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Ide

versión impresa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.36 no.57 São Paulo jun. 2014

 

EDITORIAL

 

 

Caro leitor

O tema desse número da ide surgiu para o Corpo Editorial no calor das manifestações de junho de 2013. A grande obra de Elias Canetti e o texto de Freud sobre a psicologia das massas consolidaram o nosso tema: Massa e Poder. Desde então, muito foi escrito e falado sobre esses movimentos que surpreenderam a todos. Apesar disso, o leitor poderá aprofundar ainda mais sua reflexão sobre esses movimentos, assim como sobre o conceito de formação de massa em Freud e em Canetti. Contamos com dez artigos temáticos que abordam todas essas questões, de diferentes pontos de vista.

Proponho nesse editorial uma breve travessia do tema a partir dos artigos deste número da ide. Comecemos pelo texto de Julián Fuks, que apresenta uma visão de quem viveu a experiência a partir do interior das manifestações de junho. O autor nos mostra, já com uma certa distância, os efeitos sobre sua subjetividade desses fenômenos sociais, levantando uma série de questões que muitos de nós talvez também pudéssemos ter pensado naquele momento. Em seguida, o leitor se deparará com uma densa reflexão do conhecido psicanalista e pensador Joel Birman, trazendo a ideia de "multidão", na qual, diferentemente da massa, se mantém a singularidade de cada indivíduo. Outro aspecto abordado por Birman foi o da descentralização e horizontalização dos grupos que participaram das manifestações de junho. O autor também apresenta o conceito de "sujeito da diferença" e suas relações com a alteridade e o "narcisismo das pequenas diferenças" (Freud).

O artigo de Joana Salém Vasconcelos, "Entre a guerra social e a crise da política", vai impressioná-lo, caro leitor, pelos dados estarrecedores sobre a gravidade da violência no Brasil, como por exemplo esses: os assassinatos por arma de fogo aumentaram 502% de 1980 a 2010, enquanto o crescimento demográfico foi de 60%, e a população mais atingida são jovens entre 15 e 29 anos, a maioria negros ou afrodescendentes. Além do interesse em divulgarmos esses dados, Joana nos trouxe uma reflexão bastante interessante sobre nossa situação política e social atual.

Outros três artigos apresentam uma interessante reflexão sobre o conceito de massa. Camila Salles Gonçalves desenvolve uma densa reflexão sobre a relação entre massa e práxis. Eunice Nishikawa faz uma interessante leitura da obra Massa e poder de Canetti, correlacionando-a com uma sutil análise do filme 2001: Uma odisseia no espaço e com o texto das Memórias de um doente dos nervos de Schreber e a questão da paranoia. Também inspirada por Canetti, Esther Hadassa Sandler nos fala da relação entre este e o pensamento de Freud. A autora nos apresenta uma pérola na entrevista que Adorno fez com Canetti.

O arquiteto e urbanista Jorge Ricca Junior reflete sobre o lugar da fala na cidade, apresentando a oposição prédio/praça e o panorama dessa questão nas cidades brasileiras. O colega lacaniano do Rio de Janeiro, Claudio Kayat Bedran, trata da relação entre a homogeneidade das massas e o singular do desejo, analisando a questão da manipulação das massas pela mídia tradicional e o papel das novas mídias digitais. Também aborda as diferenças e semelhanças entre as últimas manifestações populares no Brasil e as do passado.

Leda Herrmann nos permitiu publicar a última conferência do nosso querido Fabio Herrmann, na qual ele nos mostra que o poder não corrompe, mas revela!

Terminando nossa seção temática, contamos com a colaboração da atriz Clarice Niskier que, numa crônica, nos fala de sua vivência entre o acompanhamento para a morte de uma grande amiga e as manifestações que se desenrolavam fora do hospital. Esse texto é uma homenagem que Clarice e nós fazemos a nossa colega do Corpo Editorial da ide, Débora Seibel, falecida em julho de 2013.

Além desses inúmeros e interessantes textos temáticos, contamos nesse número com três artigos de grande peso. Quatro autores, num artigo denso e muito pertinente, nos apresentam uma reflexão crítica sobre psicanálise e homossexualidade. Reflexão esta que se baseia numa perspectiva foucaultiana e faz uma análise dos movimentos históricos e conceituais de apropriação e de desapropriação médico-moral da homossexualidade pela psicanálise. Os autores também analisam essa questão no cotidiano das instituições psicanalíticas.

Num primoroso artigo sobre a obra de Arthur Bispo do Rosario, Solange de Oliveira nos mostra de maneira comovente como a arte pode ser um último meio de expressão diante da dor e da exclusão absoluta. Por fim, terminando nossa seção de artigos não temáticos, contamos com a colaboração de três autores que nos trazem um exercício interpretativo no campo teatral ("um exercício de interpretação psicanalítica em clínica extensa") com uma interessante e original análise da peça de Nelson Rodrigues, Vestido de noiva.

Espero, caro leitor, que essa travessia introdutória desse novo número da ide lhe dê água na boca, visto a riqueza dos artigos que estamos publicando.

Boas leituras, prezado leitor.

 

 

José Martins Canelas Neto
Editor