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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.46 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2014

 

ARTIGOS

 

Sobre a inserção e o lugar do psicanalista na equipe de saúde

 

About the insertion and the place of the psychoanalyst at the health care team

 

 

Maria Lívia Tourinho Moretto*; Léia Priszkulnik**

Universidade de São Paulo - Brasil

 

 


RESUMO

O trabalho do psicanalista na Instituição de Saúde se faz na articulação da clínica com a teoria. É da responsabilidade do psicanalista a transmissão do saber que ali se constrói, posto que interessa ao psicanalista uma teoria da prática clínica, especialmente porque o fato de esta clínica ocorrer na instituição produz consequências tanto para a clínica quanto para a instituição. Este artigo apresenta e discute a noção de inserção do psicanalista na equipe de saúde como um processo e não um fato. Partimos do princípio de que entrar para trabalhar em uma equipe numa Instituição de Saúde não equivale a estar inserido nela. Chamamos de inserção o processo de construção de um lugar do qual o psicanalista possa operar, ressaltando que este lugar não é dado de antemão. É a formação continuada que lhe permite suportar essa construção, na articulação com os diferentes discursos e nas diferentes ancoragens éticas.

Palavras-chave: psicanalistas; instituições de saúde; equipes de assistência ao paciente; psicanálise aplicada; psicologia.


ABSTRACT

The psychoanalyst's work at the Health Institution is done by articulating the clinic with the theory. It is the psychoanalyst's responsibility the transmission of knowledge that is built there, since the psychoanalyst is interested in a theory of clinical practice, especially because that clinic occurs at the institution, and it produces consequences in both: clinic and institution. This paper presents and discusses the notion of insertion of the analyst in the health team as a process, not as a fact. We assume that to enter in a team in a health institution is not the same as to be inserted in it. We define insertion as a construction process of the place where the psychoanalyst can operate, reminding that this place is not given beforehand. It is the continued formation that allows him to support such construction, by articulating his discourse with other different discourses at the different ethical references.

Keywords: psychoanalysts, health institutions, patient care team, applied psychoanalysis, psychology.


 

 

O trabalho do psicanalista na Instituição de Saúde se faz na articulação da clínica com a teoria. É da responsabilidade do psicanalista a transmissão do saber que ali se constrói, a partir do seu trabalho com pacientes e equipe, posto que interessa ao psicanalista uma teoria da prática clínica, especialmente porque o fato de esta clínica ocorrer na Instituição de Saúde produz consequências tanto para a clínica quanto para a própria Instituição.

Dito de outro modo: cabe ao psicanalista que trabalha na Instituição de Saúde, ao fundamentar sua prática, a tarefa de presentificar a Psicanálise no mundo, isto é, fazer a extensão da Psicanálise, tal como propôs Lacan (1967/2003) na "Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola".

Este artigo apresenta e discute a noção de inserção do psicanalista na equipe de saúde como um processo e, ao mesmo tempo, um pré-requisito para que se faça Psicanálise em extensão. Ou seja, partimos do princípio de que entrar para trabalhar em uma equipe numa Instituição de Saúde não equivale a estar inserido nela e que é por meio do processo de inserção do psicanalista na equipe que ele pode operar.

De acordo com Nogueira (2004), a respeito de métodos de pesquisa em psicanálise, primeiro o psicanalista deve descrever sua experiência, para só depois trabalhar na formalização e na conceitualização da mesma. Apesar de haver sempre uma distância entre uma experiência original e sua transmissão, este texto reflete uma tentativa de transmitir algum saber a respeito da questão da inserção e do lugar do psicanalista na equipe de saúde a partir da experiência singular que nos permitiu construir, por meio da formalização teórica, um dispositivo de trabalho.

Este, no entanto, não se apresenta como modelo, posto que não se faz generalizável, mas é um dispositivo que convoca de cada profissional que por ele se interessar a responsabilidade da reflexão, da análise e da possibilidade de sua aplicação no caso a caso, deste modo pretendendo facilitar a construção de caminhos específicos.

A entrada de um psicanalista numa Instituição de Saúde não corresponde, necessariamente, à sua inserção, assim como o lugar do psicanalista numa equipe de saúde não corresponde a uma vaga disponível no quadro funcional de uma instituição. É um lugar que precisa ser construído de modo a que ele, o psicanalista, possa operar. Chamemos de inserção o processo de construção desse lugar.

Mas quem constrói este lugar? De quem é a responsabilidade desta construção? Vejamos.

Embora estejamos falando da inserção e do lugar do psicanalista na equipe de saúde, é preciso dizer que a nossa experiência como supervisoras/orientadoras do trabalho de colegas em diversas Instituições de Saúde foi crucial para o desenvolvimento do que se segue. A Psicologia Hospitalar já existe há mais de cinco décadas no Brasil, mas muitas das questões colocadas em supervisão dizem respeito ao tema da inserção, em sua maioria por profissionais que não são, exatamente, iniciantes (Moretto, 1999).

É possível entender algumas das razões pelas quais um psicólogo, ao longo do seu caminho, encontra dificuldades que não são as mesmas encontradas por um psicanalista. E isso pode indicar a importância da transmissão do saber do psicanalista, podendo ser esta uma relevante contribuição da Psicanálise à Psicologia Hospitalar.

Se estamos abordando a inserção como um processo de construção de um lugar - e ainda, estamos questionando sobre quem constrói este lugar -, vale ressaltar que o que frequentemente encontramos, inicialmente, no discurso do profissional em supervisão é a ideia de que a inserção não só é importante, mas, especialmente, é para ele algo que teria o valor de pré-requisito para possibilitar seu trabalho na Instituição.

Geralmente a proposição inicial que parece ser levada em conta é a seguinte: "se há possibilidade de inserção, então posso trabalhar". Dificilmente se pensa a questão da inserção a partir de outro referencial que não seja como um pré-requisito para o trabalho. Vejamos o que a experiência psicanalítica na instituição nos permitiu construir.

Derivado do latim inserere, o verbo inserir indica "fazer entrar" (Ferreira, 2010). Inserir é um processo que implica a noção de "estar dentro". Estamos trabalhando, então, com um conceito que sugere claramente a questão da localização, ou melhor, um conceito que indica um lugar. O curioso aqui é que a experiência de entrada do profissional na equipe de saúde lhe possibilita a constatação seguinte: "é possível estar dentro sem estar inserido".

Sim, é isso que se pretende examinar. Suponhamos que a entrada para trabalhar na Instituição de Saúde coincida com a contratação. Para além do registro contratual, geralmente um objeto - como um crachá (ou algo do tipo) - também dá consistência a este contrato, garantindo e possibilitando acesso (quase sempre irrestrito) do novo funcionário às dependências da instituição.

Temos que, se a entrada é um fato marcado por um contrato, para entender que "entrada" não é "inserção", é preciso que fique claro que estamos falando de algo que vai para além do fato do contrato.

A "inserção" do psicanalista é um processo que tem a ver com o seu ato - o ato do psicanalista. Estamos falando de algo que tem a ver com um posicionamento simbólico, uma localização subjetiva, e que, portanto, leva em conta um processo psíquico que envolve, no mínimo, um "eu", um "outro"e uma estrutura que os contém e delimita de forma a garantir a qualidade de "dentro/fora" de qualquer que seja o elemento que a constitua.

Pode ser útil tomar como referência o que ocorre na clínica psicanalítica, na situação que se estabelece entre o analista e o analisando, no campo transferencial, quando se discute o tema da entrada em análise. Sabe-se bem que o fato de uma pessoa frequentar assiduamente o consultório de um analista, pagando com regularidade, não é suficiente para que se possa dizer que este alguém entrou em análise, posto que o que garante esta entrada não é, exclusivamente, o bom cumprimento de um contrato.

A entrada está relacionada com a posição que este sujeito assume perante o seu próprio sofrimento, com a demanda que dirige a esse Outro que é o analista e com o ato deste último, que autoriza ou não esta entrada, bancando suas consequências (Quinet, 2005).

Isto é para dizer que o processo de inserção do psicanalista na equipe tem sido por nós analisado como um processo psíquico que implica uma determinada posição em relação ao Outro, num campo específico, que permite esta delimitação momentânea e relativa do que é "dentro" e do que é "fora". Relativa porque esta questão da posição que se ocupa numa certa estrutura simbólica pode ser nomeada a partir de diferentes pontos de vista.

Estar "dentro" fisicamente não é estar inserido psiquicamente. Assim sendo, precisamos levar em conta a pergunta: se na Instituição de Saúde a inserção é um processo que ultrapassa a abertura e o preenchimento de vagas, quais as condições de possibilidade de inserção do psicanalista neste contexto?

O processo de inserção e o lugar do psicanalista na equipe de saúde estão relacionados com os dois aspectos seguintes:

a) O tipo de demanda que a equipe lhe dirige - que, por sua vez, é determinada pelo tipo de relação que a equipe estabelece com a subjetividade, sendo que é de acordo com esta relação que se pode verificar o tipo de postura que a equipe assume em relação à subjetividade do paciente, determinando, logicamente, o tipo de demanda apresentada ao psicanalista;
b) A forma pela qual esta demanda é escutada pelo analista e o tipo de resposta que a ela dá, favorecendo ou, até mesmo, impossibilitando a sua própria inserção.

Não é difícil supor por que os psicanalistas permanecem e sustentam o seu trabalho na Instituição de Saúde. Além do fato de terem escolhido se candidatar a uma vaga, são eles o alvo para o qual se dirigem as diversas e clássicas demandas para que tratem do sofrimento psíquico dos doentes. É tão frequente quanto compreensível que o profissional "psi" interesse à equipe de saúde pelo que ele pode fazer com o "lado" do doente que a Medicina não se propõe a tratar.

Mesmo tendo clara esta demanda, ainda não se pode falar de inserção porque estar inserido não é o mesmo que estar presente fisicamente, recebendo encaminhamentos, frequentando ambulatórios, enfermarias e reuniões. Portanto, até aqui, por estarmos considerando a inserção como um processo psíquico, vai depender muito mais do ato do analista frente às demandas que lhe são dirigidas do que de um contrato por ele assinado.

No trabalho de supervisão de colegas/alunos, com frequência colocam-se dificuldades de inserção relacionando-as com um fechamento/resistência por parte do outro/equipe - a mesma que solicitara sua presença (nem sempre sua inserção). Aí temos dois pontos fundamentais, que devem ser esclarecidos:

a) A ideia pré-concebida do próprio profissional de que a inserção de "um" (analista) depende da ação do "outro" (equipe) e não da inter-relação dos dois num campo;
b) A não consideração da possibilidade de diferença entre demandar trabalho e demandar presença.

No primeiro ponto, as dificuldades parecem surgir quando se toma a questão da inserção como um fato físico isolado. Assim, não é raro ouvirmos queixas, por parte dos colegas, de que se sentem excluídos pela equipe para a qual foram designados a trabalhar. Como se a inserção deles dependesse da boa vontade da equipe, antes mesmo de esta relação se estabelecer.

Aí ocorre também uma inversão importante, posto que normalmente um profissional é chamado a partir da necessidade de um queixante. Neste caso, quem se queixa é o profissional por não conseguir se inserir onde é convidado a entrar, mesmo sem saber exatamente para quê.

Desta forma, é passo fundamental do trabalho de inserção a apuração da demanda da equipe, até mesmo para que se possa avaliar quais são as reais condições de possibilidade dessa inserção. O processo de inserção do analista na equipe é algo que só pode ocorrer no próprio campo da relação estabelecida entre ambos.

Para localizar a inserção do analista no campo da relação dele com a equipe é preciso dizer que tal inserção só se dará a posteriori. Pela lógica, a rigor, não podemos dizer que alguém vai se inserir, mas que alguém se inseriu. Isto é algo que só podemos saber depois de estabelecido este campo. Só depois.

Portanto, estamos dizendo que a boa intenção de um profissional não é suficiente para que a inserção ocorra, assim como o ponto de vista pessoal ou a fantasia do médico em relação ao profissional (favorável ou não) também não é decisiva.

Então, como dissemos, a inserção do analista na equipe está mais diretamente relacionada com a demanda que lhe é dirigida e como ele responde a esta. O tipo de demanda dirigida ao analista decorre do tipo de relação que a equipe estabelece com a subjetividade dos pacientes e como lida com a sua própria, a partir do tipo de postura que assume quando deste surgimento de subjetividade na cena médica. É o que pretendemos ilustrar no esquema que se segue, na Figura 1:

Figura 1. Esquema de inserção do psicanalista na equipe de saúde

 

 

O esquema acima vem nos demonstrar que, a partir do ponto inicial - a relação equipe-subjetividade -, surgem duas possibilidades, e cada uma delas indica o posicionamento da equipe frente ao surgimento da subjetividade dos pacientes, o que pode nos remeter imediatamente à relação que cada membro da equipe guarda com a sua própria subjetividade.

Levando em conta o que Moretto (2008) discute a respeito das relações entre Psicanálise e Medicina, sendo o discurso médico aquele que se sustenta pelo imperativo metodológico da exclusão da subjetividade tanto do paciente quanto da pessoa do médico (em nome da própria execução do ato médico de salvar vidas), observa-se que esta mesma subjetividade excluída, quando retorna na cena médica, obedece à mesma lógica do que, em psicanálise, chama-se "retorno do recalcado", gerando dificuldades e estimulando o encaminhamento ao analista.

Seguindo passo a passo o esquema acima, consideremos, didaticamente, a existência de dois tipos de equipe que nomeamos como: equipe A e equipe B. Podemos dizer que, diante do surgimento da subjetividade na cena médica, e como consequência dele, ambas encontram-se em situação de dificuldade, sendo que a equipe A considera a subjetividade (mesmo quando a exclui), enquanto a equipe B a exclui (unicamente).

No entanto, vemos que, independentemente da posição que cada equipe assume frente ao surgimento da subjetividade e da dificuldade decorrente disso, ambas fazem o encaminhamento ao analista. O encaminhamento decorre da dificuldade.

Isso é para pensarmos que o encaminhamento que nos chega traz em si uma postura da equipe frente à subjetividade que, a priori, não é explícita, mas determina o tipo de demanda que, através deste encaminhamento, é feita ao analista. Este é um ponto importante porque nos permite diferenciar encaminhamento e demanda, e por isso o trabalho de apuração de demanda é importante, pois, inclusive, nos indica a direção da intervenção. Portanto, encaminhar não é necessariamente demandar, no sentido de desejar saber, assim como procurar um analista não é, necessariamente, a mesma coisa de desejar uma análise.

Isso nos leva a crer no que, infelizmente, não é claro, de imediato, para tantos colegas: sendo encaminhamento diferente de demanda, um número alto de encaminhamentos não corresponde necessariamente a demandas consistentes de intervenção do nosso trabalho no campo institucional, mas constitui indicador importante de que a equipe tem dificuldades com a subjetividade que surge na cena médica, o que não é a mesma coisa de querer que tratemos destas dificuldades.

Por outro lado, se em função da dificuldade que surge a partir da consideração da subjetividade o encaminhamento ao analista traz consigo a demanda de saber sobre isso - ou seja, quando se trata de um "querer saber sobre isso", como é o caso do que ocorre com a equipe A -, há um pedido de retorno do saber do analista, e aí podemos falar de possibilidade de inserção do analista na equipe, aproveitando para fazer a diferença entre a possibilidade de inserção e a inserção propriamente dita. A primeira tem a ver com a demanda da equipe de "querer saber sobre isso", enquanto a outra tem a ver com o ato do analista frente a esta demanda.

Se o encaminhamento ao analista decorrer da exclusão da subjetividade e das dificuldades a ela consequentes, portanto, de um "não querer saber nada sobre isso", não há demanda de retorno de saber. Temos aí o que denominamos "ponto-problema" no processo de inserção do analista na equipe B, o que para alguns profissionais às vezes é o suficiente para desistirem da empreitada, sentindo-se pessoalmente excluídos e desqualificados.

O analista da equipe A terá possibilidade de fazer um trabalho com o paciente (consulta) e com a própria equipe (interconsulta), tratando das dificuldades de ambos e podendo promover, como consequência, o que chamamos "trabalho em equipe" na instituição.

O analista da equipe B, ainda que possa tratar do paciente (consulta) sem o requisito básico da demanda da equipe, não consegue, a princípio, trabalhar com a mesma (interconsulta), terminando por fazer um trabalho isolado. De forma alguma o que se espera de um analista na instituição é a sua não-inserção na equipe, ainda que, do ponto de vista clínico, faça um trabalho importante com o paciente da instituição. Aí teríamos um trabalho isolado na vertente clínica, sem o trabalho na vertente institucional.

Para fazer um trabalho clínico isolado não é necessário estar na instituição. O fato de estar na instituição traz especificidades ao trabalho do analista que nela opera. Então, como lidar com a equipe do tipo B - que, cabe lembrar, é situação bastante conhecida? Como fazer esse giro de B para A? Trabalhando rigorosamente como analistas. Não temos outra saída a não ser sustentar o nosso discurso.

Assim sendo, o que vimos até aqui é que a inserção do analista no contexto hospitalar não é uma condição que lhe é dada. É resultado de seu próprio trabalho, decorre da responsabilidade de seu ato e não é um pré-requisito para que o trabalho aconteça. Se a proposição inicial era "se há possibilidade de inserção, então posso trabalhar", a proposição a que chegamos a partir desse dispositivo é outra: "Se posso trabalhar, então há possibilidade de inserção".

Por fim, tem-se que, na instituição pública de saúde, frequentemente os profissionais representantes das diferentes áreas de conhecimento reúnem-se em torno de um eixo temático, como, por exemplo, um caso clínico, um projeto terapêutico, em que cada um deve ser capaz de tornar ação o saber que decorre de sua posição frente aos outros.

O lugar do analista na equipe é um lugar de trabalho, de promoção de trabalho, e a inserção só é possível como consequência, a partir do estabelecimento de um campo de relação transferencial no qual o lugar de onde o psicanalista opera não corresponde, necessariamente, ao lugar no qual a equipe o coloca.

Sendo assim, superadas as dificuldades inerentes ao processo da inserção, passa a ser da responsabilidade do analista a discussão a respeito das dificuldades que ele encontra na sustentação do ato analítico, quando já está inserido. Mais, ainda, e justamente porque já está inserido, é que a responsabilidade da inserção aponta para a responsabilidade de suas consequências.

Faz-se necessário, a partir de então, compreender como se dá a sustentação desse lugar na equipe de saúde frente à diversidade dos discursos e das diferentes ancoragens éticas, lembrando que o analista inserido na equipe vai apresentar sua contribuição por meio de sua participação no campo das decisões interdisciplinares, e isso não se faz sem consequências nem para ele, nem para o paciente, nem para a instituição (Moretto, 2006).

É nesse ponto que ressaltamos a importância da formação do psicanalista para poder trabalhar em equipes, uma vez que a presença do psicanalista tem sido solicitada nas diferentes instituições e, obviamente, isso requer que os analistas sustentem teórica e clinicamente suas intervenções em campos mais amplos, sem perder de vista a especificidade e a Ética da Psicanálise, que está desarticulada dos ideais e do bem-estar.

Freud (1919/1976) já antevia a inserção do psicanalista no sistema público de saúde indicando claramente a importância de a formação do psicanalista ser ampla o suficiente de modo a que este não restringisse suas intervenções aos consultórios privados, apontando a clínica como um processo em constante construção.

A extensão da Psicanálise não implica em perda de rigor teórico e metodológico, nem dispensa os analistas de sua formação continuada. O tripé clássico da formação do psicanalista é a análise pessoal, o estudo teórico e a supervisão de casos. Aqui ressaltamos a importância da análise pessoal e, como enfatiza Priszkulnik (2009, p. 3), esta é "decisiva para que o profissional-analista consiga trabalhar e fazer trabalhar o paciente que procura ajuda, sem ter o desejo de curar, o desejo de normalizar, o desejo de educar ou de reeducar. Assim, uma análise, nesses casos, levada até o final, não pode deixar lugar a ilusões imaginárias".

É nesse sentido que Freud (1990), ao mesmo tempo que defende a presença da Psicanálise nas instituições, demonstra também sua preocupação com o interesse superficial pela psicanálise, com o interesse que não se aprofunda, pois "a popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem [...]. Pensam compreender algo da psicanálise porque brincam com seu jargão" (Freud, 1990, p. 121-122).

O lugar do psicanalista na equipe de saúde não é dado de antemão. É nesse sentido que dele é possível resvalar. O processo de inserção e a construção do lugar do psicanalista na equipe de saúde podem ocorrer se, e somente se, houver um psicanalista decidido ao trabalho.

 

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Quinet, A. (2005). As 4 + 1 condições da análise (10a ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

 

Artigo recebido em: 09/06/2014
Aprovado para publicação em: 11/08/2014

 

 

* Professora Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Docente, pesquisadora e orientadora da Graduação e da Pós-Graduação. Psicanalista.
** Professora Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Docente, pesquisadora e orientadora da Graduação e da Pós-Graduação. Psicanalista.