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Tempo psicanalitico

versión impresa ISSN 0101-4838

Tempo psicanal. vol.43 no.1 Rio de Janeiro jun. 2011

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Casar, filiar, procriar: reivindicações na homossexualidade masculina

 

Get married, affiliate, and procreate: claims on male homosexuality

 

 

Ilka Franco FerrariI; Marta Rodrigues de Morais AndradeII

IProfessora na graduação e Pós-Graduação da PUC-Minas; Membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Minas Gerais
IIMestre pela PUC-Minas

 

 


RESUMO

O texto aborda importantes reivindicações feitas por homossexuais na hipermodernidade: casar, adotar e procriar. A psicanálise fundamenta as ponderações, que focalizam os pares homossexuais masculinos. Para esses sujeitos há maiores dificuldades, no campo social e jurídico, para realizarem as reivindicações de filiação e adoção, sem desconsiderar as dificuldades de matrimônio. Isso pode ter favorecido a maior expressividade desses sujeitos, se relacionados às lésbicas, na luta política pela representação social da homossexualidade. As práticas homossexuais são discutidas como modos de funcionamento que questionam as ficções existentes no Outro, exigindo novas ficções jurídicas para ordená-las. Sem traçar predições para o futuro relativas às consequências dessa situação nova, o texto é finalizado abordando a clínica da tolerância. Nela a prudência, sem ingenuidade, recomenda um tempo necessário para que se possa dizer algo dos efeitos desse novo estilo de vida pelo qual os homossexuais lutam.

Palavras-chave: homossexualidade; reivindicações; hipermodernidade; psicanálise.


ABSTRACT

The text addresses important claims made by homosexuals in the hyper modernity: to get married, to adopt and to procreate. Psychoanalysis is the fundament for the reflections centered on gay male couples. There are major difficulties in social and legal field for these subjects in order to carry out the claims of affiliation and adoption without ignoring the difficulties of marriage. This may have favored a greater expression from these subjects, in comparison to lesbians, in the political struggle for social representation of homosexuality. Homosexual practices are discussed as ways of life that question the existing fictions in the Other, requiring then new legal fictions to order them.The text is finalized without tracing predictions for the future, concerning the consequences of this new situation, and mentioning the clinic of tolerance. Prudence without naivety recommends a necessary time to be able to say something about the effects of this new lifestyle by which homosexuals struggle.

Keywords: homosexuality; claims; hyper modernity; psychoanalysis.


 

 

A norma social que era pautada pela heterossexualidade e pela predominância do masculino sobre o feminino começou a enfraquecer ao final dos anos de 1960. O movimento feminista, que abarcava também algumas lésbicas, e o movimento gay, encabeçado por homossexuais masculinos, são apontados como bons exemplos desse declínio (Andrade, 2009).

Ao que parece, a hipermodernidade flexibilizou normas morais e abriu campo para o reconhecimento e a acolhida das diversidades. Possibilitou e promoveu a emergência de reivindicações dos homossexuais masculinos e, entre as mais significativas, o direito ao casamento, à adoção e à procriação assistida.

A partir de suas práticas sexuais, os homossexuais inventaram o "eu sou gay" que tem funcionado como um significante mestre que os identifica como iguais e dá lugar ao "para todos". É difícil pensar esse processo sem considerar que ele constrói uma nova forma de segregação que, em princípio, alivia a angústia de castração nos componentes do grupo. Mas não se pode ignorar que dentro do movimento gay há aqueles que contestam essa padronização homogeneizante, a exemplo dos queer. Os homossexuais exercitam a arte permanente do humano para questionar o sentido do que está estabelecido, questionar a realidade que é social, buscando uma norma homossexual a partir da vivência dos indivíduos em cada sociedade.

Pensar as coordenadas discursivas de uma época como realidade social é enfrentar o fato de que o social não é ilusão ou dado pela natureza, mas construção transindividual. Essa posição é considerada pela psicanálise, desde Freud, ainda que outros campos de saber a defendam como novidade (Ferrari, 2007).

Nessa dimensão de realidade social construída, o psicanalista Jacques-Alain Miller (2005), significativo represente da orientação lacaniana, concorda com os argumentos do filósofo Lipovetsky (2004) para preferir a expressão hipermodernidade para nomear a atualidade ao invés de outras expressões como pós-modernidade. Essa preferência se deve à exacerbação dos ideais e princípios próprios da modernidade, a exemplo do desabrochar genuíno, consolidado, ainda que reeditado, do individualismo proposto pela modernidade, assim como do culto à liberdade e da busca de igualdade.

Se um dos marcos da modernidade pode ser visto no lema da Revolução Francesa - liberdade, igualdade e fraternidade -, nesse marco havia, entretanto, uma hierarquia que funcionava como exceção, tanto no nível do Estado quanto da família, com o pai ocupando este lugar. Lipovetsky (2004) considera que, por isso mesmo, nem tanta liberdade e igualdade eram permitidas e que na atualidade as amarras institucionais se afrouxaram, havendo uma exacerbação desses valores. A partir dessas coordenadas, Miller (2005) até afirma que se trata de uma era do Outro que não existe.

Nessa afirmação milleriana, construída a partir da Terceira Meditação de Descartes "De Deus; que existe" deve-se lembrar, não se trata do fato de que não há mais o Outro. Ela é modo de enfatizar que o Outro atual é não todo, que falha como operador do ponto de basta e como referência estável. Nesse contexto, como muito já se discute, para cada falta há, supostamente, um objeto que a satisfaz e, consequentemente, instalou-se o imperativo de que todos têm o dever de gozar, com o direito de divisão igualitária. Para cada um seu quinhão de gozo!

Não é difícil constatar que o mundo contemporâneo encontra saída e resposta no Outro da lei, no reconhecimento jurídico e no acordo com certa legislação (Laurent, 2007). Muitas e diferentes reivindicações, vindas de toda parte, são dirigidas à ação do direito. Surgem a partir de grupos nos quais os membros se identificam como iguais, surgem individualmente, mas, em grupo ou não, nelas há a busca de usufruir do direito garantido "para todos". Cabe ao campo do direito "repartir, distribuir, retribuir o que diz respeito ao gozo" (Lacan, [1972-1973] 1985: 11). Os homossexuais têm suas reivindicações e no grupo dos homossexuais masculinos elas são mais bem evidenciadas.

 

NOVA REPRESENTAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE

Por meio de um movimento comunitário, em 1969, ocorreu a irrupção do Movimento Gay e com ele a reivindicação dos mesmos direitos garantidos para todos os heterossexuais: assumir publicamente, com dignidade, sua escolha sexual, constituir uma família com filhos, frutos de adoção ou de procriação assistida. Em suas reivindicações há a peculiaridade de exigirem tanto o direito de serem diferentes, por buscarem seus pares na não-diferença sexual, quanto, ao mesmo tempo, o direito de igualdade com aqueles que afirmam a diferença sexual.

Conforme afirma Miller (2003: 89), os gays instituíram um novo significante mestre e colocaram, no "mercado dos valores e das figuras ideológicas, uma representação social da homossexualidade, no que respeita à minoria tendo que reivindicar direitos". Cadoret (2003), Théry (2005) e o próprio Miller (2003) dizem da pouca expressividade das lésbicas enquanto um grupo de pressão política. Julien (2005) chega até a assegurar que as lésbicas e as mulheres em geral não têm o mesmo comunitarismo que os homens, daí os homossexuais masculinos serem encontrados em maior número (90%) no movimento de gays e lésbicas, tal como afirma o sociólogo Bourdieu (1997).

Para além de números, o que parece evidente é que as lésbicas vivem a vida privada com menos consequências de homofobia que os gays. Elas têm menor grau de dificuldades sociais e jurídicas para a realização da filiação, podem engravidar legitimando a maternidade e, como diz Cadoret (2003), inclusive para os próprios homossexuais a representação social da maternidade é signo de feminilidade. Daí esse signo poder ser reivindicado por uma lésbica para se afirmar como indivíduo feminino sem com isso ser associado à ideia de casal. E essas são questões que não podem ser desconsideradas no que respeita ao interesse pela luta política.

Na representação social, a paternidade, ao contrário da maternidade, não é percebida como signo de masculinidade, mas como uma característica do homem casado ou em união estável com uma mulher e pai dos filhos dessa união. Lacan ([1959-1960] 1997) constatou a legitimação que o casamento dá à paternidade jurídica; a representação social da paternidade remete a uma parceria heterossexual que presume a paternidade ao marido ou companheiro da mulher nesta parceria. Quando não é o casamento que pressupõe a paternidade, é a mãe a única que tem o poder de apontar quem é o pai - ainda que isso possa ser confirmado, atualmente, pelo exame de ácido desoxirribonucleico (DNA) - e até mesmo registrar a criança como sendo filho de pai desconhecido. Essas questões levantadas pelo movimento dos homossexuais têm suas particularidades em diferentes realidades sociais. No Brasil andam em passos distintos dos de outras partes do mundo, até mesmo de outros países da América Latina (Andrade, 2009); na França, por exemplo, ocorre que "alguns homossexuais qualifiquem seus semelhantes com filhos como sous-homos ('infrahomos')" (Cadoret, 2003: 66).

 

REIVINDICAÇÃO DO DIREITO DE CASAR: SUBVERSÃO DE ORDEM SECULAR

A partir de uma concepção de união que preservaria a renovação das gerações, a Igreja Católica institui o casamento como sacramento de Deus entre os séculos XI e XVI (Cadoret, 2003). Consagrou-se a fidelidade dos cônjuges, a indissolubilidade da união, o fato de o homem e a mulher converterem-se em uma só carne. E a Igreja se encarregou dos cuidados das sagradas relações do casamento. Mas, a partir do século XII, Igreja e justiça travaram luta pela competência dos cuidados do matrimônio, e ao Estado foram atribuídas suas normas civis. No século XVII o casamento se cristalizou como fundamento da ordem social e coube ao Estado punir os bígamos e violadores da ordem estabelecida e garantir a transmissão dos bens na sucessão de descendentes. A ele cabia legitimar a união e a filiação das crianças nascidas do corpo da esposa, presumindo a paternidade do marido. Como se nota, o caráter simbólico da paternidade se legitima com o Estado e a Igreja entrando no âmbito privado das relações afetivas.

É com a Revolução Francesa que o casamento civil deixa de ser um sacramento e passa a ser um contrato. Diferencia-se, no entanto, dos demais contratos. Ele implica a alteração do estado civil dos envolvidos de forma que jamais retornarão ao estado original de solteiros; a duração do tempo de vigência contratual é ilimitada por conferir aos filhos a descendência e sucessão dos pais e de toda linhagem paterna e materna; as partes envolvidas eram, sempre, um homem e uma mulher. Tratava-se de contrato baseado na ordem biológica, organicista, berço legítimo e indissolúvel da família, na qual repousava a sexualidade com o propósito reprodutivo e a ficção de que o pai é aquele que o casamento designa.

Mas, como a realidade social se baseia e se define a partir de um determinado discurso, conforme acentua Lacan ([1972-1973] 1985), a realidade, as mentalidades, os discursos e, consequentemente, os laços sociais não são inertes. Eles atingem e transformam até mesmo instituições aparentemente sólidas como o casamento e família. Desse modo, o modelo matrimonial organicista

implodiu a partir do fim dos anos sessenta, principalmente, pelo fato da igualdade crescente dos homens e das mulheres. A ordem moral que o acompanhava desmoronou-se. Deste lugar, surgiram mudanças maiores em nossas representações do masculino e do feminino, do casal, do casamento, da família e, também, da sexualidade (Thérry, 2005: 80)

Nessa época da referida citação lacaniana, Brousse (2005a) assegura que Lacan já apontava as mutações da civilização decorrentes do declínio do pai e da junção do capitalismo com a ciência. Notava as mudanças discursivas que se precipitaram em novos laços sociais, transformando a realidade e o aparato jurídico-legislativo em todo o mundo ocidental. No Brasil, por exemplo, algumas alterações relativas à transformação da família e do casamento vêm sendo feitas desde 1977 (Andrade, 2009). Dentre as mudanças que mais se destacam estão: a lei do divórcio, o reconhecimento legal da união estável entre um homem e uma mulher e dos filhos concebidos fora do casamento, a prevalência do superior interesse da criança no processo de adoção, a equiparação da filiação adotiva à filiação biológica e a mudança do pátrio poder para poder familiar, equiparando o pai e a mãe no que diz respeito à responsabilidade e ao poder de decisão na vida dos filhos menores.

Nesse contexto, a famosa sentença "Até que a morte os separe!" perde espaço para a que diz: "Que seja eterno enquanto dure!". Pai e a mãe foram equiparados na ordem familiar e, segundo Brousse (2005b), essa equiparação apagou a diferença funcional e abriu espaço para a parentalidade e novas formas de família, a exemplo da família mono e homoparental.

Parentalidade não é parentesco. Nela o que está em jogo são as funções a serem exercidas por aqueles que compõem a estrutura do parentesco, mas, como funções, a exemplo de educar, alimentar, proteger, amar e outras, podem ser exercidas por qualquer pessoa. O interessante é observar que, mesmo com a parentalidade em voga, o casamento enquanto princípio de ordem simbólica continua sendo referência.

Os pares homossexuais ainda trazem, no entanto, o peso de não poder formar uma só carne e produzir uma só carne com seus corpos, referência estrutural do modelo básico de casamento composto por um homem e uma mulher. A reivindicação de reconhecimento legal do laço homossexual, em casamento, é a inserção desses pares em uma norma já vigente, subvertendo a ordem estabelecida e almejando transformar o sistema jurídico de normas. Mas, tal como Laurent (2000) afirma, na atualidade os homossexuais querem e farão da homossexualidade uma nova norma.

Eles buscam seus direitos de igualdade de direitos em uma fraternidade fundada na segregação, no estar "isolados juntos, isolados do resto" (Lacan, [1969-1970] 1992: 107). Segregação e processo identificatório andam juntos formando a fratria que garante aos iguais, ou àqueles com traços semelhantes, certo apaziguamento, já que as lutas são constantemente travadas com os que estão do lado de fora do grupo (Ferrari: 2007). Isso mantém o grupo coeso e seus membros encontram modo de "cuidar a angústia de castração através de um significante mestre" (Miller, 2003: 89).

Inserir-se na norma do casamento, transformando-a, retirando do seu cerne a diferença dos sexos, parece significar, para os homossexuais masculinos, não submeterem-se ao domínio da distinção que leva à estigmatização. E, também, o acesso ao bem mais precioso da hipermodernidade, o direito a gozar de todos os direitos e gozar do direito a ter direitos. Gozar do direito a ter direitos, eis uma perspectiva que deve ser considerada. Em época na qual muitos pares heterossexuais descasam ou optam pela união estável, pares homossexuais querem casar. Éribon (1997) observa, no entanto, que são inúmeros aqueles que participam e se mobilizam na busca pelo reconhecimento civil dos pares homossexuais, mas que não têm intenção alguma de usufruir de tais direitos, se concedidos. Seus estilos de vida não comportam uma vida de união estável nem a criação de filhos. Em suas palavras,

é demandando, hoje, a integração aos modelos sociais mais estáveis, reivindicando serem reconhecidos pelo direito e voltando as costas para a subversão proclamada dos anos 70 que os gays e as lésbicas parecem exercer a ação mais subversiva sobre a sociedade e a mais desestabilizadora das normas instituídas (Éribon, 1997: 7).

Não se pode ignorar, no entanto, a existência de relacionamentos duradouros entre pares homossexuais. Laurent (1999) mostra que Miller reconhece a autenticidade dos laços afetivos estáveis entre pares homossexuais, constatada clinicamente. Mas, segundo Laurent, Miller ressalta o fato de esses laços não serem exatamente do mesmo modelo que os laços afetivos heterossexuais, o que leva a pensar na necessidade de se estudar até o nome a ser dado a essas uniões. Isso é comentado por Théry (2005), ao seu estilo, ao dizer que, embora seja a desinstituição da diferença dos sexos no casamento o que os pares homossexuais reivindicam, é exatamente a igualdade dos sexos nesses vínculos o fator que justifica um arranjo diferente do existente.

De toda forma, nessa realidade social parece mais difícil reconhecer o casamento homossexual, desinstituindo a diferença dos sexos, que reconhecer a família homoparental ou monoparental formada por um sujeito homossexual com o(s) filho(s) adotivo(s), ou fruto de um relacionamento hétero, mesmo sabendo do convívio da criança com esse parceiro (Andrade, 2009).

 

REIVINDICAÇÃO DO DIREITO DE ADOÇÃO: INVENÇÃO DE NOVAS FICÇÕES

A adoção por pares homossexuais parece ser a mais polêmica reivindicação entre as que esses sujeitos fazem. Ela implica desalojar das instituições família e casamento o princípio da diferença dos sexos, mas, principalmente, coloca em pauta a função do pai e da mãe. Balança bases institucionais que até pouco tempo pareciam incontestavelmente sólidas e fundadas sobre uma ordem natural da diferença dos sexos, justificadas, segundo Théry (2005), no modelo organicista que dominou um século e meio da modernidade.

Em estilo lacaniano pode-se dizer que o pedido de adoção pelo par homossexual escancara a ilusão da existência de perfeita e natural relação entre os sexos, ou seja, da existência da relação sexual. Lacan (1971-1972) marca que não há relação entre os corpos simplesmente por serem viventes, ainda que possa haver vínculo, enlace possível. E, se o ideal igualitário, próprio da Revolução Francesa, passou para o real, mais marcante que o ganho da liberdade e igualdade é o apagamento da hierarquia de lugares simbolicamente instituídos, ou seja, o nivelamento das desigualdades prescritas pelo significante.

É bem conhecido que Lacan ([1959-1960] 1997) afirma que toda filiação baseada na Lei simbólica do pai é adotada. A Lei simbólica do pai, Lei que instaura o desejo, torna todos os filhos, próprios ou não, filhos adotivos; e todos os pais, biológicos ou não, pais adotivos. Adotar alguém é, assim, "[...] transmitir-lhe uma herança [...] que diz respeito aos nomes do parentesco, aos cuidados, mas também àquilo que não é possível ser transmitido, o real do pai" (Salum et al., 2006: 97). Stiglitz (2006: 11) favorece a compreensão sobre esse real do pai dizendo que adotar, "inclusive os próprios filhos, implica em velar pela via dos cuidados e/ou do amor, o fato de que a criança chega como resto de outra coisa: da relação com um parceiro. Inclusive nas famílias monoparentais".

É a partir do desejo, com a condição de que este não seja anônimo, que a maternidade e a paternidade são colocadas e pensadas enquanto funções. A função da mãe é a de transmitir, através de seus cuidados, a particularidade de seu interesse por aquela criança, ainda que seja por meio de suas faltas; e a função do pai é a de que seu nome seja "o vetor de uma encarnação da Lei no desejo" (Lacan, [1969] 2003: 369). Mas há filiação em que a Lei simbólica do pai não cumpre esta função e aparecem os filhos que têm sido conhecidos como filhos que não encontraram lugar no desejo dos pais e, se vivem no mesmo lar, nem adotados foram. De acordo com Soler (2001: 167), vontade de filho não quer dizer, em absoluto, desejo de filho. A vontade de filho é calculada, explícita, pensada, própria do mundo do discurso capitalista atual, enquanto "O desejo de filho é uma coisa muito misteriosa, é como o desejo inconsciente". Vontade de filho e desejo de filho nem sempre estão juntos e, se a criança é interpretada por seus pais, ela também tem o momento de se enfrentar com o enigma do Outro, de interpretar o Outro, deparar-se com a vontade ou desejo de filho no espaço em que foi acolhida.

A certeza da paternidade biológica não basta para garantir a função paterna, ainda que garantida pelo exame de DNA ou confirmada na documentação da criança. O parto ou a instituição da maternidade adotiva como sendo biológica, via legal, tampouco são suficientes para garantir a função da mãe. Como escreve Judith Miller (2005: 6), "'Ser o filho de' supõe que o sujeito tenha sido adotado em sua singularidade por aqueles de quem é o filho e que ele mesmo teve ou terá que adotá-los como tais". A partir desse modo de pensar, a adoção é uma ficção, tanto no sentido jurídico como no sentido psicanalítico. É um ato de consentir que alguém possa ser filho, possa ser pai ou ser mãe. Enquanto ficção jurídica, a adoção supõe um vínculo afetivo e um ato de nomeação que acontece com o amparo da Lei jurídica. Em relação aos adotantes, o ato de adotar parte, então, do reconhecimento da singularidade de uma filiação não biológica, acolhida e nomeada como se fosse própria, explicitando a falta da filiação consanguínea.

Nessa ficção tem-se, como ideal, que a dimensão do amor e do desejo esteja presente, ainda que não seja uma regra, tanto para a adoção jurídica quanto para a filiação biológica. Algumas vezes, estas passam longe da dimensão do desejo e até do amor, sendo pautadas por afetos menos nobres ou por demandas que resultam em filiações estabelecidas somente no nível do registro civil. É na adoção, no sentido legal, que Stiglitz (2006) considera haver a clareza da desvinculação existente entre biologia e semblante, deixando muito evidente o ser de resto, ou seja, da criança que chega como resto da relação com um parceiro.

No ensino de Lacan a função paterna foi abordada de várias formas e, embora tenha sofrido modificações (Ferrari, 2006) ao longo de suas formalizações, observa-se uma constante: é possível prescindir do pai, desde que se sirva da sua função. Laurent (2007) ajuda a esclarecer que, no início do ensino de Lacan, é a mãe quem funda o pai, e ao final é a posição da mãe como mulher que o faz. Quando escreveu sobre o significante Nome-do-Pai, por exemplo em "De uma questão preliminar a todo tratamento da psicose" ([1959] 1998), Lacan dizia que esse significante era compatível com a ausência do pai, se presente nas palavras da mãe. Esse modo de pensar já refletia, portanto, o "caráter de semblante" do pai (Soler, 2001: 160), presente em seu último ensino. A mãe, por outro lado, nunca foi colocada na condição de semblante, já que é implicada de forma evidente na reprodução dos corpos, ainda que sua função também tenha sofrido modificações.

Soler (2001: 167) escreve que Lacan e aqueles que trabalham sob sua orientação jamais dão conselho às mães. Sabem que isso é inútil, já que o inconsciente não tem necessidade de conselho para saber o que fazer. Mas, pelo que Lacan formalizou, se algum dia ele tivesse que dar algum conselho, diria: "seja mulher!". Modo de dizer da importância de a mãe consentir em ser o objeto a, causa de desejo do pai, fundando o pai. Vale dizer que no Seminário sobre as formações do inconsciente ([1957-1958] 1999) Lacan já dava mais importância ao pai da realidade que ao pai do significante, que diz não, que priva a mãe, pois, como diz Miller (1998: 55), "O pai que interessa a Lacan [...] é o pai que tem, que dá e o pai que promete para o futuro". É como vivo que o pai toma uma mulher - seu sintoma - como objeto a causa de seu desejo para fazer-lhe filhos dos quais cuidará paternalmente. E é junto a esses filhos que o pai, enquanto exceção, terá que intervir, reprimindo a versão própria da sua perversão, batizada por Lacan (1974-1975) como père-version.

É, pois, como exceção que o pai será o modelo da função de sinthoma; a causa de sua perversão é a articulação do gozo e do desejo por uma mulher, seu sintoma e causa de seu desejo. Nesta perspectiva, qualquer um pode fazer a função de sinthoma, desde que seja a exceção. Na época do declínio dos semblantes clássicos do Pai, desatam-se as funções que o sustentam e fica vazia a representação do modelo da função. Stiglitz (2006) diz que este pai, então, que não tem nome próprio, já que tem tantos nomes quanto os S1 que sustentam sua função, tem função de nomeação: não somente de nomear coisas (ex. do Deus bíblico), mas de promover a entrada do simbólico no real, por meio de sua père-version, de acordo com a forma que encontra de nomear o gozo, nomeação que sempre deixará um resto, resto indizível do gozo.

Há um dizer que nomeia, que tem efeito sobre o real e convoca quem nomeia, nesse caso o pai: minha mulher, meu filho, minha filha... A família é então uma instituição cuja função primordial é a de transmissão encarnada, para além da patronímica. E, quando alguém é por ela adotado, "ali estarão diferentes elementos que, contingencialmente, serão associados" por esse sujeito, pela via do Nome-do-Pai, "resultando em sua história" (Stiglitz, 2006: 11).

Diante do exposto, há de se reconhecer que será necessário um tempo para que se possa dizer algo mais consistente sobre a questão de adoção por casais homossexuais, especialmente os masculinos. Mas, se a paternidade é considerada uma ficção, diferentemente da maternidade, conforme pontua Laurent (2000), é como ficção que a função paterna terá que ser inventada, na atualidade, sobretudo quando se efetiva, na civilização, a busca dos pares homossexuais pela adoção ou pela fecundação in vitro.

A reivindicação dos direitos iguais para todos, estendida para a busca de filho para adoção como direito de todos aqueles que demandam ser pais, corre o risco, todavia, de colocar o filho no nível dos objetos oferecidos pelo mercado: a satisfação garantida é ditada pelo progresso da ciência e sustentada pelo discurso capitalista. Para Brousse (2005a), por exemplo no discurso do mestre hipermoderno, a ditadura do mais de gozar coloca o filho como um bem precioso, um objeto pequeno a, não como causa de desejo e sim como um meio de gozo, mais de gozar.

 

REIVINDICAÇÃO DA PROCRIAÇÃO ASSISTIDA

O conjunto de técnicas de manipulação ginecológica utilizado pela ciência e conhecido como procriação assistida é o modo de dar filiação àqueles que, por algum motivo, têm dificuldades para procriar da forma convencional, sejam casais, mulheres ou homens solteiros. Consequentemente, é recurso que pode ser utilizado por casais homossexuais. Em casais homossexuais masculinos o procedimento esbarra, além de tantos outros fatores, na falta de um útero.

Como a sociedade hipermoderna se encarrega de não deixar espaço para a impossibilidade e a impotência, surgiram o útero/barriga de aluguel e a inseminação artificial. Nesses casos, em geral com o espermatozoide de um dos membros do par homossexual masculino no aparelho genital de um dos membros de par homossexual feminino.

Em países em que a inseminação artificial é proibida para casais homossexuais, muitas vezes o procedimento ocorre com o auxílio de seringa e sem o aparato médico, a exemplo da França (Cadoret, 2003). Nos Estados Unidos a legislação permite a inseminação artificial para pares homossexuais femininos e até a contratação de uma barriga de aluguel. Assim, algumas crianças nascem dentro de um esquema familiar chamado coparentalidade, no qual são reconhecidas e criadas de forma partilhada pelos pais, sendo que estes jamais serão pares conjugais. Cada um vive em sua casa, com seu devido parceiro. Na maioria desses casos, o engendramento do filho é um projeto dos dois casais, portanto com quatro pessoas envolvidas na filiação: os pais biológicos e os pais afetivo-sociais. A biologia, com o exame de DNA, juridicamente assegura e confirma a paternidade e o parto assegura a maternidade - e daí os pais biológicos dividirem, com seus respectivos parceiros, a realização da filiação na criação da criança. Mas a filiação afetivo-social dá a cada um dos membros de cada par o direito a opinar na educação e criação da criança.

Vale dizer que há outros arranjos possíveis de coparentalidade favorecidos pela inseminação artificial quando os pares homossexuais são masculinos. Há, por exemplo, casos complexos nos quais cada membro da parceria manifesta vontade de ter filho e os arranjos propostos implicam pagamento em dinheiro e muito conflito: do lado do homem, medo de que a mãe não desista da maternidade e, do lado da mãe, medo de que o homem desista da paternidade; neste último caso corre-se o risco de abandono da criança. Segundo Cadoret (2003), em alguns casos, ao invés de contrato com apenas uma mulher, há dois contratos com duas mulheres diferentes - uma que doará o óvulo e a outra que alugará a barriga - na crença de que esse desdobramento da pessoa materna facilite a entrega do bebê.

Esses recursos de inseminação favorecem contratos comerciais com filhos que trazem a rubrica monetária. Diferentemente da adoção, com eles privilegia-se o vínculo biológico, mas apenas da parte contratante, já que a parte contratada - a barriga de aluguel - não tem direito jurídico sobre a filiação. E, nas artimanhas do mundo globalizado, se as normas jurídicas de um país forem contrárias ao querer individual, ele pode ser buscado em outro lugar, outro país.

Se o desejo de um filho biológico a qualquer custo parece ser o desejo de alguns homossexuais, vale perguntar se é um desejo genuíno dos homossexuais ou uma demanda fabricada pelo discurso da ciência em vias de virar norma. Há que refletir sobre o estatuto desse filho quando se observa que a ciência, através da produção de objetos gadgets, cada vez mais tenta tornar possível o impossível acesso à verdade sobre o gozo. Lacan ([1972-1973] 1985), nos anos 70, pontuava que cada vez mais os objetos oferecidos pela ciência seriam convertidos em elementos da existência do homem. Dessa forma, é inevitável concordar com Laurent (2000) sobre a necessidade de se inventar ficções jurídicas para regular o gozo, já que todo excesso clama por regulamentação.

 

A IMPORTÂNCIA DA CLÍNICA DA TOLERÂNCIA

No ano 2000 Laurent esteve na cidade de Belo Horizonte, pronunciando conferências marcantes que ainda são referência bibliográfica fundamental. Em uma delas ele cita o Tratado da tolerância, publicado por Waltser, naquilo que lhe interessava dizer sobre a clínica da atualidade: ela deve ser produtora de tolerância.

Segundo Laurent, essa clínica da tolerância pode ser vista, principalmente, no que concerne ao registro da prática homossexual que interroga as "ficções existentes no Outro, sobre o casamento e a filiação, a adoção, a fecundação in vitro e a procriação assistida", buscando novas regras e normas a partir dessas práticas (Laurent, 2000: 170). Elas necessitam da produção de novas ficções jurídicas para seu ordenamento.

É interessante refletir sobre esta questão, até mesmo pelo fato de que, na hipermodernidade, que exacerba o individualismo e enfatiza a busca pelo novo, os homossexuais masculinos reivindicam valores e instituições que se localizam como esteios do passado, ou seja, a família, o casamento. Isso em movimento de luta que busca marcar um estilo de vida diferente, afastado da rigidez das morais encontradas nas normas estabelecidas pelos heterossexuais e suas instituições. Por outro lado, em luta política almejam a liberdade de se ter um estilo de vida diferente, com direito à inclusão nas mesmas instituições próprias ao estilo heterossexual, que necessariamente não utilizarão.

É na conferência acima citada que Laurent comenta que em nossa civilização a homossexualidade quer ser uma norma. Assim sendo, ela quer definir um lugar para uma nova ficção paterna, fazendo existir, em todo o planeta, a exigência de reconhecimento dos direitos dos casais homossexuais pela adoção ou fecundação in vitro. Nesse momento, faz importante colocação: "sejam casais homossexuais homens ou homossexuais mulheres, podemos nos inquietar no sentido de saber como a posição paterna será representada junto a essas crianças" (Laurent, 2000: 180). Inquietar é o verbo utilizado, mas se acredita que "o futuro passará pela invenção de ficções jurídicas que permitirão regrar o problema e deverão ser elaboradas sem preconceitos conservadores, mas, tampouco, sem entusiasmo progressista, sem ingenuidade" (Laurent, 2000: 181). Inquietação necessária e ingenuidade dispensada nesse campo em que será importante um tempo para análise dos resultados dessas novas relações de parentesco que estão sendo criadas. Esse tempo de análise, no âmbito jurídico, é estabelecido como estágio de convivência no período de Guarda que precede qualquer adoção de criança com mais de um ano de idade. No âmbito psicanalítico, como observa Berenguer (2004), na medida em que estes casos forem acontecendo e os sujeitos em questão, crianças ou adolescentes, se dispuserem a falar de seus conflitos e de seu mito individual.

 

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Recebido em maio de 2011
Aceito para publicação em outubro de 2011

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