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versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.40 no.65 São Paulo jan./jun. 2018

 

EM PAUTA | INVEJA

 

Arco-íris tatuados nas mãos – a geografia do corpo materno

 

Envy and creativity – the geography of the mother's body

 

 

Elisa Maria de Ulhôa Cintra1

Psicanalista, professora na Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e no Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP. Autora de Melanie Klein: estilo e pensamento, e Melanie Klein (Coleção Folha Explica), em coautoria com Luís Claudio Figueiredo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta uma análise da relação entre inveja, desejo e criatividade, e busca elucidar a noção de inveja primária no trabalho de Melanie Klein. São apresentadas vinhetas clínicas de Klein, Winnicott e Anne Alvarez, através das quais é pensada a importância do corpo materno como lugar de origem e de enigma que desperta o desejo de saber mais, pois, além de ser o lugar de origem de si mesmo e dos outros bebês, é o horizonte primordial de todas as outras coisas do mundo. O início da noção de espaço surge da interação entre o corpo da criança e o da mãe, levando à noção de uma geografia do corpo materno.

Palavras-chave: Geografia do corpo materno. Winnicott. Anne Alvarez.


SUMMARY

This article is about envy, desire and creativity: it aims to elucidate the notion of primary envy in the work of Melanie Klein. Short clinical stories from the works of Klein, Winnicott and Anne Alvarez are presented. These clinical examples are worked through so as to estimate the importance of the relationship to the mother's body as a place of origin, of enigma and of the origin of the other babies. It is the starting point of the desire to know more and it will be considered as the first horizon of the outer world. The first spatial conceptions are created out from the baby's relationship to its mother's body – leading to what Melanie Klein called the geography of the mother's body.

Keywords: The geography of the mother's body. Winnicott. Anne Alvarez.


 

 

A inveja parece ser inerente à voracidade oral.
Meu trabalho ensinou-me que o primeiro
objeto a ser invejado é o seio nutridor...

(Klein, 1957/1991, p. 130)

A inveja foi formalmente tematizada por Melanie Klein em 1957, poucos anos antes de sua morte, surpreendendo a comunidade analítica com mais um momento altamente criativo de sua obra. Seu pensamento vincula, de forma íntima e originária, a inveja com a questão da criatividade corporal e psíquica. A lógica de tal vinculação pode ser decifrada, voltando a seus primeiros trabalhos.

O tema da criatividade, em termos de sua expansão e de suas inibições, esteve presente desde o início de sua obra nos anos de análise com Ferenczi, durante a Primeira Guerra Mundial, no momento em que começou a clinicar, debatendo-se com as questões de sua clínica nascente e nos textos escritos em Berlim, ocasião na qual se analisava com Abraham (Klein, 1921/1975a, 1923/1975b). O primeiro caso atendido (Fritz/Erich, 1921/1975a) foi um menino de cinco anos que sofria de inibições do brincar, da curiosidade e do desenvolvimento intelectual. Quando a sua análise avançou, apareceram teorias sexuais e muitas fantasias ligadas à "geografia do corpo materno" e à sexualidade, atestando a imensa criatividade suscitada pelo corpo a corpo com a mãe, uma verdadeira elaboração imaginativa do corpo.

Por exemplo, Fritz fez um cachorrinho (que diversas vezes representava o filho em suas fantasias) deslizar pelo corpo da mãe. Ao fazer isso, tinha fantasias sobre os países que estava percorrendo. Nos seios havia as montanhas e perto da zona genital, um grande rio. [...] Em outra ocasião teve ainda outras fantasias sobre as viagens do cachorrinho. Ele tinha encontrado um lugar muito bonito, onde gostaria de se instalar, etc. [...] Já havia algumas indicações dessa "geografia do corpo da mãe" antes. Quando ainda não tinha completado cinco anos de idade, chamava todas as extremidades do corpo, assim como a junta do joelho de "beira"1; também disse que a mãe era uma montanha que ele estava escalando. (Klein, 1923/1975b, pp. 121-122)

Melanie Klein retira suas ideias a respeito da geografia do corpo materno quase diretamente das fantasias dessa criança, no melhor estilo de uma teoria que vai sendo decalcada do fenômeno clínico. Por outro lado, as palavras desse menino ganham universalidade à medida que são iluminadas pela criação teórica; ganham nitidez e maior visibilidade ao serem articuladas à rede de significados teóricos. O conhecimento das primeiras etapas do complexo de Édipo ajudou-a a ver a importância do corpo da mãe como lugar de origem e de enigma que desperta o desejo de saber mais, pois, além de ser o lugar de origem de si e dos outros bebês, é o horizonte primordial de todas as outras coisas do mundo.

Ao passo que a inibição intelectual diminuiu, Fritz pôde liberar a sua curiosidade e, com ela, sua criatividade foi descongelada. O interesse pelo lugar de origem despertou a sua espacialidade e, também, algo muito importante: o anseio por um lugar propriamente seu. A ideia de habitar ou inventar um lugar é algo muito importante: um lugar só para si, um lugar simultaneamente corporal e psíquico, onde possa existir tudo de que se precisa e deseja: alimentos, carinhos, brinquedos e abrigo. Ou, da mesma forma que acontece na história de João e Maria, uma casinha onde exista abundância de doces, pois a demanda de doçura é, ao lado do alimento que sustenta e da segurança que ampara, algo insaciável.

Pensando melhor: a construção de um lugar para si é justamente aquilo a que o atravessamento do complexo de Édipo visa, no incessante movimento de enraizar-se e separar-se do corpo e do ambiente materno primário para construir o sujeito psíquico que se vai ser. Melanie Klein intuiu que as primeiras identificações se expressam através da metáfora de um lugar. O menino em questão tinha uma certa desorientação espaço-temporal que chamara a sua atenção e que foi sendo, por assim dizer, curada, conforme ele se liberou para fantasiar o corpo materno e o seu.

Essa orientação simultânea, ao próprio corpo e ao de sua mãe, libertava Melanie Klein do debate acerca da existência de um narcisismo primário que deveria anteceder, segundo Freud, a orientação ao outro. Ambas as orientações estavam presentes, ao mesmo tempo, na construção originária de um só corpo para dois. Ao lado dessa lenta apropriação de um espaço próprio e alheio, a temporalidade, com seus ritmos de ir e vir, de vigília e de sono, de excitação e de calma, foi considerada o elemento primordial para a construção do sujeito psíquico. Esses primeiros amores da vivência materna primária, infiltrados como são pelo desejo de possuir as fontes de sua nutrição, de chegar a ser o seio, contêm uma pulsação simultânea de narcisismo e objeto, de vida e morte, de desejo e inveja.

Penso, então, que unir esses dois temas - inveja e criatividade - fecha um círculo cuja inteligibilidade só se configurou plenamente para Klein depois dos seus quarenta anos de trabalho clínico e teórico: o fato simples de que o objeto por excelência de toda inveja é a criatividade - própria e alheia - e que, na verdade, a noção de criatividade em seu pensamento foi sendo ampliada e entendida de inúmeras formas.

No texto "Inveja e gratidão", de 1957/1991, Klein afirma:

Meu trabalho ensinou-me que o primeiro objeto a ser invejado é o seio nutridor, pois o bebê sente que o seio possui tudo o que ele deseja e que tem um fluxo ilimitado de leite e amor que guarda para sua própria gratificação. (Klein, 1957/1991, p. 214)

Trata-se da inveja primária. Melanie Klein acreditava que a inveja do seio materno era a raiz da posterior inveja do pênis: de ambos os órgãos emana um "leite" que é símbolo de vida e de potência a gerar e a sustentar; eles proporcionam prazer e são doadores de vida. Nesse sentido, podem ser lidos como metáfora da criatividade ligada à pulsão de vida e a tudo que possa oferecer prazer e alimentar, seja no plano material, emocional ou dos bens culturais.

Podemos considerar que, ao longo da vida, os objetos que criam situações de nutrição, de sentir-se amado, visto, e que trazem o conforto de ter sido acalentado e despertado, são objetos doadores de vida e são eles que ajudam a alimentar e a despertar a pulsão de vida. Desse modo, os objetos doadores de vida teriam como sua matriz o seio materno nutridor em seu sentido mais amplo, que inclui a voz materna e os gestos de cuidado, que despertam as zonas erógenas do recém-nascido, que contornam seu corpo e tecem a realidade psíquica sensorial e o senso estético. Todos eles são objetos de inveja e desejo.

Meu interesse neste texto é discernir a dimensão desejante que se associa à inveja, sobretudo na inveja primária, e expandir os significados libidinais que, no caso de pacientes traumatizados, só se revelam através de um lento trabalho de continência e ressignificação. A intensidade do desejo e dos componentes destrutivos, que estão reunidos nesses nódulos traumáticos, impede a transformação da inveja em criatividade e gratidão. Na análise, algumas crianças estão pela primeira vez descobrindo um objeto bom, alguém que não vai abandoná-las e que não as levará a uma repetição do trauma. Elas precisam construir algo que Hanna Segal chamou de a parte libidinal da personalidade. Em tais casos, caminhar rapidamente na direção da posição depressiva e do contato com a perda e o horror dos traumas vividos pode fazê-las mergulhar novamente em fragmentações defensivas.

Inspirei-me aqui em algumas vinhetas clínicas de Anne Alvarez (1997, 2012), que trabalha há muitos anos na Clínica Tavistock com crianças autistas, borderline, carentes e maltratadas. Trata-se de uma clínica do trauma e, portanto, também de uma clínica da cisão, para a qual a psicanálise vem se reinventando e que visa a criação de um coração pensante em pacientes que "[...] estão invadidos por desespero e persecutoriedade, que não podem se beneficiar de interpretações dirigidas a desfazer as defesas e entrar em contato com verdades dolorosas" (Alvarez, 2012, p. 1).

A autora nos conta que se surpreende muito quando encontra analistas, às vezes bastante experientes, encaminhando o trabalho analítico com muita rapidez, no sentido de um contato com o trauma e a perda em pacientes que sofreram abuso e graves privações. Ao contrário dessa rapidez, sua recomendação seria usar uma técnica lenta, a construção de um vaso de continência que permita o contato com um objeto doador de vida, antes que se possa acertar contas com os traumas. Lembrar-se das coisas terríveis pelas quais passaram e entrar em uma posição depressiva pode ser uma exigência excessiva para pacientes traumatizados.

Comento aqui as vinhetas de duas supervisões realizadas por Anne Alvarez com analistas que tratavam de crianças borderline muito doentes. Um ponto em comum nas duas sessões supervisionadas foi que as analistas tinham trabalhado de forma muito satisfatória na primeira metade de uma sessão, e nos dois casos surgiram fantasias semelhantes nos jovens pacientes, tendo por volta de 6 anos. Em certo momento da sessão, um dos meninos começou a falar de um carro maravilhoso:

[...] dentro tinha uma piscina, uma televisão, podia-se comer lá dentro e até dormir; era o carro mais fantástico. O outro paciente falou coisas similares sobre um carro magnífico. Uma das terapeutas disse "Você gostaria de poder ter uma experiência tão maravilhosa comigo, mas nós dois sabemos que você só vem uma vez por semana e nós não podemos". Ela viu ali uma idealização maníaca e onipotente e achou que devia trazê-lo de volta para a posição depressiva. Mas essa já era uma criança depressiva, desesperada; ela não estava precisando chegar na posição depressiva, ela precisava alcançar a posição esquizoparanoide. Uma posição esquizoparanoide saudável inclui o forte desenvolvimento do lado ideal da personalidade. Isto é teoria kleiniana, não a estou reescrevendo, mas este lado deve ser desenvolvido, assim como o lado mau, antes que se possa entrar na posição depressiva. (Alvarez, 1997, pp. 314-315)

Depois da interpretação mencionada, o menino murchou e suas associações giraram em torno de um tio que tinha sido expulso da casa pela mulher e não tinha para onde ir. Anne Alvarez comenta que a criança estava dizendo "Eu só sinto que você me expulsou de sua mente, você não me quer". E que, antes da interpretação ele estava reagindo ao que tinha acontecido nos primeiros vinte minutos da sessão, quando tinha sido muito ajudado e parecia querer dizer: "Puxa, tudo isso para mim? Você tem todo esse espaço na sua mente para mim?" (Alvarez, 1997, pp. 314-315).

A segunda analista, diante de uma fantasia muito parecida com a anterior, disse:

[...] Nossa, parece um carro maravilhoso! Ela não fez nada nem tinha muita formação, mas deixou a criança ter a sua fantasia... Acho que com frequência as pessoas não percebem a transferência positiva; somos muito bons na transferência negativa. Tratamos a transferência positiva como uma defesa, mas nessas crianças não é uma defesa, é um desenvolvimento. (Alvarez, 1997, p. 314)

Penso que esses dois fragmentos de sessão revelam que é preciso permitir a reconstrução (ou até a primeira construção) de um objeto bom ideal, para que com o tempo a criança possa encarar os maus objetos, as más experiências, elaborar a posição depressiva e transformar o objeto ideal em um objeto bom.

A fantasia do seio ideal faz parte de uma posição esquizoparanoide saudável, necessária para a posterior passagem à posição depressiva, sem cair na depressão. Aquelas duas crianças muito deprimidas precisavam passar por um momento transferencial no qual idealizavam grandemente o que a analista estava oferecendo a elas. O risco dos objetos ideais é de se tornarem alvo de inveja e passarem a ser perseguidores.

No pensamento kleiniano, a inveja foi sempre pensada como decorrente do trabalho da pulsão de morte. Ao mesmo tempo Klein reconhecia na própria pulsão de vida, sobretudo em sua manifestação oral, anal e uretral, a presença de uma dimensão destrutiva, inerente a essas formas de erotismo, por exemplo, o aspecto devorador e vampiresco da oralidade. Melanie Klein também concordaria que, de forma relativamente independente das experiências de satisfação vividas, há uma tendência da pulsão oral a expressar-se através da fantasia de um seio ideal, inexaurível, e isto se dá em virtude de seu caráter insaciável e de sua intensidade vampiresca.

Para Klein, a fantasia do seio ideal é ainda uma reminiscência da plenitude imaginária da vida intrauterina: remete a um estado mítico de plenitude que foi interrompido com o nascimento. Existem objetos ideais que envolvem intensos afetos de inveja e que podem se transformar em objetos maus. Melanie Klein e os kleinianos têm sempre uma preocupação de enfatizar que a inveja é destrutiva e precisa ser separada dos aspectos libidinais que estão presentes na voracidade. A minha ideia é que possamos entrar em um pensamento mais dialético acerca das pulsões de vida e de morte, que se entrelaçam aqui de maneira intrincada, e que é preciso discernir algo de inveja no erotismo oral e algo de erotismo escondido na inveja.

Quando o desejo de se apropriar do objeto bom predomina, temos uma face erótica da inveja, com um investimento que ainda se mantém em direção ao objeto. A situação na qual predomina a pulsão de morte é sempre aquela em que há depreciação e desinvestimento do objeto bom, o que é frequente em crianças muito traumatizadas e que não foi a que se apresentou no caso dos dois meninos supervisionados por Alvarez. Ambos estavam interessadíssimos no "carro maravilhoso".

Mesmo que se leve em conta a recomendação de não tornar cor-de-rosa a inveja, creio que, para compreender melhor a inveja primária e trabalhar melhor com ela, é preciso considerar a dimensão desejante que nela se oculta em forma de potencialidade.

Trata-se do que hoje chamaríamos de uma lógica do desejo, que estaria subjacente à inveja primária. Nesse sentido, a inveja participaria da estrutura do desejo; o que se inveja é, em grande medida, um objeto idealizado, algo que foi tão bem descrito no texto de 1957. A idealização revela uma forte nostalgia por um estado pleno de satisfação que se acredita ter tido e perdido, algo que se tornou inalcançável. Ou algo que se idealiza por nunca ter sido vivido, como é o mais provável no caso dos dois meninos acima mencionados.

Tanto a homeostase intrauterina, seguida da cesura do nascimento, quanto as primeiras mamadas, seguidas do desconforto periódico da falta, são experiências muito intensas de prazer e desprazer. Podemos supor que algo da harmonia originária vivida ou imaginada gera uma fantasia que entra em contraste, na vida pós-uterina, com a realidade dos momentos de dor e frustração. Além disso, o prazer que um seio ideal proporciona nunca poderá igualar-se ao que se vive junto ao seio real, com todas as esperas e frustrações inevitáveis: dessa diferença surgem as primeiras sensações de estar sendo lesado e os movimentos destrutivos que caracterizam a inveja.

Klein propunha que a inveja tinha origem na pulsão de morte, enfatizando a sua derivação direta de um dinamismo intrapsíquico. Mas penso que ela não discordaria da importância que hoje atribuímos à dor, à falta e ao trauma como fatores que estimulam a pulsão de morte, criando o terreno propício à expressão da inveja primária.

Essas considerações ajudam-nos a reinterpretar noções presentes na abordagem kleiniana, como a inveja constitucional, surgindo diretamente da pulsão de morte, e a ideia de uma predisposição constitucional à inveja. Acho possível pensar a inveja primária como algo que acaba sempre se manifestando em todas as pessoas, especialmente nos traumatizados, em função da margem de diferença entre a plenitude do desejado e aquilo que pôde ser vivido depois do nascimento. As mamadas reconstituem de forma parcial o sentimento de plenitude, principiando a experiência da falta. A avidez do bebê, esta demanda impossível de ser atendida, seria o lugar de origem de inevitáveis frustrações que dariam início à inveja primária. A inveja primária pode ser entendida como algo "constitucional"2porque a descontinuidade entre a vida intrauterina e a vida após o nascimento é originária e universal.

Outra forma de pensar é evocar algo que está na própria natureza do desejo. A voracidade do desejo destina-o a não se resolver na experiência de satisfação. Há, portanto, algo inalcançável no desejo: este sendo a expressão mesma da impossibilidade de satisfação. A voracidade tenderia a fazer o desejo se transformar em avidez e inveja, um desejo constante de mais, acompanhado do sentimento de ter recebido menos, o que aumentaria a destrutividade, sobretudo quando o ambiente é desfavorável. A falta participa da própria estrutura do desejo, de sua insaciabilidade: falta que se abre a partir do querer sempre mais, e cria o terreno favorável à pulsão destrutiva.

Nesse sentido podemos pensar que, além da dimensão destrutiva da inveja, oriunda da pulsão de morte, que deseja atacar e destruir o bom objeto, há na inveja primária a violência insaciável do desejo que seria a dimensão destrutiva inerente ao próprio desejo: é o excesso que leva Eros a transformar-se em Thanatos.

Outra questão polêmica é a ideia de que a inveja primária esteja presente desde o início da vida. Os winnicottianos diriam que não pode haver inveja antes da separação entre eu e outro. Penso que, ao falar de uma inveja primária, estamos no terreno do originário e da natureza excessiva própria ao movimento desejante. A palavra "inveja"3aqui precisa ser entendida em seu valor de metáfora, e não de forma literal.

O que Klein chamou de inveja primária poderia ser associado à presença de uma avidez muito intensa e dissociada do eu, como apareceu no caso Piggle, trabalhado por Winnicott (1977/1987) pouco tempo antes de sua morte. Piggle, uma menina de 3 anos, encontrava-se atormentada por fantasias amedrontadoras com objetos maus - o pai, a mãe e ela própria teriam se transformado em objetos maus depois do nascimento de sua irmã. Após algumas cartas trocadas com os pais, que eram pessoas bastante capazes de descrever o sofrimento da filha, e do primeiro encontro com Piggle, logo no início da segunda consulta, Winnicott se dá conta, através das associações da garota, da presença de uma avidez insuportável e completamente dissociada do eu. A menina vivia atormentada por um objeto mau que aparecia para atrapalhar a sua vida e transtornar o mundo, escurecendo-o e fazendo-a sentir terror e entrar em um estado de despersonalização. Winnicott consegue entender que o objeto mau era a parte de dentro do corpo da mãe de onde podiam surgir os bebês rivais. Um lugar que havia se tornado escuro e ameaçador depois dos ataques invejosos de Piggle.

O estudo dessa segunda consulta de Piggle é a descrição notável de um trabalho analítico realizado pela dupla no sentido de estabelecer contato com a violência da avidez e encontrar um meio de integrá-la ao eu. Winnicott percebe a possibilidade de um jogo de personificação e deixa-se dirigir na brincadeira teatral pela menina de 3 anos, consultando-a sempre quanto ao papel que deveria assumir. Guiado assim por ela, senta-se no chão e transforma-se em um bebê ávido que exige todos os brinquedos para si, deixando Piggle impressionada com a sua compreensão, perplexa e ao mesmo tempo aliviada. É possível vê-la um pouco surpresa ao ver aquela figura "papai" assumindo a própria avidez com tanta liberdade e leveza. Isso a encoraja a resgatar o bebê ávido que ela sentia ser, devorando impiedosamente a mãe amada. Ao final da sessão, Piggle declara ser um bebê leão, com uma genuína vitalidade que induz Winnicott a entrar no papel de sentir medo de ser devorado. Em decorrência dessa experiência, Piggle pode então apossar-se de sua avidez, integrando-a ao eu, agora na forma de voracidade - "Para Winnicott, a voracidade faz parte do desenvolvimento emocional saudável, sendo um aspecto do 'impulso de amor primitivo' (primitive love impulse), impiedoso" (Telles de Deus, 2013, p. 76).

Em uma leitura kleiniana poderíamos aproximar esta avidez perturbadora da ideia de uma inveja primária e a subsequente transformação que se deu através do trabalho transferencial. No final dessa sessão Piggle declara que não se assusta mais com o interior do corpo da mãe, pois agora "não é mais escuro lá dentro". Foi preciso "esclarecer" o corpo da mãe por meio do trabalho analítico, torná-lo potencialidade criativa; nesse corpo elucidado pode agora ser inscrita outra história.

 

Intuição poética da geografia do corpo materno

À medida que avançava a escrita desse texto, fui me lembrando de um poema de Jorge de Lima que fala, no contexto de um "Circo Místico", da produtividade do corpo de "qualquer virgem":

As gerações da virgem estão tatuadas no ventre escorreito,
Porque a virgem representa tudo o que há de vir.
Há arco-íris tatuados nas mãos, há Babéis tatuadas nos braços,
A Virgem tem o corpo tatuado por Deus, porque é a semente do mundo que há de vir.
Não há um milímetro do corpo, sem desenho e sem plantas futuras.
Não há um poro sem tatuagem: por isso a virgem é tão bela.

A intuição poética foi se associando a tudo que vinha dizendo até aqui e considerei inevitável citar o poema na íntegra. Nele, a imaginação poética fala da produtividade do corpo de uma virgem - daquela que ainda é só potencialidade materna! Antes de reproduzir o poema na íntegra, é preciso enfatizar a intuição de Melanie Klein quanto à importância de libertar a criatividade da criança, através do processo analítico e da técnica do brincar, para que se possa chegar a dizer que "não é mais escuro lá dentro do corpo materno". Trata-se do caso de Fritz/ Erich, um caso que podemos considerar como matriz de todas as análises infantis: "A inibição e a restrição de interesses no brincar leva à redução das potencialidades e interesses relacionados ao aprender e ao desenvolvimento da mente como um todo" (Klein, 1923/1975b, p. 123).

A inibição do brincar e do fantasiar decorria de uma forte angústia de castração que pôde ir sendo trabalhada. Por outro lado, a inveja e o narcisismo são os maiores obstáculos ao impulso de criar, aprender e de saber, de se interessar pelo mundo, de conhecer, enfim; eles têm o poder de restringir a vida psíquica até suas formas mais rudimentares e torná-la vazia e sem sabor. Eles tiram o apetite, deixam tudo insípido e amargo, como as uvas que a raposa declarou serem verdes, quando todos sabemos que elas estavam apenas um pouco acima dela e inalcançáveis.

Tanto a inveja quanto o narcisismo, quando desconstruídos e elaborados através da análise, permitem que se retire deles o mais profundo sumo: em vez de inveja, surge o desejo de conhecer, admitido e dolorosamente entrelaçado ao peso da falta e ao vazio, que está no avesso de todo desejar e de todo saber. Quando isso é possível, ao mesmo tempo a gratidão e a criatividade são liberadas. O avesso da inveja é o desejo, com sua exigência a depender e a se colocar na posição de quem pede algo a alguém: um imenso desejo que precisa ser admitido e abraçado, não importando o quanto isto possa doer, e que só então faz desaparecer o ressentimento. É isso que pode abrir o apetite a tudo que é desconhecido e a todas as diferenças e alteridades.

Além do silencioso trabalho da pulsão de morte, a constatação da diferença entre o que a vida oferece a uns e a outros pode suscitar ódio e inveja, pode traumatizar, pode humilhar, pode esmagar. A distribuição de bens e talentos é profundamente desigual e os sistemas que regulam a vida social transformam essa diferença em crueldade. É muito difícil que, ao invés de mal-estar, a cultura crie condições para que a transformação da inveja em gratidão seja possível. Quando, entretanto, tal mudança pode acontecer e a análise é um caminho privilegiado para isso, vem ao mesmo tempo a descoberta de que não é possível conhecer sem ter a chance de brincar livremente com alguém, junto a quem se possa criar o conhecido, inventá-lo, isto é, obedecendo à exigência de exercer a sua plena liberdade de criar, entrando no circuito da expansão e partilha. Em "A análise de crianças pequenas" (1923/1975b), Klein volta a falar do caso Fritz/Erich, e do medo que ele tinha de percorrer o caminho de sua casa até a escola:

Uma vez, Fritz me disse que até gostaria de ir à escola, se não fosse pela estrada. Então fantasiou que, para evitar a estrada, estendia uma escada da janela de seu quarto até o da professora. Assim, ele e a mãe poderiam ir juntos, pulando de degrau em degrau. (Klein, 1923/1975b, p. 120)

O menino estava se tornando muito mais ativo no brincar e sua curiosidade a respeito de tudo estava desabrochando. Seu amor na direção de explorar estradas e ruas foi surgindo à medida que a angústia de castração ia sendo trabalhada. É preciso tornar claro o corpo da mãe e da analista. No caso de Erich, hoje sabemos que, por acaso, a mãe e a analista eram a mesma pessoa. Da mãe ao materno, diria Pontalis (2005), quando fala do luto da vivência materna primária que inscreve no corpo o materno, uma potencialidade.

[...] várias fantasias mostravam que ele estava sob a influência da imagem mental do interior do corpo da mãe e através de uma identificação com ela, de seu próprio corpo. Fritz o imaginava como uma cidade, muitas vezes até como um país, e mais tarde como o mundo, entrecortado por linhas de trem. Imaginava que essa cidade possuía tudo o que era necessário para as pessoas e os animais que moravam lá e estava equipado com todo tipo de aparelho moderno. Havia telégrafos e telefones, diversos tipos de ferrovias, elevadores e carrosséis, anúncios, etc. As ferrovias eram construídas de modos diferentes.

Às vezes havia uma via circular com diversas estações e às vezes eram como uma linha urbana, com dois terminais. Dois tipos de trem andavam nessas ferrovias: um era o trem "Pipi" conduzido por um pingo de "Pipi", enquanto o outro era um trem "Caca", dirigido por uma "Caca". [...] um detalhe que eu gostaria de mencionar a respeito da imagística extraordinariamente rica que veio à luz com essas fantasias sobre uma cidade, as ferrovias, as estações e as estradas. [...] de uma das estações saía todo tipo de mercadoria e às vezes também alguns passageiros, como, por exemplo, funcionários da ferrovia. [...] havia um jardim sem nenhuma árvore, mas com caminhos que se entrecruzavam... (Klein, 1923/1975b, pp. 119, 120 e 121).

Relendo essas palavras, o poema de Jorge de Lima veio a associar-se de forma muito íntima ao poder criativo do corpo, especialmente ao corpo feminino, em um sentido próximo ao que Klein chamou de "a geografia do corpo materno". O corpo feminino é o lugar por excelência da origem, do originário, embora não exista nenhum corpo feminino que não contenha em si o masculino, especialmente o corpo de qualquer virgem, com toda a sua aspiração ao prazer e à maternidade. Aparece aqui o paradoxo da virgindade e de sua fecundidade. O corpo de qualquer virgem contém uma potencialidade maternante, ou não? Um sonho de gerar. Será que o poeta se referia à figura da Virgem Maria? Talvez. Mas o que ele afirma é o poema de qualquer virgem. Me fez lembrar Freud contando da paciente Dora, que permaneceu duas horas contemplando a Madonna de Rafael no museu de Dresden. O que Dora buscava ali? Ela estava completamente capturada por um enigma impossível de decifrar. Com o passar do tempo pudemos entender que havia a busca ávida de uma identificação feminina que Dora não conseguia acessar; nela não tinha acontecido a transmissão do feminino.

Voltando a Jorge de Lima: talvez seja mais exato dizer que este é o poema de qualquer virgem, dirigido quiçá até às virgens da Antiguidade como Astarté,Ártemis e Cloé, em cujo interior já estavam tatuadas as gerações futuras, as invenções humanas, junto às mil e uma histórias que um dia foram concebidas, e ainda estão sendo.

O poema seria então o nome de uma geografia potencial da qual podem nascer todos os países, todos os lugares, todas as realidades. Penso que ele se encontra surpreendentemente na intuição kleiniana de um convite a reinventar e a compreender a teoria que une a inveja, a criatividade e a gratidão. O poeta nos convida a ver, pois é belo o espetáculo:

 

Poema de Qualquer Virgem

As gerações da virgem estão tatuadas no ventre escorreito,
porque a virgem representa tudo o que há de vir.
Há arco-íris tatuados nas mãos, há Babéis tatuadas
[nos braços
A Virgem tem o corpo tatuado por Deus, porque é
[a semente do mundo que há de vir.
Não há um milímetro do corpo, sem desenho e sem
[plantas futuras.
Não há um poro sem tatuagem: por isso a virgem
[é tão bela.
Vamos ler a virgem, vamos conhecer o futuro reparai
[que não são
enfeites, ó homens de vista curta. Olhai: são tatuagens
dentro de tatuagens, são gerações saindo de gerações.
Quem tatuou a virgem? Foi Deus no dia da Queda.
Vede a serpente tatuada nela. Vede o anjo tatuado nela.
Vede uma cruz tatuada nela. Vede, senhores, que
não pagareis nada. É o supremo espetáculo, meus
senhores. Ensinarei os mistérios, as letras simbólicas
até o ômega. Vinde ver o trabalho admirável
gravado no corpo da virgem, a história do mundo a
estratosfera habitada o mágico Tin-Ka-Lu viajando
na lua. Porque a virgem é admirável e tem trato.
Vinde senhores que não pagareis nada. A imagem
da inocência, da volúpia, do crime, da bondade, as
representações incríveis estão no dorso da virgem,
no pescoço, na face. Vão sair tumultos das tatuagens.
É um momento muito sério, senhores. Vão sair grandes
revoltas. Há um mar tatuado na virgem, com os
sete dias da criação, com o dilúvio, com a morte.
Vinde senhores, que não pagareis nada.
Senhores, hoje há espetáculo no mundo.
Vamos ver a virgem, a virgem tatuada, a virgem
[tatuada por Deus.
Ela está nua e ao mesmo tempo vestida de tatuagens.
Meus senhores, a virgem vai se desdobrar em milênios.
Há intuições nas tatuagens, há poemas, há mistérios.
É por isso que o espetáculo é bonito. É por isso que
[a virgem vos atrai.
Vinde, senhores!

(Jorge de Lima)

 

REFERÊNCIAS

Alvarez, A.(2012). The thinking heart - Three levels of psychoanalytic therapy with disturbed children. Londres; Nova York: Routledge.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
ELISA MARIA DE ULHÔA CINTRA
Rua Vargem do Cedro, 201/112
01252-050 – São Paulo – SP
tel.: 11 97152-1119 / 3086-4016
elcintra01@gmail.com

Recebido 10.04.2018
Aceito 28.04.2018

 

 

1 Em inglês, boundary, que também significa limite ou fronteira - nota do tradutor.
2 Este assunto está em meu livro Melanie Klein: estilo e pensamento (2004), escrito com L. C. Figueiredo, quando trabalhamos mais extensamente a questão de uma inveja constitucional.
3 Na língua francesa, a palavra envie significa desejo e inveja.

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