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Ide

versión impresa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.37 no.58 São Paulo jul. 2014

 

EM PAUTA - O DINHEIRO

 

O dinheiro sacrifical

 

Sacrifice money

 

 

José Ricardo Sahovaler*

Asociación Psicoanalítica Argentina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo o autor aborda o dinheiro postulando-o como morto-vivo. Este tipo de objeto não é mero receptor passivo de projeção, e sim gerador de efeitos subjetivantes e dessubjetivantes nos indivíduos e na trama social. Com uma descrição sucinta do dinheiro se postula uma origem sacrifical do mesmo e se assevera que o dinheiro por si mesmo implica posições sadomasoquistas para o próprio sujeito e para o entorno social. Finalmente, mostra como o valor masoquista se faz presente no intercâmbio econômico durante os tratamentos analíticos.

Palavras-chave: Dinheiro, Masoquismo, Honorários, Transferência.


ABSTRACT

In this paper it is said that the money is considered as a dead-living object. Such kind of objects are not passive recipients of projection but have subjectivism or de-subjectivism effects on the individuals and the social context. After a brief description of money as sacrificial source it is postulate that money carries itself carries violence and masochism. Moreover, money is thought of as the major vehicle of masochism that society has created. Finely it is shown how masochistic value is present in the economic exchange during the analytical treatments.

Keywords: Money, Masochism, Payments, Transference.


 

 

A Psicanálise, junto a suas teorias pulsionais, construiu uma série de teorias objetais. Haveria, assim, objetos totais, objetos de pulsão, objetos do eu, objetos bons e objetos maus etc. Dentro dessa "objetologia", acredito que devemos considerar a existência de uma série de objetos que chamaria "mortos-vivos" ou "inertes/não inertes", que influenciam significativamente a subjetividade individual e coletiva. Entre estes objetos incluo as drogas psicoativas, as diversas telas (televisão, computador, celular etc.) e o dinheiro. Desde já, esta lista não está completa e poderia incluir uma série maior de objetos inertes que por sua própria operação geram efeitos na construção e no desenvolvimento do aparelho psíquico.

O comum a todos estes objetos é que seus efeitos sobre o psiquismo não são aleatórios ou mero suporte projetivo do mundo pulsional e representacional do sujeito, e sim que eles em si mesmos trazem uma mensagem e uma capacidade estruturante sobre o psiquismo. Quando digo que geram efeitos psíquicos estou me referindo ao fato que devemos pensá-los como objetos ativos – quase vivos – com os quais estabelecemos um diálogo, uma relação e muitas vezes uma dependência, dada a potência que os ditos objetos possuem.

Neste trabalho, postulo o dinheiro como um dos mais significativos objetos mortos-vivos e que seu valor estruturante é o de ser portador e gerador de posições de sofrimento e masoquistas.

No presente artigo faremos considerações gerais do dinheiro…

 

Acerca do dinheiro

A partir de uma perspectiva histórica, a moeda é a manifestação da separação entre valor de uso e valor de troca. Antes de sua invenção, quando imperava a permuta, uma mercadoria concentrava em si mesma a soma dos valores:

1. Valor de uso (determinado por sua utilidade para cada indivíduo);

2. Valor de troca (aquele que é determinado por sua troca com outra mercadoria);

3. Valor de reserva ou acumulação.

Com a invenção do dinheiro, o valor de uso da mercadoria passou a pertencer ao âmbito privado e a moeda concentrou em si o valor de troca e de reserva. Como valor de câmbio, o dinheiro pode ser definido como um número dentro de uma escala numérica socialmente compartilhada. Seja representado por um pedaço de metal (a moeda), um pedaço de papel (a cédula) ou uma assinatura (o cheque), o dinheiro é apenas um número que faz referência e relaciona uma mercadoria com outra. O que define o dinheiro é o seu distanciamento da mercadoria para se converter no sistema regulador das transações (quando o dinheiro se converte em uma mercadoria adquire um valor particular que se chama interesse).

A invenção do dinheiro impulsionou o desenvolvimento do mundo simbólico como modalidade reitora que rege os intercâmbios sociais e obrigou a sociedade a realizar um trabalho de substituição simbólica interminável – diríamos, parafraseando Freud, "um progresso na espiritualidade". O encadeamento mercadoria-dinheiro-mercadoria-dinheiro tende a não encontrar limites e o começo da cadeia se desdobra: cabe nos perguntarmos se a sociedade fabrica dinheiro para intercambiar mercadorias ou fabrica mercadorias para intercambiar dinheiro? Com o dinheiro se instituiu "a perda", "a falta" dentro do sistema econômico de referência. Ao consolidar o sistema simbólico o mais valioso, aquele pelo qual todos se desvivem, se converteu em apenas um número dentro de uma série possível, algo que remete a uma mercadoria mas que nunca é a mercadoria em questão.

O dinheiro institui "a ausência" dentro do âmbito dos intercâmbios sociais. Dado que nenhuma coisa está definitivamente inscrita na moeda e falta toda referência a algum objeto particular, o dinheiro serve para adquirir qualquer objeto; assim, de modo metonímico, por deslocamento, o dinheiro se transforma em qualquer coisa até se converter em uma referência metafórica do falo, da vida, da completude.

Freud definiu o desejo como o motor do representar, do pensar, do fazer humano; sabemos que o objeto de desejo é um objeto faltante, um objeto perdido que convoca o desejo de recuperá-lo. O dinheiro, como representante do objeto que falta, consolida socialmente o desejo como motor do fazer humano. Na atual sociedade globalizada, o valor de troca tende a substituir o valor de uso; os objetos da necessidade são mínimos em comparação com aqueles que nos devoram a vida somente seu status simbólico, ou seja, por serem objetos de desejo e, como tais, objetos para ocultar e compensar a castração. O dinheiro é misturado com a sexualidade até se converter na representação intrapsíquica e social do objeto faltante. No entanto, também é "o fetiche" que obtura o reconhecimento da ausência. Assim, é a representação do falo – que entretanto possui o poder de substituir qualquer objeto –, mas também e ao mesmo tempo serve para ocultar a castração, dado que o dinheiro completaria qualquer carência e possui um valor de objeto erótico, atraente e excitante que oculta qualquer limitação ou ausência.

 

Dinheiro e subjetividade

Estudar o dinheiro é estudar a interface entre o homem e a sociedade no atual estado de desenvolvimento social capitalista. Do mesmo modo como D. Anzieu propõe uma zona intermediária onde a pele se faz o eu e o eu ainda é pele, zona indiscernível de contato entre corpo e psique, nós pensamos o dinheiro, elemento social por sinédoque, como o operador de uma zona de contato, zona intermediária onde o eu se faz social e a sociedade se funde com o eu. Poderíamos dizer que em alguns momentos vitais de todos nós o dinheiro se faz o eu como o eu se faz dinheiro. Consideramos que a subjetividade surge no espaço intermediário compreendido entre o homem e a sociedade e, dado que estamos imersos no sistema de produção capitalista, este espaço intermediário subjetivado compreende inevitavelmente a variante monetária. Isto implica pensar o dinheiro não só como uma ferramenta, se não como uma parte constitutiva da representação – eu. Na nossa sociedade o carente, o desocupado, o lúmpen que não está integrado ao sistema produtivo e que carece de dinheiro para sua subsistência e a de sua família fica situado no lugar do "não ser", do "dessubjetivado", do detrito da sociedade. Em tal sentido, o dinheiro é o suporte e veículo de subjetividade.

Freud postulou que o eu em seu desenvolvimento deve se submeter ao império do Princípio de Realidade. Na nossa sociedade este limite se constrói, em grande medida, com a introdução da representação do dinheiro. Quando uma criança se detém em cada loja pedindo que lhe comprem algo, não importa o que, além de estar exercendo sua pulsionalidade anal e dominante, está experimentando e internalizando os limites que o Princípio da Realidade impõe sobre ela. Assim, entendo que o dinheiro é um elemento intermediário mas também constitutivo da relação entre o indivíduo e a sociedade; intermediário entre o sujeito e seus objetos mas também representante do sujeito e/ou dos objetos. É veículo e suporte do desejo e das angústias básicas do homem.

A conflitiva humana pode ser pensada como uma oscilação entre dois mitos: os mitos de Narciso e de Édipo. Quanto à problemática do narcisismo e dos limites entre o si mesmo e o outro, entendemos que a instituição da "propriedade privada" e seu representante privilegiado, o dinheiro, encarnam socialmente o limite egoico. Da mesma maneira, se pensamos no complexo de Édipo como o desejo da mulher do pai conjuntamente com o desejo parricida, entendemos que o dito complexo se expressa através de instituições sociais antiquíssimas tais como "o dote" e "a herança". Descobrimos, então, que a afirmação egoica, a sexualidade e a agressividade em todas suas potencialidades não só podem se expressar através de variáveis econômicas como também que o monetário se entremescla com elas em sua origem sendo impossível separar o monetário da sexualidade, o social do individual. É necessário, assim, abandonar a ideia econômico-operacional e racional do dinheiro: o dinheiro não é só um meio, algo exterior ao indivíduo, e sim parte integrante e constitutiva da subjetividade.

Anzieu propôs distintas funções para seu eu-pele. Coincidente com muitas delas, aventuramos várias funções para a representação do dinheiro dentro do eu. Cada uma destas funções possui um tipo de representação particular assim como um conjunto de afetos angustiantes típicos.

a) Função de suporte e respaldo. Esta função, que na órbita corporal está encarnada na construção das costas e da coluna vertebral, suporta angústias do abandono, da solidão e da desamparo. O dinheiro pode funcionar como respaldo do sujeito;

b) Função de proteção. O dinheiro pode atuar como uma couraça exterior, um exoesqueleto que nos isola e nos defende de um exterior hostil;

c) Função de individuação. O dinheiro pode ser o limite do eu frente à alteridade;

d) Função de excitação sexual. O dinheiro enquanto representante social do falo e sendo objeto passível de se converter no fetiche que oculta a castração está altamente erotizado;

e) Função de memória e marca no tempo. Há indivíduos que só podem armar uma história própria a partir de pensar-se em relação com o econômico;

f) Função de autodestruição. Esta função, centro deste trabalho, será abordada sob a lógica da pulsionalidade masoquista.

Cada uma destas funções consegue se expressar na clínica psicanalítica e erótica de nossos pacientes. Talvez, e com maior crueza, podemos observá-las nas situações de separação matrimonial. Ali se vislumbra claramente como o dinheiro joga um papel de limite egoico, de fronteira onde se descrimina o si mesmo do outro. A angústia pela desproteção egoica, a vivência de falta de respaldo e de sustentação egoica se expressam em angústias econômicas e as lutas em torno da divisão de bens e pensões alimentícias expressam esta conflitiva. Existe a fantasia de que aquele que fica com os bens se converte em alguém sexualmente desejável. O dinheiro pode se transformar no representante narcísico do sujeito e os desinvestimentos eróticos inconscientes se transladam em uma reivindicação econômica que cobre todo o ego. Neste tipo de conflito, se manifestam com toda sua violência as pulsões masoquistas e sádicas que encontram um alojamento eletivo na representação do dinheiro.

 

O dinheiro sacrifical

Estamos tão acostumados a pensar em termos da lógica capitalista que nos resulta difícil imaginar sociedades cujo centro não seja a aquisição de bens. No entanto, as primeiras sociedades eram teocráticas e estavam centradas no culto aos deuses. O dinheiro foi inventado na antiga Lídia no ano de 640 ou 630 a.C., sob o reinado de Craso 3, e cumpriu funções sacras: serviu para a compra dos animais sacrificiais para os altares dos diferentes deuses. Muitas moedas antigas delatam esta origem sacrificial ao mostrar em suas caras imagens relacionadas com os procedimentos sacrificiais. É fundamental entender a invenção da moeda como um ato religioso: todas as formas de dinheiro que circulam pelo mundo procedem, através de uma grande série de derivações, do ritual sacrificial humano e não há dinheiro que não provenha de algum culto sangrento.

O ritual sacrifical primitivo grego constava de três cerimônias: os agones (combate entre distintos lutadores que eram premiados com medalhas e moedas), o sacrifício e o banquete totêmico. Freud entendeu que este ritual era a expressão social do triunfo e da culpa da aliança fraterna ante o assassinato do pai da horda. O dinheiro, entretanto herdeiro do ritual sacrificial, se expressa nas três vertentes:

– Os agones: luta premiada com moedas;

– A culpa: carga com a dívida do desejo parricida. O dinheiro, em sua modalidade masoquista (me sacrifico, me culpo, pago minha dívida) ou em sua modalidade sádica (sacrifico a outro, o outro paga por mim) implica sofrimento para algum dos participantes do intercâmbio. Culpa e dívida são conceitos irmanados;

– É banquete: oferenda dionisíaca que nega a culpa assassina e o pagamento da dívida e propõe, em troca, o desperdício, a luxúria, o descontrole, a festa.

O dinheiro contém normas sociais e morais de "bem fazer" junto a desejos assassinos, rivalidades fraternas e culpas de difícil tramitação. Acreditamos que o dinheiro, sendo um deslocamento da vítima sacrificial, está embebido em sangue e que o sangue derramado reclama cada vez mais sangue em uma espécie de escalada infinita. O dinheiro não somente nos arranca gotas de suor para consegui-lo, mas também nos arranca "libras de carne" (O mercador de Veneza). É uma obviedade que sacrificamos nosso tempo e nossos prazeres para obter e acumular dinheiro e nesta realização se veiculam pulsões masoquistas e sádicas enquistadas tanto no ego como no superego. O superego, como um possível representante da Pulsão de Morte, nos ameaça a nos sacrificarmos vez ou outra sob mandatos incansáveis, nos obriga a trabalhar mais e mais, nunca alcança o que se produz, sempre se pode ter um pouco mais, se pode desejar um pouco mais, se pode economizar um pouco mais. Junto a esta entrega a um superego sádico, o ego também tenta satisfazer seus desejos de sofrimento e nos convoca a entregas superficiais. Aceitamos silenciosamente entregar horas e horas a trabalhos inúteis, chatos e alienantes. A ludopatia é uma de suas modalidades mais surpreendentes: se pede para perder, para ficar na ruína. Ante a demanda do sacrifício superegoico e ante o gozo pulsional masoquista, o eu fraco é instruído a responder com uma entrega muda e sofredora e nos resignamos à exploração e a justificamos. Nesta linha, o dinheiro está misturado com a sexualidade: a potência econômica se converte em um elemento erótico, excitatório... mas imediatamente a presença do dinheiro arruína a sexualidade, a torna espúria, mercenária. O desejo sexual se converte em desejo monetário e os aspectos ternos, a sexualidade inibida em sua meta que habilita a corrente amorosa, se transformam em interesses materialistas.

Para compreender um pouco mais esta primitiva posição masoquista e sua transformação sádica devemos esclarecer que, à diferença do que a lógica capitalista nos ensina, a estrutura arcaica econômica esteve regida pela regra do "dar". O conceito de receber, de acumular, não estava instaurado nos primórdios; a ideia de acumulação é efeito da individualização do sujeito e esta, por sua vez, é produto do desenvolvimento histórico-social. Nas economias primitivas a instituição que dirigia a atividade era a instituição da "oferenda".

O homem arcaico necessitava perder, dar, outorgar: "Os deuses existem para satisfazer a necessidade humana de autossacrifício" (Brown, 1967, p. 309). A psicologia do trabalho nos tempos primitivos foi a psicologia do sofrimento: "ganharás o pão com o suor do teu rosto", mandamento bíblico que relaciona a origem do trabalho com o pecado, a culpa e o sofrimento, segue sendo uma realidade social para a imensa maioria dos habitantes deste mundo. Ao derivar o trabalho e seu produto, o dinheiro, do pecado original de Adão, coloca em evidência que a filosofia primitiva do trabalho é a da expiação da culpa sexual. Com a filosofia do dom, com a oferenda sacrifical, o que se tenta entregar não é um bem material, mas a culpa originária. Brown dirá: "O dinheiro é a riqueza condensada; a riqueza condensada é a culpa condensada. Mas a culpa em essência não é limpa... O dinheiro é a culpabilidade humana refinada de escórias até que seja um puro cristal de autocastigo; mas segue sendo imundo porque continua sendo a culpabilidade" (Brown, 1967, p. 310). A instauração da lógica acumulativa capitalista, onde o desejo não é dar dinheiro, mas conservá-lo, pode ser compreendida como a defesa sádica ante a originária posição masoquista. Mas ali onde impera a lógica sádica ou a masoquista se produz um arruinamento da sexualidade genital e se potencializam as sexualidades perversas.

 

O dinheiro nos tratamentos analíticos

É impossível pensar a transferência sem nos remetermos a amores e a ódios, a dominações e a submissões dentro da dupla analítica. Sendo os honorários o eixo central dos intercâmbios e desde a perspectiva que vamos postulando, acredito que é, também, impossível pensar nos honorários dos tratamentos analíticos sem ter em conta a cota de sacrifício, de masoquismo e de violência sádica implícita neles.

A partir do amor de transferência sabemos que uma vez instalado o dispositivo analítico o paciente espera, em maior ou menor grau, ser atendido e curado por amor. Nos encontramos, pois, com um conflito que devemos sustentar e não resolver: nós analistas atendemos por interesse econômico – ainda quando acabamos gostando de nossos pacientes, já que se algo do amor do analista não se desperta, o tratamento está condenado ao fracasso – e os pacientes são movidos por amor ao analista – ainda quando sua procura seja interessada e centrada neles mesmos. Esta assimetria, que se converte no motor da análise, tramita através dos honorários convertendo este em uma espécie de modulador, de buffer tensional. É necessário que os tratamentos tenham custos, já que a atenção gratuita tende a converter-se em manifestação amorosa do analista que pode levar a confusões. Mas por custar, obriga o paciente a uma submissão que inevitavelmente viverá como masoquista, situando seu analista na posição de sádico. No momento do intercâmbio econômico tramitam violências inerentes e inevitáveis contidas no dinheiro. O dinheiro põe um limite na entrega amorosa e esta indica que estamos ali para curá-lo e não para amá-lo. Este limite gera mal-estar, desilusão, culpa e raiva em ambos os participantes da dupla. No entanto, estes sentimentos hostis que o dinheiro desperta também são os que permitem que a análise continue, dado que a atenção gratuita ocasiona uma idealização do analista que com o tempo vira persecutória.

O paciente reclama, demanda, exige amor e o analista responde frustrando esse pedido e oferecendo sua escuta e sua tolerância. Mas esta assimetria não se mantém de um modo fixo e imodificável. Há um momento onde essa assimetria se inverte: ao solicitar dinheiro é o analista quem demanda algo de seu paciente e a relação de força se altera. Se durante as sessões é o paciente quem pede, no momento do pagamento é o terapeuta quem mostra sua necessidade, sua carência, e em sua solicitação econômica veicula seu pedido amoroso. No momento da cobrança o analista se apresenta como alguém que também necessita, como alguém incompleto e tão dependente do outro como seu paciente. Esta alternância de posições permite que a análise discorra sem que as dívidas inconscientes se elevem mais além do que o tolerável.

Esta oscilação das posições de poder entre analista e paciente determina que o momento do intercâmbio econômico aconteça geralmente com alguma tensão. Esta tensão se veicula em perguntas sobre os términos do contrato: quais são os honorários justos? Se cobram as férias? Se o paciente falta ou fica doente, deverá pagar pelas sessões ou não? Como e quando fazer os reajustes inflacionários? etc. Não existe uma resposta única ante estas perguntas, ainda quando o que não podemos deixar de fazer é falar desta tensão, analisá-la. E ao fazê-lo, o analista se expõe muito mais que em qualquer outro momento do tratamento, já que deixa sua "neutralidade" e se mostra como mais um dentro da série dos homens submetidos à castração que a sociedade impõe.

 

Referências

Anzieu, D. (1987). El Yo-Piel. Madrid: Ed. Biblioteca Nueva.         [ Links ]

Baudrillard, J. (1989). De la seducción. Madrid: Ed. Planeta-Agostini.         [ Links ]

Brown, N. (1967). Eros y Tanatos. México: Ed. Joaquín Mortiz.         [ Links ]

Freud, S. (1991). Moisés y la religión monoteísta. In S. Freud. Obras Completas (J. L. Etcheverry, trad., vol. XXIII, pp. 222-279). Buenos Aires: Ed. Amorrotu.         [ Links ]

Sahovaler, J. R. (2013). La erótica del dinero. Buenos Aires: Letra viva.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
JOSÉ RICARDO SALVADOR
Av. Cabildo, 1131, ap. 28
Capital Federal – Argentina
tel.: 4-784-6113 e 1130517877
E-mail: josesahovaler@gmail.com

Recebido: 23/04/2014
Aceito: 16/05/2014

 

 

* Médico. Especialista em Psiquiatria. Psicanalista diretor do departamento de crianças e adolescentes da Asociación Psicoanalítica Argentina. Autor de Psicoanálisis de la televisión e de Erótica del dinero.