SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 número1A ironia trágica, a equivocidade da linguagem e a dimensão ética: nota sobre a Ode ao Homem na Antígona de SófoclesO marciano prateado: normalidade e segregação na peça a Bela Adormecida na geladeira de Primo Levi índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838

Tempo psicanal. vol.45 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Os paradigmas em psicanálise são comparáveis? Sobre o mal-estar, a biopolítica e os jogos de verdade

 

Are paradigms in psychoanalysis comparable? About discontentment, biopolitics and truth's games

 

 

Joel Birman

Psicanalista; Professor Titular do Instituto de Psicologia da UFRJ; Professor Adjunto do Instituto de Medicina Social da UERJ; Diretor de Estudos em Letras e Ciências Humanas Universidade Paris VII; Pesquisador associado do Laboratório de Psicanálise e Medicina, da Universidade Paris VII; Pesquisador do CNPq. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: joel.birman@pq.cnpq.br

 

 


RESUMO

A intenção deste artigo é a de demonstrar que não seria possível comparar os paradigmas constituídos na história da psicanálise. Desta maneira, as diferenças inscritas nestes paradigmas são pensadas a partir de uma perspectiva genealógica de forma a enfatizar as problemáticas do mal-estar, da biopolítica e dos jogos de verdade.

Palavras-chave: mal-estar; biopolítica; jogos de verdade.


ABSTRACT

The aim of this paper is to demonstrate that it would be impossible to compare the paradigms constituted in the psychoanalysis history. In this way the differences among these paradigms should be thought from a genealogical perspective, in order to emphasize the registers of discontentment, the biopolitics and the truth's games.

Keywords: discontentment; biopolitics; truth's games.


 

 

Abertura

A proposta deste ensaio é a leitura dos paradigmas em psicanálise que promoveram controvérsias ao longo da sua história e produziram debates apaixonados desde Freud. Contudo, na solução destas controvérsias prevaleceu a soberania da instituição analítica, que excluía do seu campo os que sustentavam outros paradigmas. Se por décadas esta soberania foi exercida pela International Psychoanalytic Association, campo do movimento analítico internacional, posteriormente passou a ser realizada pelo campo lacaniano, que dividiu com essa associação a hegemonia do dito movimento. Vale dizer, o que dominou os debates foi a repetição da inflexão soberana, pois os mesmos foram solucionados pela exclusão dos opositores do paradigma dominante. Assim, era como se pela exclusão dos oponentes a questão pudesse ser resolvida - através da força. A repetição teve a marca da compulsão, caracterizando-se como compulsão à repetição, pois os signos desta se encontravam presentes no movimento analítico nos contextos de ruptura (Freud, 1920/1981).

O mesmo argumento imperava quando a exclusão era proclamada, qual seja, o oponente era considerado como um desviante da psicanálise. Com efeito, o que ficava em cena era o confronto entre a verdadeira e a falsa psicanálise, que seria superado pela eliminação do oponente para a restauração do consenso no campo analítico. Evidentemente, o trauma se inscrevia neste campo, tanto no desencadeamento do impasse quanto na solução soberana deste, se impondo à repetição neste processo (Freud, 1920/1981). A exclusão de Jung da Associação Internacional de Psicanálise, em 1912, foi o primeiro ato deste processo, já que Jung propunha uma outra leitura da energia psíquica, que se opunha à de Freud (1905/ 1962; 1914/1984), na obra Transformações e símbolos da libido (Jung, 1911-1912/1974).

No final dos anos 20 do século passado, Ferenczi e Rank tiveram o mesmo destino, pelo questionamento que o primeiro realizou da experiência traumática e do relançamento da teoria da sedução (Ferenczi, 1929/1982), assim como pela interpelação do segundo sobre a angústia de castração e a proposição do trauma do nascimento (Rank, 1924/1976; Freud, 1926/1973). Nos anos 50 e 60, Lacan foi duplamente excluído da Associação Internacional de Psicanálise, onde a questão do tempo lógico, em oposição ao tempo cronológico, foi colocada em pauta (Lacan, 1945/1966; 1953/1966; 1956/1966; 1957/1966).

Entretanto, se a exclusão de Lacan promoveu a construção de uma outra organização internacional, a inflexão soberana também se realizou nesta, em uma repetição do procedimento da Associação Internacional de Psicanálise. As duas instituições passaram então a disputar quem seria a representante legítima da psicanálise e quem representaria o desvio.

Portanto, é a paixão que domina estes acontecimentos na psicanálise. Porém a presença da paixão não seria um mal, se não fosse o desdobramento da inflexão soberana. Com efeito, o debate de ideias é marcado pela paixão, em qualquer saber. O inquietante é a exclusão dos oponentes, pois evidencia a existência de uma outra questão a ser destacada.

 

Paradigma e discurso da ciência

O que aconteceu na psicanálise foi diferente do que ocorreu na história das ciências desde que a ciência se disseminou como prática da racionalidade no Ocidente com a emergência das Revoluções científicas no século XVII. Com a institucionalidade então assumida foram constituídas instâncias de debates pela comunidade científica que definiam qual teoria seria mais pertinente em um determinado campo do saber em um contexto histórico. Porém esta escolha não implicava na exclusão das teorias rivais, que continuavam a coexistir com a teoria dominante em um clima de tolerância. É isso que deve ser destacado na diferença entre a comunidade científica e a comunidade psicanalítica ao longo de suas histórias.

Assim, se na física a teoria corpuscular da luz, enunciada por Newton, foi considerada inicialmente verdadeira face à teoria ondulatória e foi dominante como paradigma, isso não implicou na exclusão da oponente. Com isso, ambas conviveram na comunidade científica. Contudo, a teoria ondulatória acabou por se impor no século XIX, desbancando a teoria corpuscular, e transformou-se em um novo paradigma (Kuhn, 1970). Da mesma forma, no início do século XX, a teoria da relatividade de Einstein desbancou a teoria de Newton do século XVII, colocando os limites desta teoria e a escala de grandeza para a sua veracidade. Se uma enfatizava a relatividade dos registros do espaço e do tempo, com efeito, a outra considerava estes de maneira absoluta. Entreabriu-se assim um novo campo experimental na física e realizou-se a construção de um novo paradigma (Einstein & Infeld, 1966; Bachelard, 1975).

Porém, na construção, desconstrução e reconstrução de um paradigma face ao oponente, não existiu anátema. O que dominava a polêmica era a formulação de critérios teóricos a que se conjugavam protocolos experimentais, evidenciados por sistemas de verificação. Vale dizer, se os debates eram apaixonados, o que imperava no reconhecimento de um paradigma eram os critérios de cientificidade em um certo contexto histórico e social.

Pode-se enunciar, com Kuhn (1970), que o que importa no campo da ciência é a solução de problemas. De forma que a veracidade de um paradigma se deve à possibilidade de solucionar problemas colocados na cena científica em um contexto histórico-social. O paradigma instituído seria então o modelo de ciência normal para a comunidade científica em um dado contexto (Kuhn, 1970). Portanto, a epistemologia implicaria na sociologia das ciências, que se desdobrariam em uma história das ciências.

Para a constituição das ciências e das comunidades cientificas foi necessária a construção da autonomia do campo científico face às tradições religiosa e teológica. Isso porque, anteriormente a esta autonomia obtida com as revoluções científicas do século XVII, a ciência ficava atrelada às decisões da religião e da teologia, que promoviam exclusões dos oponentes às verdades por elas estabelecidas (Gaukroger, 1610-1685/2006). Estes oponentes eram então considerados hereges e lançados impiedosamente nas fogueiras da Inquisição.

A autonomia da ciência foi a condição de possibilidade para as revoluções científicas pela formação da física e da astronomia, com Galileu (Koyré, 1966), Newton (Koyré, 1968) e Copérnico. Houve um movimento do registro qualitativo do mais ou menos, marca da ciência antiga, para o registro quantitativo da precisão matemática, marca da ciência moderna. Além disso, nos deslocamos do cosmos finito para o universo finito (Koyré, 1972).

Pode-se depreender que a presença da exclusão na comunidade analítica diferencia esta da comunidade científica, na medida em que na última não ocorre essa prática desde que a ciência se constituiu como um campo autônomo. Qual seria a razão desta diferença?

 

Repetição do mesmo e repetição da diferença

É preciso reconhecer que o campo analítico se constituiu pela transferência. Esta é a referência decisiva na comunidade analítica. É pela mediação da transferência, em uma experiência iniciática, que se inscrevem os analistas em instituições. Em decorrência disso, a relação dos analistas com o saber e com a psicanálise se realiza pela transferência. É mediante esta, portanto, que a filiação dos analistas com a comunidade e com o saber analíticos se realiza: nada se passa na exterioridade do comprimento de onda transferencial.

Lacan (1969-1970/1991) teorizou sobre isso, destacando que fosse produzida uma inflexão neste processo pela qual o futuro analista fosse deslocado da condição de analisante para se inscrever em uma comunidade analítica. Assim, este tem que se deslocar do trabalho de transferência para estabelecer a transferência de trabalho. Por este viés, a relação do futuro analista com o saber analítico seria realizada, assim como a sua inscrição em uma instituição.

Lacan (1969-1970/1991) reconheceu que a transferência era inevitável na relação dos analistas com a comunidade e o saber analíticos. Além disso, existe algo mais a ser reconhecido. Pela inflexão na transferência, que se desloca do trabalho da transferência para a transferência de trabalho, Lacan (1969-1970/1991) enfatizou a existência de uma descontinuidade entre estes registros.

O que está em pauta nesta descontinuidade? O imperativo de que o futuro analista se engajasse na produção do saber analítico. Contudo, se esta produção devesse se impor era para possibilitar um destino outro para a transferência de forma que não se cristalizasse na identificação com a figura do analista. Era isso que devia ser evitado pela inflexão decisiva na transferência. Se Lacan (1969-1970/1991) procurava encontrar uma possibilidade de saída para o fim e o destino da experiência analítica que não fosse a dita identificação, era porque esta via estava disseminada na comunidade analítica, promovendo efeitos catastróficos: pela identificação do analisante com o analista não apenas a relação com o saber seria comprometida, como também o futuro analista seria reduzido à condição de repetidor do analista que o forjou. Vale dizer, existiria uma continuidade inquietante entre a cena da experiência analítica e a da comunidade analítica. Portanto, o futuro da psicanálise estaria comprometido seja no registro do saber, seja no da filiação.

Dessa forma, a comunidade analítica não funciona pelas regras da comunidade científica, já que pela identificação do futuro analista com o analista a dita comunidade se regula pelos discursos do mestre e universitário (Lacan, 1969-1970/1991). Neste contexto, a compulsão à repetição (Freud, 1920/1981) caracteriza a relação dos analistas com o saber. Nestas circunstâncias não seria possível que a repetição do mesmo se transformasse em repetição da diferença (Deleuze, 1968; Lacan, 1964/1973) para promover a inventividade no saber. Com isso, a repetição do mesmo se cristaliza, funcionando como obstáculo teórico na comunidade analítica.

 

Narcisismo das pequenas diferenças

Se estamos insistindo nesse ponto é porque este parece ser o obstáculo que conduz a comunidade analítica a adotar a exclusão quando se defronta com opositores: como vimos, o paradigma opositor é objeto de anátema, sendo considerado da ordem do desvio.

Ou seja, o imaginário da comunidade analítica é similar ao que existia na ciência no tempo anterior à sua autonomia, quando na Idade Média estava submetido aos imperativos da religião e da teologia. Com efeito, qualquer oposição ao paradigma dominante em um certo contexto histórico é considerada como heresia face à verdadeira psicanálise, heresia que precisava ser transformada em um anátema e objeto de exclusão.

Desta maneira, isto é, com essa exclusão, as teorias analíticas perderiam as marcas da incerteza e da historicidade e seriam cristalizadas em verdades. Estas não seriam retificáveis, a exemplo do que ocorre com as ciências. Neste contexto, a teoria se transforma em uma doutrina - com o poder de doutrinação e com a submissão dos que comungam de suas verdades. Transformada em doutrina, a teoria está sacralizada, inscrita na ordem religiosa e destinada à hermenêutica infinita.

O que está em pauta na comunidade analítica é a disseminação do que Freud denominou em 1921, em "Psicologia das massas e análise do eu" (Freud, 1921/1981), de narcisismo das pequenas diferenças. Este processo foi a marca distintiva da modernidade no Ocidente, já que se as diferenças foram reconhecidas, pela emergência do individualismo, e passaram a ser alvo de violência - para apagá-las. Com efeito, tanto no registro da individualidade quanto no da coletividade, os indivíduos, os grupos, os segmentos e as classes sociais se digladiaram - para atacar as diferenças. Porém a constituição da oposição seria decorrente da emergência da diferença. Isso, enfim, seria inaceitável na modernidade.

Em decorrência, a repetição do mesmo se contrapõe à repetição da diferença, já que a constituição de marcas distintivas conduz aquela à suspensão desta. Isso porque a transformação em anátema da diferença conduz à eliminação da mesma. É neste contexto, caracterizado pela repetição do mesmo face à repetição diferencial, forjando o narcisismo das pequenas diferenças, que se inscrevem os paradigmas em psicanálise. Por isso mesmo, esta problemática promoveu controvérsias em sua história.

 

Diferentes paradigmas

Existem diversos paradigmas em psicanálise. Eles se forjaram em diferentes tempos da história psicanalítica, indicando rupturas conceituais. De Freud a Winnicott, passando por M. Klein e Lacan, para evocar os célebres, diferentes paradigmas foram enunciados. Porém os menos célebres devem ser também evocados, a saber, os que foram forjados por Jung e Ferenczi, assim como a psicologia do eu e a tradição culturalista norte-americana.

Não obstante a conjunção dos paradigmas com nomes próprios é preciso dizer que os referentes destes nomes não constituíram os paradigmas isoladamente, pois eram coordenadores de linhas de pesquisa, e as sustentaram com colaboradores, constituindo uma comunidade analítica: se os coordenadores se destacaram, formulando as principais hipóteses de trabalho, não resta dúvida de que eles as construíram juntos com os colaboradores. É difícil acreditar que tais paradigmas tenham sido produzidos sem uma comunidade de referência, que funcionou como seu auditório e seu campo.

Assim, foi pela inscrição em uma comunidade analítica que o questionamento dos paradigmas foi sempre complicado. Isso porque a comunidade de referência é permeada por laços transferenciais. Por isso, a polêmica entre os paradigmas foi marcada por acusações que justificavam como desvio teórico a exclusão realizada por uma dada comunidade analítica.

O que é inquietante nesta comunidade é a impossibilidade de convívio com as diferenças representadas pelos diversos paradigmas. Constitui-se assim um paradoxo na psicanálise, pois, se a experiência analítica promove a singularidade como diferença, a instituição analítica não suporta o convívio com esta, excluindo-a quando se enuncia. Com efeito, a ética da psicanálise não seria coerente com a moral das instituições analíticas (Birman, 1994).

Porém o argumento para a exclusão não é legítimo, pois não se esclarece o que seriam a verdadeira e a falsa psicanálise. Por que não? Porque os diferentes paradigmas seriam epistemologicamente incomparáveis. Esta será a primeira tese que sustentarei aqui, pela formulação de uma leitura epistemológica e genealógica sobre os paradigmas, destacando a diferença entre estas, mas também a sua legitimidade.

 

Paradigma e objeto teórico

Assim, é preciso evocar a formulação de Freud (1914/1984), em "História do movimento psicanalítico", na qual enunciava a existência de dois critérios para o reconhecimento da experiência psicanalítica, quais sejam, a transferência e a resistência. Com efeito, segundo o autor, apenas poderiam ser consideradas como psicanalíticas as práticas psicoterápicas pautadas pela transferência e pela resistência. Dessa forma, após a crítica às psicoterapias norteadas pela hipnose e pela sugestão para decantar os impasses destas, Freud (1905/1953) enunciou os ditos critérios como condições de possibilidade para a experiência analítica.

Porém a leitura desta experiência pode ser feita por diferentes construções conceituais. Vale dizer, os paradigmas da experiência analítica são diversos. Em decorrência, a escuta do analista e os signos que ele privilegia estão na dependência do paradigma escolhido, que delineia as inflexões do sujeito na experiência analítica.

O que, na experiência analítica, a escolha de um paradigma realiza é um recorte desta, enfatizando certos pontos em relação a outros, empreendendo uma seleção de signos. Estes seriam considerados de maneira desigual e heterogênea pelas linhas de força constitutivas do paradigma que norteiam o recorte dos signos.

Se isso assim se realiza, é devido à especificidade do paradigma, que privilegia certos problemas a serem resolvidos, de acordo Kuhn (1970). Ou, então, na proposta epistemológica de Canguilhem (1968), na qual cada paradigma tem um objeto teórico, que está articulado por um conjunto de conceitos. Nesta perspectiva, o objeto da ciência não é natural, mas construído a partir dos conceitos.

Portanto, os diferentes paradigmas no campo psicanalítico são incomparáveis, pois remetem a diferentes objetos teóricos que não são equivalentes. Por isso mesmo, não se poderia dizer que um dos paradigmas é o verdadeiro e os demais falsos, de maneira a existir uma verdadeira psicanálise que se contraporia a outras, falsas, consideradas como desvios.

As leituras de Kuhn (1970) e de Canguilhem (1968), apesar de diferentes, convergem, pois implicam na crítica da concepção positivista da ciência. No que concerne a Canguilhem, sua leitura se inscreve na tradição epistemológica francesa, entreaberta por Bachelard (1975), que já criticara a leitura positivista. Foi nesta tradição epistemológica que se constituiu a epistemologia regional, pela qual não existe um campo ideal de cientificidade, como enunciara o positivismo no que concerne à física, mas uma multiplicidade de campos, com objetos teóricos diferentes (Fichant, 1973). Seria, portanto, no campo da epistemologia regional que a cientificidade da psicanálise poderia ser interrogada.

 

Psicanálise, ciência e continente do inconsciente

Para a epistemologia regional a constituição dos discursos científicos implica no corte epistemológico, que, pela produção de um objeto teórico e de um campo conceitual, demarca a passagem do discurso pré-científico para o científico. Para isso, contudo, seria necessária a superação de obstáculos epistemológicos, que, como preconceitos, impediriam a formação do discurso científico (Fichant, 1973). Portanto, pela ruptura epistemológica com o campo pré-conceitual o discurso científico seria forjado.

Procurando aproximar a epistemologia regional do materialismo histórico, Althusser (1965; Althusser et al., 1965) caracterizou o campo pré-conceitual como ideologia. Nesta perspectiva, a constituição do discurso científico implica na desconstrução de uma região da ideologia para a constituição de um novo objeto teórico.

Para constituir uma história das ciências, Canguilhem (1968) enunciava que seria necessária a conjugação da leitura internalista com a externalista das ciências para que se pudesse aquilatar os obstáculos epistemológicos e as linhas de força norteadoras do corte epistemológico. Se a leitura internalista se centra na análise do campo conceitual e do objeto teórico do discurso científico, com efeito, a leitura externalista enfatiza as condições históricas e sociais, que funcionam seja como possibilidade, seja como impossibilidade para que a dita ruptura ocorra. Foi pela retomada desta leitura que Althusser (1965) considerou que uma região da ideologia era o obstáculo epistemológico a ser superado para que um discurso científico fosse forjado. Desta maneira, o discurso de história foi introduzido no campo da epistemologia regional na perspectiva do marxismo.

Porém a dimensão histórica da ciência estava já presente na epistemologia regional, tanto em Bachelard (1975) quanto em Canguilhem (1968). Daí a ruptura teórica que estes realizaram com o positivismo, pela qual o objeto da ciência é de ordem natural e não uma construção da história. Ainda por isso, a epistemologia seria conjugada com a história da ciência, não existindo, pois, um destes discursos sem a referência ao outro.

Nesta perspectiva, Althusser (1976) pensou a psicanálise como uma ciência. Em "Freud e Lacan", fundamentou a psicanálise como discurso científico pela conjunção de um objeto teórico, uma metodologia e uma técnica, como se passaria em outras ciências. Com efeito, fundando-se nos conceitos de inconsciente e de estrutura edipiana, a psicanálise delinearia as possibilidades para a constituição do sujeito no deslocamento do registro da natureza para o da cultura. Contudo, como esta passagem é traumática, o inconsciente se forjaria pelos restos traumáticos do processo.

Em Lênin e a filosofia, Althusser (1969) aprofundou a sua reflexão epistemológica, sistematizando a existência de três diferentes continentes das ciências. Existiriam assim o continente da natureza, representado pela física, o da história representado pelo materialismo histórico, e finalmente o do inconsciente, representado pela psicanálise.

Podemos inscrever os paradigmas da psicanálise no continente do inconsciente, não obstante o destaque conferido por Althusser (1976) aos discursos teóricos de Freud e de Lacan para conceber a psicanálise como ciência. Com efeito, no continente do inconsciente é possível indicar a similaridade entre as teorias psicanalíticas, apesar de suas diferenças no que concerne a seus objetos teóricos. Portanto, nesse sentido, existem regras comuns para a formação dos conceitos no campo analítico, não obstante as diferenças dos seus objetos teóricos. Porém foi na tradição francesa que se forjou a melhor crítica sobre a cientificidade da psicanálise.

 

Formação discursiva

Não obstante ter sido formado nesta tradição, Foucault (1969/1994) empreendeu a sua crítica desde o início de seu percurso, colocando em questão os conceitos de corte e de obstáculo epistemológicos, assim como o da descontinuidade entre a ciência e a ideologia. Separou-se assim da problemática da ciência e se deslocou para a do saber, inscrevendo a sua leitura em uma história de longa duração. Constituiu, para isso, uma arqueologia do saber e uma genealogia do poder para enunciar o filosofema fundado na relação entre saber e poder.

Para o autor, no registro do saber, que engloba um universo histórico de longa duração, existe uma episteme que regula a sua totalidade em um campo marcado pela continuidade. A ruptura e a descontinuidade existentes no campo do saber se fazem na passagem de dois campos históricos, na qual se constitui uma nova episteme. Assim, do Renascimento à modernidade, passando pela Idade Clássica, foram evidenciadas três diferentes epistemes reguladoras do campo dos saberes.

Se inicialmente Foucault concebeu a arqueologia do saber centrando-se em diferentes problemáticas - a loucura (Foucault, 1960/1972), a clínica (Foucault, 1963), a linguagem e o discurso (Foucault, 1966) -, empreendeu posteriormente a genealogia do poder, trabalhando a problemática da punição (Foucault, 1974) e da sexualidade (Foucault, 1976). Procurou conjugar a arqueologia do saber e a genealogia do poder pela conjunção entre saber e poder. Nesta perspectiva, Foucault realizou a leitura da psicanálise, inscrevendo-a em diversas problemáticas e promovendo inflexões na mesma.

Assim, inicialmente a psicanálise foi inscrita nas histórias da loucura e da psiquiatria. Com efeito, se a leitura crítica da loucura foi triunfante face à leitura trágica, a psiquiatria se inscreve na primeira, pela qual o registro da razão se opõe ao da desrazão. Com a transformação da loucura em doença mental, o louco perdeu a condição de sujeito (Foucault, 1960/1972). Contudo, foi na tradição psiquiátrica que a psicanálise se constituiu: mesmo problematizando a condição clássica do sujeito pela invenção do inconsciente, existe, segundo o autor, continuidade entre a experiência analítica e o tratamento moral. Desta forma, opondo-se à leitura da psicanálise lacaniana, que afirmava a descontinuidade entre psicanálise e psiquiatria, Foucault (1960/1972) sustentava a continuidade na sua arqueologia.

Em seguida, no Nascimento da clínica, Foucault (1963) formulou a continuidade arqueológica entre o discurso analítico e o da clínica pela mediação do dispositivo da relação médico-paciente. Além disso, como a clínica concebeu a doença no registro da anatomopatologia, inscrevendo-a entre a vida e a morte, o que assim se enunciava era a existência do sujeito da finitude. Por este viés o conceito de inconsciente foi enunciado como marca deste sujeito polarizado entre as pulsões de vida e de morte. Enfim, existiria também a continuidade arqueológica entre psicanálise e medicina, não obstante a leitura descontinuista da psicanálise lacaniana sobre isso.

Em As palavras e as coisas, Foucault (1966) indicou que a psicanálise com Freud, em conjunto com a antropologia social de Lévi-Strauss, promoveu o descentramento do sujeito do registro da consciência pela formulação do inconsciente. Em seguida, em Nietzsche, Freud, Marx, Foucault (1968/1994) enunciou que uma nova técnica de interpretação foi forjada no século XIX, nos campos da filosofia (Nietzsche), do materialismo histórico (Marx) e da psicanálise (Freud), constituindo a hermenêutica, em oposição à semiologia. Porém, em O que é um autor?, publicado em 1969 (1994), sustentou que a psicanálise não é uma ciência, mas uma forma de discursividade. Esta foi a resultante da sua leitura da psicanálise iniciada na História da loucura na Idade Clássica (Foucault, 1960/1972).

O que Foucault pretendia dizer com isso? Diferentemente dos discursos das ciências que se estabeleciam pela referência ao campo conceitual que enunciam e ao dispositivo experimental que constroem, nas formações discursivas o que está em pauta é a articulação do discurso teórico com o nome do autor que o constituiu. Com efeito, enquanto que enunciar as leis da queda dos corpos e da gravitação universal prescinde dos nomes de Galileu e de Newton, os conceitos da psicanálise e do materialismo histórico implicam referência a Freud e a Marx (Foucault, 1969/1994). Além disso, de acordo com o autor, nas formações discursivas existe a operação conceitual de retorno ao momento histórico inaugural das mesmas, como teria ocorrido nos anos 60 do século passado no retorno de Lacan a Freud e no retorno de Althusser a Marx. Enfim, nas discursividades os conceitos são autorais, indicando a referência ao sujeito e ao autor, o que não ocorria no discurso da ciência.

Nesta perspectiva, podemos dizer que os paradigmas na psicanálise são formações discursivas. Daí o porquê da referência aos autores fundadores dos paradigmas estar presente na reprodução social destes, pois essa referência evidencia a conjunção entre o sujeito e o paradigma.

O que se impõe na teorização sobre os paradigmas na psicanálise como discursividades é pensar agora nas condições concretas de possibilidade para a produção de suas diferenças. Nestas condições, seria necessário enfatizar a dimensão histórica desses paradigmas.

 

Mal-estar

A historicidade dos paradigmas é evidente, pois não se poderia pensar na emergência destes fora da história da psicanálise. É indubitável que tais paradigmas emergiram em um tempo inicial, mesmo que tenham permanecido, indicando a consistência teórica e a inércia promovida pela comunidade analítica, onde se inscrevem pela força da atração transferencial. Além disso, alguns paradigmas foram reatualizados em um tempo posterior a suas emergências históricas. Este foi o caso do célebre "retorno a Freud" promovido por Lacan (1953/1966; 1956/1966) para restaurar a fundamentação da experiência analítica. Este foi também o caso da retomada de Ferenczi, nos anos 70 do século passado, quando o incremento dos estados-limites valorizou sua teorização sobre estes. Porém esta reatualização não é uma mera repetição do paradigma original, mas um remanejamento deste, ditado pelas condições do presente. O retorno a Freud e a retomada de Ferenczi implicaram pois no remanejamento destes paradigmas, que foram reconfigurados pela repetição diferencial. Enfim, a reatualização de um paradigma, em um tempo histórico posterior, implica na releitura do paradigma original.

A segunda hipótese a ser aqui sustentada é a de que a constituição da psicanálise implicou na conjunção desta com o mal-estar na modernidade. Desde a publicação do ensaio "A moral sexual civilizada e a doença nervosa dos tempos modernos" (Freud, 1908/1969), Freud estabeleceu os liames entre o mal-estar moderno e a psicanálise como contrapartida a este.

Assim, inserindo a psicanálise na história da longa duração (Braudel, 1978) do Ocidente, configurando uma genealogia da moral (Nietzsche, 1971) de fundamentação analítica, Freud (1908/1969) indicou nesse ensaio como a psicanálise se construiu para se contrapor ao lado negro da modernidade, evidenciando o sofrimento e a dor dos indivíduos nas suas formas de subjetivação (Foucault, 1976) em decorrência dos seus imperativos morais.

Retomando a proposição dos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", que opunha a antiguidade à modernidade no confronto com o erotismo, Freud (1905/1962) propunha que os antigos valorizavam, ao invés dos objetos, as intensidades eróticas pelas quais estes eram regulados. Porém os modernos valorizavam os objetos e não as intensidades (Freud, 1905/1962), de forma que o incremento das "doenças nervosas" para eles era consequência do processo de moralização da experiência erótica (Freud, 1908/1969).

Vale dizer, Freud destacou que a normalização do erotismo, para retomar um conceito de Foucault (1976), que se evidencia pela valoração do objeto na experiência de satisfação, é a condição de possibilidade para o incremento das "doenças nervosas" na modernidade. A psicanálise se constituiu para criticar este processo e oferecer alternativas para isso (Freud, 1908/1969). Portanto, formular que a sexualidade é perverso-polimorfa e infantil e que, além disso, o objeto seria o mais variável no circuito da pulsão foram as formas que Freud (1905/1962) encontrou para criticar a fixidez do objeto na modernidade e relançar as intensidades. Portanto, para criticar a normalização e a moralização no campo do erotismo, Freud retomou a leitura dos antigos sobre este.

Porém, em "O mal-estar na civilização", Freud (1930/1971) construiu outra leitura do mal-estar, na qual enfatizou os registros da violência e da crueldade nas formas modernas de subjetivação. Com efeito, a pulsão de destruição seria a resultante da desintrincação entre as pulsões de vida e de morte (Freud, 1920/1981) que produziria o incremento do sadismo e do masoquismo (Freud, 1930/1971) nas subjetivações da dor e do sofrimento. Lacan (1938/1984), em Os complexos familiares na formação do indivíduo, retomou Freud, enfatizando que o mal-estar moderno e a formação da psicanálise eram decorrências da humilhação moderna da figura do pai. Podemos sustentar, portanto, que o mal-estar não apenas é constitutivo da psicanálise, como também assume formas que apresentam variações na modernidade e na contemporaneidade. Com efeito, as formulações de Freud, assim como as de Lacan, já indicam isso.

Portanto, se a psicanálise se constituiu como contraponto ao mal-estar, pode-se enunciar agora uma terceira proposição sobre os paradigmas. Se as formas do mal-estar são variações histórico-sociais no que concerne às subjetivações, os paradigmas na psicanálise são formulações diferentes para dar conta destas variações do mal-estar. Nesta perspectiva, a formulação de diferentes paradigmas são respostas do campo psicanalítico para se confrontar com a emergência de novas modalidades de mal-estar. Por isso mesmo, tais paradigmas devem ser diferentes, pois a materialidade destes é também diferente, pelas variações históricas do mal-estar, na modernidade e na contemporaneidade.

Porém, para que os paradigmas fossem construídos, era necessário ainda que as variações histórico-sociais do mal-estar, articuladas nas formas de subjetivação, fossem moduladas no registro clínico. Foi pela mediação destas variações que os paradigmas foram construídos.

 

Histeria e normalização do erotismo

A leitura dos diferentes paradigmas coloca em evidência o privilégio, em cada um deles, de um campo clínico de referência. Esta formulação pressupõe uma outra, que é anterior, segundo a qual as construções metapsicológicas visam dar conta da experiência analítica e fornecem matéria-prima para as outras (Birman, 1988). Porém, se a experiência clínica evidencia o mal-estar, para a teorização do mesmo seria necessário enfatizar determinada forma de sofrimento e de dor. Assim, um modelo clínico é privilegiado na metapsicologia. Contudo, a escolha deste modelo não é arbitrária: se imporia pela sua importância em um contexto histórico e social, pois se evidenciaria como sofrimento e dor nas subjetividades.

Desta maneira, o modelo clínico inicial escolhido por Freud foi o da histeria. Era ela que ocupava a posição de destaque no mal-estar moderno desde a segunda metade do século XIX. Foi sobre esse modelo clínico que se apoiaram então os discursos psicopatológicos, de Charcot a Bernheim, de maneira que o discurso freudiano foi resultante disso, ao realizar a leitura do mal-estar moderno pelo viés da histeria (Freud & Breuer, 1896/1971).

Foi pela leitura da histeria que o paradigma da divisão psíquica pôde ser formulado e o registro do inconsciente pôde ser contraposto ao do pré-inconsciente/consciência (Freud, 1900/1967), em conjunção com a existência da conflitualidade psíquica fundada no dualismo pulsional estabelecido entre os registros da pulsão sexual e da autoconservação (Freud, 1905/1962). Portanto, era a sexualidade que estava em pauta na regulação pela moral sexual civilizada (Freud, 1908/1969) e que culminou com a leitura do mal-estar moderno, o que evidenciou a normalização do erotismo. Enfim, o modelo da histeria, concebido pelas linhas de forças acima (Freud & Breuer, 1896/1971), foi transposto, em seguida, para o campo das psiconeuroses de defesa (Freud, 1894/1973; 1896/1973).

Pode-se sustentar assim que o modelo da histeria foi a base para a constituição do paradigma inicial do discurso freudiano, na medida em que foi alçado à condição de privilégio na leitura do mal-estar. Foi pela mediação desse modelo que as formas modernas de subjetivação (Foucault, 1976) puderam ser colocadas em evidência.

Melancolia, trauma e disseminação da violência

Com o incremento da violência e da crueldade nos anos 10 do século XX, o paradigma freudiano inicial foi questionado. Assim, a explosão da 1ª Grande Guerra indicou uma inflexão nas subjetivações, de maneira que a perda (Freud, 1915/1968) e o trauma (Freud, 1920/1981) foram colocados na cena do novo paradigma freudiano.

Surpreendido com o alto nível de violência perpetrado pela 1ª Grande Guerra, Freud (1915/1981) teve que constatar que a interdição de matar era válida em condições de paz e que a autorização para matar era o imperativo na guerra. Assim, se o Estado interditava a violência e a morte na paz, no perímetro de seu Estado-nação, em contrapartida incentivava a crueldade na guerra. Com isso, a constituição da ordem social na modernidade, empreendida em Totem e tabu (Freud, 1913/1975), fundada na desconstrução da condição de exceção do pai da horda primitiva e da disseminação da igualdade dos cidadãos, caiu por terra.

Neste contexto, a França, a Alemanha e a Inglaterra, vanguardas do processo civilizatório pelos seus altos níveis científico e econômico, evidenciavam nas guerras a fragilidade da razão para se contrapor à barbárie. Do ponto de vista ético, com efeito, a modernidade estaria mais próxima da barbárie do que as sociedades primeiras, estas bem mais civilizadas, pois respeitavam o interdito de matar. Portanto, Freud (1915/1981) criticou o modelo evolucionista do Ocidente desde o século XIX, indicando que a barbárie se inscrevia na civilidade ocidental e não nas sociedades primeiras.

Em seguida, em "Psicologia das massas e análise do eu" (Freud, 1921/1981), o discurso freudiano inscreveu no Estado-nação na paz o que já delineara nas relações entre os Estados-nação na guerra. Com efeito, a violência se disseminaria nos Estados-nação, pelo narcisismo das pequenas diferenças, nas escalas individual e coletiva. Vale dizer, a moral na guerra promoveria as mesmas relações que na paz pela impossibilidade dos cidadãos de respeitarem as diferenças. Assim, a tese de Totem e tabu (Freud, 1913/1975) foi desconstruída em "Psicologia das massas e análise do eu", quando Freud (1921/1981) enunciou que o homem seria um animal de horda e de massa, pois buscaria se instituir como exceção. O desdobramento disso foi formulado em "Análise terminável e interminável" quando Freud (1938/1986) enunciou que existiam práticas sociais impossíveis, quais sejam, educar, governar e analisar, pois as pulsões não seriam disciplinadas e por isso a condição de horda se inscrevia no sujeito.

A construção do novo paradigma se apoiou nestas linhas de força. Assim, Freud (1920/1981) enunciou o conceito de pulsão de destruição em um outro dualismo pulsional, estabelecido entre as pulsões de vida e de morte. Foi neste contexto que o masoquismo, como forma primária de subjetivação, passou a se opor ao sadismo (Freud, 1920/1974), em outras bases, opostas ao que fora estabelecido antes (Freud, 1905/1962).

Assim, a experiência da perda foi colocada no centro do novo paradigma, indicando a importância da melancolia. Ao lado disso, o modelo do trauma passou a ser igualmente privilegiado na sua conjunção com o da perda (Freud, 1915/1968), colocando em evidência a compulsão à repetição (Freud, 1920/1981) no horizonte do mal-estar. Este passou a ser interpretado pelos modelos da melancolia e do trauma, que se disseminaram como signos do mal-estar na modernidade.

 

As psicoses em questão

Os paradigmas de M. Klein e Lacan seguiram as bases do segundo paradigma freudiano, pois privilegiaram a violência e a crueldade do sujeito. O cenário foi o efeito devastador da 2ª Grande Guerra, precedido pelo confronto político nos anos 30, que resultou no holocausto dos judeus e na bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, que selou este processo.

Assim, tanto M. Klein quanto Lacan trilharam as linhas da segunda tópica e da segunda teoria das pulsões do discurso freudiano (Freud, 1923/1981), enfatizando os efeitos da pulsão de destruição, do masoquismo e do sadismo, assim como a divisão tópica do psiquismo. Com efeito, se Klein (1949/1975) destacou a importância das posições esquizo-paranoide e depressiva como formas de subjetivação, Lacan (1949/1966) formulou a importância do estádio do espelho. Para ambos a problemática da pulsão de morte estaria no centro das reconstruções paradigmáticas.

Porém no modelo da clínica M. Klein e Lacan se apoiaram em registros diferentes. Se M. Klein (1949/1975) se apoiou na psicose maníaco-depressiva e na esquizofrenia na leitura do mal-estar na modernidade avançada, Lacan (1933/1975) se apoiou na paranoia. Foi sobre tais modelos que construíram os seus paradigmas. Por isso, para ambos, a experiência analítica se apoiou em novas coordenadas, pelas quais, diferente de Freud, a transferência negativa seria o norte. Baseando-se na paranoia e no estádio do espelho, Lacan constituiu os fundamentos de uma criminologia psicanalítica (Lacan & Cénac, 1950) para dar conta da violência na modernidade avançada. Seriam estes os signos do mal-estar a serem elucidados pela paranoia como forma de subjetivação.

Portanto, M. Klein e Lacan reconfiguraram o paradigma existente pela atribuição das psicoses esquizofrênica e maníaco-depressiva, e da paranoia, como modelos do mal-estar. Enfim, as psicoses foram colocadas em cena na leitura do mal-estar e dos paradigmas.

 

Estados-limites e função materna

Winnicott (1975) apresentou outro modelo clínico, baseado nos estados limites (Pontalis, 1988), para a leitura do mal-estar na contemporaneidade. O que estava agora em pauta a era a importância da figura da mãe suficientemente boa, assim como do objeto transicional no psiquismo.

Porém é preciso enfatizar que este paradigma é inseparável das novas condições do mal-estar na contemporaneidade, na qual a função materna foi transformada de ponta-cabeça pela nova posição das mulheres no espaço social desde os anos 50 do século passado. Com efeito, através do movimento feminista, as mulheres adquiriram outra posição, passando a reivindicar outras condições existenciais além da maternidade. Apoiando-se nas tecnologias anticoncepcionais, que separaram os registros da reprodução e do desejo, o feminismo possibilitou uma real autonomia para as mulheres, transformando as condições da maternagem na contemporaneidade (Birman, 2007).

A disseminação do narcisismo negativo e dos estados-limite foi a matéria prima para a construção deste paradigma (Birman, 2007). Por conta disso, a leitura empreendida por Ferenczi, desde os anos 20, foi retomada nos anos 70 do século passado, pois já realizava a leitura dos processos de desnarcisação e das novas formas de divisão psíquica (Birman, 2009), que foram retomados por Winnicott (1975) em outras bases. Contudo, foram as condições do mal-estar na contemporaneidade, polarizadas entre a desnarcisação e o exercício da função materna, que orientaram o novo paradigma.

 

Mal-estar e biopolítica

Porém isso não é tudo. Se até agora sustentei que se os paradigmas em psicanálise são incomparáveis e que esta incomparabilidade se articulava com o mal-estar na modernidade e na contemporaneidade, isto se evidência pelo privilégio concedido a certos modelos clínicos que fizeram a leitura do mal-estar. Além disso, se os paradigmas remetem a objetos teóricos diferentes, eles se constituem como discursividades (Foucault, 1969/1994), apesar de participarem de um mesmo continente do saber (Althusser, 1969).

No entanto, se o mal-estar se inscreve na modernidade e na contemporaneidade, é preciso empreender outra inflexão teórica para que se consubstancie a materialidade das formas de mal-estar. Assim, é preciso que articulemos as leituras do mal-estar ao campo da biopolítica tal como enunciado por Foucault (2004a). Se a disciplina e a normalização tinham como alvo a construção da anatomopolítica dos corpos (Foucault, 1974), a biopolítica se constituiu para programação da espécie (Foucault, 1997). Por conta disso, a sexualidade foi crucial para a biopolítica, pois foi pela sua mediação que o futuro da espécie foi planejado.

Como se sabe, a sexualidade foi crucial na constituição da psicanálise e se evidenciou pelas diferentes leituras das pulsões. Se inicialmente Freud (1905/1962) estabeleceu a oposição entre a pulsão sexual e a de autoconservação, posteriormente ele estabeleceu a oposição entre as pulsões de vida e de morte (Freud, 1920/1981). Nesta última oposição, a pulsão sexual foi inscrita no campo da pulsão de vida. No intervalo entre estas, o discurso freudiano concebeu a pulsão de autoconservação como pulsão do eu (Freud, 1910/1973), de maneira a opor a sexualidade ao eu.

Se estas oposições fundamentaram a divisão estrutural e a conflitualidade psíquica, remeteram também à oposição entre os interesses do indivíduo (eu) e os da espécie. O que estava em pauta para Freud (1920/1981) era a conflitualidade entre os interesses eróticos do sujeito e os da reprodução da espécie. Portanto, entre os imperativos do gozo e os da reprodução da espécie, as oposições entre as pulsões evidenciavam a conflitualidade psíquica que marcava o sujeito. Portanto, fragmentada entre os registros do indivíduo e da espécie, a sexualidade se inscrevia no campo da biopolítica. Além disso, pela mediação que empreendiam entre a natureza e a sociedade, as pulsões eram o alvo da biopolítica. Por isso mesmo, o mal-estar se inscrevia no campo da biopolítica, pois colocava em evidência a conflitualidade entre os interesses do sujeito e os da espécie.

Os discursos de M. Klein e de Lacan se aproximaram de Freud, pois a base pulsional do psiquismo foi mantida, apesar das diferentes leituras sobre as pulsões. Porém essa base foi questionada por Winnicott (1975), que se centrou na continuidade do ser do infante em conjunção com a função materna.

Esta divisão entre os paradigmas remete para tempos diferentes da biopolítica. Se os paradigmas formulados por Freud remetiam à modernidade e os de M. Klein e Lacan à modernidade avançada, os de Winnicott eram reenviados à contemporaneidade. É esta tese que quero demonstrar para sustentar a conjunção das problemáticas do mal-estar e da biopolítica.

 

Transformações nos campos do mal-estar e da biopolítica

A emergência da biopolítica implicou na transformação da população em objeto de poder (Foucault, 2004b). Para isso uma transformação anterior no que concerne à riqueza se realizou. Com efeito, esta transformação foi concebida na modernidade pela qualidade de vida da população do Estado-nação e não mais pela extensão territorial e pelas riquezas nesta existente (Foucault, 1976). Foi a qualidade de vida da população que se tornou decisiva na avaliação da riqueza dos Estados-nação.

Quais seriam os indicadores da qualidade de vida? Antes de tudo, a saúde. Assim, quanto mais saudável fosse a população, maior seria a riqueza do Estado. Em seguida, a educação, pois uma população bem educada seria um signo de riqueza (Foucault, 1976). Enfim, as condições de saúde e de educação foram destacadas na avaliação da qualidade de vida desde o final do século XVIII no Ocidente.

A Organização das Nações Unidas, desde o final dos anos 40 do século passado, transformou estes indicadores no Índice do Desenvolvimento Humano (IDM) para comparar os desenvolvimentos dos diversos Estados. Tal concepção do desenvolvimento, presente nos Estados, estava presente desde o final do século XVIII, mas foi posteriormente sistematizada pela ONU para nortear as suas políticas sociais.

Foi pela constituição destes indicadores da qualidade de vida que se empreendeu o projeto de medicalização e o de educação obrigatória (Foucault, 1976). Com efeito, a medicina foi o primeiro modelo de normalização no Ocidente, constituindo os dispositivos disciplinares, que foram disseminados para outros territórios sociais na modernidade. Pela constituição dos registros do normal, do anormal e do patológico, o discurso da medicina, como clínica e como medicina social, foi o modelo antropológico para a constituição das ciências humanas (Foucault, 1963).

Porém, se a qualidade de vida da população definia a riqueza dos Estados, seria necessário investir na infância para a produção futura da riqueza. Assim a infância passou a ser alvo de investimentos desde então, na medida em que condensava o capital econômico e simbólico da nação. Por isso, a infância foi crucial na nossa tradição desde o século XIX e a problemática do infantil foi fundamental na leitura do psiquismo pela psicanálise. Porém, se o registro do infantil não remete ao da infância, isto evidencia a tensão existente entre os registros do mal-estar e o da biopolítica. Se um visaria à normalização, o outro evidenciaria as resistências dos sujeitos a este processo. Portanto, o campo do mal-estar se configura pelas linhas de força estabelecidas pela biopolítica.

Assim, a família nuclear moderna e o privilégio conferido à infância foram os dispositivos para a realização da normalização e da biopolítica. Por isso, a mulher foi cristalizada na figura da maternidade para possibilitar a ordem da família e o corpo infantil. Além disso, foi como mãe que a mulher realizou a mediação entre a família, a medicina e a escola.

Se a infância foi superinvestida pelos cuidados maternos, constituindo a sexualidade perverso-polimorfa (Freud, 1905/1962), de forma que a criança foi alçada à condição de soberania e de majestade (Freud, 1914/1973), a mulher evidenciava o mal-estar na sua constituição psíquica. Com efeito, Freud (1908/1969) dizia em "A moral sexual 'civilizada' e a doença nervosa dos tempos modernos" que a mulher pagou um preço maior do que o homem na constituição da modernidade.

Assim, Freud delineou o mal-estar na mulher pela disseminação da histeria, pela qual as mulheres resistiriam à redução delas ao espartilho da condição materna. Pelo erotismo e pela recusa à diferença sexual, a mulher resistia à sua redução à condição materna (Birman, 2007). Porém a disseminação da melancolia feminina seria o signo da derrota das mulheres neste embate. No entanto, pela histeria e pela melancolia, o que estava em pauta era o masoquismo como forma privilegiada de subjetivação feminina.

A célebre inveja do pênis, descrita por Freud (1905/1962) como signo da subjetividade da mulher, se inscreve neste contexto biopolítico. Porém a inveja como marca psíquica dos bebês face à figura da mãe onipotente se inscreve neste mesmo contexto na descrição de M. Klein (1949/1975). Além disso, a inveja dos homens face às mulheres pela potência da maternidade foi a tentativa de reversão feminina face à inveja do pênis - e forjada no mesmo contexto. Finalmente, a disputa entre as mulheres para estabelecer quem seria mais onipotente, delineada por Lacan (1933/1975) no crime das irmãs Papin e no caso Aimée, se inscreve no mesmo contexto biopolítico.

Se a inveja se deslocou do campo das mulheres em relação aos homens para se estabelecer no interior do campo das mulheres e no campo dos bebês face à mãe, isso evidencia a transformação da modernidade para a modernidade avançada. No entanto, o destaque da inveja indica que foi a questão do poder que se colocou em pauta na economia do sujeito - em um campo marcado pela desigualdade entre os gêneros e entre os indivíduos.

Contudo, na contemporaneidade o que ficou em pauta foi a saída das mulheres da condição materna, buscando outras posições no espaço social. Isso indica que a criança não tem hoje a mesma posição, de capital simbólico e capital econômico, que na modernidade e na modernidade avançada. Foi esta a transformação biopolítica da contemporaneidade.

 

Jogos de verdade e discursividade

Para completar esta incursão nas diferenças dos paradigmas, é necessário realizar uma última interpretação. Assim, se a psicanálise é uma formação discursiva e não uma ciência, é preciso dizer que a experiência analítica é a invenção pelo sujeito de uma prática de si que se constituiu na modernidade, mas que se manteve na modernidade avançada e na contemporaneidade. Isso porque as práticas de subjetivação se inscrevem na experiência analítica de forma crucial. Portanto, as diferentes práticas analíticas são formas de cuidado de si para o sujeito lidar com o mal-estar produzido pela normalização e pela biopolítica.

Enquanto técnicas de si, os diferentes paradigmas na psicanálise, em contextos biopolíticos diversos, foram as condições de possibilidade para a construção de diferentes jogos de verdade, tal como enunciou Foucault (1988), o que remete à formulação de Wittgenstein (1961) sobre os jogos de linguagem, em Investigações filosóficas. Portanto, os diferentes jogos de verdade na análise remetem aos diferentes paradigmas como discursividades, indicando a diferença das práticas analíticas.

Se variações históricas do mal-estar remetem a variações da biopolítica, ambas convergem para a constituição de múltiplas técnicas de si que, como jogos de verdade e formas de subjetivação, se materializariam na experiência analítica. Por isso os diferentes paradigmas produzidos na história da psicanálise seriam também incomparáveis.

 

Referências bibliográficas

Althusser, L. (1965). Pour Marx. Paris: Maspéro.         [ Links ]

Althusser, L. (1969). Lenine et la philosophie. Paris: Maspéro.         [ Links ]

Althusser, L. (1976). Freud et Lacan. In: Althusser, L. Positions (pp. 23-52). Paris: Sociales.         [ Links ]

Althusser, L. e col. (1965). Lire le Capital. Paris: Maspéro.         [ Links ]

Bachelard, G. (1975). La formation de l'esprit scientifique. Paris: Vrin, 9ª edição.         [ Links ]

Birman, J. (1988). Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relume Dumará         [ Links ].

Birman, J. (1994). A ética da psicanálise e a moral das instituições psicanalíticas. In: Birman, J. Psicanálise, ciência e cultura (pp. 145-160). Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Birman, J. (2007). Laços e desenlaces na contemporaneidade. Jornal de Psicanálise, 40(72),47-73.         [ Links ]

Birman, J. (2009). A reconstrução do discurso psicanalítico. Ferenzi e Lacan. Tempo Psicanalítico, 41(2),329-343.         [ Links ]

Braudel, F. (1978). História e Ciências Sociais. A longa duração. In: Braudel, F. Escritos sobre a História (pp. 41-78). São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Canguilhem, G. (1968). L'objet de l'histoire de la science. In: Canguilhem, G. Études d'histoire et d'epistemologie des sciences (pp. 9-23). Paris: Vrin.         [ Links ]

Deleuze, G. (1968). Différence et repetition. Paris: PUF.         [ Links ]

Einstein, A. & Infeld, L. (1966). A evolução da física. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Ferenczi, S. (1929/1982). Príncipe de relaxation et neocatharsis. In: Ferenczi, S. Psychanalyse IV. Oeuvres completes, IV, 468-489. Paris: Payot.         [ Links ]

Fichant, M. (1973). L'epistémologie en France. In: Châtelet, G. Histoire de la philosophies. v. 8, 135-178. XXeme siècle. Paris: Hachette.         [ Links ]

Foucault, M. (1960/1972). Histoire de la folie à l'âge classique. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1963). Naissance de la clinique. Paris: PUF.         [ Links ]

Foucault, M. (1966). Les mots et les choses. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1968/1994). Nietzsche, Freud, Marx. In: Foucault, M. Dits et écrits, v. I, 183-200. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1969/1994). Qu'est-ce qu'un auteur? In: Foucault, M. Dits et écrits, v. I, 817-849. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1969). L'archéologie du savoir. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1974). Surveiller et punir. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1976). La volonté de savoir. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1988/1994). Les techniques de soi. In: Foucault, M. Dits et écrits, v. IV, 16-49. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (1997). Il faut défendre la société. Paris: Gallimard/Seuil.         [ Links ]

Foucault, M. (2004a). Naissance de la biopolitique. Paris: Gallimard/Seuil.         [ Links ]

Foucault, M. (2004b). Securité, territoire, population. Paris: Gallimard/Seuil.         [ Links ]

Freud, S. (1894/1973). Les psychonévroses de défense. In: Freud, S. Névrose, psychose et perversion (pp. 1-14). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1896/1973). Nouvelles remarques sur les psychonévroses de défense. Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1900/1967). L'interprétation des rêves. Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1905/1953). De la psychothérapie. In: Freud, S. La technique psychanalytique (pp. 9-22). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1905/1962). Trois essais sur la théorie de la sexualité. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Freud, S. (1908/1969). La morale sexuelle "civilisée" et les maladies nerveuses des temps modernes. In: Freud, S. La vie sexuelle (pp. 28-46). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1910/1973). Le trouble psychogène de la vision dans la conception psychanalytique. In: Freud, S. Névrose, psychose et perversion (pp. 179-186). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1913/1975). Totem et tabou. Paris: Payot.         [ Links ]

Freud, S. (1914/1984). Histoire du mouvement psychanalytique. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Freud, S. (1914/1973). Pour introduire le narcisisme. In: Freud, S. La vie sexuelle (pp. 88-105). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1915/1981). Considérations actuelles sur la guerre et la mort. In: Freud, S. Essais de psychanalyse (pp. 7-40). Paris: Payot.         [ Links ]

Freud, S. (1915/1968). Deuil et melancolie. In: Freud, S. Métapsychologie (pp. 145-171). Paris: Gallimard.         [ Links ]

Freud, S. (1920/1973). Le problème économique du masochisme. In: Freud, S. Névrose, psychose et perversion (pp. 287-297). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1920/1981). Au-delà du principe du plaisir. In: Freud, S. Essais de psychanalyse (pp. 7-81). Paris: Payot.         [ Links ]

Freud, S. (1921/1981). Psychologie de foules et analyse du moi. In: Freud, S. Essais de psychanalyse (pp. 117-127). Paris: Payot.         [ Links ]

Freud, S. (1923/1981). Le moi et le ça. In: Freud, S. Essais de psychanalyse (pp. 219-275). Paris: Payot.         [ Links ]

Freud, S. (1926/1973). Inhibition, symptôme et angoisse. Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1930/1971). Malaise dans la civilization. Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. (1938/1986). Analyse avec fin et analyse sans fin. In: Freud, S. Résultats, idées, problèmes (pp. 231-268). Paris: PUF.         [ Links ]

Freud, S. & Breuer, J. (1896/1971). Études sur l'hystérie. Paris: PUF.         [ Links ]

Gaukroger, S. (1610-1685/2006). The emergence of a scientific culture: science and the shaping of modernity. Oxford: Clarendan Press.         [ Links ]

Jung, C. G. (1911-1912/1974). Symbols of transformations. In: Jung, C. G. The collected works of C. G. Jung, v. 5. Londres: Routeledge & Kegan Paul.         [ Links ]

Klein, M. (1949/1975). Love, guilt and reparation. Londres: Hogarth Press.         [ Links ]

Koyré, A. (1966). Études Galiléennes. Paris: Hermann.         [ Links ]

Koyré, A. (1968). Études Newtoniennes. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Koyré, A. (1972). Du univers clos à l'univers infini. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Kuhn, T. (1970). The structure of scientific revolution. Chicago: The University of Chicago Press.         [ Links ]

Lacan, J. (1933/1975). Motifs du crime paranoïaque: le crime des soeurs Papin. In: Lacan, J. De la psychose paranoïque dans sus rapports avec la personalité suivi de Premiers écrits sur la paranoïa (pp. 25-28). Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1938/1984). Les complexes familiaux dans la formation de l'individu. Paris: Navarin.         [ Links ]

Lacan, J. (1945/1966). Le temps logique et l'assertion de certitude antecipée. Écrits. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1949/1966). Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je. Écrits. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1953/1966). Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse. Écrits. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1956/1966). Situation de la psychanalyse en 1956. Écrits. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1957/1966). La psychanalyse et son enseignement. Écrits. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1964/1973). Le séminaire, livre XI: les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. (1969-1970/1991). Le séminaire, livre XVII: l'envers de la psychanalyse. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lacan, J. & Cénac, M. (1950). Introduction théorique sur les functions de la psychanalyse en criminologie. Écrits. Paris: PUF.         [ Links ]

Nietzsche, F. (1971). Généalogie de la morale. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Pontalis, J.-B. (1988). Perdre de vue. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Rank, O. (1924/1976). Le traumatisme de la naissance. Paris: Payot.         [ Links ]

Winnicott, D.W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Wittgenstein, L. (1961). Investigations philosophiques. Tractatus logico-philosophicus suivi de Investigations philosophiques. Paris: Gallimard.         [ Links ]

 

 

Recebido em 19 de junho de 2012
Aceito para publicação em 29 de janeiro de 2013