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Ide

Print version ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.40 no.65 São Paulo An./June 2018

 

CRIATIVIDADE E OUTRAS PAUTAS

 

Elaboração e atualidade do traumático em Primo Levi1

 

Working through and currentness of the trauma in Primo Levi

 

 

Maria Nadeje Pereira BarbosaI; Daniel KupermannII

IPós-doutoranda em psicologia clínica no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Psicanalista e psicóloga clínica
IIProfessor doutor do Departamento de Psicologia do IP-USP e psicanalista. Bolsista do CNPq

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir das reflexões tecidas por Freud na Carta 112/52 e de sua concepção de trauma em Além do princípio do prazer, este artigo apresenta uma análise da relação entre memória, trauma e elaboração no testemunho de Primo Levi. Buscamos demonstrar que houve um determinado momento de inflexão no percurso de Primo Levi como ex-deportado, nos anos 1980, caracterizado pela reativação das representações de base de sua vivência nos campos de extermínio, potencialmente apto para formar "novos traumatismos", que encontraram seu ponto culminante em seu ato suicida. A conclusão é que sempre haverá um resto imanente à catástrofe vivenciada em Auschwitz, sem possibilidade de elaboração, e que é papel da cultura dar continuidade ao dever da memória.

Palavras-chave: Primo Levi. Freud. Shoah. Testemunho. Trauma.


SUMMARY

This article presents an analysis of the interrelation among memory, trauma, and working through in the testimony of Primo Levi as from Freud's reflections in Letter 52 and his conception of trauma in Beyond the pleasure principle. The authors intend to show that there was a certain turning point in Primo Levi's course as a former deportee, in the 1980s, defined by the reactivation of the basic representations of his experience in extermination camps, potentially able to create "new traumas" that reached their culminating point in his suicide. The conclusion is that there will always be immanent remains of the catastrophe experienced in Auschwitz, with no possibility of working through, and that it is up to culture to carry on the duty of memory.

Keywords:Primo Levi. Freud. Shoah. Testimony. Trauma.


 

 

Introdução

O traumatismo perturba as veredas do tempo. A singularidade do testemunho sobre dramas coletivos e tentativas de desumanização é a de sofrer os efeitos da obliteração da temporalidade como efeito da vivência traumática. O testemunho carrega em seu bojo uma temporalidade "antinarrativa" que pode ser equivalente aos contramonumentos de Jorchen Gertz (Robin, 1998, p. 131). Com isso, o testemunho de vivências traumáticas instaura o escândalo do fora do tempo, em que as testemunhas se situam não como viventes, mas como sobreviventes.

Buscamos analisar um momento decisivo de inflexão na vida e no testemunho de Primo Levi, nos anos 1980. Contexto marcado pela retomada veemente de questões suscitadas pela Shoah2 e que não somente ativou as representações de base da experiência traumática de Levi como deportado, mas também teve o potencial para formar novos traumatismos, que culminaram com o seu suicídio. Nesse sentido, destacamos a função determinante da alteridade humana ao longo da vida desse intelectual e escritor.

Nossa hipótese é a seguinte: o fluxo de representações provenientes do mundo exterior, que mantém uma relação de derivação com a vivência traumática original, tem a capacidade de reativar a posteriori a circulação dos traços mnêmicos, para incitar o descolamento dos signos de percepção, e de produzir novos traumatismos com o mesmo potencial devastador da vivência traumática original.

Com isso, procuraremos demonstrar que, no contexto dos anos 1980, caracterizados por uma verdadeira retomada da questão da Shoah, Levi, no seu desejo de ser compreendido em sua tarefa testemunhal, não encontrou acolhimento na cultura de seu tempo, a qual produziu não somente a reativação de sua vivência traumática nos campos da morte, mas também novos traumatismos que encontraram seu ponto culminante em seu ato suicida.

Para empreender essa tarefa, ancoramos nossa pesquisa em dois níveis discursivos, o da psicanálise e o do "teor testemunhal" (Seligmann-Silva, 2010), que, ao se justaporem na singularidade de suas proposições, complementam-se de acordo com os desenvolvimentos suscitados pela nossa hipótese de trabalho e apontam para uma leitura transdisciplinar. Analisamos a Carta 112/52, de 6 de dezembro de 1896, de Freud a Fliess (Freud, 1985d), para, a partir da reflexão tecida por Freud sobre a memória, abordarmos sua concepção de trauma desenvolvida em Além do princípio de prazer, de 1920. O objetivo é articular memória, traumatismo e elaboração. Por outro lado, mas seguindo as sendas que propõem uma discussão sobre os processos psíquicos ora mencionados, situaremos frente a frente o primeiro testemunho de Levi sobre sua vida nos campos de extermínio, intitulado Se isto é um homem?, de 1947, com o último testemunho publicado na vida do intelectual italiano, Os afogados e os sobreviventes, de 1987. A finalidade última é aportar novos elementos sobre as temáticas esboçadas.

Revisitar a Carta 112/52 requer, de antemão, certa prudência metodológica. Mesmo se perfilando como um escrito pré-psicanalítico e, com isso, não apresentando o mesmo estatuto psicanalítico que tem a obra de Freud propriamente dita, a correspondência pode ser utilizada para demonstrar que determinadas teorizações psicanalíticas de máxima importância foram mencionadas inicialmente nela. Assim, através da correspondência de Freud a Fliess podemos acompanhar o intenso e emblemático processo de apogeu e ocaso da teoria da sedução. Na mesma linha, a noção de a posteriori (nachträglich) foi introduzida por Freud no "Projeto para uma psicologia científica" (1950/1985a) para referir-se aos dois tempos do trauma, conceitualizando a proton pseudos.

Isto posto, procuraremos demonstrar que a reflexão proposta por Freud na Carta 112/52, em relação dialética de derivação com as construções propriamente psicanalíticas que dela se desprendem, contribui para uma maior compreensão sobre a experiência de Primo Levi como deportado e ex-deportado e aponta para modalidades de reflexão que podem nos oferecer indícios sobre o entendimento do humano depois de Auschwitz.

A peculiaridade de Os afogados e os sobreviventes em relação ao conjunto da obra de Primo Levi é que, dessa vez, os elementos enquistados em seu primeiro testemunho sobre o sistema genocida encontram um ponto de articulação e de desenvolvimento, na mesma medida em que a exigência de uma escrita clara, livre de impurezas, como ele bem intenciona no decorrer de toda sua obra, dá lugar a um lamento desesperado em busca de validar sua verdade testemunhal, mas certamente buscando dar sentido a sua experiência sob a luz dos anos 1980.

Isso não significa que almejamos encontrar uma correspondência entre as lembranças e as fantasias que se desprendem no testemunho, mas sim o lugar específico mediante o qual Levi se situa diante de sua própria experiência3, incluindo o contexto histórico e cultural. Contudo, o caráter singular de sua vivência não impede que, a partir dela, possamos extrair "lições sobre Auschwitz", assim como pensar o humano depois de Auschwitz. Mais ainda: é precisamente essa singularidade que aponta não somente para a universalidade da realidade da Shoah, mas também para o redimensionamento dessa realidade paradigmática para que situações desse tipo não mais se repitam.

 

Freud: tempos da memória, tempos do trauma

O surgimento da psicanálise está estreitamente vinculado à reflexão freudiana sobre a memória. Desde Projeto para uma psicologia científica, Freud (1950/1985a) destaca a memória não como um atributo do aparato psíquico, mas como a "essência propriamente dita do psíquico" (Derrida, 1967, p. 277).

Na Carta a Fliess de 6 de dezembro de 1896 (Carta 112/52), Freud (1985d) propõe que a memória é múltipla, registrada em diversas modalidades de signos. Diz Freud:

Você sabe que eu trabalho com o suposto de que nosso mecanismo psíquico formou-se por superposição de capas porque, de tempos em tempos, o material existente sob a forma de traços mnêmicos experimenta um reordenamento segundo novas conexões, uma inscrição [retranscrição, Umschrift] (1985d, p. 218).

A tese acerca de diferentes registros de memória que se submentem a novos reordenamentos segundo novos nexos é fundamentada por Freud através da criação de um sistema estratificado de escrituras (Derrida, 1967, p. 284), estabelecidas a partir do sistema percepção-consciência, que são os neurônios a partir dos quais as percepções se originam, e que se ligam à consciência. Mas, esses neurônios não guardam nenhum traço do acontecimento, porque memória e consciência, segundo Freud, excluem-se mutuamente; o acento recai sobre a memória.

Com isso, Freud confessa a expectativa de descrever uma "psicologia nova" ao "indicar exaustivamente as características psicológicas da percepção e das três escrituras" (Freud, 1985d, p. 284). Como postula Derrida, "o traço mnêmico começa a se converter em escritura" (1967, p. 284).

A primeira escritura corresponde aos "signos de percepção" (Wahrnehmungszeichen): praticamente inacessíveis à consciência, dispõem-se conforme associações por simultaneidade. A segunda escritura, a "inconsciência" (Unbewusstein), está disposta de acordo com outras conexões, talvez causais. Os traços Ic talvez correspondam a lembranças conceituais, sem acesso à consciência, muito próxima ao que as neurociências qualificam de memória implícita (Bocchi & Viana, 2012, p. 8). E, finalmente, a terceira reescritura, a "pré-consciência" (Vorbewusstsein), "ligada às representações-palavra, [...] correspondem ao nosso ego oficial" (Freud, 1985d, p. 219). É a única escritura que acede à consciência mediante "a animação alucinatória de representações-palavra" (Freud, 1985d, p. 219). Assim, tal acesso à consciência cognoscitiva secundária ocorre mediante investimentos de certas inscrições a partir de um determinado modo de funcionamento do aparato psíquico, com a condição de que a consciência do pensamento é posterior de acordo com o tempo (Freud, 1985d, p. 219).

As escrituras são sucessivas e correspondem às operações psíquicas que ocorrem no decorrer da vida do sujeito, mas somente podemos ter acesso a elas através da consciência. "Na fronteira dessas duas épocas é preciso que se produza a tradução do material psíquico" (Freud, 1985d, p. 219). Essas traduções equivalem ao reordenamento que Freud menciona no início da carta: o material psíquico, ordenado segundo determinadas conexões, passa a ser ordenado segundo novas conexões. A nova escritura inibe a anterior e conduz seu processo de excitação. Quando falta a escritura posterior, a excitação flui de acordo com as leis psicológicas do período anterior. Para Freud, essa constelação produz um "anacronismo" que se perpetua em certas províncias ativas do aparato psíquico e deixa sempre um remanente, um resto não traduzido.

Esse sistema de escrituras estratificado presente na Carta 112/52 apresenta determinadas teorizações acerca da memória, que apontam a necessidade de pensar o funcionamento do aparato psíquico em situações nas quais o processo que possibilita o estabelecimento das conexões associativas entre as diversas escrituras se obtura, tal e como Freud propõe a respeito do recalcamento (denegação da tradução).

Essas reflexões realizadas por Freud em 1896 sobre os caminhos da memória assinalam o desenvolvimento de processos psíquicos muito arcaicos, pré-inconscientes (Laplanche, 1988, p. 94), que não pertencem exclusivamente à dimensão do recalcado (Amati-Mehler, 2009, p. 1644). Descaminhos da memória estreitamente vinculados com aspectos enquistados do mundo interno, que não encontraram vias de simbolização. Também, relacionados com o circuito da dimensão biológica das pulsões, que, tal e como sua dimensão psíquica, vem de "fora", incidindo naquilo que já está "dentro", com a diferença de que pode se inserir numa interminável dialética que representa o encontro eclipsado do sujeito no mundo da cultura ancorada na perversão do instintual.

Com efeito, emblemáticas questões se desprendem da Carta 112/52 acerca do funcionamento psíquico e que oferecem condições de possibilidade, diretas ou indiretas, para determinadas teorizações, inclusive nos tempos de Freud. Questões que apontam para o estatuto da noção de trauma em psicanálise.

Em 1920, Freud publica Além do princípio de prazer (1920/1985c), obra na qual aparece a definição de traumatismo como perfuração. Foi necessário um longo desenvolvimento nas reflexões psicanalíticas de base para que fosse possível a Freud desenvolver a questão do trauma, mas sob a luz do conceito de pulsão de morte e de compulsão de repetição. Freud define o traumatismo como perfuração da proteção antiestímulo (1920/1985c, p. 29), que, no momento de seu advento, não pôde encontrar saída sob a forma de descarga. Assim, converte-se num corpo estranho enquistado no aparato psíquico, regendo a vida do sujeito e resistindo ao processo de elaboração.

Buscando articular a traumatogênese com o problema do testemunho de violências sociais e políticas, resgatamos a contribuição de Ferenczi acerca do trauma, em que a função da alteridade aparece em relevo, para introduzir uma noção inédita no campo psicanalítico, a saber, a de trauma social (Kupermann, 2016, p.48):

enquanto o trauma sexual freudiano implicava [...] uma operação intrapsíquica própria ao sujeito - ainda originada por uma intrusão externa -, o trauma social, formulado por Ferenczi, explicitaria uma fratura na operação de reconhecimento no campo das relações sociais e políticas. (Kupermann, 2016, p. 49)

O que se depreende dessa noção de trauma social para o propósito que ora nos interessa é, em primeiro lugar, a possibilidade de ressituar a vivência exterminacionista de Primo Levi, assim como suas consequências, num sentido em que a dotação pulsional da cultura, ante sua tarefa testemunhal, possa ser considerada de forma mais consistente, como um dos elementos propulsores tanto da elaboração do traumático quanto de sua atualização, levando em conta a dimensão do inaudível da vivência de Levi nos campos de extermínio (Barbosa & Kupermann, 2016). Questão que remete diretamente ao testemunho e sua transmissão.

 

O testemunho de Primo Levi: da memória acústica ao desejo de compreender

No transcorrer de toda sua produção escrita, Primo Levi aborda a ambiguidade que reveste a condição de prisioneiro nos campos de concentração. Essa "constelação", segundo suas próprias palavras, conduz necessariamente a pensar na ocorrência da Shoah, assim como nas modalidades de assimilação por parte de Primo Levi. Com efeito, a Shoah desestruturou a aparente ordem da cultura ocidental, fazendo emergir o abismal e alterando todos os eixos do cotidiano. A cultura passou a ser fundamentada pela angústia e pelo espanto diante da desagregação do mundo. Essa modalidade de entendimento se delineia muito próxima ao que Freud (1918/1985b) esboça como "o estranho", Das Unheimliche, não somente pelos efeitos contraditórios e absurdos que produz, mas também pelo fato de ancorar-se numa dimensão surreal da catástrofe.

O componente surreal se revela até no modo em que se falava no Lager4. Em Se isto é um homem?, Primo Levi (1958a) relata a forma rudimentar em que o idioma alemão era falado em Auschwitz: as palavras pronunciadas soavam como "bárbaros latidos dos alemães quando dão ordens, que parecem liberar uma raiva velha de muitos séculos" (1985, p. 17)5.

No caso do testemunho de Levi sobre sua experiência em Auschwitz, parece estar em questão não somente as expressões de linguagem presentes no Lager, mas sobretudo a forma rudimentar que o idioma alemão era veiculado. O testemunho de Levi sobre os "bárbaros latidos" pode ser considerado como uma das metáforas de sua vivência concentracionária, com profundas repercussões em sua subjetividade.

Quarenta anos depois, em Os afogados e os sobreviventes (1987), Levi aprofunda a questão da comunicação em Auschwitz, na qual "saber ou não saber alemão era um divisor de águas" (1987, p. 79) que determinaria a sobrevivência. Levi retoma a magnífica análise de Klemperer (1975) sobre a linguagem do Terceiro Reich (LTI), aprofundando-a, por assim dizer, ao referir-se à linguagem veiculada no Lager:

No arquipélago do Lager alemão se delineara uma linguagem setorial, um jargão, o Lagerjargon, subdividido em subjargões específicos de cada Lager e estreitamente aparentado com o velho alemão das casernas e com o novo alemão dos SS. (Levi, 1987, p. 85)

A utilização de violência física se inseria como uma das variantes desse jargão, o que demonstra que o uso da palavra para comunicar o pensamento "tinha caducado" (1987, p. 80). Contudo, admitir esse "eclipse da palavra" poderia ser considerado um sintoma indesejável, dado que "assinalava a aproximação da indiferença definitiva" (1987, p. 88). De todas as maneiras, Levi confessa recordar de forma puramente acústica esses sons estrangeiros que se inscreveram em sua memória, que ele mesmo a define como "mecânica" (1987, p. 88).

O intelectual italiano e judeu tinha alguma familiaridade com o idioma alemão através da leitura de textos de química, quando estudava na universidade. Para Primo Levi, essa língua estrangeira com a qual ele brutalmente se deparou, convertida, por sua vez, num jargão de assassinos em que praticamente nenhuma escala familiar de valores era veiculada, somente foi ressignificada a posteriori, nos anos pós-guerra, transformando-se num desejo imperioso de buscar compreender6 os alemães, de traduzir os modos de ser e de viver da cultura alemã, e numa necessidade primordial de "'contar' aos 'outros', de tornar os 'outros conscientes'" (1958a, p. 9). Em entrevista concedida a The Literature Review, em 1985, Levi comenta o intrigante fato segundo o qual descobriu que tinha aprendido uma forma muito rudimentar do alemão ao se relacionar com alemães "educados" (1998, p. 56), segundo suas próprias palavras.

Sobre esse propósito, em Os afogados e os sobreviventes (1987), Levi relata duas ordens de considerações relacionadas com a tradução alemã de Se isto é um homem? em 1962, quinze anos após sua publicação na Itália. Não sem antes mencionar que, na versão alemã de Se isto é um homem?, Levi confessa ter encontrado os destinatários verdadeiros dessa obra, os alemães: "eu os forçaria a ficar diante de um espelho" (1987, p. 144). A primeira está relacionada com o processo de tradução ao alemão: Levi manteve um intenso intercâmbio com o tradutor da obra, Heinz Riedt. A todo custo, Levi não abria mão de buscar traduzir no próprio idioma alemão o imundo dialeto do Lager, como se fosse um idioma dentro do mesmo idioma, baseando-se em sua memória acústica. O objetivo era que "não se perdesse nada da dureza, da violência imprimida na linguagem... Devia ser, mais que um livro, um registro de gravador" (1987, p. 148). Esse trabalho repercutiu em Levi como uma restauração (1987, p. 148).

A segunda ordem de considerações remete ao seu desejo visceral de compreender os alemães e a sua vivência como sobrevivente do genocídio (p. 384). Primo Levi recusou-se a realizar o prefácio da edição alemã de Se isto é um homem?, despojando-se de qualquer intuito de passar da posição de testemunha para a de um juiz, separando "os justos dos pecadores" (1987, 148). A solução encontrada por Levi foi realizar o prefácio com o trecho de uma de suas cartas para Heinz Heidt. Assim, foi nesta carta, convertida em prefácio, que Levi expressou esse desejo de compreensão. Eis aqui suas palavras:

Mas, eu não posso dizer que compreendo os alemães: ora, algo que não se pode compreender constitui um vazio doloroso, um aguilhão, um estímulo permanente que requer alívio. Espero que este livro obtenha alguma repercussão na Alemanha: não só por ambição, mas também porque a natureza deste eco talvez me permita compreender melhor os alemães e acalmar esse aguilhão. (2004, p. 36, grifo e tradução nossos)

No processo de ressignificação da língua alemã, a posteriori se delineia um leque de possibilidades de compreensão regidas pela dimensão do sensível, que se plasma pelo desejo imperioso de Primo Levi de conhecer um mundo que, de modo paradoxal, foi o epicentro do "mal radical" e o representante dessa Kultur que a Europa tem como modelo. Mundo que, naquele momento, se encontrava em plena fase de pujança, o chamado "milagre alemão". Desejo de compreender que se manifesta como um "aguilhão permanente" que "requer alívio".

 

Sobre o desejo de ser compreendido em sua tarefa testemunhal: o papel do outro

Caberia perguntar como é possível que essa modalidade de relacionamento com os alemães no Lager poderia ter se convertido num desejo imperioso de compreender; desejo demonizado por outros ex-deportados, como Jean Améry7, que definia Levi como um "perdoador", um Verzeihende. O intenso ressentimento de Améry (1966) ante o que vivenciou nos campos da morte o conduz a repudiar de maneira veemente todo e qualquer posicionamento que não fosse o "sem perdão". Ora, em relação ao posicionamento de Améry, Primo Levi, tanto em sua vida como em sua obra, não partia dessa perspectiva radical. Por isso, foi alvo das críticas marcantes de Jean Améry.

Em Os afogados e os sobreviventes, Levi (1987) encontra a oportunidade de refletir sobre essa denominação que Améry lhe conferiu e explicar que não considerava "nem uma ofensa nem um elogio, mas uma imprecisão". E esclarece: "Não tenho tendência a perdoar, jamais perdoei nenhum de nossos inimigos, [...] porque não conheço atos humanos que possam cancelar um crime; exijo justiça" (Levi, 1987, p. 117). Numa entrevista concedida a Partisan Review em 1987, Levi comenta que não sabe o que é perdão, dado que não é crente, e que é um conceito estranho ao seu mundo (1998, p. 184).

Para Mattioda (1998), em Amèry se trata de moralizar a história: o perdão somente existe se o tempo se inverte a partir da perspectiva moral e o verdugo se faz similar a sua vítima. Já em Levi, trata-se de moralizar a memória, ou seja, não permitir que a memória seja manipulada pelos culpados para retirar a culpa, descarregando-a sobre os outros; mas também é necessário bus-car a compreensão do outro para assim resgatar a humanidade da própria vítima.

Cabe ressaltar que Améry, adepto da filosofia neopositivista, entendia o desejo de compreender os alemães por parte de Levi como forma de perdão, quando, na realidade, esse desejo de compreensão era mola propulsora que lhe impulsionava a se situar diante da alteridade. O fato de Auschwitz ser assimétrico em relação à razão convidou o deportado Levi a uma modalidade de entendimento acerca do humano além do conhecido, em que determinadas lógicas binárias não tinham mais cabida para o entendimento de certas situações, apesar de sua formação científica e técnica. É precisamente devido a posicionamentos desse tipo, e ultrapassando a definição de perdão segundo as óticas disponíveis de seu tempo, que Levi produzia muita polêmica nos círculos que frequentava. Ele foi mal compreendido em seu tempo porque sua tarefa testemunhal já apontava a outra modalidade de reflexão sobre o que vem a ser o perdão. Contudo, naqueles anos, o dever da memória se via diante de desafios imediatos e urgentes, muito aquém daquilo que seu pensamento apontava. É possível que os efeitos desse estado de coisas tenham sido, a longo prazo, devastadores em Levi.

Seu desejo de saber entranha seus perigos... De todas as maneiras, esse desejo de compreender a "raiva velha de muitos séculos" teve sua contrapartida no desejo de ser compreendido, na tarefa que ele mesmo se autoincumbiu, a saber, a do testemunho.

 

A irredutível atualidade do traumático

O investimento das pulsões, retroalimentando as representações e os afetos que se aderiram ao núcleo traumático e em contínua articulação com os traços mnêmicos das representações, garante a persistência e a manutenção no mundo interno dos signos de percepção. Em Primo Levi, esse investimento pulsional também propiciou o advento de uma verdadeira "cripta" (Seligmann-Silva, 2008, p. 3), sustentada pela voz, inserida numa constelação associativa que convoca aos sentidos numa temporalidade que se inscreve a posteriori. As lembranças táteis, auditivas e olfativas adquirem importância em casos de sérios traumatismos, apesar de que é muito difícil utilizá-las como modo de transmissão do conhecimento.

Anzieu (1987, p. 171) aborda a questão da envoltura sonora que rodeia o sujeito no decorrer de sua vida. Como assinalam Goldin-Boushira, Boushira e Danon-Boileau, pensar "é pensar a partir de seu corpo, transformar as sensações do próprio corpo em sensações-representações, lhes associar a uma expressão de linguagem numa tessitura dirigida ao outro" (1989, p. 1951, grifo nosso). O sistema exterminacionista e, com ele, o dialeto rudimentar nele veiculado, foram inscritos e retranscritos como signos de percepção, mas ligados a fantasias e sentimentos mais arcaicos, pré-psíquicos, e não menos persecutórios. Estes, durante boa parte de sua vida, foram passíveis de elaboração, mediante deslizamentos metonímicos, no próprio labor testemunhal de Levi, partindo do desejo pungente de compreender os alemães ao desejo de ser compreendido.

Dito com outros termos: houve representações assimiláveis mediante um árduo trabalho de elaboração que constituiu toda sua vida como ex-deportado. No entanto, houve outras representações impactantes e não assimiláveis, revelando um resto daquilo que foi inscrito no aparato psíquico, mas que não sofreu ligação, impedindo qualquer possibilidade de elaboração. Num momento pontual da vida de Primo Levi se produzirá uma completa desestabilização, obstruindo seu processo de busca ativa de compreensão e incidindo no sentimento de não ser compreendido em sua tarefa como testemunha da catástrofe sofrida em Auschwitz.

O contexto dos anos 1980, que envolveu uma verdadeira retomada da questão da Shoah, introduziu elementos avessos a toda e qualquer possibilidade de elaboração por parte de Levi, e reativou a manifestação dos elementos encriptados de seu psiquismo, sem nenhuma espécie de tradução, que se manifestavam pelo irremediável desejo de ser compreendido.

Destacamos a polêmica suscitada em diversos âmbitos da cultura de alguns posicionamentos do intelectual turinês, as teses revisionistas que, a partir de Faurisson, chegaram ao ponto de desmentir a existência dos campos de extermínio (Vidal-Naquet, 2005), e as controvérsias que ocorreram devido ao negacionismo, em suas diversas manifestações. Desde logo, o revisionismo é a fase mais perversa do processo de negação e de autolavagem (Chasseguet-Smirgel, 2000, p. 41). Pretendendo, com as suas teses, ser definitivo, nada mais é que uma forma de assassinar a memória e instaurar um pacto denegativo. Seguindo o fio da reflexão proposta por Roudinesco (2009, p. 154), quando a némesis é relativa, abre espaço para novas hubris com potenciais que podem se perfilar como devastadores.

Nesse sentido, consideramos que fatores como a proximidade da velhice em Primo Levi, a qual exigiria um remanejamento das instâncias ideais, o conjunto de sua história, a natureza do traumatismo e, sobretudo, sua aptidão narrativa não são suficientes para servir de índice na elaboração do traumatismo. O fator decisivo para a elaboração do traumático é uma cultura que, na posição de continente, permita estabelecer vias de passagem que possibilitem tornar o traumatismo assimilável, propiciando a organização e a síntese das experiências dolorosas a partir do compartilhamento e do acolhimento. Ou seja, a maneira mediante a qual o entorno reage como receptor de seus encontros catastróficos vai possibilitar um trabalho psíquico de retranscrições entre os diversos traços mnêmicos das representações, seja ressignificando determinadas vivências, seja servindo de obstáculo, acionando a irrupção do traumático e produzindo a "clivagem do colapso tópico" (Janin, 1996, p. 26), ou seja, a abolição da distinção entre o externo e o interno e que remete ao encontro direto e inesperado com os signos de percepção, caracterizando a situação traumática. Essa configuração produz um excesso pulsional que não tem como ser elaborado e busca a todo custo um modo de descarga. Nesse sentido, a relação com a cultura de seu tempo foi determinante no processo de elaboração do traumático, mas também de sua atualização, infringindo-lhe uma prova que transbordou sua capacidade de elaboração.

Esses signos de percepção, avessos a qualquer possibilidade de elaboração, se perpetuarão e assumirão diferentes matizes no decorrer da vida de Levi. O papel que o entorno oferece para Levi em seu desejo de ser compreendido será determinante para esse estado de coisas, sendo potencialmente apto para formar "novos traumatismos". Estes tanto produziram novas inscrições sem possibilidade de ligação como também reativaram o núcleo traumático retroativamente, entrando em conexão direta com os signos de percepção originários e mobilizando estratos profundos de seu psiquismo. Assim, provocam efeitos inesperados em relação ao modo de funcionamento anterior. Como assinala Conrotto, o fenômeno da retroatividade não borra as inscrições precedentes, mas inclui outra que as ressignifica (2009, p. 1626).

 

Considerações finais

A partir das reflexões expostas, podemos considerar o testemunho de Primo Levi como pertinente e atual, sobretudo pelo potencial de nomear o inefável, buscando tirar o traumatismo de seu estigma de extraterritorialidade aos olhos da cultura. Com isso, convida-nos a pensar além do conhecido, mais concretamente, no paradoxo em suas diversas dimensões e manifestações.

O entendimento que se depreende de Levi desterritorializa qualquer imperativo moral vigente e impulsiona a refletir o humano em situações catastróficas desde uma perspectiva inédita: introduz um novo paradigma que busca compreender o humano em todas suas dimensões para além da lógica binária do tipo "vencedores e vencidos". Contudo, sem que esse proceder implique uma relativização do mal radical ou alguma espécie de negacionismo, que, como é sabido, se infiltra das formas mais inesperadas na cultura, mas abrindo condições de possibilidade para novos processos de significância do ser humano depois de Auschwitz que ainda esperam significação.

Isto posto, a partir do legado de Freud, ao incitar o estudo sobre o devir da memória de acontecimentos traumáticos, e dos desenvolvimentos psicanalíticos da contemporaneidade, não seria possível pensar que o legado de Primo Levi poderia servir, inclusive à psicanálise, de leitmotiv para nos aproximarmos do entendimento da cultura e das subjetividades que ora nos rodeiam? Na mesma linha, no caso do "teor testemunhal", não seria lícito pensar em modalidades de pesquisa transdisciplinares que permitam que a obra testemunhal fale por si própria? Como assinala Semprun (1996), a vivência concentracionária "não é indizível". O teor testemunhal pode ser muito útil ao psicanalista, pois, no decorrer das décadas, converte-se "[...] num espaço de criação. Ou de recriação. Unicamente o artifício de um relato dominado conseguirá transmitir parcialmente a verdade do testemunho" (Semprun, 1996, p. 25).

Para finalizar, concordamos com Padilla (2014, p. 28) quando menciona que em Levi vemos surgir uma concepção de humanidade situada na "vergonha compartilhada". Somente nessa modalidade de compartilhamento mútuo com o outro é que podemos pensar num dever de memória no qual exista cabida para ressituar a dignidade humana, além dos moldes preestabelecidos, na qual possa haver lugar para a esperança... sempre como uma possibilidade no interjogo do ser humano com a cultura.

 

REFERÊNCIAS

Amati-Mehler, J. (2009). Inscription psychique et trace mnésique. Revue Française de Psychanalyse, 73(5),1641-1647.         [ Links ]

Améry, J. (1966). Além do crime e do castigo. Tentativas de superação. Rio de Janeiro: Contraponto.         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
MARIA NADEJE PEREIRA BARBOSA
Avenida Professor Doutor Mello de Moraes, 1721
05508-030 – São Paulo – SP
tel.: 11 3091-4178
mnpbarbosa@usp.br / mnpbarbosa@hotmail.com

DANIEL KUPERMANN
Avenida Professor Doutor Mello de Moraes, 1721
05508-030 – São Paulo – SP
tel.: 11 3091-4178
danielkupermann@gmail.com

Recebido 03.01.2018
Aceito 12.05.2018

 

 

1 Trabalho derivado de pesquisa de pós-doutoramento em andamento, realizada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Agradecemos a Alan Osmo, pela leitura atenta e crítica de parte desse manuscrito em sua fase de construção.
2 Shoah é um termo hebraico que significa catástrofe ou devastação. É utilizado no lugar de "Holocausto", posto que este último termo remete à concepção de morte como sacrifício, o que implicaria um sentido religioso ausente em "Shoah".
3 Numa de suas entrevistas, no ano de 1985, ao referir-se à questão da reinvenção da realidade por parte do escritor e do processo de realização do livro Se isto é um homem?, diz Levi: "Apesar de pensar escrever a história autêntica da experiência do campo de concentração, na realidade estava escrevendo a história do meu campo, somente o meu" (Levi, 1998, p. 57).
4 Lager é uma abreviação de Konzentrationslager, campo de concentração.
5 Na versão italiana de Se isto é um homem?, aparece: "barbaric latrati dei tedeschi quando comandano, che sembrando dar vento a una rabbia vecchia di secoli" (1958b, p. 11). Já na versão em alemão: "jeden barbarischen Gebell kommandierender Deutscher, die sich eines jahrhundertealten Ingrimms zu entledigen scheinen (1961, p. 17).
6 Não se trata aqui de compreender no sentido fenomenológico, de justificar uma ação, de eximir uma responsabilidade ou até de perdoar, como teremos a oportunidade de retomar a questão mais adiante. O desejo de compreender é utilizado aqui a partir de uma perspectiva metapsicológica, como "pulsão de saber", ou seja, como sublimação da pulsão de apropriação, algo que move o sujeito, de modo sobredeterminado, a estabelecer uma série de interrogações que confluem na questão fundamental do sujeito sobre o seu lugar diante da alteridade. Ressaltamos essa questão devido às inúmeras interpretações realizadas sobre esse desejo de Levi em compreender os alemães.
7 O ressentimento explícito na obra e nas declarações de Améry sobre a Shoah, em realidade o ex-deportado vienense dos campos de concentração de Breendank, Auschwitz, Buchenwald e Bergen-Belsen, Hans Mayer, desqualifica toda e qualquer possibilidade de "curar a ferida" relativa aos acontecimentos vivenciados nos campos de extermínio, considerando essa tentativa como "antimoral".

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