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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.40 no.65 São Paulo jan./jun. 2018

 

EM PAUTA | INVEJA

 

Inveja: a estética contemporânea da violência1

 

Envy: the contemporary aesthetics of violence

 

 

Janderson Farias Silvestre dos SantosI; Marina Ferreira da Rosa RibeiroII; Igor Marques dos SantosIII

IPsicólogo, mestre em psicologia clínica pelo IP-USP
IIProfessora doutora do IP-USP e membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
IIIIniciação científica no curso de psicologia do IP-USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva realizar uma reflexão conceitual sobre a problemática da inveja. A partir do conceito de inveja primária, de Melanie Klein, é proposto um breve diálogo com textos pertencentes à tradição judaico-cristã que tratam da inveja. A fim de mostrar a potência do conceito na atualidade, são feitos alguns apontamentos sobre questões contemporâneas ligadas a atos de violência e que mostram uma estreita relação com a inveja. Em seguida é realizada uma análise de uma produção cinematográfica contemporânea, o filme The Neon Demon (Demônio de Neon), do diretor Nicolas Winding Refn, lançado em 2016. O filme mostrou-se rico em metáforas que nos auxiliam a pensar nos desdobramentos do processo invejoso.

Palavras-chave: Contemporaneidade. Demônio de Neon.


SUMMARY

This article aims to conceptually reflect upon the issue of envy. Based on Melanie Klein's concept of primary envy, this article proposes a brief dialogue with texts belonging to the Judeo-Christian tradition, dealing with that matter. In order to show the strength of the concept today some remarks are made about contemporary issues related to acts of violence showing their close relationship with envy. Afterwards, an analysis of a contemporary film production is made – entitled The Neon Demon, by director Nicolas Winding Refn, released in 2016. That production was rich in metaphors which help us think about the unfolding of the envious process.

Keywords: Envy. Contemporary. Melanie Klein. The Neon Demon.


 

 

Sobre a inveja

Também vi eu que todo o trabalho,
e toda a destreza em obras, traz ao homem
a inveja do seu próximo. Também isto
é vaidade e aflição de espírito.

(Eclesiastes, 4:4)

A epígrafe que abre este artigo está presente em Kohelet2 (Eclesiastes), texto hebraico datado de aproximadamente 935 a.C. (Ellisen, 1984/1993), tradicionalmente atribuído a Salomão, considerado pela tradição judaico-cristã um homem dotado de muita sabedoria. Nesse texto, Salomão observa que o trabalho realizado por um homem é, para outro, motivo de inveja, definindo inveja como vaidade e aflição de espírito. Antes de falarmos sobre esses dois atributos, vejamos o texto que antecede imediatamente o supracitado:

Depois voltei-me, e atentei para todas as opressões que se fazem debaixo do sol; e eis que vi as lágrimas dos que foram oprimidos e dos que não têm consolador, e a força estava do lado dos seus opressores; mas eles não tinham consolador. Por isso eu louvei os que já morreram, mais do que os que vivem ainda. E melhor que uns e outros é aquele que ainda não é; que não viu as más obras que se fazem debaixo do sol. (Eclesiastes, 4:1-3)

A sabedoria salomônica3 aponta que a inveja não tem conexão direta com os fatos exteriores, não surgindo diretamente das condições do meio circundante. O escritor observa um mundo desolado, repleto de opressão e injustiça. Sua desesperança chega ao ponto de louvar a morte mais do que a vida. E mesmo em meio à desolação há espaço para o surgimento da inveja, pois o sujeito inveja a própria capacidade de realizar trabalho, ainda que este nasça na opressão. A inveja se destina a algo imaterial.

Isso nos leva a pensar na própria raiz da inveja que, fundamentalmente, é sempre dirigida a algo imaterial e inapreensível, o que levou Mezan (1986) a fazer uma diferenciação entre objeto de inveja e suporte da inveja. O objeto da inveja é imaginário, inalcançável, só existe no psiquismo do sujeito enquanto promessa de retorno a um estado idealizado de perfeição plena, quando o sujeito era o seu próprio ideal. O suporte da inveja é contingente, e pode ser qualquer coisa: um carro, uma casa, dinheiro ou mesmo a própria capacidade para o trabalho.

A raiz da inveja é o que Salomão define como aflição de espírito. O sujeito aflito anseia por algo que amaine a sua aflição, nesse anseio, julga que o outro tem aquilo que ele necessita e, mais do que isso, crê que foi deliberadamente privado do bem tão ansiado. Vê-se, portanto, a raiz destrutiva da inveja que, como observa Mezan (1986), está associada ao desejo, mas não se reduz a ele, na medida em que o sujeito necessita despojar o outro, privá-lo de sua felicidade.

Britton (2008) descreve que em alguns sujeitos a inveja domina grande parte da vida mental, aparecendo como uma inveja patológica numa personalidade patologicamente invejosa. Para esse autor, a inveja é um composto que surge da conjunção de vários elementos, dos quais ele destaca o doloroso reconhecimento da separação self/objeto e a frustração advinda do desapontamento do desejo de ter a mesma natureza do objeto amado. Ele considera que esse composto pode se formar na entrada da posição depressiva e que se a essa conjunção de fatores se soma uma quota elevada de pulsão destrutiva constitucional, a inveja torna-se particularmente poderosa e destrutiva. Nesses casos a inveja se tornaria um complexo insolúvel no seio da personalidade.

Trinca, por sua vez, refere-se a um sistema mental determinante da inveja, ligado a uma "constelação do inimigo interno" (2009, p. 59), que é uma representação da pulsão de morte. A inveja estaria, então, bastante ligada às ansiedades da posição esquizoparanoide que não foram aplacadas pela internalização eficaz do objeto bom, levando a um incremento da pulsão de morte, ao ódio e à inveja: "a ação da pulsão de morte acompanha a falha e a falta ambientais precoces representadas pelo seio e pela mãe" (Trinca, 2009, p. 55).

A inveja, portanto, não é puro ódio, não é apenas impulso destrutivo voltado contra um objeto mau. O ataque invejoso é dirigido contra o objeto bom que supostamente teria privado o sujeito da experiência de completude, deixando-o na iminência de uma desintegração interna. O ódio manifestado em inveja poderia ser entendido como uma defesa contra essa desintegração e a sensação de vazio que ela acarreta (Trinca, 2009). Além disso, estando a inveja ligada à idealização do objeto invejado, menor será a inveja quanto menor for a necessidade de idealização. O rebaixamento dessa necessidade está diretamente ligado à diminuição das ansiedades persecutórias, visto que, como observa Klein (1957/1991b), quanto maior a perseguição, maior a idealização.

A passagem do ego ideal para o ideal do ego, passagem que é o cerne do estabelecimento de relações alteritárias saudáveis, implica não apenas uma mudança na direção do investimento libidinal na saída do narcisismo primário (do ego para os objetos) e o resguardo desse narcisismo na figura do ideal do ego (Freud, 1914/1996b), mas, também, do ponto de vista kleiniano, a necessidade de suportar as ansiedades paranoides e, posteriormente, as depressivas, que se somam às anteriores. Se não há uma elaboração bem-sucedida da posição depressiva, que culminaria na firme internalização do objeto bom (Klein, 1935/1996b), está assentado o terreno para a formação de uma personalidade patologicamente invejosa, como diz Britton (2008). Nesse estado, o sujeito não terá realizado satisfatoriamente a passagem do registro do ego ideal para o ideal do ego e terá que recorrer constantemente à idealização como defesa contra a perseguição, já que não tem por núcleo de seu ego o objeto bom primordial. Da idealização advirá a inveja, já que aquilo que o sujeito anseia não encontra respaldo na realidade objetiva. O objeto idealizado sempre se tornará, em algum momento, aos olhos do sujeito, mesquinho, transformando-se na causa do seu sofrimento.

Se retornarmos agora ao Kohelet, fica mais fácil entender a origem da aflição de espírito que o autor aponta como subjacente à experiência da inveja. Uma aflição que não pode ser amainada por objeto algum do mundo material. É precisamente esse aspecto de impossibilidade de apaziguamento da inveja, por meio da consecução de quaisquer bens que sejam, que subjaz ao outro atributo da inveja de acordo com o autor de Kohelet: a vaidade. No original hebraico a palavra para vaidade é hebel (הבל), palavra que remete a sopro, vapor (Kirst et al., 2009). Em alguns contextos o autor usa hebel para lamentar a brevidade da vida, "a vida, em sua qualidade é 'vazia', ou 'vacuidade' (e assim insubstancial) e em sua quantidade é 'transitória'" (Kirst et al., 2009, p. 336). A inveja é, por excelência, sempre um anseio pelo impossível. Klein (1957/1991b) a define como constitucional, querendo dizer com isso, de acordo com Cintra e Figueiredo (2004), que ninguém pode dela se esquivar, na medida em que surge da inevitável diferença entre a idealizada completude do estado pré-natal e o nascimento. Não importa quão suficientemente boa a mãe seja, jamais poderá restituir ao bebê a unidade intrauterina. É nesse sentido, por conseguinte, que poderíamos dizer que a inveja é hebel, é sopro, vapor, um anseio indefinido, sem consistência, que tenta materializar-se de suporte em suporte (Mezan, 1986), sem nunca encontrar concretude no objeto ansiado, pois esse objeto é um seio inexaurível que só existe na fantasia (Klein, 1957/1991b).

Em outros contextos de Kohelet, a palavra hebel é usada pelo autor para referir-se a sua "incapacidade de encontrar realização em seu trabalho, tanto por não conseguir ser criativo quanto por não conseguir controlar o livre uso e o destino de suas posses" (Kirst et al., 2009, p. 336). Ora, se a inveja é hebel, vemos aqui a associação que há entre inveja e trabalho, lembremos a observação do autor de Kohelet: o homem inveja a capacidade do outro para o trabalho. O trabalho está ligado à potencialidade criativa e, com essa constatação, chegamos ao cerne da experiência de inveja como descrita por Klein: "A capacidade de dar e preservar vida é sentida como dom máximo e, portanto, a criatividade torna-se a causa mais profunda de inveja" (1957/1991b, p. 233).

Na medida em que a inveja é um derivado da ansiedade persecutória oriunda do nascimento e relaciona-se com a idealização de um seio inexaurível, é ao seio infinitamente criativo, fonte de todos os prazeres e maravilhas existentes, que se destina a inveja. A pergunta que o invejoso parece fazer é: se esse seio é assim tão poderoso, porque ainda me defronto com a perseguição dos objetos maus ("constelação do inimigo interno") e com essa angústia de fragmentação? Como diz Klein: "[...] não é apenas o alimento que ele [o bebê] deseja; quer ser libertado dos impulsos destrutivos e da ansiedade persecutória" (1957/1991b, p. 217). Já que o seio nunca poderá livrar plenamente o sujeito das ansiedades persecutórias, o ataque invejoso torna-se (na fantasia do invejoso) justificado.

Desde tempos imemoriais, o homem luta contra seu semelhante para retirar-lhe aquilo que ele tem de bom. Os grandes impérios foram construídos às custas do massacre de povos mais fracos com o intuito de pilhar suas riquezas. O anseio pelo indefinido, que busca materialização de ataque em ataque, de guerra em guerra, adquire novas formas no decorrer da história4. Atualmente assistimos ao crescimento do fundamentalismo, não apenas no que tange ao extremismo terrorista, mas também na ascensão de políticos com discursos marcadamente segregacionistas e de desrespeito às diferenças, isto sob o pretexto da justiça. Mas, como observam Chuster e Trachtenberg (2009), "a demanda da justiça não é por igualdade, mas pelo respeito às diferenças. É a inveja que demanda igualdade e sempre equivalendo por baixo" (2009, p. 112).

Caetano Veloso já cantou que "Narciso acha feio o que não é espelho". Essa "feiura" não é intrínseca ao objeto olhado, mas simplesmente ao fato de que o que está sendo visto não é o próprio sujeito, porém o diferente, o outro, e esse outro sempre se apresenta como uma afronta à ambição imaginária de constituição de um ego ideal. Nesse sentido, parece-nos ser de grande valia a teoria lacaniana do estágio do espelho (Lacan, 1949/1998), que explica o narcisismo primário5 a partir de uma relação especular primordial em que se constitui o ego, a princípio um ego ideal. Esse ego rudimentar formado, no bebê, a partir da visão distorcida de si mesmo (por uma gestalt imaginária, segundo Lacan), será sempre o ponto para onde tenderá a idealização do sujeito.

A inveja é um sentimento que se origina de um grande sofrimento e que, por outro lado, acarreta sofrimento. Klein já disse que estar "relativamente livre dela é sentido como um estado de espírito de contentamento e de paz" (1957/1991b, p. 235). Na contemporaneidade, vemos os seus efeitos nas patologias narcísicas, nas quais o sujeito se corrói e se autodestrói, em função de um sofrimento que se origina precisamente de feridas narcísicas precoces e inscreve no sujeito um acachapante anseio de retorno a um estado de plenitude idílica. "Há qualquer coisa que eu não gosto na vida", dizia Erna a Klein (1932/1975), num dos primeiros casos em que se apresentou a Klein a problemática da inveja. Essa frase parece ecoar na contemporaneidade como um lamento compartilhado, um lamento indefinido que se manifesta em anseios ainda mais indefinidos.

Em 1934, no artigo "Sobre a criminalidade", Melanie Klein questiona a crença de que os criminosos não teriam moralidade. Klein (1934/1996a) diz que, ao contrário do que costumeiramente se imagina, os atos criminosos, notadamente os crimes violentos, seriam oriundos de uma hipermoralidade, uma moralidade persecutória. O criminoso estaria lutando contra um superego arcaico, persecutório. Isso nos remete à constelação de inimigo interno à qual Trinca (2009) se refere como subjacente à experiência da inveja, e nos parece pertinente questionar o lugar da inveja em atos criminosos tão corriqueiros na contemporaneidade, como os sequestros e os latrocínios. Atos em que o que está em jogo não é somente uma agressão deliberada, não se trata "apenas" de destruir ou lesionar o outro ou "apenas" saquear o que ele tem, e, sim, de apossar-se por meio da violência, de atacar o objeto que tem o que eu não tenho. Não basta apenas pilhar as suas posses, há o ataque e a destruição desse outro.

No tópico seguinte continuaremos nossa reflexão sobre a inveja a partir de uma produção cinematográfica contemporânea, o filme The Neon Demon (Refn, 2016).

 

Demônio de Neon: a estética da inveja

Lançado em 2016, The Neon Demon explora o lado competitivo e agressivo da indústria da moda, com uma perspectiva que enfoca o aspecto estético. Os diálogos são escassos, de linhas únicas. É no aspecto visual do filme que vemos uma primeira porta de entrada para trazermos a temática da inveja para análise: afinal, a inveja se dá pelos olhos.

A primeira cena mostra a personagem principal, Jesse, ensanguentada e morta em um sofá, ricamente adornada e em uma posição que evoca certa beleza. À medida que o enquadramento muda, percebe-se que a cena, na verdade, é um ensaio fotográfico. É um choque inicial que dá o tom ao transcorrer de todo o filme: é um filme permeado de metáfora e simbolismo imagético.

Jesse termina seu trabalho, levanta-se e vai para o camarim tirar a maquiagem; Ruby, sua maquiadora, já estava no camarim, acontece, nesse momento, um primeiro deslumbramento: Ruby a ajuda a se limpar, apreciando-a a cada vez que passa o pano em sua pele, delicadamente. O cenário em que se estabelece esse primeiro diálogo é instigante: Jesse e Ruby estão de costas uma para a outra, ambas se olhando através do espelho. Ruby admira Jesse mas não olha diretamente para ela, fita o reflexo de Jesse no espelho enquanto vê a si mesma, e diz: "Am I staring?". Esse primeiro contato, portanto, é especular. O deslumbramento de Ruby ao ver Jesse através do espelho assemelha-se ao júbilo da criança que apreende sua própria imagem no espelho e forma os rudimentos do ego, um ego ideal, especular, inserido no registro do narcisismo primário.

Ruby, como maquiadora, não está, a princípio, numa relação de competição com Jesse. Ela pode tocar sua pele, sentir seu cheiro. Ela é suprida por isso. É o bebê fundido com o seio idealizado, fruindo plenamente de todo o potencial de prazer que o seio possui. Ainda não há, de fato, a experiência da inveja, por não haver a percepção da separação eu/outro, pois como diz Britton (2008), nos estados de onipotência narcísica o sujeito nega as limitações e qualidades finitas, de forma a evitar a inveja. É claro que, na perspectiva kleiniana, há inveja desde o início da vida, na medida em que ela é derivada da pulsão de morte e está associada à ansiedade persecutória que advém do nascimento (Klein, 1957/1991b). Todavia, gostaríamos de propor, com o intuito de analisar o filme, pensar os primeiros contatos de Ruby com Jesse como uma metáfora para uma relação ideal da mãe com seu bebê, uma relação em que a experiência de inveja ainda seria mínima.

Nesse sentido, podemos pensar que a destrutividade cresce, gradativamente, conforme o sujeito se percebe distante do lugar de ideal e necessita projetar esse ideal em outros objetos (Freud, 1914/1996b). Quanto mais o sujeito se ver distante do lugar de ideal, maior será sua propensão para a inveja. É esse gradual distanciamento, isto é, essa saída da relação especular/ego ideal para a projeção do ideal do ego, que Ruby efetua no decorrer do filme, culminando numa fatal inveja.

Jesse é apresentada como essencialmente perfeita, convidando quem acompanha o filme a amá-la também. Seus trajes e maquiagens são leves, suas expressões são "imaculadas", como se ela fosse uma figura sem maldade, "pura" (ou pelo menos sem passado), inocente, como um objeto parcial totalmente (e surrealmente) bom. Somos levados, como espectadores, a também idealizá-la e a invejá-la. Porém, em grande parte do filme ela é inacessível. É quieta, nega algumas aproximações. A sensação que fica é de ambiguidade. Ao mesmo tempo que Jesse é a personagem principal do filme, ela é esquiva, alguém sobre quem pouco se sabe. Ela é inatingível, misteriosa, quase não humana. Essa distância nos remete ao objeto idealizado: o diretor mostra a perfeição do objeto, perfeição que é negada não apenas às demais personagens, mas também ao espectador, que é transformado em "expecta-dor", isto é, ficamos na expectativa de saber (e ter) mais de Jesse, e na dor de não tê-la. Por outro lado essa distância na qual Jesse se encontra é reveladora da própria essência do objeto invejado, um objeto que, como destaca Mezan (1986), é apenas suporte de algo imaterial e intangível, que pode ser apenas vagamente vislumbrado, um horizonte inalcançável.

A apresentação de Jesse como um objeto ideal, ou melhor, o processo de idealização que somos conduzidos a realizar como espectadores, é notório na cena em que a personagem caminha de modo infantilizado, tendo ao fundo a "cidade grande", que é representada como um lugar maldoso, corrompido. A trilha sonora da cena é uma música delicada e calma, com instrumentos que são utilizados em cantigas infantis. Fica nítida a cisão bom/ mau, imaculado/corrompido. Jesse é apresentada como o objeto ideal que, contrastando diametralmente com os objetos maus, poderia fazer frente aos inimigos internos (Trinca, 2009), isto é, a cidade e os objetos corrompidos.

O próximo "experimento cênico" do diretor é colocar Jesse em um fundo totalmente branco, num contexto em que será fotografada para um ensaio. Constrói-se uma tensão, que evoca um clima sexual. Jesse fica sozinha com o fotógrafo da sessão, que a olha sadicamente, agressivamente. O enquadramento todo branco, sem limites e sem sugestões de espacialidade sugere uma indiscriminação criativa; é como a folha branca diante do escritor, que convida a ser habitada, escrita, desenhada. Essa capacidade criativa, essa fertilidade, é um dos benefícios do objeto bom, que o diretor Refn "traduz" do registro afetivo para o visual.

Com o início do ensaio, o enquadramento fixa-se em Jesse, pintada de ouro, "esclarecida" pela iluminação, e o fotógrafo de camiseta preta, em sua expressão fria e agressiva, ambos em um fundo totalmente preto. O fotógrafo pinta Jesse com suas mãos, em cenas pausadas, tensas; aparece como figura controladora, o que nos leva a pensar no caráter sádico oral e anal da inveja. Essa cena representa bem a dinâmica ambígua da inveja: uma relação que traz consigo traços destrutivos (que são representados pela tensão incitada pela presença e a ação do fotógrafo) é baseada, porém, num movimento de enaltecimento do objeto. Em outra cena, no quarto do hotel no qual está hospedada, Jesse sonha que o dono do estabelecimento invade seu quarto e coloca uma espada em sua garganta; quando acorda, olha pela janela e vê esse homem a observando; ele então sobe as escadas, e a garota tranca todas as portas de seu quarto. Jesse foge e pede abrigo na casa de Ruby, no entanto, a maquiadora tenta deflorá-la, em um avanço agressivo que é nitidamente incômodo para Jesse. Nessa cena, a dinâmica que se explicita é a trágica continuação da inveja que, frustrando o desejo da pessoa invejosa, aumenta ainda mais sua voracidade. Há um prazer sádico em Ruby em destituir a virgindade de Jesse, traço fundamental de sua imagem de objeto idealizado. A recusa de Jesse em satisfazer a investida sexual de Ruby parece se configurar como o momento em que de fato Ruby é confrontada com a experiência da inveja, pois é nesse momento que, como diria Britton (2008), se inscreve em Ruby a percepção do hiato entre o ego ideal e o ideal do ego, tornando o objeto idealizado o receptáculo do ódio invejoso.

Transcorridas algumas cenas, Ruby, trabalhando como maquiadora em um necrotério, vê-se sozinha com um corpo morto de uma mulher, ao qual ela despe e toca sexualmente, masturbando-se em cima do corpo. A voracidade aparece no sexo necrofílico, em que Ruby tenta alcançar seu prazer inatingível com um corpo sem vida, levando-nos a pensar que a voracidade tem uma demanda tão surreal e extrema que pode ultrapassar os limites da vida.

 

Life is so unfair

Algumas cenas após o primeiro contato de Ruby com Jesse, ambas vão para uma festa, onde Jesse conhece duas colegas modelos: Gigi e Sarah. No banheiro do lugar, em meio a conversas sobre sexo, Gigi, ao admirar a beleza de Jesse, diz: "Life is so unfair". Aqui fica clara a relação de competição na qual o sucesso de uma envolveria o fracasso da outra. As personagens estão bem-vestidas, há momentos de silêncio em que elas se entreolham, mantendo sempre o foco em (e revelando o desejo por) Jesse, que é "comida" pelos olhares invejosos das três.

Enquanto Ruby conhece Jesse num "plano especular", admirando-a como se admirasse a si mesma, Sarah e Gigi são apresentadas a Jesse na festa e conversam face a face. Elas são imediatamente confrontadas com a alteridade de Jesse. Na cena seguinte, no banheiro, elas conversam enquanto se maquiam olhando no espelho, mas quando falam com Jesse olham diretamente para ela. Note-se que nessa cena é apenas Ruby que, em alguns momentos, ao falar com Jesse, continua olhando-se no espelho. Ruby ainda está capturada por sua própria imagem, enquanto para as demais Jesse parece representar, de imediato, a marca da alteridade, o ideal do ego inalcançável, que as retira do registro do ego ideal. Ela é imediatamente reconhecida como um objeto-outro, que não é o ego ideal, mas se apresenta como o ideal do ego. Para alguns sujeitos esse reconhecimento e essa busca podem ser fontes de uma angústia esmagadora, acompanhada pela experiência da inveja. Parece ser o caso de Gigi, Sarah e, como o filme mostrará, também Ruby.

Voltando às cenas específicas, temos o momento no qual Jesse e Sarah competem por uma vaga. Para isso, desfilam em frente a um avaliador e sua assessora. O avaliador ignora o desfile de Sarah e se encanta por Jesse. Sarah fica nitidamente desconfortável. Durante o desfile, Sarah sente como se Jesse tivesse lhe roubado sua vaga. Na próxima cena, tendo sido "trocada" por Jesse, ela se olha no espelho, com raiva, e arremessa uma lata de lixo em seu reflexo, estilhaçando-o em pedaços. O espelho quebrado pode ser pensado como metáfora do ego ideal partido, experiência que se dá no reconhecimento da alteridade materna com o advento da posição depressiva (Klein, 1935/1996b). A "retomada" do ego ideal deve ser agora realizada por meio de múltiplas identificações (múltiplos "pedaços do espelho"), como Freud (1923/1996d) já observara. Apesar de seu caráter constitucional (Cintra e Figueiredo, 2004), é nesse momento que a inveja é intensificada, pois é quando o sujeito é desbancado de seu lugar de ideal.

Mesmo recebendo uma crítica que pode ser considerada construtiva, Sarah não aceita o elogio de Jesse - desprezo comum, por exemplo, em análises, em que o paciente invejoso pode recusar uma interpretação mesmo tendo lhe feito sentido - há uma dificuldade em usufruir do seio (ou do objeto bom, ou do prazer) de forma prazerosa e plena. Sarah então chupa a ferida de Jesse (causada pelo estilhaçamento do espelho), o que nos remete novamente ao caráter sádico-oral da inveja, sendo uma das fantasias o esvaziamento da capacidade criativa do objeto bom, da capacidade de nutrição (física e psíquica) do seio/leite/sangue de Jesse, que lhe permite a vida.

 

O banquete invejoso

A tensão entre Jesse e as três personagens aumenta culminando na cena de sua morte: Jesse, na prancha de uma piscina seca, conta sobre sua infância para Ruby. Ao mesmo tempo que se reconhece como perigosa, como distante e inatingível, Jesse também se reconhece perfeita: "God! Was there ever anything better than this? I mean, look at me. What else is there?". É a fantasia do invejoso: o seio pleno, absoluto, sabendo-se capaz de produzir alimento, nega-o sadicamente para o bebê. Surgem na cena Sarah e Gigi, olhando ameaçadoramente para Jesse, que começa a fugir das três mulheres - ao que descobrimos que não tem sucesso, sendo morta.

A próxima cena mostra Gigi e Sarah tomando banho, ensanguentadas, ao passo que Ruby as observa de uma banheira repleta de sangue. O corpo de Jesse (que pela quantidade de sangue supõe-se ter sido esquartejado) é festejado como no banquete da horda primitiva (Freud, 1913/1996a); seu assassinato é uma forma de elas terem acesso a tudo de bom que Jesse possuía.

Seguem-se então três reações para essa introjeção violenta e canibalesca de Jesse.

A primeira cena após o assassinato mostra Ruby sentada, nua, em meio a um quarto escuro, sem móveis, iluminada pelo luar através de uma grande janela, que parte do chão e alcança o teto. Ela menstrua copiosamente e mostra-se aliviada. A menstruação, sendo um processo natural e saudável do corpo feminino, pode ser aqui entendida como representação da saúde que Ruby atinge com essa introjeção; tendo ingerido o objeto bom, torna-se novamente capaz de criatividade - no filme encenada como uma criatividade biológica, que é a fertilidade, a capacidade de gerar uma criança.

Por outro lado, o sangue que escorre de Ruby pode ser também entendido de forma contrária, a saber, como sinal de destrutividade do invejoso em relação ao seu objeto que, em sua relação sádica com este, mina a capacidade criativa do objeto desejado; os bebês de dentro da mãe, fantasiados pelo invejoso, são atacados e mortos, fazendo escorrer uma quantia de sangue que ultrapassa o volume saudável da menstruação, por se tratar, talvez, do sangue desses bebês.

Voltam então os cenários claros e calmos, como lembrando da presença de Jesse dentro (no filme, de forma literal) de Sarah e Gigi. Sarah retoma sua capacidade de ser validada (enquanto modelo), de também produzir (nesse caso, produzir num formato capitalista, ganhando cachês). Acompanhando sua amiga em um ensaio fotográfico, Sarah permanece distante das fotos. O fotógrafo, porém, insatisfeito com o desempenho de uma das modelos do ensaio, chama-a para substituí-la. Ela sorri, triunfante.

Sua amiga, Gigi, por sua vez, no momento em que está desfilando, começa a passar mal, mostrando um desconforto em seu estômago. Corre para o banheiro, onde se despe rapidamente e começa, aflita, movimentos de vômito. Vomita então o olho de Jesse, corta o próprio ventre com uma tesoura e cai morta no banheiro. É interessante lembrar que toda essa voracidade das introjeções presentes na inveja cria um mundo interno cada vez mais maldoso e, por isso, persecutório. Jesse, ingerida por Gigi, passa a lhe fazer mal de "dentro" para "fora".

Passaremos agora a destacar brevemente o entrelaçamento, articulado neste texto, entre a sabedoria antiga e o mundo contemporâneo. O livro dos Provérbios (Míshlê Shelomoh6), no qual constam textos reunidos de aproximadamente 950 a.C. a 700 a.C. (Ellisen, 1984/1993), dos quais uma parte também é atribuída a Salomão, diz que "o sentimento sadio é vida para o corpo, mas a inveja é podridão para os ossos" (Provérbios, 14:30). Vemos, de maneira literal, esse efeito danoso da inveja em Gigi, que sente dentro de si a corrosão da inveja. Em outro dito dos Provérbios, em forma de pergunta, o autor acentua o potencial destrutivo da inveja: "O furor é cruel e a ira impetuosa, mas quem poderá enfrentar a inveja?" (Provérbios, 27:4). Aliás, a própria Klein (1957/1991b) afirma que há uma grande pertinência em relação às razões psicológicas para que a inveja esteja entre os sete pecados capitais e sugere que talvez ela seja "inconscientemente sentida como o maior de todos os pecados, por estragar e danificar o objeto bom que é a fonte de vida" (1957/1991b, p. 221). No filme, esse estrago é levado às últimas consequências, culminando na morte e desmembramento do objeto bom/Jesse.

Em Kohelet, o autor escreve sobre um mundo desértico, repleto de opressão e carente de vida, no qual se observa a inveja (o que talvez seja a própria causa da condição desse mundo). O filme, por sua vez, finaliza-se com os créditos passando em um cenário desértico, com o chão craquelado, enquanto escutamos a primeira música com vocais do filme inteiro. Nesse momento, ego e/ou deserto são lugares inabitados, inférteis, hostis para qualquer moradia. Esse deserto sugere, então, a sensação de vazio interior que a inveja promove no invejoso. Vazio este contra o qual, ao mesmo tempo, a inveja se mobiliza, como pontua Trinca (2009).

 

Considerações finais

Apontamos sucintamente que o conceito de inveja primária, apresentado por Klein no fim da década de 1950, ainda hoje mostra sua potência como importante articulador (juntamente com outros conceitos da própria Klein e de outras searas teóricas) para pensar problemáticas do campo clínico e sociocultural.

É interessante observar no enredo do filme um tipo de escalada da inveja, que corresponde a uma semelhante escalada da violência. O filme inicia-se com a encenação de uma morte, como que anunciando e denunciando o seu clímax sangrento. A violência é então gradualmente apresentada, iniciando nos olhares desejantes que se projetam sobre o objeto invejado. Ela cresce e toma forma (num sonho) de um homem com uma espada, depois se apresenta com uma alusão a um abuso sexual e ganha materialização em diversas formas: um espelho quebrado que fere Jesse, uma investida sexual intensa, até culminar no desfecho fatal.

Essa crescente nos faz pensar em questões contemporâneas ligadas à inveja e à violência. A inveja primária, por seu caráter constitucional, não pode ser evitada, mas assim como a relação do bebê com sua mãe pode causar-lhe feridas narcísicas precoces, intensificando as angústias persecutórias e a inveja, acreditamos que a contemporaneidade, com sua ênfase na imagem e na felicidade de aparência, tem uma relação de retroalimentação com a experiência da inveja e diversas situações de violência.

Além disso, o desfecho "grotesco" do filme, que transforma a introjeção numa experiência concreta canibalística, pode ser pensado como um alerta: quantos atos horrendos de violência não se iniciam com ações sutis e aparentemente inocentes? Olhos que se acendem como fagulhas, bocas que salivam e lábios que se mordem em desejo: é a inveja primária do bebê, representada nas personagens do filme. Essa inveja primária, porém, pode tomar diversas formas, o que nos leva a pensar que devemos ficar atentos aos pequenos atos de violência, de discriminação, de desrespeito às diferenças, pois sob a máscara de palavras e ações "ingênuas" pode estar contido o prenúncio de um horror impensável.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
JANDERSON FARIAS SILVESTRE DOS SANTOS
Av. Prof. Mello Moraes, 1721
05508-900 – São Paulo – SP
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jandersonsilvestre@usp.br

MARINA FERREIRA DA ROSA RIBEIRO
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05508-900 – São Paulo – SP
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IGOR MARQUES DOS SANTOS
Av. Prof. Mello Moraes, 1721
05508-900 – São Paulo – SP
tel.: 11 95434-3575
igormarsan@hotmail.com

Recebido 18.04.2018
Aceito 16.06.2018

 

 

1 Este trabalho é fruto das discussões e orientações no grupo de pesquisa e estudos sobre intersubjetividade e psicanálise contemporânea do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), constituído por alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, coordenado por Marina F. R. Ribeiro.
2 Segundo Ellisen, o título hebraico "[...] significa 'Pregador' ou 'alguém que se dirige a uma assembleia'[...]. Os tradutores gregos deram-lhe o nome de 'Eclesiastes', que significa 'função de pregador'. É um título bem apropriado, pois a obra contém muitas características de sermão, embora não principie por texto bíblico" (1983/1991, p. 190).
3 Sobre o uso de textos bíblicos, Ogden escreve: "Tratarei a escrita, nesse trecho, como texto literário, não texto religioso e, como tal, não tratarei as figuras e acontecimentos descritos na História como expressões de significado teológico, mas como expressões de verdades emocionais a que se chegou por meio de uma forma específica de pensar" (2016, p. 39). É também a partir dessa perspectiva que, neste artigo, tratamos os textos bíblicos.
4 Remetemos o leitor a um interessante livro de Chuster e Trachtenberg (2009), intitulado As sete invejas capitais, nele os autores realizam uma profunda reflexão a respeito da inveja, que parte da inveja do pênis, passando pela inveja do seio e no Édipo, chegando às implicações da inveja não apenas no plano social, mas nos próprios caminhos trilhados pela humanidade em suas ações autodestrutivas, como o constante ataque ao nosso próprio planeta.
5 Embora Klein não concordasse com a hipótese da existência de um narcisismo primário absoluto, referindo-se a estados narcísicos em vez de estágio narcísico (Klein, 1952/1991a), acreditamos que a posição esquizoparanoide pode ser definida como um estágio narcísico, no seguinte sentido: há uma cisão entre Ego ideal (e objetos idealizados) e outro (objetos ex no seguinte sentido: há uma cisão entre Ego ideal (e objetos idealizados) e outro (objetos extremamente maus/persecutórios). Há uma idealização de parte do ego e de parte dos objetos e o rechaçamento/ataque aos objetos considerados maus/persecutórios. Isso nos permite estabelecer um diálogo com a teoria freudiana do narcisismo primário, que diz que a relação primordial do sujeito com o mundo externo (na ótica kleiniana, objetos maus/persecutórios) é uma relação de ódio (Freud, 1915/1996c), e com a teoria lacaniana do estágio do espelho (Lacan, 1949/1998). Nesse sentido, Etchegoyen, no prefácio ao livro de Chuster e Trachtenberg, destaca o interessante posicionamento dos autores em relação a mesma questão: "a fúria narcisista que sente o bebê frente às fontes da vida pode ser interpretada como a inveja na teoria kleiniana" (2009, p. 13).
6 De acordo com Ellisen, o título hebraico "significa as analogias ou máximas de Salomão. O termo 'Mishle' quer dizer comparação ou provérbio, e é provável que derive do verbo "mashal" (governar). Designa, portanto, um controlador princípio de vida, expresso por analogia" (1984/1993, p. 181).

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