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versión impresa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.41 no.67-68 São Paulo enero/dic. 2019

 

EM PAUTALIBERDADE, DESTINO

 

Acaso, destino e caráter em Édipo Rei, de Sófocles1

 

Chance, fate and character in Sophocles' Oedipus Tyrannus

 

 

Maria Cristina Rodrigues da Silva Franciscato

Jornalista (formada pela Escola de Comunicações e Artes da usp) com mestrado, doutorado e pós-doutorado em literatura grega antiga pela FFLCH-USP, tradutora da tragédia Héracles, de Eurípides (Palas Athena Editora, 2003), e coautora dos livros Estudos sobre o teatro antigo (2010) e A representação dos deuses e do sagrado no teatro greco-latino (2013). Membro pesquisador do grupo "Estudos sobre Teatro Antigo" (USP/CNPQ). Membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC). Realiza anualmente viagens culturais à Grécia e a outros destinos que faziam parte da Grécia Antiga, levando grupos e atuando como professora. Tem um canal no YouTube sobre literatura grega: https://www.youtube.com/cristinafranciscato

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O destino de Édipo, protagonista da tragédia Édipo Rei, de Sófocles, estava traçado antes de seu nascimento: mataria o pai e se casaria com a mãe. Esse oráculo é mencionado duas vezes na peça. Porém não fazia parte da profecia os principais acontecimentos da obra de Sófocles: a revelação da verdade, o suicídio de Jocasta e a cegueira de Édipo. A questão investigada neste artigo é se o que acontece a Édipo é consequência apenas de um destino transcendente ou é também produto de seu êthos, seu caráter. Aquilo que o personagem é de fato, para além do que acreditava ser, revela-se por uma sucessão de supostos acasos (týkhai).

Palavras-chave: Caráter. Destino. Édipo. Sófocles.


SUMMARY

Oedipus' fate, protagonist of Sophocles' Oedipus Tyrannus, was traced before his birth: he would kill his father and would marry his mother. This oracle is mentioned twice in the play. However, the main events of Sophocles' play were not part of the prophecy: the revelation of truth, Jocasta's suicide, and Oedipus's blindness. The question investigated in this article is whether what happens to Oedipus is only the consequence of a transcendent fate or is also the product of his êthos, his character. What in fact Oedipus is, beyond what he believed to be, is revealed by a series of alleged accidents (týkhai).

Keywords: Týkhe. Character. Fate. Oedipus. Sophocles.


 

 

A história de Édipo, protagonista da tragédia Édipo Rei, de Sófocles, escrita entre 430 e 425 a.C., é muito conhecida. As desventuras de Édipo e da família dos Labdácidas é tema de outras tragédias gregas que chegaram até nós: Antígona (422 a.C.) e Édipo em Colono (401 a.C.), ambas também de Sófocles; Os sete contra Tebas (467 a.C.), de Ésquilo, e As fenícias (410 a.C.), de Eurípides.

O destino de Édipo estava traçado antes de seu nascimento. Em Édipo Rei, o oráculo sobre o protagonista é mencionado duas vezes. Primeiro, quando Jocasta fala sobre a profecia recebida por Laio, de que ele seria morto por um filho de ambos (711-714)2, e, depois, quando o próprio Édipo conta para a esposa (e mãe) o vaticínio que recebera de Apolo em Delfos: mataria o pai e se casaria com a mãe, gerando filhos (791-793). A questão que me proponho a investigar neste artigo é se aquilo que acontece a Édipo é apenas consequência de um destino que o transcende ou guarda relação com seu êthos, seu caráter.

Há um aforismo de Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, que diz, "êthos anthrópoi daímon"3, "o caráter do homem é seu destino" ou "o destino do homem é seu caráter" (frag. 119.1-120.1). Segundo Heráclito, a natureza de uma pessoa condiciona aquilo que lhe acontece. Do mesmo modo, a natureza do daímon (da potência divina), associado a ela como destino, molda-lhe o caráter. Nesse aforismo, daímon, termo genérico para divindade, é sinônimo de destino. Para Heráclito, "caráter" e "destino" são indissociáveis, e a ambivalência do seu aforismo não pode ser resolvida. Vernant & Vidal-Naquet (1988), pontuando essa indissociabilidade no âmbito da tragédia, afirma: "Ethos-Daímon, é nessa distância que o homem trágico se constitui. Suprimindo um desses termos, ele desaparece".

Os gregos tinham vários termos para designar o destino, como moîra , anánkhe e daímon . O substantivo feminino týkhe é outra possibilidade para definir o acontecimento. Usualmente traduzida por "acaso", "sorte", "fortuna", a týkhe indica o evento aparentemente casual. Apesar de os personagens das tragédias áticas do século v a.C. experimentarem a týkhe como algo inesperado, aleatório e geralmente funesto, as ocorrências do termo não denotam o mero acaso. Definir a týkhe como acaso é um equívoco de percepção que se deve à dificuldade, ou mesmo incapacidade, por parte de quem a experimenta, de reconhecer a fina teia de causas e efeitos, tecida pelo caráter em conjunção com o destino, como propõe o aforismo de Heráclito. A týkhe é aquilo que de fato acontece e, portanto, o produto final do destino, no momento em que ele se torna fato.

Proponho que o acontecimento trágico - vivenciado como destino ou acaso - possui afinidade com o caráter do personagem: seus infortúnios não são aleatórios nem manifestações de uma fatalidade cega. Há no acontecimento uma zona fronteiriça em que motivações e atos humanos se entrelaçam com potências e desígnios, transcendentes e divinos. Pretendo mostrar que a situação do personagem - no caso, Édipo - tem raízes, ao mesmo tempo, em seu êthos - sua natureza, seu caráter - e no seu daímon. E que se trata de um destino, seja ele denominado daímon, anánkhe ou moîra, que utiliza a týkhe - o suposto acaso - como instrumento.

A dificuldade que o personagem trágico tem de compreender uma possível relação entre o que lhe acontece, sobretudo os eventos funestos, e seu próprio êthos, remete-nos a outro aforismo de Heráclito: harmoníe aphanès phanerês kreítton4, "a harmonia invisível é mais forte que a visível". Harmonia no grego antigo tem também outros sentidos além do seu significado atual de consonância, concórdia. O termo podia designar um conjunto, um arranjo, um pacto, uma estrutura. Então uma leitura possível para a máxima de Heráclito é que a "estrutura" invisível de algo é mais forte do que a visível. Pensando no ser humano e, mais especificamente, no personagem trágico, poderíamos entender que sua "estrutura" interna e invisível (a essência do seu caráter) é mais determinante na configuração dos fatos que sua "estrutura" exterior e visível - a personalidade aparente, o que o personagem acredita ser. E quando falamos em "estrutura interna e invisível" é impossível não pensarmos, modernamente, no inconsciente.

Outra questão central na literatura grega é a instabilidade da sorte (týkhe), a inconstância que permeia nossa vida: nada do que é humano é estável e seguro, tampouco são claros os desígnios divinos (Eurípides, Héracles, 62). Somos reféns do eventual. A sorte, por razões inapreensíveis, conduz os mortais da felicidade ao infortúnio e vice-versa. A vida é apenas incerteza, e é no movimento entre o plano divino e o humano que se encontra o acontecimento denominado týkhe. Sobre a instabilidade da sorte, Heródoto narra um diálogo entre Sólon, legislador ateniense, e o rei lídio Creso. Nele, o rei, orgulhoso de sua próspera condição, é advertido por Sólon (História, 1.32.46 - 1.33.1.):

É necessário examinar o término de cada coisa e o que dela surgirá: pois para muitos a divindade, tendo-lhes mostrado a felicidade, aniquila-os totalmente5.

Sólon, na sequência, afirma que não se pode considerar alguém feliz enquanto estiver vivo. Refere-se, nesse momento, a Creso, possuidor de grande riqueza e rei de muitos homens. Mesmo assim, ele só seria considerado afortunado se sua vida terminasse bem (História, 1.32.20 - 1.32.26). Tal ideia é recorrente na literatura grega6, inclusive no fim de Édipo Rei (1524- -1527), como veremos.

Proponho que as ocorrências do termo týkhe, nas tragédias áticas, podem revelar aspectos dissimulados ou não reconhecidos do caráter dos personagens, o que acontece nessa tragédia de Sófocles. Quanto mais submerso nas aparências e equivocado a respeito de si estiver um personagem, mais a týkhe, o acontecimento aparentemente fortuito, evidenciará sua verdade existencial. A peripécia de Édipo Rei é paradigmática: o equívoco sobre sua condição - o que Édipo acreditava ser e não era - será revelado por uma sucessão de týkhai (plural de týkhe). O propósito dessa ligeira digressão pelas ocorrências do termo em Édipo Rei é ilustrar o papel revelador da týkhe, pois não há personagem trágico mais equivocado sobre si do que Édipo nem algum que sofrerá maior revés da sorte.

Reinhardt (1976/2007) afirma que Édipo Rei não é, de modo algum, como outras tragédias gregas, uma tragédia do destino humano, apesar de ter sido considerada por muito tempo o modelo desse tipo de tragédia. Concordo com o helenista quando diz que Édipo Rei é a tragédia da aparência humana, em que aparência é subentendida como ser. Ser e aparência estão entrelaçados em Édipo, e a tragicidade do protagonista é ser arremessado para fora de sua aparência. Nesse sentido, vale refletir se não estamos, como Édipo e em alguma medida, existencialmente sujeitos à mesma tragicidade: identificados com uma mera aparência de nós mesmos.

 

Ocorrências do termo týkhe em Édipo Rei

No início da peça, Édipo representa a esperança de salvação para Tebas. Ele se autodenomina kleinós (8), "glorioso". Os tebanos vão consultá-lo portando os ramos rituais dos suplicantes (3): assim se dirigem aos altares do palácio real (16). Édipo é considerado "senhor supremo" (40), "melhor entre os mortais" (46) e "salvador" (48). O sacerdote incita-o a salvar a pólis, como antes fizera (52-5):

Visto que outrora, por presságio, týkhe favorável concedeste-nos, sê igual também agora!7

Édipo, ao vencer a esfinge - decifrando seu enigma -, proporciona a Tebas um acontecimento favorável: livra-a do flagelo. É reconhecido pelo sacerdote como agente de uma týkhe oportuna. A esperança dos cidadãos de Tebas é que Édipo assim continue. Deve agora resolver outro enigma, a causa do miasma que assola a cidade. Essa questão levará a outra: quem é o assassino de Laio? Ao buscá-lo, Édipo deseja corresponder às expectativas, reforçando a admiração alheia e a imagem que tem de si: o benfeitor de Tebas, ilustre e perspicaz solucionador de problemas.

O rei diz que sofre por si e por todos na pólis (64). Enviou Creonte para consultar o oráculo de Delfos, disposto a seguir as prescrições divinas. Enquanto espera o retorno do cunhado, Édipo invoca Apolo (80-1):

Soberano Apolo, oxalá que com týkhe salvadora ele venha, radiante de se ver!8

Édipo espera repetir a boa sorte que o fez salvar Tebas. Parece esquecido da resposta que recebera do mesmo oráculo: mataria o pai e se casaria com a mãe (791-73). Não suspeita que a týkhe trazida por Creonte tenha a mesma função do oráculo anterior: conduzi-lo ao conhecimento de si, dissipando o que aparentava ser.

Creonte traz o vaticínio: é necessário expulsar de Tebas o miasma - mácula que provém de um crime - que cresceu na cidade (96-98) ou, com sangue, expiar o sangue derramado (100). Édipo então pergunta (102): "A týkhe de que homem o deus indica?"9. Creonte explica ser a de Laio, o antigo rei, mas sabemos que, indiretamente, o oráculo também se refere a Édipo. O herói concorda que, de fato, "a týkhe lançara-se contra aquela cabeça" (263)10, sem desconfiar ter sido ele o instrumento de tal "sorte". Afirma, em primorosa ironia trágica, que combaterá por Laio, como se fosse por seu pai: nada o deterá até que prenda o homicida (264-266).

Édipo amaldiçoa o assassino. Proíbe que qualquer pessoa se comunique com ele e ordena que todos o afastem de suas casas. Chama para si próprio a maldição se, conhecendo o assassino, o receber em seu palácio (249-251). O ponto crucial da maldição é conhecer a identidade do assassino, o que ele está determinado a fazer. Édipo é aconselhado, em diferentes momentos da trama e por diferentes personagens, a desistir de sua busca. Tirésias (320-321), Jocasta (848, 1060 e segs.) e o servo de Laio (1165) tentam dissuadi-lo, mas Édipo não transige. Ele próprio constrói e fecha um cerco sobre si, e isso não fora determinado pelo oráculo.

Quando Tirésias, pressionado por Édipo, faz revelações indesejadas e prenuncia sua queda (427-428), o rei desacata e expulsa o adivinho (430-431). Tirésias, antes de partir, menciona os pais do herói e Édipo deseja saber sobre eles (436). Então o vate é provocativo: "Acaso não és tu o melhor em descobrir tais coisas?" (440). Ao que Édipo responde: "Insultas-me naquilo em que descobrirás que sou grande" (441). Tirésias conclui (442): "É certamente esta týkhe que te destruiu"11. A "grandeza" intelectual de Édipo causou sua ruína: por ter decifrado o enigma da esfinge, uniu-se à mãe e nela gerou filhos; busca agora - a qualquer preço - desvendar a morte de Laio, o que o levará à destruição. Embora se acredite intelectualmente grandioso (441), erra reiteradas vezes ao interpretar as evidências contra ele. Porém não desistirá até decifrar o próprio enigma e, nisso, será bem-sucedido.

No verso 679, depois de acirrada discussão entre Édipo e Creonte, o coro questiona por que Jocasta não interfere e hesita em levar um deles para dentro do palácio. Ela responde que só o faria após compreender a týkhe em questão (680)12: ela quer saber o que acontece. A desavença entre eles - algo novo e obscuro para Jocasta - é parte de um processo, de uma sucessão de "sortes" (týkhai), que revelará a verdade sobre Édipo.

Jocasta investiga o que aflige o marido e ele afirma que nada lhe ocultará, pois a quem poderia falar - se não a ela - ao vivenciar tal natureza de "sorte" (772-773)13? Édipo denomina týkhe a complicada situação em que se encontra. A próxima ocorrência do termo é especialmente significativa. Evidencia que a busca de Édipo por sua verdadeira identidade teve origem numa týkhe. Diz ele (775-778):

Era ali (em Corinto) considerado homem máximo entre os cidadãos, antes de tal týkhe ter saltado rápida sobre mim, algo digno de admiração, mas indigno do meu empenho14.

Então narra o acontecimento, a týkhe que o atingira (779-814): certa vez, em Corinto, um bêbado chamou-lhe de filho ilegítimo, e a partir desse incidente começa sua busca pela verdade. Primeiro com os supostos pais, depois em Delfos, onde o oráculo lhe diz que mataria o pai e se casaria com a mãe. Então, querendo fugir da própria sina, desencadeia os demais fatos: abandona Corinto, para se afastar dos pais, e chega à encruzilhada onde mata o desconhecido. Édipo é chamado de bastardo, e tal fato (týkhe) atinge o eixo do seu caráter: o brio e, ao mesmo tempo, seu gosto e capacidade para enigmas. Poderia ter agido de forma diferente, caso fosse outra a sua natureza, como, por exemplo, ter aceitado as explicações dos supostos pais e permanecido em Corinto. Ou, depois de ouvir o oráculo, poderia ter redobrado o cuidado para não matar ninguém e não se casar com uma mulher com idade para ser sua mãe. Mas Édipo é orgulhoso e impulsivo. Mata um idoso apenas por ter sido empurrado (804-812) e casa-se com uma mulher mais velha para se tornar rei de Tebas.

No decorrer da trama, Jocasta, ao ouvir do mensageiro de Corinto que Políbio - suposto pai de Édipo - morrera, apressa-se em avisar o marido. Ela duvida da veracidade e, portanto, da pertinência dos oráculos divinos (946-947), pois interpreta a notícia como negação das palavras de Apolo. O mesmo fará Édipo (964-972). Conclui a rainha que Políbio fora morto pela týkhe e não por Édipo (947-949)15:

Édipo, outrora, com medo fugira para não matar este homem, que agora pela sorte perece, não por ele.

Na verdade, Políbio ter morrido naquele momento é uma týkhe crucial para a elucidação dos fatos e da identidade de Édipo. Incrédula com relação aos oráculos, Jocasta afirma não haver previsões seguras, pois a "sorte" domina (977-978)16:

O quê temeria um homem a quem a týkhe domina, sendo os oráculos em nada seguros? O melhor é viver ao acaso, como for possível.

Jocasta contrapõe a força dos oráculos à atuação da sorte, quando, na verdade, a týkhe está a serviço dos desígnios divinos. A rainha, mais tarde, perceberá seu equívoco: os oráculos são seguros - embora distantes da compreensão - e a týkhe realmente domina, mas como instrumento do destino.

O mensageiro revela que Édipo não é filho de Políbio (1016): ele próprio o entregara ao rei de Corinto (1022). Seus pés furados testemunham o estado em que fora encontrado (1033), e seu nome sinaliza essa týkhe (1036)17: Édipo - Oi)di/pouj, Oidípous - "pés inchados". Mesmo diante das evidências, Édipo não consegue enxergar a realidade e afirma-se filho da Týkhe (1080-1083)18:

Eu me tenho por filho da Týkhe benfazeja e não serei desonrado. Sou nascido dessa mãe: os meses da minha vida determinaram-me pequeno e grande.

Filho da própria Týkhe, sua vida alterna entre altos e baixos. Mas, por ser ela benfazeja, não será desonrado. Engana-se quando afirma ser uma Týkhe benfazeja. Por fim, após o esclarecimento dos fatos e da lamentável verdade de Édipo, o coro reflete (1524-1527)19:

Ó habitantes de Tebas, nossa pátria! Vede este Édipo, que célebres enigmas decifrou e era o mais poderoso: que cidadão não invejava a sua týkhe e a que tormenta de terrível desgraça chegou!

O coro, diante da instabilidade da "sorte", conclui ser necessário esperar o fim da vida de alguém para só então considerá-lo feliz, caso nada doloroso tenha sofrido (1528-1530). Édipo teve a týkhe invejada por todos. Mas era apenas o primeiro ato de um destino que se revelaria funesto.

Édipo é confrontado, através dos acontecimentos - das týkhai -, com a mais autêntica verdade. Ele descobre, sem paliativos, quem de fato é. Há coerência no caso de Édipo. A vida lhe proporcionou aquilo que ele perseguiu com mais empenho: decifrar enigmas, saber quem era. Édipo estava certo ao responder à provocação de Tirésias: "Insultas-me naquilo em que descobrirás que sou grande" (441), na capacidade de solucionar o obscuro. Ele não transige e vai às últimas consequências para decifrar-se. Fosse outro o seu caráter, outros rumos teria tomado, atraindo diferentes acontecimentos. Talvez nunca houvesse saído de Corinto e lá tivesse reinado, sucedendo Políbio no trono.

Enfim, concordo com Knox (1988/2002) quando diz que, na peça, a vontade do herói é livre e ele é totalmente responsável pela catástrofe, que é descobrir sua própria identidade. Ele é o primeiro e último responsável por essa revelação. Os acontecimentos principais da peça não fazem parte da profecia: Apolo não vaticinou a revelação da verdade, o suicídio de Jocasta ou a cegueira de Édipo. Foi o caráter (êthos) do herói que moldou o seu destino (daímon), explicitado por uma sucessão de acontecimentos (týkhai).

 

REFERÊNCIAS

Ésquilo. (2009). Tragédias. (J. Torrano, trad.). São Paulo: Iluminuras.         [ Links ]

Eurípides. (2009). Electra. (T. Vieira, trad.). São Paulo: Ateliê Editorial.         [ Links ]

______. (2005). As fenícias. (D. Schüler, trad.). Porto Alegre: l&pm.         [ Links ]

______. (2003). Héracles. (C. R. Franciscato, trad.). São Paulo: Editora Palas Athena.         [ Links ]

______. (1996). As Troianas. (M. H. da R. Pereira, trad.). Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Heródoto. (1985). História. (M. da G. Kury, trad.). Brasília: Editora Universidade de Brasília.         [ Links ]

Knox, B. (2002). Édipo em Tebas. (M. Goldsztyn, trad.). São Paulo: Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1988).         [ Links ]

Sófocles. (2012). Antígona. (M. H. da R. Pereira, trad., 6ª ed.). Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian.         [ Links ]

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______. (2005). Édipo em Colono. (T. Vieira, trad.). São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

______. (2009). As Traquínias. (F. R. de Oliveira, trad.). Campinas: Editora Unicamp.         [ Links ]

Reinhardt, K. (2007). Sófocles. (O. Tolle, trad.). Brasília: Editora Universidade de Brasília. (Trabalho original publicado em 1988).         [ Links ]

Vernant, J.-P., & Vidal-Naquet, P. (1988). Mito e tragédia na Grécia Antiga. (A. L. A. de Almeida Prado, F. Y. H. Garcia & M. da C. M. Cavalcante, trad., vol. 1). São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
MARIA CRISTINA RODRIGUES DA SILVA FRANCISCATO
Rua Jamil Gebara, 3-33/42
17017-150 - Bauru-SP
tel.: 19 99754.5262
cristina.franciscato@gmail.com

Recebido 30.05.2019
Aceito 29.06.2019

 

 

1 O conteúdo deste artigo é parcialmente retirado da minha tese de doutorado, "Týkhe e caráter no Hipólito de Eurípides", defendida em 2006 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
2 Os números entre parêntesis correspondem aos versos da tragédia que está sendo citada em cada passagem.
3 Essa citação e todas as outras referentes a textos da literatura grega cuja obra de origem não consta nas referências bibliográficas foram retiradas do Thesaurus Linguae Graecae. cd rom # d. phi, Pre-mastering by Packard Humanities Institute.
4 , Frag. 54.1, Thesaurus Linguae Graecae.
5 As traduções do grego, presentes neste texto, são minhas.
6 Como, por exemplo, em As Traquínias (1-3), de Sófocles, e em As Troianas (509-510) e Electra (953-956), de Eurípides.
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