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Ide

Print version ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.40 no.65 São Paulo An./June 2018

 

EM PAUTA | INVEJA

 

Inveja? Inveja

 

Envy? Envy

 

 

Marizilda C. LourençoI; Yusaku SoussumiII

IJornalista e editora especializada em ciências do vivo (living sciences) e ciências humanas, membro do Centro de Educação Transdisciplinar (CETRANS)
IIMédico-psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, membro honorário da Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul, membro do Núcleo Psicanalítico de Aracaju e membro fundador da Sociedade Internacional de Neuropsicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo aborda a inveja como um afeto primitivo, constitutivo do ser humano, e mostra diferentes papéis que ela pode assumir em determinados contextos.

Palavras-chave: Ser humano. Instintos. Afetos. Sobrevivência. Origens da inveja.


SUMMARY

The article approaches envy as a primitive affection, constitutive of the human being, and shows different roles that it can assume in certain contexts.

Keywords: Human being. Instincts. Affections. Survival. Origins of envy.


 

 

De todos os afetos que nos consomem, dilacerando-nos, o mais pernicioso talvez seja a inveja, cravada num paradigma social de reprovação irrestrita - perdendo quem sabe só para a luxúria, por mais que se lhe procure apor o epíteto "construtiva", muito por conta de seu caráter corrosivo e sub-reptício, furtivo, insidioso, próprio do que produz efeitos às ocultas, sem jamais se revelar.

Tanto é assim que ela figura, da mesma forma que a luxúria, entre os sete pecados capitais, tão antigos quanto a própria tradição cristã, na má companhia da vaidade, ira, preguiça, avareza e gula, todas elas representantes do suprassumo da conduta humana viciosa e deplorável sob todos os aspectos porque atrelada aos instintos mais primitivos, impulsos irrefreáveis de um corpo impuro, a serem permanentemente vigiados.

Gêmea da cobiça e prima-irmã da luxúria, a inveja tem altíssimo componente erótico porque se inscreve na esfera do mais primitivo desejo, que impõe que seja satisfeito e mobiliza o sujeito implacavelmente nessa direção, só que nesse caso com um complicador pelo caminho. O objeto de desejo pertence a alguém, já tem dono e este não quer e/ou não pretende dividi-lo, de modo que, a não ser que lhe seja intempestivamente arrebatado, existe grande chance de o invejoso se consumir no próprio desejo, sem realizá-lo, apesar de todos os elementos de esperteza e malandragem de que pode se revestir seu comportamento.

Ao lembrar os sete pecados capitais, recordemos também o primeiro invejoso entre os homens, Caim, personagem emblemático da condição e da natureza humanas, para sempre estigmatizado pela inveja assassina, instrumento cego do desejo humano, e que, ao ter seu sacrifício preterido por Deus, carregava no corpo os sinais da inveja, que não passaram despercebidos ao Pai Celeste. (Uma pergunta: será mesmo que Caim foi o primeiro invejoso entre nós ou tinha antecedentes na família, confirmando precocemente a tese de que o meio modula a expressão genética e a máxima popular "quem sai aos seus não degenera"? Voltaremos a essa questão oportunamente.)

De fato, a inveja, como de resto todos os afetos, deixa sinais importantes no corpo, marca visivelmente o sujeito que a alimenta, por mais que ela seja ardilosa e escondida, e explosiva, às vezes, assumindo uma progressão assustadora - Caim é testemunha, sinais que não escapam à percepção de um observador atento.

Se existe inveja é porque há algo que alguém possui e eu não, e que eu passo a desejar com todas as minhas forças porque não possuí-lo suscita em mim inesperadamente um sentimento de falta, uma dor profunda, visto que em algum lugar do meu corpo eu atribuo ao outro um gozo inexcedível provocado pela posse desse algo, que me é insuportável. Assim, é preciso privar o outro dessa posse, porque, ao fim e ao cabo, é ela que causa em mim tamanha dor e sofrimento.

Claro, quando tratamos do humano, quando falamos dos afetos que nos assaltam de súbito, existe aí uma complexidade difícil de captar, inclusive porque o corpo do sujeito é um repertório de memórias afetivas que interferem o tempo todo na apreensão das vivências.

Estamos no campo das interações psíquicas, do livre jogo de forças poderosas que se associam em busca de expressão a qualquer preço ou se repudiam com vistas à neutralização e repressão, numa constelação particular a cada momento, de modo que a experiência emocional vivenciada pelo sujeito dificilmente pode inscrever-se no campo de um afeto específico, embora possa situar-se predominantemente no campo de um deles. Se pudesse dizer: é como se essa constelação afetiva toda própria, a protagonista da cena num ato específico, atuasse num contexto ou pano de fundo que ela impregnasse com mensagens imperativas, reiteradas, redundantes, permanentemente, esse contexto sendo o espaço do corpo, mobilizando-o num desconforto indeterminado, mal identificado, mas de tal magnitude e persistência que talvez só se resolva por uma ação do sujeito.

Esse é o campo dos instintos, esse é o campo dos impulsos vivenciados como irrefreáveis para muitos sapiens, a atestar a força da instintividade numa espécie animal em evolução como a nossa. Evolução, aliás, que se fez e continua se fazendo predominantemente sobre as estruturas corticais de nosso cérebro, sede da cognição, o que, em termos genéticos, corresponde a uma diferença de meros 2% em relação a nossos ancestrais primatas. Foi essa mutação que se operou sobre o córtex cerebral que tornou o homem esse ser pertencente a essa deriva animal específica, mutação que teve na emergência da linguagem um dos aspectos basilares para a constituição do humano e que acabou desaguando na extraordinária capacidade intelectual humana de produzir cultura, traduzida na possibilidade de melhor adaptação ao meio, de cuidados com a saúde, invenção de recursos de toda ordem e de artefatos tecnológicos para maior eficácia da ação sobre a natureza, com o objetivo primordial de garantir a própria sobrevivência.

Não nos esqueçamos, porém, que as estruturas subcorticais, sede dos registros afetivo-emocionais, dos instintos, dos sentimentos, dos sistemas homeostáticos e neuroimunoendocrinológicos, permanecem no mesmo nível dos primatas.

Nesta discussão, estaremos o tempo todo sob o domínio de tendências psíquicas que remontam ao livre jogo de impulsos e defesas, como adverte Renato Mezan; estaremos sob o domínio dos afetos, sob o domínio das estruturas subcorticais, para as quais no passado próximo pensávamos padecer de evolução, ao passo que no domínio das estruturas corticais reconhecíamo-nos em processo evolutivo.

De fato, até recentemente dizíamos carecer de evolução para os afetos porque ainda não tínhamos alcançado seu verdadeiro papel na economia corporal, com todas as implicações daí decorrentes para as questões da sobrevivência, as quais nos conduzem em última instância ao entendimento do psíquico como uma emergência corporal por força de pressões evolutivas. A função do psíquico seria proceder à autorregulação corporal em bases mais eficientes e eficazes porque capaz de contar com a determinação da vontade do sujeito. Concordávamos com a descoberta genial de Freud de que, como sensores do corpo, os afetos fornecem informação segura do meio interno do organismo com vistas à manutenção da condição chamada vida. Mas não alcançávamos as implicações desse sentir que é sempre consciente - não existe afeto inconsciente, na medida em que o sentimos. Freud sabia, mas não se deu conta de que por isso mesmo os afetos são a base de toda consciência, inclusive da consciência cognitiva.

Hoje alcançamos esta outra compreensão - ampliada - em relação a seu verdadeiro papel na economia corporal para a sobrevivência: os afetos funcionam segundo sua lógica própria, de acordo com uma dinâmica intrínseca ao desempenho de sua função para a sobrevivência. Eles integram o que podemos chamar de Id consciente, na acepção consagrada por Mark Solms, como se o constructo freudiano para Id e Ego tivesse de ser invertido para entendermos o verdadeiro funcionamento do aparelho psíquico. E nem poderia ser diferente, visto que os afetos nos informam de um desequilíbrio do meio interno do organismo, em relação ao qual precisamos tomar alguma atitude se quisermos nos manter vivos, e por isso mesmo, em virtude dessa função, são sempre regulados pelo princípio do prazer, impelindo-nos a aliviar o desprazer.

Assim, essa informação que os afetos nos transmitem, para ser eficaz e cumprir sua função, precisa ser decodificada de forma consciente, ainda que no nível do sentir, de tal forma que o sujeito, a partir desse sentir, possa encaminhar-se para uma ação que busque restaurar o equilíbrio. Essa função primordial, decisiva para a sobrevivência do ser, não tem como evoluir em virtude de pressões ambientais, muito menos para a racionalidade, como foi o desejo secreto da investigação científica por tanto tempo (acabar com afetos, emoções e sentimentos), visto que realiza à perfeição a tarefa que lhe cabe no organismo - a de representar o meio interno do corpo no cérebro por meio de medidas que dão conta da dimensão do desequilíbrio, da exata condição do organismo no momento, traduzidas para o ser na linguagem dos afetos, alertando-o para as ameaças à sobrevivência.

Mas nosso preconceito em relação às emanações naturais do corpo, instintuais e afetivas, levava-nos a querer arrastá-las para o jugo da racionalidade e da lógica aristotélica, em que pares de opostos, típicos dos afetos - amor e ódio simultaneamente presentes no mesmo sujeito e dirigidos ao mesmo objeto no mesmo momento -, não poderiam coexistir sob hipótese plausível. Com isso, aniquilávamos o que de mais tipicamente característico tinham os afetos, seus traços de oposição e incoerência, imprevisibilidade, imponderabilidade e irracionalidade, próprios do sentir humano, que sempre levaram artistas e poetas a abordar o homem e o comportamento humano como enigmas indecifráveis aos olhos da lógica adotada para o mundo macrofísico. Claro, a lógica do humano não se inscreve na lógica da física clássica; está, antes, mais intrinsecamente radicada na lógica do cosmo, mais complexa, menos linear, eivada do imprevisível e do imponderável, nascida da contingência. Lembremo-nos da sabedoria do oráculo de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo!", querendo nos advertir: "Saiba que és mortal... e humano!".

Por quantas décadas seguimos dizendo que afetos e emoções eram um produto de segunda classe do psiquismo humano e os banimos das investigações científicas, sob o pretexto de que só atrapalhavam o homem na sua tarefa superior de exercitar a racionalidade, apanágio da espécie, na sua ânsia de dominar o meio e as demais espécies com mais propriedade e eficácia? Hoje sabemos que o Id é consciente e fonte inclusive de toda consciência, a consciência possível do córtex cerebral tendo sua fonte e origem no sistema límbico e no tronco cerebral.

Se o assunto é afetos, penetramos um nível de realidade em que não há como dizer: "isso é fruto disso", "por causa disso, eu senti aquilo". Descontinuidade, irredutibilidade, não determinismo, coerência não local, eis os parâmetros. Trata-se aqui de uma outra lógica, impenetrável aos olhos da racionalidade, amalgamada entre vivências próprias e herdadas, radicada no corpo e na biografia do sujeito, indecifrável aos próprios olhos, talvez não aos olhos do Outro, ou muito mais aos olhos do Outro. Quem pode saber?

O fato é que todas essas vivências foram sentidas - o sujeito se afetou por elas, e, uma vez sentidas, deu-se conta delas, elas ficaram gravadas no corpo, e terão um papel na economia desse corpo para que o sujeito possa seguir vivendo.

Os afetos têm sua lógica própria de expressão, para a qual não conta a noção de tempo e espaço, de contexto, de persona-gens, de adequação, de pertencimento, de A não poder coexistir com não A. Por isso aparecem e reaparecem a qualquer hora, em qualquer situação, em qualquer lugar, muita vez até como simples desconforto, indiferenciado mas conhecido; outra vez, tomando o sujeito de assalto repentinamente, levando-o a comportamentos automáticos de que dificilmente consegue se dar conta no momento.

Por isso o sujeito se desorienta, desconstitui-se, aprisionado no incomunicável, fragmenta-se, olha e não se vê, encontra outros, que não conhece, não se re-conhece, encontra muitos…

E nós encontramos os poetas.

Mas, em se tratando da inveja, o assunto é desejo, e, claro, a sua realização, por isso importa remontar à vida intrauterina, quando o feto tinha todos os seus desejos satisfeitos, todas as demandas atendidas, sem necessidade de esforço, e vivia o nirvana na terra, um estado da mais total plenitude e integração com o meio que ficará para sempre gravado na sua memória e que dirigirá sua busca ao longo da vida na tentativa de recuperá-lo.

Importa considerar, para nossos propósitos, que esse nirvana na terra não tem nada do imobilismo aparentemente próprio do que é inorgânico e não se movimenta, mas se refere ao afeto derivado da sensação de plenitude que o feto experimenta no útero materno, em que não há demandas nem desejos a serem satisfeitos, porque todo o trabalho de regulação corporal é processado pelo organismo da mãe. Só subsidiariamente o organismo do feto é atingido por intercorrências verificadas no organismo da mãe, e, mesmo assim, dependendo da intensidade e da gravidade com que ocorrerem.

Ao ocorrer a cesura, instala-se uma situação de carência, de falta, em que é demandado daquele organismo, até então vivendo em meio líquido, que rapidamente se adapte a um meio gasoso, obrigando-o de imediato a aprender a respirar. Sabemos que "o ser nasce para o meio", que existe uma pré-programação nesse organismo que o prepara inclusive para enfrentar os desafios da ameaça representada pelo nascimento e os primeiros momentos no meio humano e social, no qual, absolutamente imaturo, deverá encontrar a mãe ou um cuidador para sobreviver.

No entanto, é preciso atentar para uma questão importante. No momento em que o organismo do feto está no útero materno, sendo suprido nas suas necessidades, ele se encontra numa condição passiva quanto ao ato de ser suprido e alimentado. Isso não significa que esteja passivo na utilização dos elementos essenciais para a construção de seu ser: ao contrário, esse organismo utiliza ativamente os elementos que lhe são fornecidos para a construção e o desenvolvimento de suas estruturas orgânicas, ainda que o faça segundo uma pré-programação. Tal qual um parasita ou um tumor, esse organismo é voraz e capaz de espoliar o organismo materno, se este não estiver em boas condições nos seus mecanismos de trocas energéticas e metabólicas. Esse ser que cresce no organismo materno é um ser ativo em seu autoengendramento (autopoiesis), de modo que extrairá desse organismo tudo de que necessita para si, a ponto de exauri-lo, se necessário.

Já no nascimento ocorre o trauma (cesura), representado inclusive pela necessidade de respirar. Nesse momento o bebê se dá conta de que tem necessidade, visto que até então a satisfação da necessidade era automática, sem que ele soubesse que ela existia; a partir de então, quando experimenta o estado de falta, é essa necessidade que irá direcioná-lo a buscar a satisfação. É como se existisse uma promessa, nessa programação, de que ele terá a satisfação irrestrita de suas necessidades, muito por conta de seus registros da vida intrauterina; de que existe, disponível para ele, uma fonte inesgotável de satisfação de suas necessidades.

Nos momentos precoces, o ser humano tem uma forma de funcionar que evolutivamente corresponde à de um réptil. Como só dispõe da estrutura da base do cérebro em atividade (núcleos do tronco cerebral), ele vivencia afetos reptilianos. Tudo gira em torno de satisfazer suas necessidades, sem se importar com a condição ou o destino da fonte. Se a fonte o satisfaz, é vivenciada como positiva; se não o atende, é negativa, destrutiva. O referencial é sempre ele mesmo.

Aos poucos, o bebê se dá conta de que não existe fonte inesgotável, uma vez que ela se mostra inadequada para atender todas as demandas, todas as suas necessidades, no momento em que elas se manifestam, de acordo com a periodicidade que elas impõem. Pressionado por essa situação, o organismo desenvolve recursos de sobrevivência, o primeiro dos quais é o sistema de busca, por meio do qual ele vai atrás da satisfação da necessidade premente de alimento; a força dessa necessidade é tão inexorável, visto que ele está sob ameaça de morte de fato, que se expressa de forma cega e egoísta - é o instinto de sobrevivência agindo.

A cada momento em que essa satisfação não acontece, ele tem uma reação que é biológica, orgânica, porque fica seriamente ameaçado na sua sobrevivência. Nesse momento entram os afetos, advertindo-o da grave ameaça representada pela falta - de fato, ele corre risco de vida se não for alimentado, por isso entra em estado de pânico.

Lembremos que temos aí instalada, com toda a sua pujança e inexorabilidade, a lógica do vivente, guiada pelo instinto de sobrevivência: a falta, gerada pelo desequilíbrio do meio interno do organismo, ameaçadora da vida, à qual deve seguir-se a satisfação, alternando-se para o bebê os estados de falta, satisfação, falta, satisfação, até que, em virtude da regularidade do atendimento desses estados, ele aprende a noção de tempo, e seu organismo vai processando a regulação corporal para a adaptação e evolução no sentido da transformação, sob os auspícios da mãe ou do cuidador.

No momento em que o bebê não é atendido, ele tem uma reação violenta, orgânica, contra essa fonte que lhe foi prometida em virtude da pré-programação e que falha: o seio bom, que não responde ao programado, torna-se seio mau, emergindo nele, a partir de então, um sentimento de raiva, que se expressa em reações corporais violentas, às vezes difíceis de serem contidas e apaziguadas.

O estado de falta vivenciado pelo bebê já delineia o contexto propício para a emergência da inveja, cujo aspecto constitucional fica evidenciado em virtude da não satisfação. É como se a fonte tivesse o que ele necessita, mas não lhe dá, e dá para outro, o que provoca um movimento de raiva, uma reação de ódio e frustração, diante da negação e usurpação do que é dele. É justamente a reação diante da falta, da falha da fonte, da frustração pelo não atendimento, que fará emergir a inveja, caracterizando a forma pela qual o indivíduo, daí para a frente, irá lidar com a frustração. Bion identifica uma inveja constitucional de tal magnitude em alguns indivíduos que os leva a negar o vivenciado, evacuando-o para fora de si mesmo, desaparecendo com ele, em lugar de buscar alternativas para lidar com a vivência frustrante e ultrapassá-la.

Toda inveja é, de alguma forma, constitucional, constitutiva do ser humano, porque tem origem no orgânico, no biológico, em última instância, em função de vivências muito primitivas, de afetos muito primitivos, desencadeados por situações de atendimento não satisfatório da mãe ou do cuidador. A inveja nasce com o próprio homem, diante da ameaça representada pelo outro, que tem o que ele não tem ou pode usurpar o que é dele, força cega e egoísta, que arrasta o que lhe surgir pela frente, como o próprio instinto de sobrevivência, porque remonta a situações em que a condição chamada vida está seriamente ameaçada e não há escolha possível se não a própria sobrevivência. Essa é a condição da natureza humana, egoísta ao extremo porque guiada para sobreviver no meio em primeiro lugar, a qualquer preço.

Nessa perspectiva, consideramos que Melanie Klein trouxe contribuições decisivas não só à psicanálise, mas ao conhecimento da natureza humana, ao identificar a inveja como elemento estruturante na constituição do humano. Klein nos permite ver a inveja como fator mobilizador a determinar os caminhos do desenvolvimento do ser humano, do egoísmo ao altruísmo, permitindo inclusive a emergência das qualidades humanas de amor e consideração para com o outro, pela via da superação da cegueira inerente a esse afeto primordial, que impede o indivíduo de reconhecer o valor daquele que dele cuidou e lhe garantiu a sobrevivência. Será pela qualidade do cuidado materno que o bebê poderá reconhecer o valor desse cuidado e produzir sentimentos de dor pelos ataques à fonte em virtude da não realização de seus desejos. O atendimento amoroso por parte da mãe ou do cuidador levará o bebê a desenvolver a culpa, e, em consequência, a buscar a reparação dos danos provocados por seu ódio e raiva. Esse ato constituirá o núcleo a partir do qual emergirá o sentimento de gratidão profunda e imorredoura, da mesma forma que dor, culpa e arrependimento estão na base da emergência do altruísmo.

O comportamento dos adultos hoje na nossa sociedade revela que os cuidados às crianças em desenvolvimento foram pouco eficazes no aplacamento da inveja e que são os impulsos mobilizadores das atividades humanas nos relacionamentos pessoais e sociais que geram modelos a serem aprendidos e incorporados pelos descendentes.

Mas é possível pensar a inveja a partir de uma outra perspectiva, como um princípio básico de regulação da vida social que serviu a um propósito evolutivo importante - o de assegurar a sociabilidade, mantendo grupos sociais fortes que perduraram ao longo do tempo, o que foi decisivo para a sobrevivência da espécie e consolidou seu papel hegemônico sobre determinado território.

James Suzman, antropólogo e chefe do grupo de pesquisa e apoio Anthropos, de Cambridge, relata em seu último livro, Affluence without abundance: the disappearing world of the bushmen, que pesquisadores que investigaram a comunidade de caçadores e coletores Ju/'hoansi, de N'yae-N'yae, no deserto de Kalahari, na Namíbia, entre os anos 1960 e 1970, identificaram um traço positivo da inveja na dinâmica social desse grupo, funcionando como fator de coesão social forte e de regulação da vida econômica numa sociedade altamente individualista, embora marcada por um caráter de igualitarismo "feroz" (condição de sua sobrevivência no tempo). Entre os Ju/'hoansi, não existia preocupação com propriedade privada, estratificação social, formalização de instituições sociais, acúmulo de excedente e dominação política de um grupo sobre outro.

A inveja atuava como fator de sociabilidade, ajudando a formar e manter laços sociais fortes, capazes de conservar o grupo organicamente unido e organizado por longo período de tempo. Na verdade, o grupo nascia como resultado da interação entre pessoas movidas por interesse próprio numa comunidade altamente individualista. Esse interesse próprio era sempre policiado pela inveja, que cumpria o papel de assegurar que todos sempre recebessem uma parte justa do que o grupo caçava e coletava, e que aqueles com carisma natural e autoridade para "liderar" os exercitassem com temperança, visto que era prática social corrente insultar o caçador pelo fruto de seu trabalho, por melhor que este tivesse sido. Curiosamente, o caçador responsável pela comida do grupo no momento, além de insultado, era sempre desqualificado em sua habilidade, assim como era desqualificada a carne que aportava para o consumo do grupo, considerada insignificante.

Embora tais insultos e desqualificações nunca fossem levados a sério nem pelo grupo nem pelos caçadores e fossem dentro do grupo atribuídos à expressão da inveja, cumpriam uma função social importante, evitando que caçadores particularmente habilidosos e proativos pudessem se considerar mais importantes que os outros ou pudessem considerar os demais em débito, rompendo assim o frágil equilíbrio igualitário que sustentava a vida em grupo. Tudo se passava como se uma grande encenação social fosse levada a efeito com um propósito bem definido, de modo que esse tipo de comportamento social era praticado contra qualquer um que de repente se sentisse tentado a acumular o que quer que fosse, colocando em risco a vida social da comunidade e evidenciando o papel decisivo das normas sociais para a sobrevivência do grupo.

Numa comunidade como essa, ficava patente que as normas eram normas precisamente porque eram aceitas em lugar de se-rem questionadas, e porque se apresentavam como naturais e inevitáveis para os propósitos da sobrevivência. A inveja tinha papel decisivo nesse contexto, visto que, ao alimentar a prática de um igualitarismo nascido naturalmente no interior do próprio grupo, garantia que ninguém se preocupasse em acumular riqueza, permitindo que recursos limitados fluíssem organicamente através das famílias, mesmo em tempos de escassez episódica. Essa era a lógica de funcionamento do grupo.

Segundo consta dessa investigação, todo mundo observava zelosamente todos os outros o tempo todo: cada um anotava cuidadosamente o que os outros comiam, o que os outros possuíam, o que os outros recebiam ou davam como presentes, e se eram ou não suficientemente generosos em troca.

Além dos insultos e zombaria, outro mecanismo de que dispunham esses caçadores-coletores explicitamente ligado à expressão de inveja era o "compartilhamento de demanda". Onde normalmente consideramos socialmente inadequado os outros pedirem sem vergonha por algo que possuímos, os Ju/'hoansi consideravam essa prática "naturalmente" inserida na dinâmica da vida social. Ao contrário, negar o pedido de alguém corria o risco de ser visto como expressão do mais puro egoísmo, motivo de estranhamento para os demais e da necessidade de ficar de olho para entender o motivo dessa atitude.

O resultado prático dessa dinâmica foi que, enquanto a apropriação individual do trabalho coletivo foi respeitada, as desigualdades materiais foram rapidamente eliminadas. Via zombaria e compartilhamento de demanda, a inveja fazia as vezes da "mão invisível do mercado" para Adam Smith, funcionando como elemento regulador da vida social e econômica dos Ju/'hoansi, que perduraram como agrupamento social estável por longo período na história.

E na nossa sociedade, qual é o papel da inveja, por onde ela anda? Corre solta, aos olhos de todos, ou esconde-se para não mostrar a vileza de que pode se revestir? Estaria ela também a serviço da evolução da espécie, no sentido de funcionar como a argamassa do tecido social que mantém o agrupamento unido para aumentar as chances de sobrevivência no meio por muitas e muitas gerações, consolidando o domínio dos sapiens em determinado território?

Vejamos: se tivéssemos de inventariar os traços mais caracteristicamente marcantes da nossa vida social hoje, o que apontaríamos? O que mais tipicamente distingue os humanos de hoje, em tempos de mídias e redes sociais?

O narcisismo, em primeiro lugar, que aliás deixou de ser socialmente considerado patologia para ser assimilado como o modo "natural" de ser e funcionar dos sapiens de hoje, imersos numa cultura da imagem especialmente montada para que possam ver, mas principalmente serem vistos - e mais do que vistos, desejados, que é o sonho secreto de cada um de nós e o que de fato importa. Tanto assim que estamos todos em busca de nossos 15 minutos de fama nas redes sociais, talvez menos, 5 talvez bastem, em relação aos quais, é ponto pacífico, temos direito e dos quais não abrimos mão. Esse é outro mote que nos acompanha desde o século passado, em relação ao qual também estamos todos de acordo: temos todos os direitos, e poucos ou nenhum dever. Em algum lugar do passado escapou-nos a noção de obrigação, a noção de dever, e nem demos por falta, tão a propósito ela se perdeu, o que é no mínimo surpreendente na cultura ocidental, significativamente marcada pela tradição judaico-cristã.

Num reino em que temos todos os direitos e nenhum dever, e a exposição nas mídias sociais é a tônica do relacionamento humano, parte integrante da vida para consumo, que se esgota aí, no consumo e no descarte do objeto de desejo do momento, seja este um relacionamento ou bem material, como nos diz Bauman, seremos reclamões, na melhor nas hipóteses. E invejosos, movidos pelo desejo de sermos desejados e movidos pela cobiça, atentos ao que o outro tem, ao que ele é e faz, e ressentidos, em consequência, quando vemos que o outro é mais bonito, mais inteligente, mais charmoso, mais articulado, mais bem-sucedido, mais bem dotado pela natureza, enfim, muito mais feliz - uma injustiça, e nós somos menos, muito menos a nossos próprios olhos.

Conhecemos bem nossas características e mazelas pessoais e sociais: uma sociedade de mimados, invejosos, ressentidos, arrogantes, imaturos infantis, que padecem de solidão e solitude e por isso rapidamente se voltam para as redes sociais, em comunicações sôfregas, impulsivas, na tentativa de preencher o vazio da existência - o palavrório ininterrupto das redes entretém a todos, alienando-os ainda uma vez do contato com a pobreza, a aridez e a infertilidade da vida interior e afetiva, do corpo que decai gradativa e inexoravelmente, de modo que acompanhar a par e passo a vida dos outros como se desenrola nas postagens das redes é viver um pouco dessa vida, é vivenciar pessoalmente um pouco dessa existência de sonho, perfeita, em que tudo dá certo e não existem reveses, uma vida excitante, fabulosa, cheia de acontecimentos extraordinários, em que não existe a pasmaceira do cotidiano, de lugares e aventuras imperdíveis etc. etc.

Aí temos a face ruidosa da inveja, expressa, óbvia, previsível, constitutiva do ser humano, onipresente nos relacionamentos pessoais e sociais e que cumpre à perfeição o papel de fazer girar a roda do capitalismo nessa modernidade líquida de consumo e descarte. Mas existe outra, sub-reptícia, ardilosa, escondida, mais primitiva e mais radical, imprevisível, disposta a arriscar no imponderável para a realização do desejo e a pagar o preço, que age às ocultas, cooptando com seu canto de sereia.

O desejo, nesse caso, refere-se a um não conformismo com a condição humana falaz, de dor e sofrimento, doença e envelhecimento, decrepitude e morte, da qual, aliás, já nos advertia o oráculo de Delfos: "És humano e mortal, lembra-te...". Por isso o objeto de desejo agora é ser como os deuses, esse é o modelo. O ser humano deseja para si imortalidade e juventude eterna com apoio hoje no que se convencionou em chamar de "singularidade tecnológica" e na emergência de uma raça de super-humanos ou transumanos, tendo por trás uma fé cega, religiosa, nos poderes ilimitados da ciência e da tecnologia (nos próprios poderes, aliás, humanos poderes) e na ausência de fronteiras para o desenvolvimento das faculdades mentais humanas, passíveis de serem aprimoradas ao infinito em escala exponencial.

Não teríamos aí uma arrogância sem limites de humanos que, à semelhança de Lúcifer, alimentaram a vida toda uma inveja surda de Deus? Não teríamos aí novamente representada diante de nós a história de Adão e Eva - talvez eles sim os primeiros invejosos da espécie, e sua expulsão do paraíso pela desobediência à recomendação divina de não comer da árvore do conhecimento? Não teríamos aí a inveja de Adão dos poderes de Deus e o desejo irrefreável de comer do fruto proibido para que os segredos divinos lhe fossem revelados?

O leitor já deve ter identificado que estamos falando de transumanismo e de singularidade tecnológica como a mais flagrante e imponderável ameaça que pesa sobre nossas cabeças neste começo de milênio e em relação aos quais a comunidade científica curiosamente está dividida, com vozes a favor e contra, sem se aperceber de que estamos no limiar de um salto no escuro, provocado pela nossa inveja e arrogância, para o qual pode não haver caminho de volta. E que pode representar, ironia das ironias, a extinção consciente da espécie pela própria espécie, vítima do encantamento exercido pelos robôs, um novo canto das sereias, e pelas promessas mal vislumbradas e mal avaliadas da inteligência artificial.

Temos aí, em íntima associação com esse fascínio, uma tentativa desesperada do humano de se autoconvencer de que tem alguma potência, diante do desamparo e do abandono primordiais que vivencia na sua intimidade mais íntima desde o nascimento. Jogado num planeta em que anda às tontas, sem saber onde está nem para onde deseja ir, e muito menos como deseja chegar a esse lugar que não identifica, o homem é alertado pelos afetos para o fato de que a natureza não está nem aí para seus desejos e de que ela se rege pelo imponderável, pelo imprevisível, por ritmos e ciclos que nem sempre se repetem com a regularidade prevista, fazendo emergir o caótico, o novo, o desconhecido, o inusitado, e de que os padrões de racionalidade com os quais procura subjugá-la não se aplicam absolutamente a seu domínio.

Desconectado de si mesmo e da lógica do entorno, o homem ainda não se deu conta do que significa o Antropoceno, do que significa ter se tornado agente de transformação geológica do planeta, alienado do fato de que hoje é o maior predador de si mesmo e do meio, a sua maior ameaça.

Há muito chamávamos a atenção para o fascínio e a sedução inquietantes exercidos pelos robôs sobre o ser humano e alertávamos que estávamos caminhando para a emergência de um humano de outra qualidade, condição e natureza. Pois bem, nesta segunda década do milênio, o progresso tecnológico avança num padrão de crescimento exponencial, seguindo o que o futurista Ray Kurzweil chama de "lei de retornos acelerados", depois de uma análise das tendências observadas desde os anos 1950, que lhe permitiu inferir que a singularidade tecnológica estaria próxima de ocorrer em 2045. Segundo Kurzweil, sempre que a tecnologia se aproximar de uma barreira ou limite, a própria tecnologia encontrará uma forma de ultrapassá-lo e seguir em frente, avançando.

O que vem a ser singularidade tecnológica? Um evento hipotético em que a inteligência artificial seria capaz de autoaperfeiçoamento recursivo ou de construir autonomamente máquinas mais inteligentes e mais poderosas do que aquelas que a geraram, até o ponto de uma explosão de inteligência, que produz uma inteligência que ultrapassa todo controle ou entendimento humano atual, segundo nos refere Basarab Nicolescu, físico romeno e teórico da transdisciplinaridade.

Estaríamos aqui na iminência de uma nova espécie, um humano cada vez mais máquina e uma máquina cada vez mais humana, fruto de um processo de íntimas influências, retroações e bifurcações homem/máquina, que apontam para a imprevisibilidade e a imponderabilidade dos resultados e questionam a sobrevivência da espécie. Nesse universo de transumanos, Nicolescu nos adverte de que a seleção natural, obsoleta, seria substituída pela seleção tecnológica, à medida que o transumanismo tem como pressuposto o uso da biotecnologia e da bioengenharia para aperfeiçoar física e mentalmente o ser humano, de modo que doenças degenerativas e todo o processo de envelhecimento celular seriam banidos da agenda de preocupação dos humanos. A nanotecnologia daria conta de substituir sistemas ou órgãos prejudicados por outros de igual ou melhor rendimento; intervenções no nível do DNA das células garantiriam qualidade de vida pela vida afora.

Teríamos finalmente alcançado a juventude eterna e a imortalidade, projeto antigo da humanidade, temporariamente adormecido, mas jamais abandonado. Seguramente, essa raça de transumanos ou nova espécie de humanos nos fala muito dos humanos que a querem engendrar, dos humanos nossos contemporâneos, para os quais toda limitação biológica da espécie, o que para eles significa dizer toda miséria humana, será ultrapassada em questão de décadas.

Se não são um bom exemplo, e seguramente não são, esses humanos representam séria advertência. Se Freud estivesse entre nós, teria certamente revisto e atualizado seu conceito de unheimlich.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido 30.05.2018
Aceito 16.06.2018

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