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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.42 no.69 São Paulo jan./jun. 2020

 

Editorial

 

Editorial

 

 

João A. Frayze-Pereira

Editor

 

 

O valor da vida

Ao refletir sobre um tema possível para nortear a Ide/42, com o propósito de criar motivos para a escrita de artigos, peças literárias - contos, crônicas e poemas - ou, ainda, resenhas, lembramos, por livre associação, da bela entrevista realizada com Freud, conduzida pelo jornalista George Sylvester Viereck, em 1926, portanto há 94 anos, quando o entrevistado contava com 70 anos. Com o título original "O valor da vida", essa entrevista foi editada na Ide/15, em 1988, que, no presente volume, é reproduzida na seção "Memória".

Ao reler o registro dessa conversa viva entre Freud e o jornalista, percebemos que são inúmeras as questões que despontam no intervalo das palavras, entre uma resposta e outra, às perguntas realizadas, mas, entre outros, os seguintes temas: "amizade", "gratidão", "beleza", "verdade". Então, na carta-convite que lançamos no começo deste ano, convidando os nossos leitores a escreverem para a Ide, decidimos eleger tais temas como significativos para nortear a composição do último volume da revista sob nossa gestão editorial.

Entretanto, naquela carta-convite, em vez de dissertarmos sobre esses temas, articulando-os brevemente com ideias formuladas na psicanálise, na filosofia e nas ciências eayze-humanas, como sempre fizemos nas últimas cartas-convite, desde a Ide/38, em 2015, propusemos que a entrevista, muito tocante, funcionasse ela própria como estímulo, acreditando que poderia inspirar os colegas a realizar as suas proposições, abordando os temas que sugerimos ou outros que por ventura surgissem no decorrer da leitura realizada por cada um, balizados, por exemplo, pelos grandes temas universais - "amor" e "morte" - ou ainda por problemáticas surpreendentes, ao serem articuladas por Freud à psicanálise, presentes nessa mesma entrevista, tal como:

Compreender tudo não é perdoar tudo. A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é de maneira alguma um corolário do conhecimento. (Freud, 1926)

Em outras palavras, oferecemos aos nossos colaboradores a possibilidade de escolha das questões que desejassem abordar, tendo como ponto de partida a entrevista com Freud e, como horizonte, a articulação entre psicanálise e cultura.

Ora, foi grande a nossa surpresa quando recebemos os textos para a nossa apreciação editorial, surpresa motivada por três razões principais: a variedade de temas abordados, a boa qualidade e a grande quantidade de artigos enviados, muito mais do que seria suficientemente bom para a composição de um único volume da revista, compondo uma espécie de árvore do conhecimento, com muitos ramos e frutos, figuração que motivou a escolha da imagem para a capa deste número da ide - A árvore de maçãs de Gustav Klimt, pintor vienense, contemporâneo de Freud. Nesse sentido, agradecemos, de modo muito especial, a colaboração de todos os colegas que nos encaminharam seus escritos, parceria preciosa sem a qual o particular formato da nossa revista não seria possível.

Antes de encerrarmos este editorial, entretanto, cabe dizer que acreditamos tornar-se cada vez mais importante, pode-se dizer vital, meditar sobre o valor da vida, sobretudo em "tempos sombrios" (Hannah Arendt), característicos da "era das ilusões perdidas" (Eric Hobsbawm), época em que viveu Freud, sob o peso de determinações negativas como a insegurança, o desamparo, a descrença, a violência, a doença e a dor, que também atravessam agudamente o mundo em que vivemos na atualidade. E acreditamos que, a partir da sua experiência clínica e presença observadora do que se passa no campo da cultura, os psicanalistas podem ter algo interessante a acrescentar nessa área, interrogando-a, para expandir os limites da nossa reflexão. Nesse sentido, esperamos que os leitores aqui encontrem matéria para pensar, como sempre, com muito sabor.

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