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versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.40 no.64 São Paulo jul./dez. 2017

 

EM PAUTA | INTERPRETAÇÕES DA CULTURA

 

Lola, corrupção e narcisismo social

 

Lola, corruption and social narcissism

 

 

Camila Salles Gonçalves

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora assinala alguns aspectos da arte cinematográfica que podem ser vistos, em seu modo peculiar, nesse filme de Fassbinder. Considera ser possível falar sobre o sentido do roteiro sem esquecer o modo artístico de apresentá-lo. Faz uma leitura da história por meio da utilização de conceitos psicanalíticos e filosóficos, de Fabio Herrmann e de Theodor Adorno, e comenta cenas considerando imagens que podem trazer uma visão original do tema corrupção.

Palavras-chave: Discurso cinematográfico. Planos. Corrupção. Narcisismo social. Quotidiano.


SUMMARY

The author points out some specific aspects of cinematographic art that can be seen in their peculiar faction in this Fassbinder film. She intends that it is possible to speak about the meaning of the script without forgetting the artistic way of presenting it. She makes a reading of the whole story through the use of psychoanalytic and philosophical concepts from Fabio Herrmann and Theodor Adorno and comments some scenes considering the images that can be taken in a original vision of the theme corruption.

Keywords: Cinematographic art. Plans. Corruption. Social narcissism. Quotidian.


 

 

Em uma das apresentações do Ciclo de Cinema e Psicanálise, na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), programada na seleção em torno do tema Corrupção1, tive a honra e o prazer de participar com comentários a respeito do filme Lola, de Rainer Werner Fassbinder. Exponho agora as notas que, na ocasião, apresentei de forma reduzida.

A obra inspira-se no clássico Anjo Azul (que deu a Marlene Dietrich uma enorme fama), de Joseph Von Sternberg, de 1930, cujo roteiro, por sua vez, é uma adaptação do romance de Heinrich Mann, Professor Unrat.

Estrelado por Barbara Sukowa, Lola (1981) é considerado o último filme da trilogia sobre o milagre econômico alemão, após a Segunda Guerra Mundial. Os anteriores são O casamento de Maria Braun (1979) e O desespero de Veronica Voss (1982).

 

Sinopse

Lola é cantora em um cabaré frequentado pela elite financeira masculina de Coburg, liderada pelo empreiteiro Schuckert. Dez anos após a guerra, momento em que a palavra de ordem é reconstruir, chega à cidade Von Böhm, designado para o cargo de secretário de obras. Ele se envolve com Lola, é levado a transformar seu comportamento e fica à mercê dos poderosos corruptos do local.

 

Assinalamentos sobre o discurso cinematográfico

Na abertura do filme, deparamo-nos com uma imagem fixa, uma foto em preto e branco de Adenauer, que foi ministro das relações exteriores da Alemanha Ocidental entre 1949 e 1963, sentado ao lado de um gravador. A única coisa que se sabe a respeito dessa imagem é que o chanceler está muito distante da realidade. Nesta situação, entre o mordaz e o patético, uma canção, que poderia vir do gravador, acompanha a aparição de Adenauer. Fala do desejo de explorar novas terras e da vivência de solidão, uma vez no estrangeiro, do sentimento de abandono e de saudade da terra natal. Que terra natal é essa? Que Alemanha é essa?

Sobre o fundo paralisado, o movimento de letras coloridas vai trazendo os créditos dos participantes e termina numa dedicatória, que não deve passar despercebida, a Alexander Kluge. Este escritor e cineasta, nascido em 1932, considerado por muitos um filósofo político, conviveu com Theodor Adorno e Fritz Lang2 e foi um dos autores do Manifesto de Oberhausen (1962), que desencadeou um movimento do cinema novo alemão, do qual participaram vinte e seis cineastas, dentre os quais Fassbinder, Werner Herzog, Margareth Von Trotta, Volker Schlöndorf e Wim Wenders. Kluge punha em questão todo tipo de instituição, sobretudo o Estado.

Entram as cenas: surgem a cor e a iluminação intensas, fantásticas. Somos postos diante de cabelos avermelhados, em close, que tomam toda a tela. Plano original, sem dúvida. Penso que vale ressaltar este aspecto da formação de cenas e sequências, o poder da linguagem cinematográfica no estilo de Fassbinder, modos pelos quais ela nos implica.

Evoco mínimas definições que apontam para a especificidade da linguagem, compartilho o que, para mim, aguça a percepção e a fruição. Assim, sugiro que tenhamos presente que "O plano corresponde a cada tomada de cena, ou seja, à extensão do filme compreendida entre dois cortes, o que significa dizer que o plano é um segmento contínuo da imagem" (Xavier, 1977, p. 19). Creio que, para que nos detenhamos um pouco na criação daquilo a que assistimos, convém também destacar a função da decupagem na feitura do filme,"o processo de decomposição do filme (e portanto das sequências e cenas) em planos" (Xavier, 1977, p. 19). A meu ver, certos planos escolhidos por Fassbinder, ao causar proximidade excessiva, paradoxalmente, produzem, ao mesmo tempo, estranhamento. Ainda, aproximam-se de forma tal que podem conduzir o espectador ao oposto, ao distanciamento.

Na primeira sequência, seguindo-se aos (seus) cabelos, aos poucos, Lola aparece e, a partir de detalhes, somos introduzidos em um cenário. Começamos a entrar em contato com o estilo de seu camarim. O que vemos está primeiro no fundo do espelho, diante do qual ela se maquilla. Lola pode ver Esslin e escuta suas frases, que as toma como poesia. Notemos os planos e os enquadramentos: ela aparece no espelho, de costas para o camarim. Primeiro, imagem no espelho, distanciado, Esslin fala. Nós, espectadores, vemos que ele está manipulando pequenos objetos de plástico, globos, semelhantes a pesos de papéis, antigamente de vidro, que tem dentro uma paisagem e neve. São o fake deliberado do objeto do cidadão Kane, do filme de Orson Welles, em presença do qual o protagonista, na hora da morte, pronuncia a palavra rosebud.

Ainda de costas para ele, Lola lhe pergunta por que só traz poemas tristes. Ele responde que a alma é triste. Ela ainda quer entender por que. Ele lhe diz que é porque a alma sabe mais do que o entendimento. É aí que Lola, por assim dizer, sai do espelho. Movimenta-se de corpo inteiro (o inteiro sugerido pela imagem, como sói acontecer), caminha agitada, contestando, dizendo que é exatamente o contrário, que o entendimento sabe mais do que a alma. A oposição entre alma (Seele) e entendimento (Verstand), colocada nas opiniões emitidas pelas personagens, prenuncia questões que a trama do filme irá sugerir. Nesse momento, na fala de Lola, a opinião é veemente, irritada, defendida como se fosse a afirmação de sua própria existência. Ao longo do filme, constataremos que a racionalidade que ela defende, e pela qual julga se nortear, é indissociável do seu desejo de ser uma pessoa calculista.

A sequência seguinte passa-se no banheiro masculino do bordel. Schuckert brinca com o prefeito, que lhe pede para fazer menos alarde de sua presença. Schuckert acha graça porque, como lhe diz, ele está sempre lá. Mas o prefeito retruca, afirmando que não é necessário que saibam a cada vez. O empreiteiro permanece com seu humor jocoso e, quando Esslin entra, faz provocações, incluindo a vinda do secretário de obras, que será seu chefe no emprego.

Não vou relatar o script, é claro. Mas quero ainda me referir ao uso da cor e da iluminação, pois vemos que estas, às vezes, dividem as imagens por meio de procedimentos, tais como, na mesma cena, colocar duas personagens sob luzes diferentes. Creio que o exemplo mais marcante está na situação em que Von Böhm e Lola conversam no carro, ele sob luz azul e ela sob luz vermelha. Também chamo a atenção para as molduras que aparecem em várias cenas, nas quais, para alguns, o efeito estético acarreta distanciamento, que se pode chamar brechtiano, no sentido de conter o envolvimento e/ou a identificação direto do espectador e preservar sua consciência crítica. No início do filme, Lola é emoldurada pelo espelho. Mais adiante, acompanhamos um diálogo de Von Böhm com sua secretária, que se dá dentro de uma janela.

Espero que esses poucos exemplos sugiram algo da brilhante montagem de Fassbinder. Cito um texto de crítica de cinema que nos lembra de que a montagem veio a ser o processo essencial da arte cinematográfica, a partir do momento em que as cenas não tiveram mais que ser projetadas na ordem em que iam sendo filmadas. Assim,

O cinema é arte por ser o produto de uma construção difícil e sutil, em que inúmeros fatores intervêm, fatores plásticos, conflito de volumes, conflito de luz, conflito de massas, duração de tomadas, contraponto entre as várias durações, progressão do tema etc. (Almeida Salles, 1988, pp. 40-41)

As sequências montadas por Fassbinder mostram imagens caricaturais, sem abrir mão de cenas de intensa beleza e de desespero disfarçado de algumas personagens. Em sua construção complexa, entre o ridículo e o patético, sobressaem o irônico reverso da propaganda da Nova Alemanha e a busca desenfreada de ascensão social e de modernidade política.

Fassbinder criou um painel em miniatura da Alemanha em meados dos anos cinquenta e o pôs em movimento. Sem dúvida, sua arte é um forte apelo para a reflexão. Obra-prima, o filme desencadeia um vendaval de ideias e de perspectivas. A corrupção é um dos eixos manifestos da trama. O assunto é escancarado, nomeado pelas personagens, diversas vezes e de diversas formas. Se a corrupção é o óbvio, a marca do filme é associá-la com a reconstrução da Alemanha e da identidade dos alemães. O discurso cinematográfico permite-nos entrever mecanismos e dispositivos que produzem esse tipo de sociedade e são por ela produzidos.

 

A sociedade

Para refletir sobre a farsesca Coburg, adotei um ponto de vista apoiado na imbricação entre psicanálise e filosofia, utilizando conceitos de Fabio Herrmann e de Theodor Adorno, como chaves ou operadores de leitura.

A corrupção é a normalidade em Coburg, apesar do ingênuo maniqueísmo professado por Lola, quando, num arroubo de bom mocismo, a partir do papel que desempenha sob a identidade de Marie Louise (sua identidade civil), ela previne o secretário a respeito do lado da cidade que ele não conhece, dando a entender que há uma contradição entre o quotidiano e uma essência maligna.

Na teoria dos campos, teoria psicanalítica freudiana, criada e desenvolvida por Fabio Herrmann, encontramos concepções que permitem um exercício de análise daquilo que sustenta o quotidiano. Quando o que é esperado, o que se repete, por algum motivo se rompe, surge a falta de sentido da existência ou, como cabe dizer nesse contexto, a falta de roteiro da vida. Sob a superfície aparencial, está o absurdo, a outra face da rotina: "O verdadeiro absurdo não é o inusual, mas o costumeiro, quando suas regras de constituição se deixam entrever. O nome do princípio do absurdo, portanto, foi-lhe aplicado simplesmente por ser a regra patenteada do quotidiano" (Herrmann, 1997, p. 77).

Também a concepção herrmanniana de inconsciente recíproco provê uma leitura da dinâmica que existe entre os poderosos de Coburg e os que deles se acercam. Trata-se do inconsciente que há no campo da ação, em "movimentos que pareceriam independentes uns dos outros" (Herrmann, 1998, p. 100). Dá-se no reino do contágio. Não basta que os homens se tolerem numa empreitada, é preciso que se atraiam, que se fascinem (Herrmann, 1998, p. 101). No filme, podemos encontrar vários exemplos da interdependência não reconhecida pelos supostos agentes, em cenas de coatuação dos representantes da elite e, até, na cena da adesão de Esslin à posição de Shuckert, Esslin de quem esperaríamos que agisse de acordo com o pensamento de Bakunin, que gostava de ostentar.

Menciono agora ideias de Adorno, que podem estimular nossa especulação, não a respeito do que está por trás da rotina dos coburgueses, mas daquilo que a caracteriza. O pensador frankfurtiano escreveu, nos anos 19503, um artigo denominado "O que significa renovar o passado?" (Adorno, 1969, p. 117), em parte fundamentado por textos de Freud. Nele, analisa a ideia, disseminada após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo durante o chamado milagre econômico alemão, de renovar o passado da Alemanha. Mostra-nos como esta funciona na direção de apagar da memória o passado.

Sobre a pergunta que dá nome a seu artigo, ele nos diz que é ocasionada por formulações, frequentes na época, que visam estabelecer um final para a culpabilidade pelo passado recente. Constata haver uma tendência a se rechaçar a culpa, por meio do pensamento de renovação. Entende que está aí o motivo para se refletir sobre um terreno, do qual podia dizer que "procede tanto horror, que ainda hoje se teme designá-lo por seu nome" (Adorno, 1969, p. 117).

Haveria, no ar, argumentos sustentando a proposta de renovação que se revelariam não só como de apagamento do passado, mas também de aniquilação da história. Adorno afirmou que era difícil compreender como os homens não se envergonhavam de sustentar teses tais como alegar que não tinham sido seis milhões de judeus mortos nas câmaras de gás, segundo o divulgado, mas cinco. E que o sentimento de culpa, quando exteriorizado, devia ser visto como causado por patologias individuais. Caso contrário, serviria ao propósito de destruir, perante outros países, a imagem da Alemanha que se renovava. Listou vários outros exemplos da imbecilidade de justificativas para o esquecimento.

Entretanto, assinalou, a forma não era direta: alegava-se que aqueles que eram presa de sentimento de culpa tinham uma mentalidade que não era normal, levavam uma existência doentia, não conseguiam pensar no presente, engajar-se na renovação, necessitavam de ajuda psiquiátrica. Em síntese:

Falar de um complexo de culpa tem algo de irreal. Em psiquiatria, de onde provém esse vocabulário e a cujas associações se recorre, o termo indica que o sentimento de culpa é enfermiço, inadequado à realidade, psicógeno, como o chamam os analistas. (Adorno, 1969, p. 119)

Haveria uma óbvia dissociação entre a culpa e a vida social. E, para acabar de vez com a culpabilidade, além de interpretada como distúrbio de poucos, ela seria resultado da imaginação enfermiça de determinados indivíduos. Adorno apontou a crença na não existência de uma sociedade que se culpa:

Com a palavra "complexo" suscita-se a impressão de que a culpa, cujo sentimento tantos tratam de fazer desaparecer, reagindo contra ele ou ocultando-o mediante racionalizações insensatas, não é, na realidade, culpa alguma, reduzindo-se a um fenômeno subjetivo, a um fenômeno anímico: o passado terrível e real é desarmado, sendo convertido em uma pura fantasia dos que se sentem afetados. (Adorno, 1969, pp. 119-120)

Por outro lado, tabus oficiais impediriam a emissão de opiniões que abrigassem a ira restante e o ressentimento, efeitos de se ter perdido a guerra. As "opiniões não públicas" permaneceriam, mas não poderiam ter lugar. Para Adorno, os procedimentos de amenização do passado não decorreriam do poder do inconsciente, mas, pelo contrário, de uma consciência "demasiado desperta" (Adorno, 1969, p. 122).

Era inconveniente admitir sentimentos que não podiam ser separados do fato da derrota da Alemanha e sentimentos despertos pela reeducação política para a adequação à democracia. A democracia não teria acontecido no curso do movimento de um processo histórico, em que os homens viriam a ser cidadãos capazes de reconhecer a si mesmos como sujeitos agentes (do próprio processo). Teria surgido como um sistema qualquer, escolhido em uma lista de sistemas possíveis, como em um catálogo. Podia ser aceito enquanto favorável à prosperidade. Lembremos a cena em que o prefeito de Coburg pronuncia seu nome, Democratie, com ar de conformismo forçado, e Schuckert dá sua contribuição para a coleta dos manifestantes (contra a corrente) que denunciam os efeitos da guerra. Sorrindo com desfaçatez, o empreiteiro acena com também ter colaborado com o outro lado, a igreja. Nesse cenário, a meu ver, fica representada a convicção do filósofo, de que a democracia estaria sendo defendida enquanto "sistema que funciona, como o que, nos Estados Unidos se denominaria a working proposition" (Adorno, 1969, p. 122).

Contudo, há mal-estar em Coburg. É evidente que o culto insólito de Von Böhm à cultura milenar chinesa e o estilo contrafação ou brega de seus aposentos podem ser por nós associados com as fantasias greco-romanas de Hitler, mas relacionam-se também com um mundo bem distante, no tempo e no espaço.

Adorno cita "Psicologia das massas e análise do eu", de Freud, para analisar o pânico que assoma quando as identificações coletivas se rompem. O nacional-socialismo teria estimulado ao extremo o narcisismo coletivo, gerando vaidade e orgulho nacionais incomensuráveis. Uma das reações ao narcisismo coletivo ferido, diante dos fatos inegáveis da queda de Hitler e da derrota da Alemanha, consistiria na esperança de reparação. Cabe dizer, logo transformada em fé. A consciência transformaria o ocorrido, para que as feridas narcísicas passassem despercebidas. Entendo que, para o filósofo, a negação dos horrores do passado por meio da supressão da memória era consciente, mas, por outro lado, seu escrito sugere que a exaltação do chamado milagre econômico é indissociável do desejo (inconsciente). Estaria ligada ao passado, sim, mas por meio da crença na satisfação narcísica que nele teria havido e na possibilidade de recuperá-la. Assim: "O ímpeto econômico, a consciência de saber que os alemães são muito hábeis serviu para isto até certo ponto" (Adorno, 1969, p. 127).

Na sátira de Fassbinder, o desejo de pertença à elite dominante, protagonizado por Lola, como acompanhamos no desfecho, atinge sua realização ilusória e parece fazê-la acreditar ter conseguido satisfação graças à sua habilidade. No final, suas expressões de triunfo também denotam o fascínio pela corrupção, praticada como prova de capacidade racional. Elogio da corrupção.

Por outro lado, antes, na praça de Coburg, assistimos à expressão do ressentimento voltado contra o nacional-socialismo enganador, como se ideologia e partido estivessem transformados em entidade abstrata, para a existência do qual ninguém teria contribuído. Dessa forma, ergue-se um monumento a Claus Schenk, Conde Von Stauffenberg, que, numa das ironias do filme, é deixado como fundo, como mera oportunidade para Lola fazer Von Böhm beijar sua mão e roubar a cena. Claus Schenk participou do atentado contra Hitler, em 20 de julho de 1944, mas não se comenta o fato, apenas há afirmações de que ninguém mais se deixaria enganar de novo pelo nacional-socialismo.

Retomo o pensamento de Fabio Herrmann, agora sobre a psicanálise da crença. A crença protege contra o pânico, apontado por Adorno, ou outras formas de colapso psíquico. A crença, na reparação narcísica, pode manter-se a qualquer preço. Na conceituação da teoria dos campos, a crença é um modo da psi-que, está presente nas formas de apreender e de manter as representações que se tem de si mesmo e do entorno. É "a função que sustenta solidariamente realidade e identidade, constituindo a membrana da aparência" (Herrmann, 2007, p. 302). A crença proclamada com insistência, professada, é a fé.

Tudo se passa como se o abalo da fé, na reparação narcísica4, pudesse precipitar os adeptos da renovação da Alemanha no pânico, ou no vórtice, em que todas as representações de si, individuais ou coletivas, girariam à solta, no caos. Em Coburg é necessário ser hábil, moderno e muito esperto.

 

REFERÊNCIAS

Adorno, T. W. (1969). Intervenciones - nueve modelos de critica. Caracas: Monte Avila Editores.         [ Links ]

Almeida Salles, F. L. (1988). Cinema e verdade. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Herrmann, F. (1997). Psicanálise do quotidiano. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

______. (1998). Psicanálise da crença, Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Herrmann, L. (2007). Andaimes do real - A construção de um pensamento. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Xavier, I. (1977). O discurso cinematográfico. São Paulo: Paz e Terra.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
CAMILA SALLES GONÇALVES
Rua Dr. Flávio Américo Maurano, 810
05656-020 – São Paulo – SP
tel.: 11 98353-8742 / 11 3742-7185
camila_salles@uol.com.br

Recebido 13.05.2017
Aceito 28.05.2017

 

 

1 "Cinema e Psicanálise - Corrupção - Lola" - 17 de julho de 2015.
2 Fritz Lang (1890-1976) - cineasta, mestre do expressionismo alemão, diretor de Dr. Mabuse e de Metrópolis.
3 Fabio Herrmann cita o comportamento social investigado por Adorno em 1950 (Herrmann, 1997, p. 150).
4 Para manter a proporção de minhas notas, deixo de abordar a concepção herrmanniana de narcisismo do real (Herrmann, 1998, p. 104). Mas ela faz parte da investigação do autor sobre a crença e haveria no filme situações que serviriam como ilustração de seu alcance.

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