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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838

Tempo psicanal. vol.45 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

O lugar do corpo no nó borromeano: inibição, sintoma e angústia

 

The body's place in the borromean rings: inhibition, symptom and anxiety

 

 

Alinne Nogueira Silva Coppus

Psicanalista - Corpo Freudiano de Juiz de Fora; Professora da Pós-Graduação na UFJF e na Unifenas. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Email: alinnerj@terra.com.br

 

 


RESUMO

O corpo é um elemento que faz parte do processo analítico. Foi com ele que a psicanálise começou, tentando descobrir que outra realidade, além da consciência, o habitava: a realidade inconsciente. Apresentamos o corpo como um instrumento que, na neurose, coloca em cena os impasses do sujeito frente ao desejo e ao gozo através da inibição, do sintoma e da angústia. Com as formulações de Lacan sobre o nó borromeano, veremos indicações preciosas para trabalharmos o que o corpo nos apresenta na clínica. O nó é um recurso a mais que auxilia o analista em seu direcionamento da análise. Com isso, o analista recorta e religa significantes, separa questões relevantes, questiona, oferece uma palavra e, sobretudo, aponta a dimensão do furo que se encontra presente em sua fala, em seu modo de gozo.

Palavras-chave: corpo; nó; inibição; sintoma; angústia.


ABSTRACT

The body is part of the psychoanalytic process. Psychoanalysis began trying to discover another reality, beyond consciousness, that inhabits the body: the unconscious reality. The body is presented as an instrument which, in neurosis, stages the impasses of the subject regarding wish and jouissance through symptom, inhibition and anxiety. In Lacan's formulations on the borromean rings, we find precious indications for our clinical work with what the body presents. The borromean rings represent a new device that can help the analyst during the analysis. With it, the analyst puts signifiers apart as well as links them together, emphasizes relevant issues, asks questions, offer words and, mostly, points out the dimension of the hole which can be found in the subject's speech and in his way of jouissance.

Keywords: body; rings; inhibition; symptom; anxiety.


 

 

Introdução

Conforme Lacan (1975-1976/2007) nos ensinou, para que um corpo seja constituído é necessário que o sujeito se reconheça em uma imagem, que o significante o represente e que o objeto a ordene minimamente seu campo pulsional.

O corpo é um elemento que faz parte do processo analítico. Foi com ele que a psicanálise começou, tentando descobrir que outra realidade, além da consciência, o habitava: a realidade inconsciente. Este artigo apresenta o corpo como um instrumento que, na neurose, coloca em cena os impasses do sujeito frente ao desejo e ao gozo. Sustentamos, porém, que nem todas as queixas que envolvem o corpo na neurose se enquadram na conceituação de sintoma. Inibição e angústia também se expressam através do corpo.

Apontamos também as últimas formulações de Lacan (19721973/1986; 1974/2002) sobre o corpo. No final do seu ensino, o corpo é apresentado em articulação com o nó borromeano de três elos, nó cuja principal característica é seu peculiar enlaçamento entre os três registros. Caso um deles seja rompido, os outros dois ficam soltos.

A Introdução da inibição, do sintoma e da angústia na escrita do nó trouxe consequências para a clínica da neurose. A fim de delimitarmos as mesmas, retomaremos algumas contribuições de Freud sobre esses três termos, extraindo as consequências que essas alterações trouxeram para as diferentes maneiras de abordarmos o corpo na clínica da neurose. O intuito é mostrar que, através do nó, com a movimentação e sobreposição dos três registros, é possível abordarmos os efeitos dessas movimentações no cotidiano da clínica, quais sejam, a inibição, o sintoma e a angústia.

A escrita do nó permite a leitura da dinâmica de funcionamento da neurose frente ao desejo do Outro e ao gozo experimentado pelo sujeito. Se o grafo do desejo ou o esquema R são tradicionalmente abordados em sua relação com a dinâmica da neurose, o nó borromeano planificado, no qual conseguimos ver um registro invadindo e se sobrepondo ao outro, também pode ser tomado como um aparelho de leitura dos fenômenos que a neurose nos exibe na clínica. É isso o que iremos ver, a partir de agora, no detalhe.

 

O corpo no nó borromeano

Lacan (1974-1975) chega ao nó borromeano após grande experiência clínica, em um tempo marcado, cada vez mais, por sua aproximação do real e do gozo e, consequentemente, por uma desesperança no sentido enquanto efeito de significação puramente imaginária. Ele nos diz que o nó não é um modelo, ele opera como uma escrita na tentativa de abordar o real pelo real. O que vem dizer o nó borromeano? O nó fornece uma "medida comum" aos três registros. Esses registros, desde a conferência "O simbólico, o imaginário e o real" (1953/2005), são definidos como "três registros bem distintos que são, efetivamente, os registros essenciais da realidade humana" (Lacan, 1953/2005: 12).

Abordamos o corpo, então, de uma maneira borromeana, destacando a possibilidade do desdobramento e da comunicação entre os registros. Nas palavras de Lacan (1974-1975), "que o nosso corpo seja de três dimensões é o que não deixa nenhuma dúvida".

A metáfora borromeana visa dissolver o mistério do corpo falante. Ao falarmos do corpo em sua articulação com os três registros, entramos em um universo extremamente rico, mas também complexo, que ocupou Lacan em seus últimos seminários. Apesar de o corpo estar situado no registro do imaginário, não podemos excluí-lo do simbólico e do real. Não há corpo sem simbólico e sem os orifícios onde o objeto a se localiza, o que anuncia a derrocada clássica da visão dualista do homem, originada em Descartes e representada no binômio mente-corpo. O referencial agora é tripartido - como nos três registros - e não mais dualista.

Nos primeiros seminários do ensino de Lacan, o corpo foi sendo gradativamente abordado em sua articulação com o simbólico. O corpo imaginário dos primeiros escritos foi dando lugar ao corpo representado por significantes. Posteriormente, na década de 60, suas formulações ficaram retidas nos efeitos da entrada do sujeito no simbólico, ou seja, no conceito de objeto a e em sua articulação com a angústia, a pulsão e o corpo. Com os anos 70, há um retorno das formulações lacanianas sobre os efeitos do simbólico sobre o corpo com um ponto inovador: as articulações entre o significante e o gozo.

O texto Radiofonia (1970/2003) representa o auge das formulações de Lacan sobre a relação entre o corpo e o significante. Vemos o corpo ser apresentado como uma superfície na qual se inscrevem os significantes, corpo onde o significante exilou o gozo originário, mítico, restando apenas as zonas erógenas, como pequenas ilhas de gozo. Lacan (1970/2003) apresenta o corpo reduzindo-o, por um lado, a um lugar esvaziado de gozo, a uma superfície na qual os traços de um gozo perdido se inscrevem e, por outro, a um corpo que também tem acesso ao gozo, seja através do significante ou em suas ilhas de gozo, com o mais-de-gozar.

Gozar de um corpo, "de um corpo que o Outro o simboliza, e que comporta talvez algo de natureza a fazer pôr em função uma outra forma de substância, a substância gozante" (Lacan, 19721973/1986: 35). O corpo é feito para uma atividade de gozo. Seguindo em suas formulações sobre o corpo e o gozo, Lacan (19731974) se aproxima do nó borromeano.

O corpo é, então, colocado no registro do imaginário e definido como uma consistência que se constitui a partir de seus orifícios. São justamente os orifícios que fornecem consistência ao corpo. Com essas formulações, não há imaginário que não suponha uma substância (Lacan, 1974-1975) e que não permita uma consistência, mas uma consistência que difere daquela fornecida pelo imaginário no início do ensino de Lacan, caracterizado por uma imagem fechada, pelo sentido.

Lacan (1974-1975) deu grande importância ao furo em suas formulações teóricas e clínicas nesse momento de seu ensino. Ele nos recorda que Freud iniciou a psicanálise se interessando pelos furos do discurso - os atos falhos, os esquecimentos - bem como pelos furos no corpo - as zonas erógenas. Com isso, podemos destacar elementos que situam o corpo em uma topologia fundada no orifício.

O corpo passa a ser definido como um tecido constituído por significantes e imagens que, ao ser esgarçado, deixa à mostra os furos que definem seu trançado. Localizamos nesses furos o locus do saber inconsciente, que, juntamente com o simbólico, apontam a dimensão do estranho para o sujeito: o circuito pulsional delimita seus campos de desejo e de gozo.

Com o nó planificado, Lacan (1974-1975) escreve a movimentação dos três registros com suas sobreposições. Foi com essa escrita que Lacan introduziu a diferenciação dos gozos, fálico e do Outro, em relação às sobreposições dos registros, bem como os efeitos da invasão de um registro sobre o outro para o sujeito.

O nó permite circunscrever e nomear os lugares correspondentes a cada modalidade de gozo. Lacan (1975-1976) localiza o gozo fálico J(Φ) na sobreposição entre o simbólico e o real, ou seja, fora do imaginário, do corpo. É nesse sentido que o sujeito experimenta os efeitos do gozo fálico como exteriores a si.

A relação do sujeito com seu corpo não é uma relação tranquila, mas de estranheza. O sujeito encontra a satisfação relacionada ao gozo fálico não em seu corpo, mas somente pela interposição do significante em um fora do corpo (Oliveira, 2008). O gozo fálico é um gozo introduzido pelo falo enquanto significante e tem como efeito elevar o órgão à categoria de significante, separando-o do corpo. Ele é tomado pelo sujeito como um gozo intrusivo, errante, que encontra a possibilidade de se amarrar às palavras.

Hans (Freud, 1909/1996) testemunhou a presença de um gozo em seu corpo que não pôde, a princípio, reconhecer. A sexualidade passa a dar sinais mais efetivos em seu corpo com a ereção de seu pênis. Essa experiência deixou Hans angustiado. O menino não sabia o que se passava com ele e o que fazer com aquilo (Lacan, 19561957/1995), sentindo-se invadido e à mercê de algo que está para além dele. É a partir do que experimenta em seu corpo como estrangeiro que Hans é despertado para a sexualidade, para a diferença sexual.

O caso Hans é um dos primeiros momentos em que Freud (1909/1996) aborda, conjuntamente, o sintoma, a inibição e a angústia em uma mesma neurose. Os sintomas de Hans, que têm como eixo seu medo de cavalos, apresentaram-se como uma resposta direta à angústia: à angústia de não saber o que se passava com seu corpo, bem como à angústia de castração. Hans também produziu uma inibição como efeito de seu sintoma: não conseguia sair de casa pelo receio de se deparar com os cavalos. Assim, Freud (1925-1926/1996) começa a delinear a comunicação entre esses três termos: a angústia pode gerar um sintoma e uma inibição, o sintoma pode gerar angústia e inibição, a inibição pode gerar angústia - por paralisar o sujeito - e, dependendo da gravidade e tempo de instalação, pode se transformar em um sintoma. Enfim, não há como abordar um sem o outro, eles se encontram enlaçados desde Freud.

 

Inibição, sintoma e angústia no nó borromeano

O corpo é signo do embaraço do sujeito com a castração, com o desejo e, ao mesmo tempo, serve para o enquadramento do gozo (Lacan, 1975-1976/2007). Lacan nos pergunta: "Não é lá que se supõe propriamente a experiência psicanalítica? - a substância do corpo, com a condição de que ela se defina apenas como aquilo de que se goza" (Lacan, 1972-1973/1986: 35).

Não há gozo sem um corpo vivo, do mesmo modo que a linguagem é condição do inconsciente o corpo vivo é condição de gozo. Lacan (1974/2002: 55) nos diz que "o corpo se introduz na economia do gozo (foi daí que parti) pela imagem do corpo". O corpo, enquanto imagem, serve para delimitar, conter, localizar o gozo do sujeito. De maneira complementar, o corpo também é visto como o que permite que o sujeito encene, através de seus impasses, seu posicionamento frente ao desejo. Inibição, sintoma e angústia representam três possibilidades de o sujeito se defender de seu desejo e tentar realizá-lo às avessas. Como manifestações do sujeito na clínica, porém, essa tríade serve de auxílio ao analista em suas intervenções visto as mesmas trazerem em si a encenação do desejo do analisando.

O direcionamento ético da psicanálise encontra-se localizado no campo do desejo (Lacan, 1959-1960/1997). Desde o início das formulações de Freud, localizamos o desejo nas formações do inconsciente tais como os sonhos, chistes, sintomas e atos falhos. Em acréscimo a essas formações do inconsciente, localizamos também o que se passa no corpo do sujeito como uma via de manifestação do desejo e, assim, retomamos os primórdios da psicanálise com sua definição do sintoma histérico como expressão de um desejo inconsciente que se encarna no corpo. A análise presume que o desejo se inscreva por uma contingência corporal (Lacan, 1972-1973/1986).

Posteriormente, a dimensão ética da psicanálise se estendeu também em direção ao gozo (Lacan, 1966/2001), ou seja, à satisfação pulsional. Vemos então que não existe uma relação de exclusão entre gozo e desejo: a causa do desejo se refere a um gozo perdido que insiste continuamente pelos caminhos enviesados da pulsão e reivindica seus direitos na fantasia neurótica. A incompletude, presente no campo do desejo, é exatamente o que o gozo pretende eliminar.

Ao introduzir a inibição, o sintoma e a angústia no nó borromeano, Lacan (1974/2002) nos fornece um importante instrumento para atuarmos com os três registros na clínica da neurose. Desde Freud, a inibição, o sintoma e a angústia se encontram imbricados e entrelaçados na dinâmica defensiva do sujeito. O sujeito se inibe e faz sintoma para evitar a angústia, uma inibição pode resultar em um sintoma (Freud, 1925-1926/1996), angústia e sintoma se substituem um ao outro (Freud, 1932-1933/1996). Enfim, a mobilidade entre essas manifestações demonstra o ponto comum que as liga: o desejo.

Com o nó borromeano, Lacan (1974-1975) afirma a heterogeneidade entre inibição, sintoma e angústia, assim como fez com os três registros. Apesar de equivalentes em relação a sua importância na constituição da realidade do sujeito, possuem diferenças entre si.

A Introdução da inibição, do sintoma e da angústia no nó borromeano permitiu uma releitura da apresentação feita por Lacan no Seminário 10 (1962-1963/2005) sobre esses três elementos (Rabinovich, 2005). A angústia, por exemplo, se deslocou do campo do desejo, forma como foi apresentada anteriormente, para o campo do gozo: ela se localiza no nó borromeano no campo da invasão do real no imaginário. Para abordá-la, continua sendo inevitável passar pelo corpo, ou seja, pelo imaginário. A inibição, que resulta da invasão do imaginário no simbólico, deixa marcada a relação do sujeito com o desejo, passando a ser trabalhada em relação ao sentido. O sujeito é invadido por um sentido negativo e, com isso, paralisa-se. O sintoma agora é definido como a invasão do simbólico no real, resultando da bricolagem do significante com o real. O real presente no sintoma faz referência à satisfação pulsional, que, de maneira indireta, implica o corpo.

Inibição, sintoma e angústia se reportam à estrutura do ser falante por estarem referidos ao desejo, conforme vimos desenvolvendo, e também ao campo do gozo. O sintoma faz borda ao gozo fálico, a angústia faz borda ao gozo do Outro, enquanto a inibição bordeja o sentido.

Assim, a inibição é o resultado do embaraço do sujeito com um sentido particular que o amarra (Lacan, 1974-1975). Ela está sempre referida ao corpo, já que resulta da invasão do imaginário no simbólico. A angústia, além de ser tomada, de uma forma geral, como a invasão do real no imaginário, ou seja, no corpo, especificamente, podemos afirmar que ela aparece quando algo do interior do corpo se apresenta como estranho, como exterior, como o que ex-siste ao sujeito. O mal-estar, invasor do corpo, é o índice desse gozo que do sujeito.

Detalhando a manifestação da inibição, do sintoma e da angústia no campo da neurose, perguntamo-nos como essas manifestações se fazem presentes na histeria e na neurose obsessiva. Vejamos.

Ao falar do corpo na histeria, é difícil ultrapassar o campo do sintoma, das somatizações. Como Lacan (1957-1958/1999: 348) dizia, "no sintoma - e é isso que quer dizer conversão -, o desejo é idêntico à manifestação somática". Mas Freud já fazia a articulação entre a histeria e a angústia, bem como com a inibição.

Além de o sujeito histérico apresentar sintomas que colocam seu corpo em cena de forma gritante, a angústia, com sua expressão no corpo, também se apresenta no mesmo. Destacamos, como exemplo, dores de barriga, desmaios, o aparecimento de furúnculos, aftas, falta de ar, agitação psicomotora. Já a inibição se faz presente na histeria como repulsa (Freud, 1925-1926/1996). O asco é um dos afetos que Freud refere à inibição (Rabinovich, 2005) e pode servir como justificativa para o impedimento sexual.

A inibição também costuma se fazer presente na histeria através da vergonha. Vergonha em se colocar, em falar. Como maneira de evitar o encontro com a castração, a inibição toma conta do corpo do sujeito, impedindo-o de assumir seu posicionamento desejante.

Para demonstrar como a relação com o corpo não é algo natural, Lacan (1969-1970/1992) vai falar de uma recusa do corpo na histeria. Curiosa afirmação ao observarmos a frequente proximidade entre corpo e histeria, pois a histérica representa o papel principal na peça sobre a exposição do corpo, suas transformações e plasticidade. Cada hora de um jeito, ocupando diversos papéis, o corpo serve de cenário para a atuação do desejo e do gozo através do qual visa capturar o olhar do Outro. Nas palavras de Lacan (1969-1970/1992: 88), "fala-se, a propósito da histérica, de complacência somática. Embora o termo seja freudiano, não podemos perceber que ele é bem estranho, e que se trata, antes, de recusa do corpo?". É a recusa de tomar seu corpo como enigma, recusa do corpo do Outro (outro sexo) de onde advém confirmada a castração (Lacan, 1974-1975), do corpo que traz em si a finitude da vida.

Com as últimas formulações de Lacan (1974-1975) sobre o nó, vemos que o significante nome-do-pai não dá conta de cifrar todo o gozo que invade o sujeito na neurose. A aposta então é que o sujeito possa fazer uso do corpo como um instrumento para nomear, consistir, dar um sentido a isso que o invade através dessas operações que resultam da nomeação dos registros: inibição, sintoma e angústia. Essas três formas de nomeação podem exercer a função de nome-do-pai, fornecendo um nome ao sujeito.

Podemos ver a inibição e o sintoma como o resultado de uma elaboração do sujeito diante de sua angústia, fornecendo certa localização para a mesma, um contorno para o gozo através de uma nomeação do real realizada pelo imaginário e pelo simbólico. Daí o aparente efeito de estabilização que esses fenômenos possuem para o sujeito.

Uma nomeação pelo imaginário, pelo simbólico ou pelo real pode servir de amarração para o sujeito. De forma contrária, porém, inibição, sintoma e angústia estreitam e dificultam o posicionamento do sujeito na vida. Essas são possíveis respostas do sujeito frente à castração, às vezes a saída possível. Entretanto, a análise, apesar de utilizar esses fenômenos como bússola para o desejo e o gozo do sujeito, trabalha na direção da castração para que o sujeito se posicione em relação ao desejo com a plasticidade que o movimento deste exige.

A direção clínica de uma análise, sem deixar de levar em conta a singularidade do caso a caso, está pautada, na era dos nós, nas possibilidades de localização do gozo através de sua nomeação. Se o gozo não é localizado, é necessário encontrar os meios de fazê-lo. Essa nomeação se dá através da tríade inibição, sintoma e angústia, do nome-do-pai, do sinthoma. A partir do enfrentamento radical da falta - a própria e a do Outro - bem como de seus pontos de gozo, o sujeito se depara com o que a rigor lhe fornece consistência, uma nomeação que possibilita seu posicionamento na vida, seu sinthoma (Lacan, 1975-1976/2007).

Especificamente em relação à tríade freudiana, destacamos indicações preciosas de Lacan (1975-1976/2007) sobre o manejo da mesma. Ele nos diz que o único remédio para o sintoma é o analista jogar com o equívoco que o mesmo representa, que a angústia só se dilui ao ser acolhida pelo analista e nomeada pelo analisando, a fim de que, em um segundo momento, possa se transformar em um sintoma, uma inibição, ou escoar pela cadeia significante. A inibição é questionada em seu sentido defensivo, defesa que amarra o sujeito. O objetivo é que ela se transforme em um sintoma, fazendo o sujeito deslizar na cadeia de significantes e se intrigar em relação ao seu desejo.

Por que o homem recua diante do desejo? Porque o desejo não garante satisfação e a pulsão sim. As propostas que circulam nos discursos atuais, sobretudo no capitalismo, são de que o sujeito equacione sua falta pela via da satisfação. A proposta da análise é que o sujeito encaminhe sua falta pela via do desejo. Nesse sentido, não se trata, no discurso analítico, de um savoir-faire dos corpos (Lacan, 1972/2003) e sim que o sujeito consiga se posicionar frente ao seu desejo, o que deve trazer consequências na forma como ele lida com seu corpo. Quais seriam elas? Se não é possível um saber-fazer em relação ao corpo, o que uma análise permitiria/visaria na relação do sujeito com o corpo no campo da neurose? Caberá ao sujeito inventar, quando possível, uma outra saída para a sustentação de seu desejo que não apenas a inibição, o sintoma e a angústia.

 

Referências bibliográficas

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Recebido em 08 de dezembro de 2010
Aceito para publicação em 31 de janeiro de 2013