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Ide

versión impresa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.36 no.57 São Paulo jun. 2014

 

EM PAUTA - MASSA E PODER

 

O sujeito da diferença e a multidão

 

Subject of difference and crowd

 

 

Joel Birman*

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A finalidade deste texto é a de realizar a leitura das últimas manifestações públicas no Brasil, em 2013, para repensar os conceitos de sujeito e de multidão.

Palavras-chave: Sujeito, Diferença, Multidão.


ABSTRACT

The aiming of this paper is to accomplish the reading of the last public manifestations in Brazil, at 2013, for rethinking the concepts of subject and crowd.

Keywords: Subject, Difference, Crowd.


 

 

I. Preâmbulo

A finalidade deste ensaio é a de realizar a leitura das manifestações públicas que, de maneira ampla, geral e irrestrita, marcaram de forma indelével o espaço público brasileiro. Evidentemente, como toda e qualquer leitura, esta é permeada também por uma interpretação, que delineia as linhas de força que a orientam e definem os seus balizamentos fundamentais. Além disso, é preciso enunciar ainda que qualquer leitura tem a dimensão eminentemente crítica, não se restringindo então a ser uma mera descrição dos eventos, para sublinhar uma outra condição teórica e metodológica deste ensaio.

Assim, pode-se afirmar certamente que as manifestações de junho de 2013, no Brasil, relançaram a cena política do país num outro limiar de complexidade e de possibilidade. Neste relançamento foram então reconfiguradas as coordenadas constitutivas do espaço social brasileiro, de maneira a redefinir uma outra leitura sobre a política na contemporaneidade, de forma decisiva e eloquente ao mesmo tempo. Isso porque não apenas foram enunciadas outras concepções sobre a política, que passou a ser diferentemente ritualizada, como também outros atores passaram a se inscrever na cena política, de maneira ativa e decisiva. Enfim, outras vozes foram então inscritas no espaço social.

No que concerne a isso, é preciso enfatizar devidamente que a juventude participou ativamente destas manifestações, de forma a transformá-las efetivamente num acontecimento propriamente dito, com todo o sentido simbólico, histórico e político que implica este conceito. Com efeito, não obstante a participação de outras faixas etárias nestas manifestações de maneira significativa, não há qualquer dúvida de que foram os jovens os que deram o tom para a sinfonia solfejada nas ruas, orquestrando então o dito acontecimento. Enfim, outras possibilidades de enunciação se formalizaram.

É preciso dizer ainda que o acontecimento em pauta foi caracterizado pela surpresa, na medida em que o que ocorreu foi efetivamente inesperado para todos, signo este que evidencia seguramente que as manifestações de junho último foram um acontecimento. Com efeito, ninguém esperava que tais manifestações públicas fossem ocorrer e que assumissem as proporções gigantescas que tiveram. Nem tampouco que a juventude fosse o catalisador crucial destes eventos e seu agenciador fundamental.

Evidentemente, algumas questões fundamentais se impõem para a reflexão, face ao que foi inesperado e surpreendente nestas manifestações. Antes de mais nada, a categoria de massa deve ser colocada em pauta, no sentido que tem este conceito nos discursos da sociologia, da política e da psicanálise. Portanto, a pergunta que se impõe inequivocamente é se podemos ainda denominar a forma que assumiu tais manifestações como uma experiência social de massa. Ou, então, não seria o conceito de multidão, no sentido que Negri e Hardt (2001; 2005) o formularam a partir da filosofia de Spinoza, o que evidenciaria da melhor forma possível o que delineou esta modalidade de agrupamento coletivo, no qual a singularidade dos agentes se manteve o tempo todo incólume?

É preciso considerar ainda, articulada intimamente com a questão anterior, o problema do líder nestas manifestações públicas. Isso porque a posição do líder se transforma radicalmente se o que está em pauta é a organização de massa ou a organização da multidão, onde a polivalência das singularidades implicadas nesta última relança a figura do líder para um outro lugar efetivamente.

Além disso, a outra questão que também se impõe nesta leitura crítica é a posição estratégica do conceito de narcisismo das pequenas diferenças, tal como Freud o enunciou em "Psicologia das massas e a análise do eu" (Freud, 1921/1981), nesta modalidade de manifestação social. A pergunta decisiva que se coloca aqui é como tal conceito se inscreve diferentemente nos registros da massa e da multidão.

Estes diferentes tópicos delineiam e balizam, enfim, o percurso teórico que pretendo realizar neste ensaio.

 

II. Poderes na berlinda

Assim, as grandes manifestações públicas voltaram a ocorrer no Brasil, em junho de 2013, de forma surpreendente. Iniciadas em São Paulo, em decorrência do aumento da tarifa dos transportes públicos, as ditas manifestações se espraiaram, logo em seguida, para as ruas do Rio de Janeiro, com a mesma proporção de pessoas. Se no começo as passeatas contavam com a participação de quatrocentas mil pessoas, nos dias subsequentes ocorreram manifestações com um milhão de participantes.

Certamente, estes não são os números oficiais divulgados pelas prefeituras e pelos governos de São Paulo e Rio de Janeiro, que procuraram subestimar o alto nível de participação dos cidadãos, em nome de seus interesses políticos imediatos e para esvaziar assim as manifestações. Contudo, as avaliações oficiais foram fragorosamente desmentidas pelas mídias corporativas e as mídias não corporativas, que divulgaram os acontecimentos e lhes reconheceram a devida extensão. As imagens na televisão e na internet foram eloquentes sobre isso, pois mostraram efetivamente o mar de pessoas que percorriam e ocupavam as principais artérias dos centros das cidades em pauta.

Porém, se tudo isso já foi inesperado por si mesmo, pelas proporções assumidas pelas manifestações, a outra novidade também surpreendente destas manifestações coletivas foi a sua disseminação imediata para outras cidades brasileiras, onde atingiu igualmente grandes proporções. No que concerne a isso, é preciso dizer que a dita disseminação não ficou restrita somente às capitais dos demais estados do país, mas se deslocou também para as cidades de médio porte, onde uma grande afluência de pessoas foi para as ruas para protestar contra o aumento indevido das tarifas dos transportes coletivos, de acordo com a palavra de ordem do Movimento Passe Livre.

Assim, se o que estava em pauta inicialmente era o aumento da tarifa dos transportes coletivos, porque o índice deste aumento estava bem acima dos aumentos salariais da população e da inflação, é preciso evocar ainda que a qualidade dos transportes coletivos também é péssima. No que tange a isso, é preciso destacar não apenas a má qualidade material dos veículos coletivos, mas também a sua insuficiência, principalmente para os bairros mais pobres das cidades. Com efeito, existe uma distribuição desigual de transportes coletivos nas regiões pobres e ricas das grandes cidades brasileiras. Além disso, é preciso sublinhar ainda o longo tempo que os usuários perdem por dia para chegar e voltar de seus trabalhos, em torno de quatro horas por dia, o que, convenhamos, é absurdo. A perda de tempo e de potencial de vida que isso representa é gigantesca. Enfim, as pessoas demandavam o seu direito à mobilidade urbana.

Contudo, é preciso dizer ainda que o rastilho de pólvora inicial se espraiou rapidamente, se deslocando para outras demandas fundamentais da população brasileira, além do aumento da tarifa dos transportes públicos. Desta maneira, as más condições do ensino público, assim como as péssimas condições do sistema público de saúde, jogaram mais fogo ainda na fogueira, promovendo um espraiamento muito maior das manifestações públicas.

Vale dizer, as demandas urgentes que foram formuladas pelos manifestantes se condensaram em torno de três palavras de ordem básicas e que atingiam a grande maioria da população brasileira, pois o Estado não as solucionava nos seus impasses face a estes problemas, quais sejam, o sistema de transporte coletivo, o sistema público de saúde e o sistema de educação pública. O que estava então em questão eram as políticas sociais do Estado brasileiro em torno destes três tópicos. Isso porque a sociedade brasileira tem um dos maiores índices de impostos do mundo que os cidadãos devem pagar ao Estado, sem que este ofereça, em contrapartida, serviços públicos fundamentais para a sua população, ao contrário do que ocorre nos países europeus e nos Estados Unidos.

Como desdobramento imediato desta desproporção entre os impostos pagos pelos cidadãos e os serviços oferecidos efetivamente pelo Estado, uma quarta temática se impõe também como fundamental nas manifestações coletivas, qual seja, a corrupção que estaria presente no Estado e na sociedade brasileiros. Com efeito, se os cidadãos pagam muito em impostos e não têm a oferta de serviços públicos decentes, em contrapartida, o dinheiro arrecadado serviria para alimentar as redes de corrupção, que estariam inseridas em diferentes níveis da sociedade política, seja o poder Executivo, o poder Legislativo ou o poder Judiciário.

É claro que a temática da corrupção já estava presente na do aumento das tarifas dos transportes coletivos, pois, como se sabe de longa data, a concessão de linhas de ônibus e do metrô no Brasil sempre passou por negociações inescrupulosas estabelecidas entre os empresários, os diversos poderes da República, os partidos políticos e os ocupantes de cargos públicos, em diferentes níveis de complexidade e de hierarquia políticas.

Porém, tudo isso foi certamente galvanizado pelo fato de que o Brasil será o cenário de grandes eventos internacionais, a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Vale dizer, o Estado brasileiro estaria gastando uma fortuna para construir instalações esportivas adequadas, aeroportos, metrôs e sistema de hotelaria para abrigar estes eventos globais, nos quais a corrupção corre solta para mediar tais construções. Contudo, a contrapartida disso tudo é a diminuição dos investimentos do Estado para promover as políticas sociais, nos sistemas de transporte coletivo, de saúde pública e de educação.

Em decorrência disso, a Copa das Confederações, que se realizou em junho de 2013, foi indiscutivelmente o catalisador crucial imediato destas manifestações coletivas, na medida em que foi dramaticamente atualizado naquele contexto, o que estaria em pauta na relação entre o Estado e a população brasileira, isto é, quanto o Estado estava investindo na construção das grandes arenas esportivas e o quanto não investia em serviços públicos de qualidade, sejam estes o sistema de transporte coletivo, o sistema de saúde ou o sistema de educação pública. Desta maneira, a questão da corrupção se tornou eloquente e patente, envolvendo a relação estabelecida entre o Estado brasileiro e as grandes corporações econômicas internacionais. Por isso mesmo, os manifestantes exibiam cartazes com dizeres irônicos como queremos "escola padrão FIFA", assim como queremos sistema público de saúde e de transportes "padrão FIFA", como as novas arenas de futebol e outros dispositivos de infraestrutura urbana.

Pode-se afirmar, assim, que foram efetivamente estas questões básicas que alinhavaram a plataforma política das ditas manifestações públicas, configurando então o núcleo fundamental das demandas sociais que foram colocadas na cena pública. Portanto, foram as políticas sociais do Estado que foram colocadas na berlinda, que tiveram como seu contraponto a questão da corrupção, pois seria pela mediação disso que a riqueza nacional seria desviada e privatizada, para alimentar as redes de corrupção nos diversos níveis do poder.

O efeito imediato das manifestações públicas foi a queda de popularidade dos políticos que desempenharam funções executivas, a começar pela presidente do Brasil e continuando pelos governadores dos estados. Aquela se pronunciou publicamente, algumas vezes, para contornar o impacto e os impasses criados pela nova cena política. Foram propostas diversas medidas institucionais, a começar pela reforma política. O Congresso Nacional sentiu logo o golpe e o não reconhecimento político do poder Legislativo pelos manifestantes. Com a pressão das ruas começam a votar questões com rapidez, que estavam paralisadas nos corredores e nas gavetas do Congresso Nacional há muito tempo, pelas barganhas estabelecidas entre as bancadas e os partidos políticos. Da mesma forma, as Assembleias Legislativas dos estados e a Câmara dos Vereadores, nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro e São Paulo, foram questionadas como ilegítimas e acusadas de corrupção.

Portanto, o poder Legislativo também foi colocado na berlinda pelas manifestações públicas. Exigia-se assim dos partidos políticos e de seus representantes maior transparência na gestão dos recursos públicos, para que estes não fossem para o ralo da corrupção, na cumplicidade estabelecida entre os políticos e os empresários.

 

III. Polícia em questão

Porém, isso ainda não é tudo no que se refere às manifestações públicas de junho de 2013. O que assistimos também ao vivo e a cores, pelas redes de televisão e pela internet, foi a exibição da violência policial em larga escala. A truculência caracterizou as ações policiais nos seus menores detalhes, que procuraram legitimar e camuflar a sua violência pela justificativa de que apenas se contrapunham à violência dos manifestantes, pois tinham que proteger os bens públicos e a propriedade privada, como as lojas e os bancos atacados por aqueles.

Assim, os policiais queriam impedir o livre desenvolvimento e a disseminação das manifestações pela violência direta, ameaças de prisão e a produção do medo. Os seus instrumentos preferenciais, além dos cassetetes tradicionais, foram o uso indiscriminado de jatos d'água, do gás lacrimogênio e de spray de pimenta. Em contrapartida, a violência generalizada da polícia incitou efetivamente ações violentas de manifestantes, com a emergência dos Black Blocs na cena política.

Em decorrência disso, algumas Assembleias Legislativas dos estados foram invadidas pelos manifestantes, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. Em Brasília, os manifestantes invadiram o Itamarati, que teve janelas quebradas. Além disso, agências bancárias foram efetivamente quebradas, indicando simbolicamente como o capital financeiro estaria no foco das manifestações, em associação direta com a generalização da corrupção no Brasil. Enfim, diferentes pontos do comércio foram também atacados por alguns manifestantes.

Nas semanas e meses subsequentes, estes enfrentamentos aumentaram bastante, com incremento da truculência policial. Isso porque na diminuição dos participantes nas manifestações públicas, estas se centravam em alvos e reivindicações mais específicas. Este foi o caso dos repetidos acampamentos em frente à casa do governador Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, onde este era acusado de promoção da violência policial e de corrupção, assim como da greve e manifestações de professores da rede pública, também no Rio de Janeiro, que foram violentamente atacados pela polícia militar.

O que se colocou então na cena política, no primeiro plano, foi a forma pela qual a polícia militar atacava diretamente os manifestantes, pela impossibilidade de impedir e de conter as passeatas. A repressão direta, com violência, era a única forma utilizada pela força pública para intimidar e machucar os manifestantes. Desta maneira, ficou evidente que a atual força policial é a herdeira legítima da polícia dos tempos da ditadura militar, que usava também a força de maneira indiscriminada e ilegal. Além disso, é preciso dizer ainda que a atual polícia militar é bem mais sofisticada do que na época da ditadura, pois dispõe hoje de novas tecnologias para o combate das manifestações.

Dois desdobramentos importantes puderam então emergir, em larga escala, como consequência direta da violência policial. O primeiro concerne à política de produção do medo, promovido pelo poder político nas classes médias, já de longa data. O segundo incide especificamente na mídia corporativa, na forma pela qual esta forja as suas narrativas sobre as manifestações públicas em pauta, insinuando a ilegitimidade dessas e procurando criminalizá-las.

Assim, se até então as classes médias urbanas brasileiras acreditavam piamente no discurso do medo em relação às classes populares, alocadas que estavam estas em favelas e nas periferias das grandes cidades, promovido pelas autoridades, que justificavam deste modo a legitimidade da ação repressiva da polícia militar, pois aquelas seriam perigosas, este discurso começou a ser efetivamente desconstruído. Isso porque as classes médias começavam a perceber e a reconhecer as similaridades existentes entre os métodos violentos, nas favelas e no asfalto. Enfim, a polícia não despertava mais qualquer ilusão nos manifestantes e isso teve também efeitos significativos nas classes médias, como representante maior da força da ordem, pois se evidenciava nela a pura repressão, como marca que era dos anos de chumbo da ditadura militar.

Foi por conta disso que o caso Amarildo, no Rio de Janeiro, ganhou tanta notoriedade pública e midiática, angariando a solidariedade ampla de diferentes segmentos sociais na cidade, ultrapassando em muito as fronteiras da favela. O pedreiro foi sequestrado e assassinado pelos policiais da Unidade de Polícia Pacificadora, na Rocinha, e estes queriam acusar, contudo, os traficantes pelo assassinato. A população não acreditou na versão oficial e passou a exigir a apuração dos fatos, assim como a responsabilização dos policiais na morte em questão. Diversas manifestações foram organizadas em torno disso, inclusive em frente da casa do governador Sérgio Cabral, que foram acompanhadas ao vivo pelas redes de televisão e pelas mídias não corporativas. Os signos eloquentes da participação direta dos policiais no assassinato acabaram por aparecer e estes foram indiciados criminalmente, não obstante a recusa do governo do estado do Rio de Janeiro em reconhecer os desmandos da polícia neste episódio.

Além disso, as redes de televisão passaram também a ficar no foco dos manifestantes, principalmente a Rede Globo, pois respaldava a versão oficial dos acontecimentos. Assim, a versão policial de que os manifestantes eram violentos e que a polícia apenas reagia legitimamente para impor a ordem pública se disseminava pelos canais de televisão, de maneira que os manifestantes passaram a ser designados como "baderneiros" e como "vândalos". Porém, tal versão dos acontecimentos não se sustentou, pois apareceram mídias alternativas que filmavam ao vivo as manifestações em tempo real. Com isso, a versão da mídia corporativa foi sistematicamente desmascarada pelas mídias alternativas, que mostraram a violência e a arbitrariedade da polícia.

Em decorrência disso, a mídia corporativa perdeu certa credibilidade neste processo, confrontada que foi nos menores detalhes pelas narrativas forjadas pelas mídias alternativas. Além disso, pela internet era possível acompanhar as manifestações ao vivo, sem a edição e a montagem realizadas pelos editores das mídias corporativas.

No entanto, esta perda relativa de credibilidade das mídias corporativas acabou por começar a disseminar um debate nacional sobre o monopólio midiático no Brasil, na medida em que aqui é possível ter uma rede nacional de televisão conjugada com a rádio e com a publicação de um jornal também em nível nacional, o que não ocorre em nenhum país europeu ou nos Estados Unidos. Esta discussão começou a ecoar efetivamente na cena política e acabará por ter consequências no futuro, pois este monopólio midiático existente no Brasil não é permitido em nenhum dos países do primeiro mundo. Enfim, esta questão terá ainda desdobramentos mediatos e imediatos no espaço social, incidindo sobre a manipulação exercida efetivamente pelas mídias corporativas na cena política brasileira, já há muito tempo na nossa história.

 

IV. Juventude alienada?

É preciso destacar ainda que o que caracterizou estas amplas manifestações públicas foi a composição social e etária de seus participantes. Assim, diferentes classes e segmentos sociais participaram efetivamente nestes protestos, não obstante a maior presença da classe média. Além disso, a composição etária incluiu jovens e adultos, sem contar, é claro, com a participação de crianças e idosos. Porém, é inegável que os jovens foram os que mais se inscreveram ativamente neste processo, fazendo a diferença.

Com efeito, a grande novidade destas manifestações públicas foi a ampla participação de jovens que se inseriram finalmente na cena política brasileira, coisa que não faziam desde o início dos anos 90 do século passado. A última aparição ostensiva da juventude no espaço social se deu com o movimento dos Caras Pintadas, para demandar o impeachment do então presidente da república, Fernando Collor de Melo, por corrupção.

O que se dizia sobre a juventude, pelo desaparecimento desta da cena política brasileira, era que as novas gerações se diferenciavam bastante daquelas dos anos 50, 60 e 70, nas quais o engajamento político era uma marca efetiva. Falava-se então, à boca pequena e com desdém, que as novas gerações eram apolíticas e mesmo alienadas politicamente, só se voltando para questões centradas nos seus interesses imediatos, principalmente os de ordem profissional e de mercado de trabalho. Vale dizer, uma ruptura significativa teria ocorrido no Brasil, na comparação entre a juventude atual e as de décadas anteriores, na medida que os jovens teriam se voltado apenas para o seu próprio umbigo e não se interessavam mais pelos grandes problemas do país.

Porém, o que deve efetivamente ser indagado na inscrição atual da juventude na cena política e seu desengajamento nos últimos 20 anos é a crítica realizada pelos jovens sobre os representantes da sociedade política, ainda pouco presentes nas gerações anteriores, de forma que a oposição entre a sociedade social e a sociedade política deveria ser radicalizada. Além disso, a juventude talvez tenha desenvolvido ainda um certo ceticismo face aos políticos e aos partidos políticos, pelos seus interesses estritamente corporativos e em oposição às questões fundamentais da população brasileira. Com isso, na sua aparente alienação face à política, os jovens estariam dizendo para não contarem com eles para este cínico esprit du corps, presente e disseminado no campo político brasileiro.

Este desinteresse relativo da juventude pela política, que tem também certo eco em outras faixas etárias da sociedade brasileira, tem se manifestado nos últimos anos e de maneira progressiva pelo crescimento ostensivo dos votos brancos e nulos nas eleições, nos pleitos de diferentes níveis de representação política. Assim, num país como o Brasil, em que o voto é obrigatório, a crítica à representação política existente se realiza desta maneira, enquanto que nos Estados Unidos e nos países europeus, onde o voto não é obrigatório, a crítica à representação política se realiza pela abstinência eleitoral, que tem crescido igual e sistematicamente nas últimas décadas. Enfim, o que estaria então em pauta na suposta alienação de jovens no campo político é uma crítica das modalidades de representação política vigentes no Brasil, pois estas não representariam mais efetivamente os interesses da sociedade civil, crítica que se enuncia também na Europa e nos Estados Unidos.

No entanto, é preciso destacar devidamente que a crítica ostensiva às formas tradicionais da prática política se enunciava nas ditas manifestações de múltiplas formas, que é preciso que se coloque agora em evidência.

 

V. Horizontalização, descentralização, dispersão

Assim, não obstante a presença da crítica das políticas sociais do Estado brasileiro e da disseminação neste da corrupção, como aquilo que delineou efetivamente as linhas de forças das manifestações públicas em junho de 2013, os participantes evidenciaram a sua crítica da corrupção no exercício da política por meio de múltiplos signos e gestos, que devemos evocar pela eloquência com que se evidenciaram.

Antes de mais nada, pelo repúdio à participação dos partidos políticos nas manifestações, mesmo aqueles identificados como de esquerda, pois fariam parte da sociedade política existente e não representariam mais a sociedade civil. O que estaria em pauta aqui é a crítica do partido como forma efetiva de representação política, em prol da ênfase colocada nos movimentos sociais, como já ocorrera anteriormente nos países europeus.

Em seguida, é preciso destacar que as ditas manifestações políticas se caracterizaram pela multiplicidade das palavras de ordem, além das que eu já destaquei acima. Pode-se dizer assim que existia uma disseminação de palavras de ordem, o que poderia explicar inclusive a forma de organização das manifestações públicas. Com efeito, estas se caracterizariam morfologicamente pela descentralização dos grupos e dos segmentos sociais que nestas se inscreveram, de maneira a se expressar assim a disseminação e a dispersão das palavras de ordem.

As características das ditas manifestações se destacavam ainda pela colocação em evidência da singularidade dos participantes. Seria esta singularização efetiva dos participantes que se conjugaria com as marcas da multiplicidade, da disseminação e da descentralização das palavras de ordem. A expressão mais eloquente disso se colocava em evidência nos figurinos portados pelos manifestantes, nos quais estes se articulavam ainda com uma coreografia que pontuava e desenhava o desenvolvimento dos protestos. Vale dizer, existia efetivamente uma estética na forma de organização das referidas manifestações que se articulava internamente com a marca da ética evidenciada na singularidade ritualizada pelos manifestantes.

Nesta exuberância estética múltiplas cores caracterizavam os corpos dos participantes e a coreografia das manifestações, evidenciando assim a dimensão poética destas e a colocação em cena da multiplicidade dos desejos, emanados pelos corpos e cadenciados pelo conjunto dos movimentos em pauta. Existiria algo de sublime em tudo isso, enfim, que se inscreveria numa outra concepção da política que estava sendo colocada em ato, de forma estridente, nestas manifestações públicas.

Pode-se dizer assim que, por esta disseminação e descentralização das palavras de ordem, a organização das manifestações se estabelece por laços horizontais, não existindo nestas então a existência de laços sociais verticais. Seria então em decorrência disso que a dispersão das palavras de ordem, numa espacialidade horizontal, seria paradoxalmente a condição de possibilidade do que promoveria e do que catalisaria as manifestações em pauta. Além disso, seria a transversalidade o que daria a forma de constituição das referidas manifestações.

Foi por conta desta horizontalização e da transversalidade dos laços sociais, nesta modalidade de organização coletiva, que a convocação e os comentários permanentes sobre os acontecimentos se faziam de forma rápida e até mesmo instantânea pela internet, pelos telefones celulares e pelas redes sociais, atingindo milhares de pessoas ao mesmo tempo. Daí a eficácia efetiva demonstrada nesta modalidade de convocação, de forma discriminada e dispersa ao mesmo tempo, incidindo lateralmente numa população imensa, que afluía de forma desejante às manifestações.

Portanto, é a capilarização dos laços sociais o que delineia efetivamente o conjunto desta morfologia, presente nas manifestações públicas em questão, nas quais as linhas caminham em múltiplas direções, que não são necessariamente convergentes e onde os espaços demarcados por tais linhas não são necessariamente superponíveis. Isso porque, com efeito, não existe um centro vertical absoluto que seria o organizador da disposição das linhas, na medida em que a descentralização desenha uma especialidade disseminada e dispersa.

 

VI. Massa e multidão

Assim, tudo isso nos indica que esta modalidade de organização coletiva, descentralizada e disseminada ao mesmo tempo, assim como a sua capilaridade, coloca em pauta a desconstrução em ato da organização de massas, em direção à constituição da multidão propriamente dita. Retomo então a formulação de Negri, segundo a qual, se a organização de massa, que teve como correlato a existência da linha vertical na sua espacialidade e que se centrava na figura do líder carismático, foi a marca da modernidade política desde o final do século XVIII, a multidão seria, em contrapartida, o que caracterizaria as aglomerações públicas na contemporaneidade (Negri & Hardt, 2001; 2005).

Nesta perspectiva, o que se evidenciou no Brasil desde junho de 2013 é similar, enquanto processo social e político, ao que ocorreu com os movimentos sociais na Europa e nos Estados Unidos, após a crise econômica internacional de 2008. Com efeito, tanto os Indignados na Espanha quanto o Occupy Wall Street nos Estados Unidos tiveram o mesmo quadro organizativo, caracterizado pela horizontalização dos laços sociais acoplada à disseminação e à dispersão de seus participantes, sem esquecer, é claro, da transversalidade que as caracterizava. Da mesma forma a internet, os telefones celulares e as redes sociais foram os dispositivos tecnológicos que catalisaram tais movimentos sociais gigantescos, e foram também os jovens os que mais se implicaram nestas manifestações públicas.

Da mesma forma, os movimentos sociais no mundo árabe, que promoveram a revolução na Tunísia e no Egito, de maneira completamente inesperada, ao derrubar ditaduras bastante consolidadas há muito tempo, pelas alianças destes governos com as Forças Armadas e respaldadas pelos Estados Unidos e países europeus, foram também convocados pela internet, pelos celulares e pelas redes sociais. Além disso, tais revoluções foram organizadas de maneira horizontal e a disseminação das suas demandas estavam voltadas para a queda da soberania absoluta do poder político. Pode-se afirmar então que nestas revoluções não houve uma organização de massa propriamente dita, centrada na figura carismática do líder situada em posição vertical sobre os demais manifestantes, mas o que as catalisou foi a presença de uma multidão dispersa e disseminada (Castells, 2013).

No que tange às revoluções na Tunísia e no Egito, a marca da singularidade dos insurgentes estava também no primeiro plano da cena política, onde a polivalência colorida dos figurinos e a coreografia das multidões delinearam teatralmente as experiências revolucionárias de maneira expressiva, polarizada que foi entre os registros do trágico e da comédia. Contudo, foi certamente a coreografia da festa, com as suas conotações do viver em conjunto e do solfejo da alegria, o que se colocou de maneira retumbante na cena política, numa retórica poética.

 

VII. Narcisismo das pequenas diferenças

Desta maneira, é preciso retomar criticamente a leitura psicanalítica sobre a política, enunciada pelo discurso freudiano em "Psicologia da massa e análise do eu", publicado em 1921. Se neste ensaio de Freud há pressupostos teóricos e metodológicos importantes, que se devem destacar, é preciso ainda, em contrapartida, sublinhar os limites teóricos, para a leitura do campo da política, formulados nesta obra.

Antes de mais nada, é preciso enfatizar devidamente que a formulação teórica mais abrangente e fundamental de Freud, neste ensaio, é a afirmação de que na psicanálise não existiria qualquer oposição entre os registros do indivíduo e da coletividade, na medida em que o sujeito delineado pelo discurso psicanalítico teria ao mesmo tempo uma dimensão individual e outra que seria coletiva. Vale dizer, o sujeito concebido pela psicanálise seria narcísico, por um lado, e alteritário, por outro, pois estaria voltado para si e tecendo laços sociais com os outros ao mesmo tempo (Freud, 1921/1981). Portanto, o discurso freudiano estaria superando a oposição entre psicologia individual e psicologia coletiva, tal como Wundt a tinha estabelecido no final do século XIX, com a constituição da psicologia científica.

Contudo, é preciso afirmar também que nesta obra Freud formulou a ideia ainda de que a categoria do indivíduo não seria pertinente para a psicanálise, pois esta enfatizaria fundamentalmente a posição estratégica do outro para a modelação das pulsões, de forma que o inconsciente, o eu, o super-eu e o ideal do eu seriam disso resultantes (Freud, 1921/1981). Portanto, tanto no registro do inconsciente quanto no registro do super-eu e do ideal do eu a posição do outro estaria estabelecida de maneira alteritária. Vale dizer, a psicologia coletiva não seria mais concebida como um aglomerado de indivíduos, pois o registro coletivo se inscreveria no inconsciente, pelo viés da relação imantada com o outro. Enfim, o registro do indivíduo seria representado no psiquismo apenas pela instância do eu.

Isso implica dizer que seria pela mediação do outro, nos laços sociais, que o sujeito se conjugaria com os outros sujeitos e o registro dos objetos. A demanda de reconhecimento e o desejo seriam então os catalisadores dos laços sociais com os outros e com os objetos, num campo social imantando pela transferência. Não é um acaso, portanto, que neste ensaio sobre o psicologia coletiva Freud nos fale tanto sobre a transferência.

No entanto, é preciso dizer que a categoria de massa foi desenvolvida neste ensaio de Freud a partir do real social então existente historicamente, que foi construído na emergência da modernidade, desde o século XIX, e que permaneceu ainda presente por décadas no século XX. Nesta construção, a massa seria forjada pela homogeneização dos indivíduos, que perderiam assim as suas diferenças e especificidades face à figura onipotente do líder, instituído verticalmente face à massa. Desta maneira, as individualidades indiferenciadas ficariam sempre numa posição de obediência face ao líder, que as fascinava de maneira permanente, enquanto a sua liderança efetivamente se mantivesse (Freud, 1921/1981).

Ao lado disso, é preciso dizer ainda que ao centrar a sua leitura nas instituições religiosa e militar, isto é, a Igreja e o exército, Freud analisou a constituição da massa na sua relação fundamental com a figura do líder, pelo viés daquilo que Foucault denominou de sociedade disciplinar (Foucault, 1974). Estas seriam, com efeito, as características da modernidade, como algumas das formas de governabilidade nesta existente, em oposição estrita à sociedade soberana, anteriormente existente na pré-modernidade.

Porém, as instituições disciplinares modernas, caracterizadas que foram pelo estabelecimento de muros e de fronteiras bem estabelecidas – a escola, o hospital, o asilo psiquiátrico e a prisão –, estariam em franco processo de desconstrução na contemporaneidade, com a constituição das multidões e das redes sociais. Porque nestas, com efeito, não existiriam fronteiras entre territórios fechados, mas bordas móveis entre os sujeitos inscritos numa coletividade, de forma que a capilaridade marcaria relações sociais e as diferenças seriam reconhecidas, pois a heterogeneidade entre os indivíduos e as singularidades seriam sempre afirmadas de forma eloquente (Negri & Hardt, 2005). Enfim, na contemporaneidade nos deslocaríamos do registro da sociedade disciplinar para o registro da sociedade de controle, como nos disse Deleuze (1990).

No entanto, é preciso dizer que a hipótese teórica de Freud sobre a existência do narcisismo das pequenas diferenças (Freud, 1921/1981) se mantém ainda consistente, com seus ecos se disseminando na contemporaneidade. Para isso, contudo, é preciso fazer trabalhar este conceito numa dupla direção, ampliando decisivamente a leitura que Freud realizou deste conceito.

Assim, Freud enfatizou a existência do narcisismo das pequenas diferenças para descrever metapsicologicamente e enfatizar a dificuldade psíquica presente em indivíduos, grupos, segmentos e classes sociais, para suportarem a diferença dos outros, de forma a querer então aniquilá-los pela violência e pela crueldade, de modo insofismável. Na descrição de Freud é evocado, contudo, o real social de seu tempo histórico, no qual já se esboçavam as linhas de força do fascismo e do nazismo na Europa, que se desenvolveram de forma estridente com a eclosão da segunda grande guerra. Enfim, o que Freud já descrevia era a constituição do que Reich (1972) denominou posteriormente de "Psicologia de massas do fascismo", que se forjou progressivamente e se disseminou na Europa com o término da primeira grande guerra.

No entanto, o narcisismo das pequenas diferenças pode ser também concebido e enfatizado no sentido oposto, ao se destacar o estabelecimento dos laços sociais entre indivíduos, grupos, segmentos e classes sociais com os outros, nas quais a marca do reconhecimento da diferença destes seja efetivamente instituída. Foi nesta perspectiva que, ainda no ensaio sobre "Psicologia das massas e análise do eu", Freud pôde enfatizar que o homem não é um animal da massa, mas um animal da horda, isto é, o homem não aceitaria e resistiria sempre à homogeneização do seu ser e manteria a sua diferença face ao outro como signo maior de sua condição ética e política (Freud, 1921/1981).

Por isso mesmo, no ensaio "Análise com fim e análise sem fim", publicado em 1937, Freud (1937/1985) formulou de maneira trágica a ideia de que a governabilidade seria impossível, como, aliás, também a educação e a psicanálise, na medida em que o sujeito seria um animal da horda e que resistiria à qualquer tentativa do outro de homogeneizá-lo e de pretender apagar assim a marca da sua singularidade.

O que as manifestações sociais contemporâneas evidenciam não apenas no Brasil, mas também em nível internacional, é que a dispersão, a disseminação, e a descentralização constituem a multidão centrada na diferença e na singularidade dos sujeitos, de forma que o sujeito da diferença é a marca por excelência do sujeito na contemporaneidade. É claro que este imperativo convive, na contemporaneidade, com manifestações de massa, nas quais as mulheres, os negros e os gays ainda são os objetos de violência e de crueldade homogeneizante de outros, permeados por preconceitos. Enfim, a constituição e a disseminação de manifestações sociais fundadas na diferença e organizadas como multidão se confrontam permanente e insistentemente com os fundamentalismos daqueles que temem a circulação do desejo e o reconhecimento efetivo da liberdade.

 

Referências

Castells, M. (2013). Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Deleuze, G. (1990). Pourparlers. Paris: Minuit.         [ Links ]

Foucault, M. (1974). Surveiller et punir. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Freud, S. (1981). Psychologie des foules et analyse du moi. In S. Freud. Essais de psychanalyse (pp. 117-217). Paris: Payot. (Trabalho original publicado em 1921).         [ Links ]

Freud, S. (1985). Analyse avec fin et analyse sans fin. In S. Freud. Résultats, idées, problèmes (vol. 2, pp. 231-268). Paris: PUF. (Trabalho original publicado em 1937).         [ Links ]

Negri, A. & Hardt, M. (2001). Império. Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

Negri, A. & Hardt, M. (2005). Multidão. Rio de Janeiro: Record.         [ Links ]

Reich, W. (1972). The mass psychology of fascism. Londres: Condor.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
JOEL BIRMAN
Rua Major Rubens Vaz, 426
22451-040 – Gávea – RJ
tel.: 21 2259-8413
E-mail: joelbirman@uol.com

Recebido: 23/10/2013
Aceito: 18/11/2013

 

 

* Psicanalista, membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos e do Espace Analytique, professor Titular do Instituto de Psicologia da UFRJ, professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ, diretor de Estudos em Letras e Ciências Humanas, Universidade Paris VII, pesquisador associado do Laboratório "Psicanálise e Medicina e Sociedade", da Universidade Paris VII.