquico, algum núcleo de desespero recalcado retorna como estranho e neste caso concluímos, como Freud, que todo o sofrimento psíquico de C. H. era de natureza depressiva, pois era essencialmente um sofrer por não conseguir desenvolver um investimento de si em relação com o outro.

 

Referências

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Endereço para correspondência
ORLANDO HARDT JUNIOR
Av. São João, 660, sala 40
12242-560 – São José dos Campos – SP
tel.: 12 3922-7931
E-mail: orlandohardt@yahoo.com.br

Recebido: 15/04/2013
Aceito: 17/05/2013

 

 

* Membro da SBPSP.