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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838

Tempo psicanal. vol.43 no.1 Rio de Janeiro June 2011

 

SEÇÃO LIVRE

 

A avaliação de resultados em psicanálise: Bambi sobreviverá a Godzila?

 

The evaluation results in psychoanalysis: will Bambi survive Godzilla?

 

 

Joyce M. Gonçalves FreireI; Mário Eduardo Costa PereiraII

IPsicóloga; Psicanalista; Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Professora da Faculdade de Psicologia de Jaguariúna - SP
IIPsicanalista; Professor Titular em Psicopatologia Clínica, Université de Provence/Aix-Marseille I, França (2009); Livre-Docente em Psicopatologia pela UNICAMP (2008); Professor Titular de Psicopatologia Clínica na Université de Provence (Aix-Marseille I), France (2009); Habilitation à Diriger des Recherches HDR pela Université de Provence (Aix-Marseille I), France (2008); Membro efetivo do Laboratoire de Psychopathologie Clinique et Psychanalyse da Université de Provence (Aix-Marseille I), France

 

 


RESUMO

Visa-se fazer uma reflexão a respeito da avaliação de resultados do trabalho psicanalítico a partir de algumas críticas que surgiram em revistas da Psiquiatria americana sobre os resultados da psicanálise e sua eficácia, sobretudo, a de PARLOFF (1982), intitulada "Psychoterapy research evidence and reimbursement decisions: Bambi meets Godzilla". Decorrente dessas críticas, a avaliação de resultados do trabalho clínico em psicanálise constituiu-se em um desafio para o psicanalista. Frente a esse desafio fazse uma reflexão a respeito do território epistemológico da avaliação em psicanálise.

Palavras-chave: avaliação de resultados; eficácia clínica; psicanálise.


ABSTRACT

The article discusses the evaluation of the results of the psychoanalytic therapy, considering some criticisms that were issued in american Psychiatry reviews regarding the Psychoanalysis outcome and its efficiency, especially Parloff's (1982) text entitled "Psychoterapy research evidence and reimbursement decisions: Bambi meets Godzilla". Because of these recurrent criticisms, theevaluationofpsychoanalyticresultsisa challengefor psychoanalysts.Taking into account this challenge, a reflection is built upon the epistemological territory of Psychoanalysis evaluation.

Keywords: outcome evaluation; effectiveness; psychoanalysis.


 

 

A avaliação de resultados do trabalho clínico em psicanálise é uma questão que cada vez mais se torna um desafio para os profissionais de saúde mental que adotam a epistemologia e o método psicanalítico como terapêutica, sobretudo em instituições públicas. Seja na rede básica de atenção à saúde, seja na secundária - Ambulatórios e CAPS -, seja em instituições de ensino e pesquisa, com frequência os profissionais que conseguem implantar algum trabalho psicanalítico nesses locais recebem críticas do meio acadêmico no que tange à apresentação empírica de resultados da psicoterapia psicanalítica. Dentre as mais frequentes, observa-se que o trabalho clínico psicanalítico tem pouco alcance para a maioria da população, é muito longo e seus resultados são duvidosos, pois pouco se sabe sobre o que se passa entre o psicanalista e seu paciente.

É interessante que se observe a pertinência e fundamentação de algumas dessas críticas, pois, embora a excelência dos trabalhos psicanalíticos - públicos e privados - seja constatada entre os pares em Congressos e Simpósios, em sua maioria essa excelência intramuros não avança para além de suas fronteiras de modo a alcançar o meio científico e acadêmico fora da psicanálise, exceção feita a algumas publicações de pesquisa em psicanálise apresentadas em revistas conceituadas de outras áreas.

 

O MÉTODO TERAPÊUTICO PSICANALÍTICO COLOCADO EM QUESTÃO A PARTIR DOS ANOS 80 E OS IMPASSES DA PSIQUIATRIA PÓS-DSM-III

Uma das mais contundentes críticas já feitas aos resultados dos trabalhos psicoterápicos, sejam eles psicanalíticos ou de outras vertentes teóricas, foi publicada no início da década de 1980: Parloff (1982), em seu artigo, já consagrado histórico, "Psychoterapy research evidence and reimbursement decisions: Bambi meets Godzilla", publicado em uma das mais respeitadas revistas internacionais de psiquiatria, dedicado ao questionamento sobre a efetividade e a eficácia das diversas modalidades de psicoterapia, cujo cerne está em saber "Whats kinds of psychoterapy are most effective for whats kinds of problems?" (Parloff, 1982: 718-723).

O trabalho constatava o quanto os resultados de eficácia das diversas psicoterapias estavam muito aquém daqueles apontados pelo desenvolvimento da terapêutica medicamentosa neurotrópica, com métodos estandardizados e passíveis de serem repetidos visando sua comprovação e eficácia. O pesquisador não poupou críticas à ausência de critérios de comprovação das diversas modalidades de psicoterapias, pois, além dos prejuízos para os pacientes, essa ausência traria enormes prejuízos econômicos para a política governamental de saúde mental em nível mundial, pois os gastos com técnicas psicoterápicas sem comprovação de eficácia acabariam por se tornar enormes sorvedouros do investimento público em detrimento da saúde mental da população. Desse modo, até que a pesquisa efetiva pudesse mostrar um "certificado" que evidenciasse que uma determinada técnica psicoterápica fosse mais eficaz para determinados tipos de transtornos mentais que outras, o autor faz algumas recomendações norteadoras aos médicos em seus procedimentos. Assim, enquanto as psicoterapias não comprovem sua eficácia empírica, o autor recomenda, como única exceção, as modalidades de terapias cognitivocomportamentais, pois suas pesquisas rigorosas, com especificações claras de metas e intervenções terapêuticas junto aos portadores de transtornos mentais, com projetos lógicos que reduzissem a ambiguidade dos resultados, tornariam essas últimas mais aptas a serem aceitas e terem suas práticas reconhecidas pelos comitês de pesquisas de renomadas revistas internacionais.

Durante as décadas de 1980 e 1990, a questão da comprovação empírica da eficácia das psicoterapias não-comportamentais, incluindo a psicanálise, pouco avançou. Contudo, no início do século XX, já foi possível verificar muitos psicanalistas, ligados à pesquisa acadêmica e sua publicação, voltados para tornar os achados psicanalíticos passíveis de comprovação de resultados de modo a favorecer uma interlocução e o reconhecimento do tratamento psicanalítico no meio científico mundial.

Por outro lado, a partir do final da década passada, sobretudo no início deste século, a psiquiatria baseada em dados ateóricos e puramente empíricos tem esboçado certo esgotamento em seu método, de forma que, entre seus pares, vêm surgindo várias vozes que reconhecem esses limites.

Banzato (2001), em sua comunicação preliminar sobre os debates ocorridos em um Simpósio sobre Diagnóstico e Classificação Internacional, durante o Congresso Europeu da Associação Mundial de Psiquiatria, ocorrido em julho de 2001, em Londres, relata que as questões conceituais foram aí proeminentes. Nesse simpósio, dentre outras coisas, certificou-se o que já vinha sendo reconhecido por alguns, dentro e fora da psiquiatria, a saber: que não existe classificação ateórica e apolítica; que as classificações categoriais dos transtornos mentais presentes nos atuais manuais - DSM-IV e CID-10 - atingiram seus limites e, portanto, devem-se empreender esforços para uma classificação baseada na etiologia. Aliado a isto, reconheceu-se a necessidade de diagnósticos compreensivos para se evitar o reducionismo e, por fim, reconheceu-se que as atuais classificações internacionais não estabeleceram ainda sua utilidade clínica para lidar com a diversidade cultural.

O reconhecimento dos atuais impasses na psiquiatria, como mostram os debates do congresso referido acima, assinala a primeira iniciativa de resgatar os critérios teóricos para a compreensão e a vivência psicopatológica e levar a um renascimento da psicopatologia, cujo método prioriza a paixão e o sofrimento - "o pensamento do patológico, a doença humana" (Fédida & Lacoste, 1998: 42).

Em 2007, na abertura do XXV Congresso de Psiquiatria no Brasil, na cidade de Porto Alegre, o professor Dr. German Berrios, da Universidade de Cambridge, em sua conferência "Does contemporary psychiatry need a philosophical antropology?", manifestou sua posição reflexiva a respeito das várias vertentes teóricas que abarcam o trabalho clínico psiquiátrico, expressando-se nos seguintes termos: "In the therapheutic relationship, patients have the right to know to what concept of man their psychiatrist resort" (apud Costa Pereira, 2009: 266). Costa Pereira (2009), ao comentar essas palavras, tão evocativas da ética implícita na relação terapêutica, observa que elas ecoam da brilhante postura de Ludwig Binswanger ao escrever que qualquer psicopatologia começa com o questionamento antropológico a respeito do homem ("what is a man?"). Neste mesmo ensaio, intitulado "Pathos, violence and power: the ethical implications of fundamental psychopathology", o autor, ao tecer considerações a respeito da linguagem unificada e norteadora dos atuais manuais de classificação dos transtornos mentais (mental disorder), sublinha que, de um ponto de vista político, isso corresponde a uma forçada adesão à definição implícita de ordem e desordem, a partir de então hegemônica no campo mental. Em outras palavras, essa definição bacamartiana sobre o transtorno (disorder) e o não-transtorno mental (order) engessa a possibilidade de interlocução a respeito do psicopatológico em suas diversas fontes teóricas e clínicas.

Desse modo, ainda que de modo incipiente, percebe-se, atualmente, no meio científico não-psicanalítico, os primeiros indícios de uma postura de abertura para algumas pesquisas de outros recortes teóricos e clínicos diversos da Terapia Cognitivo-comportamental - incluindo a psicanálise - que trazem em seus resultados a evidência de sua eficácia. Os revisores, extramuros à psicanálise e a outras correntes psicopatológicas, com o rigor e a imparcialidade da ciência de resultados, têm aceitado papers de psicanálise em revistas não-psicanalíticas, sendo algumas delas pertencentes ao mais seleto grupo da psiquiatria norte-americana.

Leichsenring e Rabung (2008), pesquisadores da Universidade de Giessen, na Alemanha, pertencentes aos Departamentos de Psicossomática e Psicoterapia e ao Departamento de Psicologia Médica dessa universidade, ao constatarem as controvérsias surgidas no meio psiquiátrico mundial a respeito da eficácia da Psicoterapia Psicanalítica de longa duração, realizaram uma extensa pesquisa na literatura psicanalítica publicada desde 1960 até maio de 2008, envolvendo 1.053 pacientes portadores de diversos tipos de transtornos mentais, tais como transtornos de personalidade, transtornos depressivos, transtornos de ansiedade e transtornos crônicos. Os resultados, cujos dados de pesquisa foram colhidos em fontes como MedLine e PsycInfo, foram publicados na respeitável revista americana de Medicina - Journal of the American Medical Association (JAMA) - e revelaram a eficácia do tratamento com psicoterapia psicanalítica de longa duração (long-term psychodynamic psychotherapy - LTPP) para os transtornos referenciados.

O impacto desses resultados mereceu um editorial publicado na mesma revista. Glass (2008: 1587-1589) inicia esse editorial intitulado "Bambi survives Godzilla? Psychodynamic psychotherapy and research evidence" relembrando as recomendações feitas por Parloff, há mais de 20 anos (artigo por nós citado anteriormente), para, então, tecer promissoras considerações a respeito do resultado da pesquisa realizada por Leichsenring e Rabung. O editor salienta que a medicina de resultados puramente empírica marca a era atual e reconhece que o cerne do artigo de Leichsenring e Rabung aborda exatamente esse ponto, pois a meta-análise realizada pelos autores evidencia a eficácia do tratamento psicanalítico para várias psicopatologias que não respondem bem a outras técnicas terapêuticas. Além disso, Glass salienta que algumas pesquisas mostram que o tratamento medicamentoso responde com mais eficácia quando conjugado à psicoterapia psicanalítica. Também sublinha que recentes pesquisas realizadas com imagem cerebral, biologia molecular e neurogenética têm mostrado que a psicoterapia modifica a função e estrutura do cérebro, afetando a circulação de sangue nas regiões cerebrais, no metabolismo dos neurotransmissores, alterando, assim, a plasticidade sináptica. Finalmente, o editor questiona se essa meta-análise realizada pelos autores citados não significaria que a psicoterapia psicanalítica sobreviveu ao Godzilla da demanda pela demonstração empírica de sua eficácia, e sua resposta foi qualificada com um sonoro "sim"1, ressaltando ainda o quanto é irônico que a resposta positiva a essa questão esteja ocorrendo justamente em um momento em que a provisão de psiquiatras com formação nessa modalidade de psicoterapia esteja em franco declínio.

Essa última observação de Glass é corroborada por alguns autores (Mojtabai & Olfson, 2008) cujas pesquisas constataram que a formação acadêmica de psiquiatras americanos tende cada vez mais para a farmacoterapia. Sobretudo na última década, o declínio de psiquiatras especializados em psicoterapias - e aí se inclui a psicanálise - tem sido bastante significativo. Essa tendência, de acordo com os autores dessa pesquisa, trará implicações para a identidade da psiquiatria como uma profissão (Mojtabai & Olfson, 2008). Embora sejam restritos à psiquiatria norte-americana, os mesmos resultados poderiam, sem muita dificuldade, ser observados em outros territórios, inclusive no Brasil.

As pesquisas sobre a eficácia da psicanálise dirigidas pelo psicanalista e pesquisador Falk Leichsenring são cada vez mais reconhecidas no meio científico fora das fronteiras psicanalíticas justamente pelas meticulosas revisões a respeito dos resultados da Psicoterapia Psicodinâmica, bem como por seu esforço e empenho em delinear uma base de evidência para a psicanálise.

Uma das mais recentes delas foi também comentada no editorial da revista American Journal of Psychiatry. Nesse editorial, Milrod (2009), psiquiatra e psicanalista, traz para o debate os resultados da pesquisa comparativa de Leichsenring e Rabung (2009) sobre os resultados da Terapia Cognitivo-Comportamental (CBT) e da Psicoterapia Psicodinâmica, cujas técnicas são empregadas no Transtorno de Ansiedade Generalizada. Com um controle metodológico rigoroso, os primeiros resultados, contudo, apontam que os sintomas mais comuns desse transtorno - ansiedade, inquietação, depressão - são mais facilmente debelados pela Terapia Cognitivo-Comportamental. Em seu editorial, Milrod salienta que, frente aos sintomas heterogêneos do Transtorno de Ansiedade Generalizada, interessa ao pesquisador em psicanálise investigar a respeito das fantasias subjacentes aos sintomas, bem como a vigilância constante do sujeito frente ao temor de perder o controle e a ambivalência sobre a autonomia e a separação ao se aproximar de objetos amorosos. A partir de suas considerações, Milrod deixa em aberto a pesquisa da eficácia da psicanálise para esse tipo de psicopatologia, pois não se tem ainda respostas definitivas sobre os resultados nesse território.

No Brasil, a questão da avaliação de resultados de tratamentos psicanalíticos tem sido uma preocupação constante de muitos pesquisadores, seja em universidades, seja em locais tradicionais de transmissão da psicanálise.

Em 2007, foi publicada uma pesquisa sobre Avaliação de resultados em psicanálise em uma revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, cujos autores, oriundos da psicologia, da psiquiatria e da psicanálise estão inseridos em universidades públicas e privadas, bem como em instituições externas à academia - dentre os quais Eizirik, presidente da IPA. Nessa pesquisa, foi realizada uma investigação retrospectiva que avaliou a efetividade da psicoterapia psicanalítica com pacientes adultos em um serviço de atendimento comunitário na cidade de Porto Alegre com amostra constituída por 34 pacientes divididos em dois grupos diferentes: os que realizaram tratamento por até 11 meses e os que permaneceram por 1 ano ou mais em psicoterapia psicanalítica. No método empregado pelos pesquisadores, além de entrevistas semiestruturadas com os pacientes, foi utilizado também um questionário de efetividade e escala de avaliação global do funcionamento aplicado por experts independentes, externos à pesquisa. Os resultados revelaram que a duração da psicoterapia não foi um fator decisivo para a efetividade do tratamento, pois a maioria dos pacientes apresentou satisfação com os resultados em um tempo menor do que aquele que seus psicoterapeutas considerariam ideal. Assim, outros fatores, tais como a relação terapêutica, a qualidade das relações objetais, o potencial autorreflexivo e a reação às interpretações, foram considerados na avaliação de resultados, que se apresentou positiva nessa pesquisa.

A relevância de pesquisas como esta se encontra, sobretudo, no fato de ter sido publicada em uma revista de psiquiatria em território nacional. De forma ainda incipiente, mas fundamental, isso mostra que os limites e o esgotamento de pesquisas puramente experimentais afinadas com o pragmatismo do diagnóstico, tal como apontaram os debatedores no Congresso Europeu de Psiquiatria antes referido, têm aberto possibilidades de interlocução entre a psiquiatria contemporânea e as outras práticas clínicas, com recortes teóricos diversos, dentre eles o da psicanálise.

Recentemente, em comemoração aos 100 anos de fundação da Sociedade Internacional Psicanalítica (IPA), a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA-RS) organizou um simpósio cuja temática norteadora foi exatamente a da avaliação dos tratamentos em psicanálise. Debates direcionados a questões como a da pesquisa em psicanálise e da evidência de seus resultados fomentaram este evento, pois, como indaga o psicanalista Sérgio de Paula Ramos em uma entrevista (no site da SPPA) sobre o simpósio, "Os psicanalistas e os pacientes sabem que a psicanálise funciona, mas quais sistemas de avaliação poderiam comprovar melhor os resultados?".

 

TERRITÓRIO EPISTEMOLÓGICO DA AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DO TRABALHO PSICANALÍTICO

Em publicações recentes sobre os resultados da pesquisa a respeito do trabalho multicêntrico de Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil sobre o autismo, na qual se envolveram pesquisadores de diversas áreas - psicanálise, pediatria, nutrição, fonoaudiologia e psiquiatria -, no Brasil e na França, Costa Pereira e Laznik (2008: 9) resgatam o lugar no qual Freud, do começo ao fim de sua obra, situou o campo epistemológico da psicanálise: no território da Naturwissenshaft (ciência da natureza); portanto, de uma empirische Wissenshaft, uma ciência empírica. Uma ciência empírica que, de acordo com as próprias palavras de Freud ([1923] 1996: 29): "atém-se aos fatos de seu campo de estudo, procura resolver os problemas imediatos da observação, só no caminho à frente, com o auxílio da experiência".

Desse modo, ao colocar em relevo o fato de que a psicanálise, desde seus primórdios, pertence ao campo da empirische Wissenshaft - a ciência empírica, à qual Freud se refere -, os autores também ressaltam que o trabalho e os resultados demandam a delimitação das fronteiras à qual pertence o território dessa ciência empírica psicanalítica.

Há, então, que não se perder de vista que a experiência que se torna objeto da psicanálise não é dada pela ciência experimental. Desse modo, o território da ciência empírica da pesquisa psicanalítica é o da experiência subjetiva, tão bem discutida por Figueiredo (2007). Assim, como observam Costa Pereira e Laznik (2008: 23), se é certo que para uma disciplina ser reconhecida como ciência seja "necessário que alguma evidência no campo empírico possa se manifestar", contudo, no que diz respeito ao objeto da ciência psicanalítica - o inconsciente - há nesse território "algo da subjetividade [...] que escapa ao campo da ciência" (Costa Pereira & Laznik, 2008: 19) em seu sentido puramente experimental e que escapa a uma tradução total no campo da lógica formal. Como, então, pensar a avaliação de resultados em psicanálise considerando como seu objeto o sujeito freudiano? Esse mesmo autor sublinha que, no mundo contemporâneo, se é reconhecidamente incontornável a inserção da proposta psicopatológica psicanalítica no debate científico com a neurociência e a genética, no entanto não se pode reduzir a subjetividade às ciências hard.

Há algo de genuíno da experiência subjetiva que deve nortear os critérios de avaliações de seus resultados em psicanálise, não redutíveis ao "ideal médico higienista, apontando como resultado de psicanálise uma população que se sente melhor, que trabalha mais, que tem menos sintomas" (Costa Pereira & Laznik, 2008: 25). Esses autores pontuarão que, na proposta propriamente psicanalítica, os critérios a balizar os resultados, tais como o de se perguntar se a experiência psicanalítica trouxe "mudança de posição subjetiva [...] e se houve modificação na relação fantasmática" (Costa Pereira & Laznik, 2008: 25) do sujeito, ao mesmo tempo que norteiam a avaliação, constituem-se, também, no grande desafio contemporâneo para a psicanálise. A questão que se coloca é a de como marcar esses resultados, advindos de critérios interiores à própria ciência psicanalítica, no campo das ciências que fazem fronteira com a psicanálise de modo a permitir a interlocução e contribuição de uma com as outras.

Observaremos, desde as primeiras concepções de Freud sobre o tratamento psíquico - quando ainda trabalhava com a noção de catarse - que a questão do fim a ser alcançado nessa terapêutica envolve um intenso trabalho psíquico do paciente e do terapeuta, e o alcance pertinente a esse trabalho está em tornar possível o retorno do paciente à vida. No último parágrafo de "Estudos sobre a histeria" ([1895b] 1996: 168), finaliza sua escrita a respeito da "Psicoterapia da histeria" ao circunscrever o território a ser atingido no tratamento nos limites em que, com a ajuda do médico, o paciente possa "transformar sua miséria histérica em uma infelicidade comum" de modo a tornar possível o viver. Essa transformação da vida psíquica (Seelenleben) do paciente lhe será favorável para enfrentar sua infelicidade comum (gemeines Unglück).

Decorrente da natureza do assunto (Freud, [1895b] 1996: 209-210) - a do psíquico -, impôs-se à psicanálise, desde os seus primórdios, a tarefa de construir um novo método de pesquisa. No lugar de um objeto a ser observado e descrito nos parâmetros das ciências naturais, temos um sujeito que nos fala de seu sofrimento e, como Freud salienta em sua conferência sobre "Psicanálise e psiquiatria" ([1915] 1996: 249), correlata a essa ausência de observação palpável e visual - o olhar clínico -, há também a ausência de uma verificação objetiva sobre o sofrimento do psíquico que possa ser demonstrado nos moldes da medicina. Se a natureza do assunto tratado exigiu a construção de um método clínico diverso daquele no qual Freud fora formado - o da ciência médica, sobretudo o da neurologia, pois esse de pouco lhe servia para o trabalho clínico inovador para o qual se voltou ([1895b] 1996: 209) -, no entanto isso não implicou para Freud um dar de costas para a ciência já existente. Ao contrário, a psicanálise está enraizada na cultura e, como tal, seu corpo teórico forma-se através do diálogo com outras disciplinas. Se não se perde de vista a natureza do assunto da psicanálise, é peculiar ao método psicanalítico o conhecimento das diversas áreas do saber, dentre elas a filosofia, as artes, a mitologia, a história das civilizações, a medicina (Freud, [1919] 1996), pois as complexas relações que comportam entre si o psíquico e o físico assim exigem.

A posição da psicanálise como uma ciência que é formada por um corpo epistemológico que lhe é próprio - metapsicológico - permite o diálogo com o diferente. É interessante salientar, então, que é só frente à garantia de que essa abertura para a diferença epistemológica das outras ciências continue a existir que psicanálise pode evitar se perder em dogmas. Mas sem perder seus próprios parâmetros, os quais delimitam a construção contínua de sua episteme, o que implica pensar a verdade em psicanálise.

É fato que os poetas e escritores sempre guiaram os passos de Freud na construção do método psicanalítico. Em seu "Estudo autobiográfico" ([1925] 1996), ao tratar da questão da pesquisa e do momento histórico em que nomeou esse método não mais como catártico, mas como psicanálise, Freud reconhece que aquilo que esses estudiosos da alma humana haviam assegurado a respeito dos vestígios indeléveis enterrados na memória do sujeito em seus primeiros anos de vida "veio a ser verdade" (Freud, [1925] 1996: 43-46). Esse conceito de verdade exige uma dimensão diversa daquela das outras ciências. A verdade, em psicanálise, não é o oposto do falso. Com o método psicanalítico, a verdade do sujeito é deslocada para outro território não ditado pela consciência, mas pelo estranho hóspede ([1917] 1996: 176) que nos habita e nos visita em sonhos e nas palavras ambíguas, filhas do desejo. Assim, ao contrário das ciências naturais, na ciência freudiana a verdade do sujeito pode se mostrar à superfície através de uma ficção, de uma mentira - como a mentira histérica de Irma ([1895b] 1996: 368).

Deste modo, a questão, levantada há pouco, a respeito de como pensar os resultados da psicanálise de modo a contemplar sua avaliação enquanto terapêutica é balizada por essa noção de verdade que engendra a epistemologia psicanalítica.

É interessante observarmos que embora a questão da avaliação da eficácia terapêutica da psicanálise na contemporaneidade possa causar no meio psicanalítico certo desconforto e desassossego, como se estivéssemos a enfrentar um monstro para cujo combate não dispuséssemos de armas, é crucial e incontornável pensarmos também que esse monstro, de cujo olhar muitas vezes desviamos, não vem necessariamente ou tão somente do Godzilla da avaliação empírica a que se refere o título deste artigo, mas, sobretudo, de dentro, da resistência a qual Freud algumas vezes apontou como sendo dos próprios psicanalistas.

Deste modo, é um alento encontrarmos no frescor da escrita psicanalítica, quase uma década depois de "Estudos sobre a histeria", que Freud ([1904] 1996: 236), ao escrever sobre o método psicanalítico, ressaltou que a eficácia terapêutica desse método não está calcada em "uma proibição médica veiculada por sugestão" e, do mesmo modo que a saúde e a doença não estão separadas senão por "[...] fronteiras quantitativas [...], não se pode estabelecer como meta de tratamento senão o restabelecimento prático do enfermo, a restauração de sua capacidade de trabalho e gozo. [...] e obtém-se sobretudo uma melhora do estado psíquico geral ([1904] 1996: 239). Em outro texto, contemporâneo a esse, Freud ([1905b] 1996) continuará circunscrevendo as peculiaridades do tratamento psíquico em um território que o distancia do ideal de uma terapia em seu sentido puramente médico. O tratamento, os resultados e a eficácia da psicoterapia psicanalítica não tangenciam as recomendações médicas de Esculápio, para quem a terapêutica deve ser Tutu, cito, jucunde (Seguro, rápido e agradável), pois "a investigação [psicanalítica] e a busca não apontam para a rapidez dos resultados" ([1905b] 1996: 248-249), além de fazer grandes exigências tanto ao paciente quanto ao psicoterapeuta. Nesse artigo "Sobre a psicoterapia" reiterará o objetivo a ser alcançado aí, no sentido de que o paciente possa encontrar novamente sua capacidade de gozar a vida e trabalhar (Leben und Arbeiten). E ele dirá então que: "A terapia psicanalítica foi criada com base em doentes permanentemente incapacitados para a existência a eles destinada, e seu triunfo consiste em ter tornado um número satisfatório destes permanentemente aptos para a vida" ([1905b] 1996: 249).

Há que ressaltar aqui que o trabalho (Arbeiten) a que se refere Freud, além de contemplar a noção de trabalho psíquico, refere-se à concepção criativa em direção à vida. Esta concepção é irredutível ao trabalho de uma população enfileirada na linha de produção na sociedade contemporânea, cuja ética nem sempre vai ao encontro da saúde psíquica dos sujeitos que a compõem.

Colocar em relevo a singularidade do sofrimento psíquico do sujeito psicopatológico psicanalítico implica em sublinhar que os critérios a nortear a avaliação de resultados da pesquisa nesse território precisam ser definidos a partir dos pressupostos interiores à própria psicanálise. Isso significa que não estaremos circunscritos à questão da remissão dos sintomas psicopatológicos - como, por exemplo, a diminuição de intensidade de sintomas de depressões, de ansiedade, de angústia, a remissão de delírios e alucinações. A avaliação também não será guiada por critérios de readaptação do paciente ao meio em que vive. Como salienta Viganò (2010), embora, na atualidade, cada vez mais a avaliação seja um tema sensível ao psicanalista e atinja a sua prática, sobretudo no serviço público de saúde mental, ela é diversa da EBM (Evidence Based Medicine), cujo fundamento de pesquisa está em "verificar as intervenções a partir de uma objetivação instrumental do caso clínico, considerando a evidência como critério de leitura dos êxitos do mesmo quadro" (Viganò, 2010: 469-481).

Como já salientamos anteriormente, se contemplarmos que a noção de trabalho psíquico em psicanálise encampa a concepção criativa do sujeito em direção à vida, sendo, desse modo, irredutível ao trabalho de linha de produção da sociedade em que vivemos, então a avaliação de resultados deve guardar, em primeira instância, a evidência clínica da construção do caso em sua singularidade com o intuito de contemplar se o tratamento psicanalítico proporcionará ou não mudanças subjetivas significativas para a vida do sujeito que, em suma, é dono de sua verdade, embora esta lhe seja estranha.

 

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Site consultado

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Notas

1 R. Glass (2008). "For now, the question is: does this new meta-analysis mean that LTPP has survived the Godzilla of the demand for empirical demonstration of its efficacy? The answer is a qualified yes" (pp. 1587-1589).

 

 

Recebido em maio de 2011
Aceito para publicação em junho de 2011

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