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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.38 no.60 São Paulo jul./dez. 2015

 

EM PAUTA | SEGREDO

 

Reflexões de prazer e dor

 

 

Clarice Niskier

Atriz e dramaturga

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Tema prazeroso, angustiante, doloroso, foi necessário começar com uma lista enorme de assuntos para dar conta da dificuldade de entrar no tema. Fantasias, ambivalências, repressões, libido, a origem do eu, a origem das relações sociais, políticas, familiares, os segredos envolvem tudo, as artes, os amores, os desejos, as relações humanas. São nossos cúmplices, nossos aliados e nossos inimigos. O texto analisa uma cena do filme O último tango em Paris, de Bertolucci, uma cena do filme O segredo dos seus olhos, de Juan José Campanella, e uma cena da peça Silêncio!, de Renata Mizrahi e Priscila Vidca. Tem como base o texto O último tango em Paris – áreas secretas, da psicanalista Amina Maggi. Segredos são paraísos ecológicos do planeta Eu. Reserva biológica da psique humana.

Palavras-chave: Origem do eu. Violência primária. Violência secundária. Sombra falada. Desejos.


SUMMARY

Bittersweet reflections A pleasurable, distressful and painful theme. It was necessary to begin with a huge list of issues to deal with the difficulty of approaching the topic. Fantasies; ambivalences; repressions; libido; the origin of the Self; the origin of the social, political and family relationships. Secrets involve everything: arts, love affairs, desire and human relationship. Secrets are our partners, our allies and our enemies. The text analyzes a scene from Bertolucci's movie Last tango in Paris, a scene from Juan José Campanella's movie The secret in their eyes and a scene from Renata Mizrahi and Priscila Vidca's play Silêncio. The basis of this work is the text O último tango em Paris – áreas secretas from the analyst Amina Maggi. Secrets are ecological paradises from the planet Self. Biological reserve from the human psyche.

Keywords: Origin of the self. Primary violence. Secondary violence. Shadow. Desire.


 

 

Aviso importante: durante a criação deste texto aconteceu um acidente. Grande parte dele foi deletada misteriosamente do arquivo. Devo ter digitado sem querer uma tecla errada e o texto simplesmente desapareceu enquanto eu trabalhava. Não tinha backup e nenhum técnico conseguiu trazê-lo de volta. Reescrevi quase tudo de memória, apoiada nos rascunhos e nos livros que me consolaram. Freud explica: o acidente ocorreu justamente quando confessava minha dificuldade em penetrar no tema. Aproveitei o acidente para uma opção estética. O texto estava todo alinhavado. Mas, ao relembrar, fui escrevendo fora de ordem. Abaixo, os fragmentos do original, e entre um fragmento e outro, os meus segredos.

- Possuir segredos me causa excitação e vertigem; uma alegria por sabê-los e uma tontura diante da lista interminável de assuntos que os envolve, desde as coisas mais simples e objetivas às mais complexas e subjetivas, tais como a fabricação do violino Stradivarius, a fórmula da Coca-Cola, a precisão dos relógios suíços, o ofício dos mágicos, a origem dos fósseis, o destino dos mortos, a imaginação das crianças, o olhar do palhaço, os esconderijos da mente, os cofres roubados, os acidentes aéreos, os hieróglifos egípcios, os navios fantasmas, as raízes do mal, os álbuns de família, a Copa do Mundo, as obras-primas, a fidelidade masculina, o orgasmo feminino, o perfume da rosa, a mente de Einstein, a origem do Universo, a vida, a morte, o azar, a sorte, a beleza, a feiura, o Livro dos Mortos, a Coreia do Norte, os arquivos da CIA, o mundo das drogas, os traumas, os truques, os totens, os fracos, os fortes, a neurose, o incesto, a hipnose, a linguagem, os códigos, as senhas, os dotes, o fetiche, o acaso, o dopping, o Caos, os votos, as algemas, as almas gêmeas, o amor de carnaval, o bacanal, o canibal, o êxtase religioso, os cadeados, as fechaduras, os hereges, as traições, os surtos psicóticos, as curas divinas, as doenças repentinas, os casamentos felizes, o carisma, o charme, o talento, a bondade, o reino de Walt Disney, a votação do Oscar, o fundo falso, o nó cego, a clausura, a solitária, os sites de adultério, o inominável, o realejo, o homicídio sem cadáver, o rosto fenício incrustado na pedra da Gávea, o Triângulo das Bermudas, o et cetera. Uma lista de fazer inveja às listas transcritas por Umberto Eco em seu genial livro A vertigem das listas, fonte de inspiração para minha lista que expressa o sentimento de susto diante do tema. Segredos estão em toda parte. Oculto, indizível, vergonhoso, honroso, doente, saudável, óbvio, terrível, tosco, humilhante, ofensivo, vital, precioso, vulgar, banal, consciente, doloso, político, protetor, tenebroso, obscuro, fatal, silencioso, cruel, profano, sagrado, fundador ou destruidor do sujeito, os segredos estão em tudo que se move, se pensa, se faz, se cria, se sabe, se sente, se aspira e respira. Umberto Eco, no final do prefácio de seu livro, que trata da relação visceral do homem com as mais diversas formas de listas para suportar, entre outras coisas, a angústia diante do incomensurável Universo, conclui: "[...], a pesquisa das listas representou uma experiência muito excitante, não tanto por aquilo que conseguimos colocar neste volume, quanto por tudo o que tivemos que deixar de lado. Quer dizer, eis um livro que não poderia deixar de concluir-se com um et cetera" (2010, p. 7) Eis um tema que não poderá deixar de concluir-se com um et cetera. Ou eis um texto que já deveria ter começado com um et cetera. Faço listas para dar conta da angústia que sinto diante desse poderoso universo. Tenho dificuldade em começar. Meu raciocínio é como um vagalume, ora aparece, ora desaparece, fazendo com que eu o persiga como uma criança que, apesar do medo, aceita brincar de pique esconde à noite.

- O último tango em Paris, fascinante linguagem de luzes e sombras, assim eu sintetizaria poeticamente o filme de Bernardo Bertolucci, estreado em 1972 e lançado no Brasil em 1979. Como foi bom revê-lo. Que filme bonito: contradições, véus, vidros, água, ponte, boia, crime, sonho, susto, chave, trilho, trem, tralha, rato, rua, nua brincadeira: Marlon Brando, Maria Schneider. Símbolos e signos "que aludem às áreas secretas", como tão bem analisou Amina Maggi em seu artigo, publicado em 1980 em uma das primeiras edições da Revista ide. Li o artigo, intitulado Último tango em Paris - Áreas secretas, após rever o filme e fiquei especialmente tocada ao ler sobre as violências primárias e secundárias na formação do Eu. Amina Maggi trata do tema tendo como referência a obra teórica da psicanalista francesa Piera Aulagnier, que em sua tese alude ao termo "sombra falada". A seguir, trechos do artigo:

Uma das características da vida psíquica é a do sujeito defrontar-se repetitivamente com experiências que, na maioria das vezes, se antecipam à sua possibilidade de resposta e ao que ele pode saber ao prever. O "infans" especialmente é constantemente solicitado além de sua possibilidade de resposta e se encontra na situação na qual a oferta precede sua demanda. Ele, logo que vem ao mundo, é inserido num universo de linguagem, que só depois irá entendendo e dominando, tornando-se a mãe o "porta-voz" de suas necessidades que ela irá interpretando, comunicando e batizando, metabolizando-os em desejos, sem que a criança possa inicialmente ter a menor condição de opor-se. [...] O grito emitido pelo bebê, que em si não tem significação, será logo interpretado pela mãe como significando dor ou tristeza, ou necessidade de alimento, etc. (1980, pp. 43-44)

- Os prazerosos e divertidos grunhidos que o casal do filme de Bertolucci emite em seu encontro carnal não tem significação alguma, além do retorno ao prazer libidinoso dos impulsos primordiais. Os seres humanos transformam grunhidos em discursos;

É este discurso que ilustra de maneira exemplar o que Piera Aulagnier designa de violência primária, definindo-a como sendo: "A ação psíquica pela qual se impõe à psique de um outro uma escolha, um pensamento, uma ação motivados pelo desejo daquele que impõe, mas que são, entretanto, apoiados num objeto que para o outro corresponde à categoria do necessário". A violência assegura sua meta unindo o registro da necessidade do "infans" ao registro do desejo da mãe.

O fenômeno de violência refere-se essencialmente à diferença entre a organização psíquica da mãe (na qual já se estabeleceu a instância Eu, se realizou a ação da repressão) e a organização psíquica imatura da criança em estado de satisfação e de dependência. Esta violência tão absoluta é também indispensável, nos momentos iniciais da vida, para o desenvolvimento psíquico da criança, pois prepara a origem do Eu e permite o acesso do sujeito à ordem do humano. "Para que o psiquismo infantil entre em ação é preciso que, ao seu trabalho, se acrescente o da função de prótese do psiquismo materno", que é também objeto de um prazer erógeno indispensável para o funcionamento psíquico [...]. "Será este discurso e os alinhavos identificatórios fornecidos tão somente por ele, que o "infans", no momento em que adquire os primeiros rudimentos da linguagem (e passa ao estado de "infante"), deverá apropriar-se; é uma imagem do Eu que vem do Outro que fará inicialmente irrupção no espaço psíquico e dará paradoxalmente corpo a uma instância, o Eu, que terá o poder de se desprender de uma violência à qual ele deve sua origem".

O risco de excesso seria desejar, por parte da mãe (e também da criança) que este "status quo" permanecesse sem modificação. "[...] O desejo de que nada mude é suficiente para inverter radicalmente os efeitos daquilo que foi, durante um período, lícito e necessário, e transformá-lo naquilo que será por excelência a condição do pensamento delirante. Aspiração mantida por um desejo do qual a aloucada desmedida implicaria na exclusão da criança da ordem da temporalidade, na fixação de seu ser e de seu devir a esse momento no qual só pode conhecer e investir uma imagem dada pelo porta-voz, na impossibilidade de pensar uma representação que não tenha sido pensada e proposta pela psique do Outro". Este desejo tanático por parte da mãe de preformar os pensamentos da criança dificultará ou impedirá que aconteça o que normalmente deveria ocorrer: a capacidade por parte desta última de pensar seus próprios pensamentos.

[...] Neste caso a Mãe não reconhecerá no filho um sistema de significações que não seja a simples retomada, em eco, do sistema materno: "A criança se vê confrontada a um discurso no qual nenhum enunciado dá um sentido a sua presença. (Sente que) lhe é negado o direito à autonomia, para exigir que encarne alguém que já existiu. Lá, onde dever-se-ia construir um projeto, lá onde a noção de futuro deveria permitir ao Eu mover-se numa temporalidade ordenada, o retorno do mesmo estanca o tempo, em benefício da repetição do idêntico e inverte sua ordem, pois, aquele que deve tornar-se, descobre que ele é precedido por um passado e um antepassado, os quais lhe impõem o lugar e o tempo aos quais ele deve retornar. A sombra falada não antecipa o sujeito, ela o projeta regressivamente neste mesmo lugar que o porta-voz já ocupou no tempo passado". "[...] A mãe se forja uma representação ideativa do 'infans', através do discurso que ela mantém com ele, representação que ela começa a identificar como o 'ser' do 'infans', inevitavelmente forcluído de seu conhecimento". Assim a mãe poderá projetar na criança aquilo a que teve de renunciar, aquilo que perdeu ou que ela esqueceu de ter desejado; seus sentimentos de culpa, sua ambivalência, seus projetos de morte, seu Édipo não resolvido; "A mãe poderá falar no feminino à sombra de um corpo que tem pênis [...]". [...] É necessário que o enunciado da mãe possa ser posto em dúvida para que o Eu conquiste sua autonomia: "O primeiro testemunho desta autonomia será a possibilidade de pensar secretamente". "[...] Poder duvidar do que é ouvido é tão indispensável quanto poder duvidar da realidade de uma construção que se revela sob a égide da fantasia [...]".

Só assim poderá haver pensamento e o direito inalienável de poder pensar seus próprios pensamentos sem senti-los pertencentes a um outro, passando-se de um "Eu falado", pelo discurso do porta-voz, a um "Eu falo" o que quero falar, quando quero e a quem quero, tendo claro na mente o poder manter pensamentos secretos, durante um certo prazo ou para sempre, que ninguém tem o direito de extorquir. [...] Acho, porém, que não devemos concluir, lendo Piera Aulagnier, que todas as áreas secretas são para ela automaticamente pensamentos, pois é necessário diferenciar o pensar seus próprios pensamentos em segredo, das áreas tornadas mudas pela repressão, esquecimento e não percepção delas. Todavia para que a descoberta do poder pensar secreta e prazerosamente se faça, é preciso que ela não seja constantemente ameaçada pelo medo de punição, "[...] mas que o Eu entenda na voz do porta-voz o desejo de facilitar-lhe a realização". (Maggi, 1980, pp. 44-45-46-47)

- Folheio o livro Por dentro de um segredo, de José Luís Peixoto, sobre a Coreia do Norte. A leitura sobre a violência secundária me faz pensar na origem dos Estados totalitários. Olho para a capa do livro e dou um salto no pensamento: o desejo do Estado de possuir o entendimento de todas as necessidades do cidadão e todo saber sobre ele é o desejo de se constituir como a voz da verdade incontestável, não reconhecendo a sociedade como um sistema autônomo com o qual deve dialogar. A voz do Estado é o "som puro" que protegerá a sociedade das hostilidades internas e externas e que impossibilitará os cidadãos de pensarem uma representação (sobre si) que não tenha sido pensada e proposta pelo próprio Estado (esse Outro que nos impõe o seu discurso). Temos que ter muito cuidado ao escutar os líderes políticos. Nossos ouvidos não podem ser os de um "infans". Por dentro de segredo é um diário da visita do escritor português à Coreia de Norte, quando permitiram, em 2012, a entrada de alguns turistas à região, em função dos festejos da dinastia Kim, que governa o país com mãos de ferro há décadas. Não li o livro ainda. Mas me pergunto: quais os pensamentos secretos dos cidadãos da Coreia do Norte? Eles ainda se dão ao direito de pensar secretamente? Conhecê-los é penetrar em um dos países mais fechados do mundo. A Coreia do Norte é conhecida também como o Reino Eremita.

- Manter a curiosidade preciosa pelo outro, dizer, por meio do olhar, quero ver você, mesmo isolado, quero saber de você, quero saber que você existe, mesmo exilado de mim, quero que você saiba que existo, mesmo ausente da sua vida, eu existo, você existe, mesmo que eu não saiba de você, nem você de mim. José Luis Peixoto escreve:

Às vezes tenho medo de estar a criar uma distância insuperável entre mim e as pessoas que me são queridas. O perigo não é a distância física, os milhares de quilômetros que muitas vezes nos separam, o perigo é deixarmos de nos entender. [...] telefono à minha família, mas os lugares onde estou, aquilo que ouço e aprendo é muito diferente dos lugares onde eles estão, daquilo que ouvem e aprendem. A experiência que temos do mundo diverge cada vez mais. Utilizamos palavras, são as mesmas, mas têm significados diferentes. [...] Falamos ao telefone: Está tudo bem? Cá vamos andando, responde ela e respondo eu. O que significa aquilo que não dizemos? Tenho medo que os meus filhos nunca cheguem a entender aquilo que lhes conto quando ficamos em silêncio, quando o tempo passa e estamos juntos, no mesmo lugar, eu a conduzir em viagens longas com horizonte e eles, ao meu lado, a olharem pela janela, ou quando é fim da tarde, também com horizonte, em silêncio. (2012, pp. 15-16)

- A violência da incomunicabilidade humana.

- Uma das sequências mais bonitas na qual o jogo de luz e sombra está presente no filme de Bertolucci - esclarecendo a história em suas várias dimensões; o filme é um exemplo brilhante da harmonia entre forma e conteúdo a serviço de uma historia -, é quando Paul está deitado na cama, tocando gaita, em um raro momento de grande luminosidade sobre si mesmo. Paul começa a falar do pai e de sua infância. Recorda-se de uma estúpida ordem paterna para ordenhar a vaca antes de sair, uma ordem perversa. O cocô fica grudado no sapato, a humilhação diante dos amigos em consequência do mau cheiro que vem da sola que não foi possível limpar a tempo. Jeanne está no quarto com ele. Ela se movimenta. Provavelmente, passa diante da janela de onde vem a luz que ilumina o corpo de Paul. Sua sombra se projeta sobre ele. Esse deslocamento de Jeanne é compreendido através da sombra, a câmera está somente em Paul. Durante a passagem da sombra de Jeanne sobre Paul, ele se cala. Quando Jeanne acomoda-se de novo, Paul volta a falar. Mais adiante, outra sombra de Jeanne invade Paul, fazendo-o novamente se calar. Todos os movimentos de Jeanne são compreendidos através da sombra, a câmera continua em Paul. Após o segundo silêncio, ele começa a falar de sua mãe, alcoólatra, que o ensinou a amar a Natureza. A luz volta a se intensificar sobre ele, como se uma nuvem saísse da frente do sol. Surge a grande diferença entre a infância deles. A dela, bonita, singela, onírica; a dele, opressora, repleta de medos, raiva, nojo e abandono. Paul finalmente se levanta, coloca a gaita sobre a cabeça dela e diz: "Pensa que eu disse a verdade?". Nova dança de luzes e sombras. As fronteiras entre a verdade e a mentira, entre a realidade e a fantasia se deslocam o tempo todo. Desejos deslocam-se o tempo todo no filme. Há muitas sombras na parede agora. Jeanne joga a gaita no chão com raiva. Paul pega um pedaço de madeira em uma velha escada encostada na parede. Brinca com a madeira nas mãos como um malabarista. Jeanne começa a se masturbar deitada no colchão onde Paul estava. Ele a observa à meia-luz, sentado em uma poltrona velha.

Ela se vira sozinha. Ele está só. Ambos estão sós. Ele pega uma minúscula cúpula de abajur forrada de tecido xadrez, jogada ali na bagunça do apartamento. O objeto lembra algo muito acolhedor e familiar. Ele coloca a minicúpula no nariz, e respira. Jeanne goza sozinha. Ele chora. Ela nina o próprio corpo no colchão. Depois, ela se levanta e continua sua dança sensual, de costas para ele, com as mãos apoiadas na parede. Após o choro, ele apenas a observa, com a cúpula na mão. É lindo, lindo mesmo.

- Fiquei me perguntando se as sombras de Jeanne sobre Paul nessa cena não poderiam significar poeticamente, entre outras coisas, a projeção no corpo de Paul da violência dos desejos reprimidos dela, seus projetos perdidos, suas renúncias, impedindo assim que Paul "pense seus próprios pensamentos". Ele sempre se cala diante da sombra de Jeanne, e seu desejo é falar. O silêncio não é o desejo dele. Ele deseja falar sobre seu passado. Jocosamente, poderíamos dizer que ele se torna uma sombra calada. Sim, mas não. Ele, por alguns segundos, calado, é a sombra falada dela. Ele pressente que ela não quer ouvi-lo, que ele deveria ser tão somente o porta-voz dela naquele momento, o porta-voz dos desejos abissais que vão emergindo justamente diante do discurso autônomo dele. Ele se cala, intimidado, sob a sombra. Só depois que a sombra passa, ele volta a falar. Ela quer o homem-delírio, sem história, em um apartamento fora do tempo, para amá-la e satisfazê-la, sem questionamentos, obstáculos, biografia. Afinal, como ela mesma diz no início do filme, "[...] é lindo não saber de nada", mesmo que, paradoxalmente, seja uma condição insuportável. A sombra de Jeanne projetada sobre Paul desautoriza por completo o discurso do Sujeito Paul, que começa a revelar sua humanidade. A sombra de Jeanne é excessiva, invasiva, erógena, sedutora, bela, constrangedora. Marlon Brando/Paul expressa lindamente o incômodo da sombra de Maria Schneider/Jeanne sobre ele. Paul quer renascer como sujeito, após o suicídio da esposa. Duas forças estão em jogo dentro dele: a vida e a morte. Antes de iniciar seu discurso, ele toca gaita. A música é a conexão de um resgate possível. Ela faz a ponte entre o homem-sem-nome e o homem-com-história. Ela é a nossa incrível memória afetiva. Na cena, no filme, sempre que um desejo parece concretizar-se, logo a sombra do desejo contrário se manifesta. Quando o homem-sem-nome quer revelar-se, Jeanne projeta sobre ele sua sombra, "censurando-o"; quando o homem-sem-nome quer ficar para sempre sem nome, Jeanne remexe os bolsos do paletó dele em busca de pistas reais sobre o sujeito que se esconde. Os Eus autônomos não se encontram. Sempre que o Eu autônomo de um aparece, o outro foge ou o oprime de algum modo. Nossos jogos secretos. Afora a cena dos grunhidos, em que há harmonia, todos os outros encontros estão marcados por algum tipo de dominação. A sombra de Jeanne sobre o corpo de Paul preconiza o desejo pelo eterno gozo. A insaciável fêmea que repele e atrai o macho. O insaciável macho que repele e atrai a fêmea. Jogo feroz de vida ou morte, base de nossas ambiguidades profundas, de nossas eternas frustrações, fantasias e complexos. Onde vivem muitos dos nossos segredos. Jeanne caminha para o gozo solitário. Vontade de gozar para sempre e não ouvir o outro (na maioria das vezes o Outro é sempre excessivo). Esse é o segredo que está por trás do desejo de imortalidade. Não viver para sempre, mas gozar para sempre, e calar o Outro; segredo de nossa imaturidade.

- "Você quer me cortar?", pergunta Jeanne a Paul na sequência do banheiro, quando ele faz a barba com a navalha que a ex-mulher usou para cometer o suicídio. "Não", ele responde. "Seria como escrever meu nome na sua cara". Você quer me contar/cortar com o seu nome? Todo nome é um corte. O próprio corte. A violência primária. O nome é o corte do cordão umbilical do Ser com o Cosmo. E qual a potência desse corte? Por que na relação amorosa pode-se dizer a verdade, mas nem sempre se pode dizer os nomes contidos nessa verdade? Nomes trazem para a cena "uma distância". Não sei exatamente o que quero dizer. Mas quero saber: o que posso contar/cortar que multiplica a vida? O que posso revelar que trará de volta o cordão com a vida?

- O rabino Nilton Bonder, em seu livro O segredo judaico de resolução de problemas, conta um caso verídico ocorrido na Polônia.

[...] gritos aterrorizantes nos fundos do quintal de uma noiva nas vésperas de suas núpcias davam o que pensar. Rapidamente, o rabino da localidade foi trazido até a casa para elucidar o mistério. Ele, porém, também ouviu os terríveis urros que provinham do quintal nos fundos da casa e ficou bastante assustado. Resolveu que não iria pessoalmente ver do que se tratava, pois poderia ser muito perigoso. Mandou buscar o tolo, o lunático da cidade, para que este fosse ver a origem de tão terrível grito. O rabino tinha certeza que estava diante de uma situação extremamente complexa e perigosa. O tolo foi trazido e enviado na direção de onde provinha o aterrorizante ruído. Não tardou muito e retornou bastante descontraído. [...] Segundo ele, os gritos não passavam de algo bastante explicável. Uma velha árvore tombara e seu tronco ficara no chão. Com o tempo, o tronco havia ficado oco e agora o vento passava por dentro dele, produzindo aquele som. Não passava, portanto, de um efeito sonoro causado pela passagem do vento por dentro do tronco em decomposição. Todos ficaram aliviados, com exceção do rabino. Naquela noite, ele reuniu toda a sua comunidade e recomendou que fizessem suas malas - iriam embora. Para o rabino, o sinal era evidente. [...] sua comunidade foi integralmente salva da loucura nazista, que se instalara pouco depois deste incidente. [...] tolos não enxergam o aparente do aparente, por isso são tolos ou lunáticos [...]. Compreendemos que a convocação do tolo não é uma atitude cruel de arriscar a sorte de um pobre coitado em perigos a que os sábios não gostariam de se expor. O tolo é um instrumento. Ele mede, através de sua ingenuidade, a presença de elementos ocultos. [...] O rabino respeitara a qualidade de "tolo" e deu-lhe legitimidade; a comunidade, por sua vez, respeitou a qualidade de "sábio/ rabino" e deu-lhe legitimidade. Resgataram, assim, num procedimento de inversões de valores - louco fala sabiamente e rabino fala supersticiosamente -, uma informação que não está disponível na dimensão das evidências. (Bonder, 1995, pp. 135-136)

"Ingenuidades, sensações, premonições, sonhos, imagens recorrentes, mistérios do passado, coincidências que nos arrebatam", em diálogo com nossos "sábios interiores", são pontes para a sobrevivência, manter esse diálogo interno aberto.

- No Teatro, há uma medida perfeita na relação diretor e atriz, quando o diretor transmite seu conhecimento, que de início perturba a atriz, mas depois faz com que ela ganhe voo e autonomia. Rara relação de generosidade mútua. Quando o diretor sabe que a atriz elabora para si mesma todo seu ensinamento e não perturba essa elaboração, não a invade, não quer que ela conte para ele como ela entende suas ideias, com a malícia de controlá-las dentro dela, para saber sempre o que ela vai dizer sobre ele e o trabalho dele nos jornais, TVs ou coxias.

Pelo contrário, admira a atriz que não repete aos outros como um papagaio o que ele diz, mas o faz por meio de suas próprias palavras e sentimentos. O aprendizado é dela e pertence a ela, que o adquiriu através de seu esforço de compreensão e entrega. E ela pode seguir adiante, como uma artista livre, transmitindo sua própria experiência, olhando para trás com gratidão e alegria. Relações como essas são dificílimas, raras, mas possíveis. A entrega da atriz é também para o diretor uma fonte de conhecimento. Tenho histórias bonitas para contar. Histórias de idas e vindas, nenhuma linear, mas muito felizes. Muitas delas, também, com atores e atrizes. Acontece graças ao respeito mútuo em relação ao "pensar secretamente", suportar a "violência" dos acontecimentos, e dividir o pensar de forma espontânea, livre, sem paranoias, chantagens, ou receios. Pressupõe abrir mão do domínio do outro, quando então podemos ser gaivotas, singrar os mares em busca de alimento, espaço, beleza e luz. Em paz com o outro e consigo, levando no coração as próprias poesias e profecias; um sonho ainda possível.

- "Eu não falo tudo, mas pinto tudo", Pablo Picasso (lembrança de um livro).

- Dois segredos, dois projetos, um de vida, outro de morte, presentes em dois trabalhos distintos. Um, na peça teatral Silêncio!, de Renata Mizrahi e Priscila Vidca; outro, em uma cena do filme O segredo dos seus olhos, de Juan José Campanella. Na peça, o Sujeito sempre mudo e submisso livra-se do peso de seu silêncio e legitima a construção de sua vida perante a própria família, apesar de sua origem marginal. No filme, o Sujeito, protagonista de uma busca legítima por justiça, é flagrado, anos depois, solitário em seu sítio, acorrentado ao passado, carcereiro do assassino de sua esposa. Quando o segredo protege, quando o segredo destrói o indivíduo. Silêncio! estreou no Rio de Janeiro em 2014 e foi indicada a diversos prêmios; a atriz Suzana Faini ganhou os Prêmios CESGRANRIO e FITA de Melhor Atriz. A peça narra a história de uma família judia que se reúne no Shabat, que coincide com o aniversário de uma das filhas do casal principal, David (Jitman Vibranovski) e Esther (Suzana Faini). Esther é uma mulher conservadora, sarcástica, autoritária, portadora de complexo de superioridade em relação a todos. Esther e David se conheceram no dia do casamento e construíram, apesar dos diferentes temperamentos, uma vida digna, baseada em valores éticos e religiosos. Durante o jantar, que se desenrola apesar dos pesares, David, já um pouco alto de vinho, dá um basta à sua situação humilhante de marido passivo e, diante de Esther e de toda a família, rompe com o silêncio que mantém há décadas. Esther fica muda, estupefata, dominada pela primeira vez pelas forças avassaladoras e contraditórias da vida.

Cena da peça:

[...]

David - Pode falar.

Clara - (Baixo e Rápido) - Porque você é filho de uma polaca.

David - Fala alto, por favor!

Clara - (Pausa. Fala alto e claro) - Porque você é filho de uma polaca.

(Silêncio. Constrangimento geral).

David - Eu sou filho de uma polaca! (Esther respira com dificuldade.) Minha mãe. Vinda da Polônia. Casou com um cafetão que eu nunca conheci, ou conheci, não sei. Trabalhou como prostituta. Eu nasci em uma casa de prazer na Praça Tiradentes. Fui criado lá por ela e suas amigas, mais conhecidas como suas irmãs, minhas tias. Até os 12 anos de idade. Quando ela morreu de sífilis. Foi enterrada no cemitério em Inhaúma. Cemitério este em que vou todo ano desde sua morte fazer o Kadish. E eu fui adotado por sua irmã, também prostituta, dona Rosa, que todo mundo conheceu como minha verdadeira mãe. Que todo mundo pensou que fosse uma francesa muito requintada de família rica. Dona Rosa me levou embora. Me ajudou nos estudos até eu me formar em Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dona Rosa, que você conheceu como sua sogra, sempre trabalhou como prostituta, até viajar pra Israel e morrer lá, seu grande sonho. E implorou, como assim fez minha mãe, pra que eu nunca contasse a ninguém sobre minha verdadeira origem. Devido à grande vergonha que sentia, uma vergonha tão grande, que era maior que a vontade de existir. E também com medo de que, sabendo os outros sobre minha origem, fechassem todas as portas pra mim, como fizeram com todas elas. (À Esther.) Como fizeram seus pais. (Esther respira ofegante.) Assim o fiz. Exatamente como pediram. Nunca neguei, apenas escondi. Sim. Sei que se não tivesse te escondido, nunca teríamos nos casado. Sim. Preferi conviver com seus preconceitos a ter que te contar. Como a vida é mesmo incoerente e irônica, nos casamos primeiro e te conheci depois. E escolhi estar com você mesmo assim. Fiz bem? Eu não sei. Nunca vou saber. O que importa é que você tem razão, chega de beber, é tempo de assumir quem eu sou. Vou en-tender se quiser ir embora, depois de tudo que ouvi de sua boca, depois de tudo o que você ouviu da minha, vou entender. Talvez te deva desculpas. Me calei todos esses anos pra cuspir tudo de uma vez só na sua cara. O seu preconceito alimentou minha vergonha. Me deixou abismado. Mas agora me enche de coragem. Estou velho e não posso morrer com tudo isso dentro de mim. Só não duvide da minha sinceridade. Talvez tenha me calado por culpa ou amor. Não importa. Eu te perdoo. E só agora, velho, consigo enxergar. Só espero que não tenha sido tarde demais. Terminar esse livro é a única coisa que justifica toda a minha existência. A história de um homem mudo. Eu. Uma vida disfarçada. Eu poderia escrever sobre a minha mãe. Rebeca Dorne. Sim é daí que você carrega meu sobrenome, Esther Dorne. Da minha mãe. Rebeca Dorne. Uma prostituta polaca. Mas preferi falar de mim. De tudo o que senti e que ainda sinto. O respeitado engenheiro David Dorne vai assumir sua origem. De onde vem o respeito pelo outro? De quem ele é, ou de onde ele veio? Por isso, Clara, não pare sua pesquisa por nada. Ela me mantém forte na minha decisão. Me desculpem, não me aguento mais em pé. É a bebida, a melhor amiga dos covardes. (David cai.)

- O segredo dos seus olhos é um thriller de suspense e amor. Vou focar apenas na cena em que o oficial de justiça aposentado, Benjamin Espósito (Ricardo Darin), visita, depois de muitos anos, o amigo Ricardo Morales (Pablo Rago), que vive isolado em um sítio. Após o encontro, Benjamin, desconfiado do comportamento arredio do amigo, se esconde e descobre que ele mantém sob cárcere privado o assassino da própria esposa, estuprada e morta há anos por um psicopata que fora descoberto, preso e julgado, porém libertado graças a um sistema penitenciário corrupto. Ricardo era apaixonado pela esposa, a esposa por ele; eram jovens, felizes, o crime é um rompimento insuportável, agravado pelas injustiças de um sistema penal podre por dentro. Benjamin entra no depósito abandonado, os amigos se olham. Ricardo não reage à presença repentina do amigo; tem nas mãos o prato de comida que diariamente coloca na clausura do prisioneiro. O assassino não implora a Benjamin que o liberte. Implora para que ele peça a Ricardo que lhe dirija a palavra. "Pede pra ele falar comigo", suplica o assassino. Há anos Ricardo limita-se a colocar a tigela de comida na cela e sair. "Prisão perpétua", diz Ricardo a Benjamin, "essa foi a sua promessa, prisão perpétua". Foi Benjamin quem desvendou o crime; ele olha o amigo, assombrado, e vai embora. Não é da sua jurisdição nem prender o amigo, nem libertar das grades da incomunicabilidade o assassino, nem tampouco permanecer ali, testemunhando uma relação secreta e ilícita.

- As duas cenas me comovem. Na do filme, todos os papéis estão invertidos, reverso do que tínhamos visto. O ex-oficial não sabe mais o que é justiça, o psicopata está visivelmente fragilizado, o marido não tem mais o olhar afetivo. O marido aprisionou-se em seu luto ou em uma das formas mais perversas de melancolia. Não há superação. Não há substituição de objeto amoroso. O avesso do passado, gerando um presente sombrio, gélido, sem futuro possível. Amores repetidos, com máscaras invertidas. Deslocamentos doentios da libido. Projeto de morte, alimentar na própria casa (corpo), aquele (aquilo) que interrompeu o fluxo prazeroso da libido. Alimentar no próprio corpo o inimigo, internalizá-lo, a ponto de se identificar com seu encarceramento. O Sujeito acorrentado a um código penal (moral) secreto. Já na peça Silencio!, David se liberta, se cura. Apesar de toda humilhação sofrida pelos preconceitos, David manteve-se lúcido, honrou secretamente sua origem de forma lícita, investiu em afetos e teve forças, em idade avançada, para homenagear abertamente aquelas que lhe deram a vida, o amor, e a força de seu caráter. Sua revelação não deixa de ser uma homenagem a si mesmo.

- Nomes, esquecimento, segredos, impossível não pensar no Mal de Alzheimer, infelizmente, doença tão comum hoje em dia. Uma das características da maioria dos pacientes é a vontade de "voltar para casa". Voltar para a casa significa em algumas doutrinas espirituais do Oriente "voltar-se para o coração". Se os surtos psicóticos têm a ver com os segredos incomunicáveis que o Sujeito protege a qualquer preço, fragmentando sua personalidade ao infinito, como afirma Amina Maggi, talvez o Mal de Alzheimer tenha a ver não só com a imensa dificuldade em superar perdas, mas também com a experiência extrema de não confiar que existimos de fato como potências. Impedidos de nos afirmar como potências, temos imensa dificuldade em elaborar as perdas mais graves e difíceis da vida; potencializar-se é voltar-se para o coração.

- O texto a seguir dispensa comentários:

No fim dos anos 1990, um consórcio espacial russo-europeu anunciou seus planos de construir e colocar na órbita terrestre satélites que refletiriam a luz do Sol para a Terra. O esquema exigia uma corrente com vários satélites em órbitas sincronizados com a do Sol, a uma altitude de 1700 quilômetros, cada satélite equipado com refletores parabólicos retráteis feitos de um material finíssimo. Quando completamente abertos, cada satélite-espelho, com duzentos metros de diâmetro, teria a capacidade de iluminar uma área de 25 quilômetros quadrados da Terra com uma luminosidade quase cem vezes maior do que a da Lua. O impulso inicial do projeto era fornecer iluminação para a exploração industrial e de recursos naturais em regiões remotas com longas noites polares na Sibéria e no leste da Rússia, permitindo trabalho noite e dia ao ar livre. Mas o consórcio acabou expandindo seus planos para incluir a possibilidade de fornecer iluminação noturna para regiões metropolitanas inteiras. [...] o slogan da empresa era "luz do dia a noite toda". A oposição ao projeto surgiu imediatamente e de diversas direções. Astrônomos expressaram receio de que houvesse consequências para a maior parte da observação espacial a partir da Terra. Cientistas e ambientalistas declararam que haveria consequências fisiológicas prejudiciais tanto para os animais quanto para os humanos, uma vez que a ausência de alternância regular entre dia e noite interromperia vários padrões metabólicos, incluindo o do sono. Houve também protestos de grupos culturais e humanitários, que alegaram que o céu noturno é um bem comum ao qual toda a humanidade tem direito, e que desfrutar da escuridão da noite e observar as estrelas é um direito humano básico que nenhuma empresa pode anular. [...] Defensores do projeto, todavia, afirmaram que tal tecnologia ajudaria a diminuir o uso noturno de eletricidade e que a perda do céu noturno e sua escuridão seria um preço pequeno a pagar pela redução do consumo global de energia. [...] esse empreendimento, ao fim inviável, é um exemplo particular de um imaginário contemporâneo para o qual um estado de iluminação permanente é inseparável da operação ininterrupta de troca e circulação globais. Em seus excessos empresariais, o projeto é uma expressão hiperbólica de uma intolerância institucional a tudo que obscureça ou impeça uma situação de visibilidade instrumentalista e sem fim. (Crary, 2014, pp. 13-14)

- Segredos são paraísos ecológicos do planeta Eu, reservas biológicas da psique humana, resistência a sistemas totalitários. São também globos giratórios com vidrilhos espelhados à superfície que refratam a luz, alucinando tudo e todos. Uns são escolhas, outros, destino; uns são prazerosos, outros, dolorosos; uns lícitos, outros ilícitos. Na interface de suas fronteiras, nossa vida. Há sempre boas razões, como diz Freud, para as nossas enfermidades. E haverá também muitas delas para a nossa alegria. Desfrutar da escuridão, observar as estrelas, alternar noites e dias, descansar do consumo, suportar a força criativa da libido, regar a flor da autonomia. E aqui uma homenagem à memória, função resultante de tantos mistérios, pelos quais passa necessariamente a vida.

- Et cetera.

 

REFERÊNCIAS

Bertolucci, B. (1972). O último tango em Paris. Edição Clássicos (DVD).         [ Links ]

Bonder, N. (1995). O segredo judaico de resolução de problemas. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Campanella, J. J. (2009). O segredo dos seus olhos. Europa Filmes.         [ Links ]

Crary, J. (2014). 24/7 - Capitalismo tardio e os fins do sono. (J. Toledo Junior, trad.). São Paulo: Cosac Naify.         [ Links ]

Eco, U. (2010). A vertigem das listas. (E. Aguiar, trad.). São Paulo: Record.         [ Links ]

Freud, S. (2013). Luto e melancolia. In S. Freud. Obras Completas (P. C. Souza, trad., Vol. 12, pp. 127-144). São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Maggi, A. (1980). Último tango em Paris - Áreas secretas. ide 1(1),33-48.         [ Links ]

Peixoto, J. L. (2012). Por dentro do segredo. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Picasso, P. (1985). O pensamento vivo de Picasso. (J. G. Simões Jr., trad.). São Paulo: Martin Claret.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
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Recebido 31.05.2015
Aceito 13.06.2015

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