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Tempo psicanalitico

versión impresa ISSN 0101-4838versión On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.50 no.2 Rio de Janeiro jul./dic. 2018

 

DOSSIÊ

 

Angústia e vergonha na clínica psicanalítica em situações de pobreza e outras vulnerabilidades

 

Anguish and shame in the psychoanalytic clinic in poverty situations and other vulnerabilities

 

Angustia y vergüenza en la clínica psicoanalítica en situaciones de pobreza y otras vulnerabilidades

 

 

Karla Patrícia Holanda MartinsI, II*; Beatriz Sernache de Castro NevesII, III**; Érika Teles DauerI***; Iara Fernandes TeixeiraI****

IUniversidade Federal do Ceará - UFC - Brasil
IIAssociação Nacional de Pós-Graduação em Psicologia - ANPEPP - Brasil
IIIFaculdade Ari de Sá - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho se propõe lançar questões sob as condições de possibilidade de um trabalho analítico em contextos de privações diversas, caracterizados como contextos de vulnerabilidade, mediante dois operadores teóricos - a angústia e a vergonha. Diante das experiências de pesquisas anteriores com enfoque na constituição psíquica e no trabalho clínico-institucional com crianças desnutridas, deu-se a necessidade de desenvolver alguns apontamentos teóricos que nos ajudam a operar nesse trabalho. A realidade das famílias atendidas pela ONG Instituto da Primeira Infância - IPREDE, em Fortaleza-CE, é permeada pela convivência com a violência e com as dificuldades em relação às condições de vida que têm e o que podem oferecer aos filhos. Aliamos a nossa discussão analítica as contribuições que podem ser feitas por outros campos de saber, como a sociologia e a economia, buscando cada vez mais respeitar a complexidade dos fenômenos sociais e dos rearranjos que os sujeitos fazem para neles se encaixarem. Através da leitura freudiana da angústia, das novas proposições sobre uma metapsicologia da vergonha e da teoria do trauma de Ferenczi, buscamos entender o que pode a psicanálise nesses contextos ditos vulneráveis. Essa é uma questão sempre complexa, mas percebemos que clínica não é sinônimo apenas de consultório, mas também de espaços de expressão do sujeito do inconsciente, independentemente do lugar físico e da situação social na qual o sujeito se encontra.

Palavras-chave: angústia, vergonha, clínica, vulnerabilidades.


ABSTRACT

This paper proposes to launch questions under the conditions of possibility of an analytical work in contexts of various deprivations, characterized as contexts of vulnerability, through two theoretical operators - anguish and shame. Given the experiences of previous research with a focus on the psychic constitution and the clinical-institutional work with undernourished children, it was necessary to develop some theoretical notes that help us to operate in this work. The reality of the families assisted by the NGO Institute of Early Childhood - IPREDE, in Fortaleza-CE, is permeated by the coexistence with violence and the difficulties in relation to the conditions of life that they have and what they can offer their children. We attach our analytical discussion to the contributions that can be made by other fields of knowledge, such as sociology and economics, seeking to increasingly respect the complexity of the social phenomena and the rearrangements that the subjects make to fit them. Through the Freudian reading of anguish, new propositions about a metapsychology of shame and the theory of trauma of Ferenczi, we seek to understand what can psychoanalysis in these so-called vulnerable contexts. This is an always complex question, but we realize that clinical is not synonymous only with the office, but also with spaces of expression of the subject of the unconscious, regardless of the physical place and social situation to which the subject is.

Keywords: anguish, shame, clinic, vulnerabilities.


RESUMEN

Este trabajo se propone lanzar cuestiones bajo las condiciones de posibilidad de un trabajo analítico en contextos de privaciones diversas, caracterizados como contextos de vulnerabilidad, mediante dos operadores teóricos - la angustia y la vergüenza. Ante las experiencias de investigaciones anteriores con enfoque en la constitución psíquica y en el trabajo clínico-institucional con niños desnutridos, se dio la necesidad de desarrollar algunos apuntes teóricos que nos ayudan a operar en ese trabajo. La realidad de las familias atendidas por la ONG Instituto de la Primera Infancia - IPREDE, en Fortaleza-CE, está impregnada por la convivencia con la violencia y con las dificultades en relación a las condiciones de vida que tiene y lo que pueden ofrecer a los hijos. Al igual que nuestra discusión analítica las contribuciones que pueden ser hechas por otros campos de saber, como la sociología y la economía, buscando cada vez más respetar la complejidad de los fenómenos sociales y de los reajustes que los sujetos hacen para encajar en ellos. A través de la lectura freudiana de la angustia, de las nuevas proposiciones sobre una metapsicología de la vergüenza y de la teoría del trauma de Ferenczi, buscamos entender lo que puede el psicoanálisis en esos contextos llamados vulnerables. Esta es una cuestión siempre compleja, pero percibimos que clínica no es sinónimo sólo de consultorio, pero también de espacios de expresión del sujeto del inconsciente, independientemente del lugar físico y de la situación social a la que el sujeto se encuentra.

Palabras clave: angustia, vergüenza, clínica, vulnerabilidades.


 

 

Eu luto porque eu tenho que fazê-lo.
(Letra da música Wild hearts can't be broken - Pink)

 

Introdução

Ao se propor um trabalho de escuta clínica psicanalítica com populações em contextos de pobreza e outras vulnerabilidades sociais, inúmeros desafios são vivenciados, colocando em perspectiva a questão sobre o que pode a psicanálise nesses cenários. Dentre os afetos despertados pelo desamparo decorrente das vulnerabilidades em jogo, destaca-se aqui a impotência descrita por profissionais que atuam junto a essa realidade; em especial, quando se trabalha com a primeira infância, tanto no que diz respeito ao fato de a criança corporificar a esperança de um futuro melhor, quanto pelo fato de ela pertencer a e depender de uma rede familiar mais ampla, muitas vezes carregada de grande complexidade.

Em se tratando de afetos relativos à potência (e à impotência) do ato analítico, demarca-se o pertencimento dessa questão ao campo da clínica e da política, ao se considerar que o que está em jogo sobredetermina a responsabilidade e a ética da psicanálise e do psicanalista, conforme já assinalara Freud (1913/1996) em seus textos técnicos. Publicações de orientação psicanalítica realizados nos campos da saúde e da assistência social têm sublinhado impasses subjetivos experimentados por esses trabalhadores que se acrescentam da constatação das fronteiras tênues entre a psicanálise e as ciências sociais e políticas (Gaulejac, 1996/2008; Rosa, Estêvão, & Braga, 2017). As relações entre a construção da metapsicologia e da clínica freudiana e seus desdobramentos para uma teoria da cultura e da política já foram amplamente demonstradas (Aragão et al., 1991; Fuks, 2007; Koltai, 2012; Mezan, 1997; Perdomo e Cerruti, 2011; Rosa, Estêvão, & Braga, 2017; dentre muitos); todavia, a direção do trabalho de escuta psicanalítica dos sujeitos excluídos por suas condições econômicas e, ainda, étnicas, de gênero etc. insiste como questão sobre a responsabilidade do analista na atualidade de sua clínica.

No escopo deste artigo, os conceitos de angústia e vergonha, articulados à pobreza econômica e suas vulnerabilidades psíquicas e sociais, serão basilares para pensarmos como, nessas circunstâncias, podemos propor um trabalho de elaboração singular de experiências que são negadas como fatos históricos e culturais, ou ainda, que são desautorizadas ou tornadas indiferentes pelo Outro, constituindo-se, assim, como traumáticas. É essa a outra forma de indagarmos sobre o que pode a psicanálise na transformação dos destinos subjetivos das relações de poder, bem como na subversão do silenciamento proveniente de cenários nos quais a intensa angústia e a vergonha são os afetos predominantes nas formas de sofrimento apresentadas. Analistas propõem que, nessas circunstâncias, "a direção da escuta será separar a alienação estrutural do sujeito ao discurso do Outro da alienação ao discurso social e ideológico" (Rosa, Estêvão, & Braga, 2017, p. 367). Mas, também, segundo afirma Koltai (2011, p. 146):

[...] como analistas, isto nos leva a escutar a História com "H" maiúsculo que acompanha e emoldura aquela com "h" minúsculo, a do sujeito, ao mesmo tempo em que nos coloca perante a responsabilidade de poder ouvir a transmissão geracional tanto da destruição quanto da resistência a ela.

Desse modo, a sensibilidade do analista, reconhecida por Ferenczi (1928/1992) em seu conceito de tato, é um diapasão fundamental nos contextos das situações traumáticas que se caracterizam por sua natureza silenciosa, repetitiva e indizível. O contexto para pensarmos essa questão provém do trabalho com crianças desnutridas e da escuta clínica de suas mães, em uma instituição do terceiro setor, localizada em Fortaleza - o Instituto da Primeira Infância (IPREDE). A partir dessa experiência clínica e com aporte em outras produções a respeito, foi " permitido compreender como o encontro com uma presença sensível e com a oferta da escuta de um testemunho pode contribuir para atenuar o horror e o isolamento experimentados pelo sujeito traumatizado1" (Kupermann, 2009, p. 210, tradução nossa; Kupermann, & Martins, 2018). Martins e Kupermann (2017b) questionam, ainda, a respeito do sofrimento e do mal-estar que perpassa tal contexto:

Sous quelles formes les expériences passées sous silence dans la culture reviennent-elles dans les modes de figurabilité du mal-être et dans les formes de souffrance de ces mères et de ces enfants? Il s'agit d'une investigation clinique et historique, dans la mesure où la matrice symbolique de l'Autre primordial est également formée à partir des restes archéologiques d'une culture qui agissent en retour sur les formes de souffrance et de mal-être. Il est ainsi possible d'établir des relations entre les dénis culturels et certaines difficultés à établir des conditions nécessaires aux opérations primaires de symbolisation. Pour reprendre l'affirmation de Ferenczi, la perte du contenu de la réalité inclut la perte d'une représentation de soi dans le futur. La faim, dans le contexte en question, se voit accompagnée d'autres formes de violation de la dignité humaine et d'autres humiliations2 (Martins, & Kupermann, 2017b, p. 140).

Diante dessas premissas, a privação do alimento e suas formas correlativas de humilhação e perda da dignidade humana serão aqui tomadas como experiências traumáticas e relacionadas à vergonha como afeto dela proveniente (Martins; Kupermann, 2017a, 2017b).

Há três décadas, a referida instituição trabalha com o sintoma de desnutrição infantil em nível ambulatorial e desenvolve parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS). Originalmente f undada com o nome de Prevenção à Desnutrição e Excepcionalidade, o IPREDE, sigla que perdura até hoje, surge em um contexto em que se fazia necessária a assistência às famílias com casos de desnutrição. Todavia, a partir das ações desenvolvidas, foi verificada a necessidade de ultrapassar a problemática nutricional ao se constatar que as crianças atendidas apresentavam também importantes carências de ordem social. Desse modo, nos últimos anos, o trabalho realizado na instituição desloca-se do plano da desnutrição propriamente dita para uma esfera em que se contempla a constituição do sujeito, suas determinações inconscientes e, portanto, seu laço social.

As crianças ingressam na instituição na faixa etária entre zero e seis anos, geralmente encaminhadas por profissionais das Unidades Básicas de Saúde ou por demanda espontânea, devido a queixas nutricionais, sendo a desnutrição e o baixo peso ao nascer as mais frequentes. As famílias - mães, crianças e demais acompanhantes - comparecem à instituição quinzenalmente, sempre nos mesmos dias da semana e turnos estabelecidos, sendo atendidas por uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das mais diversas áreas da saúde, na intenção de contemplar o desenvolvimento infantil em uma perspectiva ampliada. Nas visitas, são oferecidos vale-transporte para o responsável e leite para todas as crianças não lactantes da família.

Conforme mencionado, nas articulações que seguem, objetivamos tecer algumas considerações sobre a angústia, a vergonha e a clínica psicanalítica nos contextos perpassados por experiências de vulnerabilidades. Para tanto, inicialmente, contemplaremos as teorizações freudianas acerca da angústia, a partir de sua função protetora e de defesa para o indivíduo, para, em seguida, expormos a sua relação com a vergonha. Juntamente às articulaçõe s teóricas ora apresentadas, propomos uma relação com a nossa prática clínica no IPREDE como paradigmática de um conjunto de questões clínicas experimentadas nesse contexto.

 

1. Proteção, ambiente e trauma psíquico

Em sua segunda tópica, Freud (1920/1996, 1924[1923]/1996, 1925/1996) retoma algumas ideias propostas por ocasião de suas cartas a Fliess, no trabalho inicial de organização dos sistemas de funcionamento do aparelho psíquico. Na intenção de estabelecer uma operação capaz de efetuar a proteção do aparelho psíquico das quantidades excessivas de excitações, Freud (1923/1996) propõe um sistema que denomina de para-excitações ou escudo protetor. A sua hipótese econômica sobre a proteção do psiquismo está fundamentada na concepção de um fluxo de energia orientado que percorre o seguinte trajeto: o sistema percepção-consciência está situado em sua extremidade final, captando as sensações prazer-desprazer oriundas do interior do aparelho e descarregando-as no exterior. O sistema das para-excitações, portanto, possibilita uma interface fronteira do interior e do exterior, pois recebe as percepções provenientes de ambas as extremidades. Com base nesse modo de funcionamento, o autor presume a existência de uma barreira protetora responsável por filtrar e atenuar as excitações externas na tentativa de conferir equilíbrio ao aparelho (Freud, 1920/1996).

Essa função de barreira pode ser creditada também à ajuda alheia capaz de desempenhar as ações específicas que suprem as exigências da vida, tais como fome, sede, respiração e sexo (Freud, 1950/1996). Assim, autores (Coriat, 1997; Landman, 2003; Lucero, & Vorcaro, 2009) já propuseram a correlação dessa função do Outro primordial com os papéis de tela e de intérprete, na intenção de enfatizar a participação ativa do cuidador na constituição e na estruturação psíquica da criança. Mediante o trabalho realizado pela ação do semelhante capaz de provocar uma transformação no mundo externo, conferem-se sentidos às excitações, possibilitando a transformação do funcionamento neurobiológico do organismo em um aparelho de linguagem.

Logo, tem-se que a modificação do mundo externo provocada pela ajuda alheia pode ser exemplificada através dos cuidados oferecidos pelo outro materno ao bebê. Em nossa linha de investigação, particularmente, faz-se referência às atividades relacionadas à nutrição. Será por meio de tais ações, juntamente à relação que se estabelecerá entre a mãe e seu filho, que tais componentes poderão, processualmente, estabelecer as marcas simbólicas primordiais da criança, que, em um tempo seguinte, poderão ser associadas e convertidas em memória. Nessa perspectiva, questiona-se o que acontece quando o cuidador não é capaz de oferecer um tratamento aos estímulos capazes de causar efracção nas para-excitações, ou seja, quando estes acarretam um limite, uma quantidade superior ao suportável pelo psiquismo. É a essa condição que Freud (1920/1996) relacionará à traumática: quando as excitações externas são fortes o bastante para causar uma ruptura no escudo protetor, submergindo o princípio do prazer.

Na discussão do traumático, Freud (1920/1996) situa a função da angústia como um estado de expectativa do perigo, mesmo que desconhecido, assinalando sua característica preparatória para reagir à situação, ou ainda, protetora, já que é na intenção de se proteger de um perigo que o sujeito se prepara para defender-se. Nessa perspectiva, Landman (2003) a presenta a concepção da angústia como um sinal de alarme no eu que alerta para uma situação de perigo que pode ser originalmente interno ou externo; tal afeto-sinal encontra-se intimamente relacionado com o fator espera, sendo a angústia sempre angústia de alguma coisa.

Em "Inibições, sintomas e ansiedade", Freud (1926/1996) indica uma dupla origem da angústia: a angústia automática e a angústia como sinal. A primeira seria reproduzida sempre que se apresentassem situações análogas ao traumatismo original, caracterizando-se como uma forma inadequada de reação ao perigo. O ato do nascimento, por exemplo, é considerado o protótipo dos efeitos de um perigo real sofrido por todos os seres humanos, podendo ser apontado como o paradigma da angústia. Já a angústia de separação da mãe sofrida pela criança - perda do objeto amado - pode ser compreendida como uma repetição desse estado primeiro. Podem-se citar, ainda, as angústias de castração, a da perda do amor e a da perda do amor do superego.

Nesse sentido, a angústia como sinal é uma resposta do ego à ameaça de repetição da situação traumática original. Com a reativação de uma experiência traumática vivida, o ego se antecipa e produz a angústia por conta própria, empregando-a como uma advertência e causando uma derrogação no princípio do prazer. Por meio dessa ação defensiva, o ego objetiva vincular psiquicamente o impulso reprimido, aproximando todo o processo de uma superelaboração normal. Acerca do exposto, Pacheco-Ferreira (2012, p. 169) conclui: "os movimentos traumáticos, nesse ponto da teorização freudiana, são aqueles em que o ego é obrigado a enfrentar uma exigência libidinal excessivamente grande, que acaba inativando as defesas e provocando uma experiência de desamparo". O trauma seria, portanto, a consequência de uma impossibilidade de antecipação acarretada pela falha na angústia sinal. A autora acrescenta, ainda, a necessidade de se compreender tal concepção freudiana com base na ênfase ao perigo, à potencialidade do trauma, ante a perspectiva do trauma em si: trauma efetivo que atinge todo o funcionamento psíquico.

Acerca da teoria do trauma e sua relação com a angústia, Ferenczi, em "Reflexões sobre o trauma" (1932/1992), refere-se ao trauma como equivalente à dissolução do sentimento de si, gerando angústia e promovendo defesas na tentativa de preservação do sujeito. Duas defesas são evidenciadas, portanto: o afastamento da causa da angústia e a criação de representações sobre uma mudança de realidade iminente. Também podem ser produzidas, simultaneamente, a criação das representações e reações substitutivas, visando extirpar ou se afastar de qualquer situação semelhante à do trauma. Tais respostas à situação traumática são denominadas de reações aloplásticas (mudança externa) e autoplásticas (mudança interna).

Péron (2007) retoma as contribuições ferenczianas apresentando o trauma como uma desorganização do funcionamento subjetivo, após sucessivos golpes que podem introduzir uma quantidade considerável de excitação no sujeito de forma súbita e gerar defesas patológicas que refletem uma ferida no narcisismo. A autora ressalta que essa excitação intensa pode acarretar sinais ao corpo, sintomas semelhantes às conversões histéricas, carregando a marca do excesso do traumático como uma memória do ocorrido. Embora Péron (2007) afirme que há constante angústia e medo da repetição do trauma como meio de defesa, o sujeito busca inconscientemente repetir a situação traumática, como se pudesse dominá-la.

Ferenczi (1932/ 1992) propõe pensar a angústia como um sentimento de incapacidade de adaptação à situação traumática, de desprazer, o incômodo gerado pelo desconforto que causa o sofrimento no sujeito. O desprazer se potencializa e reclama um escoamento dessas energias, o qual denomina de autodestruição, em nome da libertação da angústia. Com base em suas articulações, sinaliza que a parte de nós mais simples de destruir é a consciência, dando origem à desorientação psíquica diante da desestruturação da unidade coesa das formações psíquicas. Essa desorientação retira o foco do núcleo traumático, podendo o sujeito desenvolver novas representações pautadas na realização de desejo, fazendo uso dos fragmentos advindos do nível do princípio do prazer.

Tomando a criança como exemplo, o pequeno ser geralmente é julgado injustamente pelo adulto, que não compreende o ocorrido; tal comportamento de incompreensão acaba dentro da teia do processo traumático e a criança põe em dúvida sua própria percepção. Mal compreendida, a criança é punida ao invés de acolhida, devido à diferença a que o autor chama entre as línguas - da ternura (criança) e da paixão (adulto) (Ferenczi, 1932/1992; Péron, 2007; Herzog e Pacheco-Ferreira, 2015). Em pequenas doses, as angústias e desprazeres promovidos pelo ambiente podem não representar um dano significativo. Em contrapartida, traumas contínuos desde a primeira infância podem ter impacto sobre a vontade de viver, mas também podem produzir outras defesas como as clivagens, nas quais a unidade do sentimento de si (ego) se fragmenta em pedaços, como se formasse personalidades distintas (Ferenczi, 1932/1992).

Em "A criança mal acolhida e sua pulsão de morte" (Ferenczi, 1929/1992), as tentativas de autodestruição não só se deflagram no nível dos processos de pensamento, sem representação pela palavra, mas talvez por isso a única via de manifestação seja no nível fisiológico. Se não há um efetivo reconhecimento das qualidades e do valor da criança e de suas ações, como resposta esta também não desenvolve esses sentimentos para consigo própria e lida desde cedo com um sentimento de não existência. Nesses casos, o sujeito pode se valer de mecanismos técnicos para abreviar a própria vida; todavia, com frequência, as crianças se utilizam do recurso que o autor delimita como "meios orgânicos", relacionados às mudanças fisiológicas.

Tais respostas do organismo por parte das crianças - como os espasmos de glote que podem acarretar sufocamento, ou a asma brônquica de origem nervosa - possibilitaram a base para a postulação dessa ideia. Tal relação estabelecida por Ferenczi (1929/1992) entre o modo como a criança é acolhida e os sintomas que produz nos remete aos casos atendidos no IPREDE: situações em que a recusa alimentar produz sintomas de desnutrição. Consoante Ferenczi (1929/1992, p. 49) ressalta:

Eu queria apenas indicar a probabilidade do fato de que as crianças acolhidas com rudeza e sem carinho morrem facilmente e de bom grado. Ou utilizam um dos numerosos meios orgânicos para desaparecer rapidamente ou, se escapam a esse destino, conservarão um pessimismo e aversão à vida.

A vida das pessoas em que a vontade de viver é prejudicada pela forma como foram acolhidas na primeira infância frequentemente apresenta uma insuficiência em adaptar-se às situações sociais e pessoais. Sobre a clivagem referida por Ferenczi como mecanismo de defesa frente ao trauma, Péron (2007) descreve uma função de proteção materna nesse mecanismo, pois uma das metades da personalidade cindida executa, em certa medida, uma proteção materna sobre a metade ferida.

Kupermann (2006) ressalta a importância da progressão traumática, que também acaba sendo um mecanismo de defesa em relação ao trauma cada vez mais frequente na clínica. A progressão é referida por Ferenczi (1933/1992) em seu trabalho sobre a confusão de línguas, usando duas figuras: o bebê sábio e o fruto bichado. Em ambas as figuras, o fator principal é o amadurecimento precoce, que não se dá sem suas consequências:

A aquisição precoce de um saber e de uma maturidade própria dos adultos cobra, portanto, um preço alto, o da insensibilidade como comprometimento da capacidade de afetar e de ser afetado pelo outro, que se faz acompanhar pela impossibilidade de expressão dos afetos de amor e de ódio e por uma consequente diminuição da potência para se afirmar de modo singular e, no limite, também da vontade de viver (Kupermann, 2006, s/p).

A partir dessa proposição ferencziana, Kupermann (2006) salienta o empobrecimento da fantasia em alguns pacientes, que mesmo na situação clínica só conseguem obedecer às convenções sociais e apresentam uma enorme dificuldade de expressarem o ódio presente em sua vida, incapazes de reações aloplásticas. Essa progressão destrói a sensibilidade e incorpora um saber que está fora do sentido para o sujeito.

 

2. Vulnerabilidade social, vergonha e suas articulações

No âmbito deste trabalho, propomos pensar a angústia sinal de alarme articulada com a situação de perigo que a nossa prática clínica no IPREDE evidencia: as experiências de vulnerabilidades. Aqui, optamos por utilizar o termo vulnerabilidade no plural, pois, para além de um desamparo original e psíquico, nosso campo de pesquisa aponta para um desamparo vivido no real do corpo.

As famílias atendidas pela instituição compartilham um contexto perpassado por privações das mais diversas ordens: financeira, afetiva, alimentar, necessidades relacionadas à higiene e proteção etc., aspecto já destacado no conceito de pobreza multidimensional, do economista indiano Amartya Sen (1999/2010). A partir da escuta das mães, são relatados inúmeros conflitos, situações de abuso e de violência familiar, sendo comuns os relatos de gestações indesejadas. Constata-se que algumas mães tiveram muitas gestações, porém residem com poucos filhos, pois "deram" ou abandonaram as demais crianças. Também existem casos em que a criança é trazida à instituição pela avó, tia ou vizinha, já que, em algumas famílias, a mãe é usuária de álcool ou outras drogas, moradora de rua ou falecida; situações que têm crescido na população feminina nos últimos tempos.

No ano de 2007, foi realizado um estudo no qual se constatou alto índice de uso de drogas por parte dos genitores masculinos. Atualmente, podemos perceber que o envolvimento com drogas tem crescido nas mulheres, seja o uso ou envolvimento com tráfico, termos que têm feito cada vez mais parte do cotidiano da instituição. Em 1986, ano de sua criação, as principais problemáticas vivenciadas pelo IPREDE eram a desnutrição por fome, em especial de famílias vindas à capital fugindo das secas do interior. Todavia, observa-se que tais problemáticas foram substituídas por violência urbana e desemprego.

No que se refere à aparência física, pode-se dizer que muitas mulheres expressam a falta de energia para os cuidados com elas e com as crianças. Poucas trabalham e a maioria se sustenta com os auxílios oferecidos pelo Estado. Contudo, mesmo passando o dia em casa, não conseguem ocupar-se de seus filhos. Remetem a uma verdadeira situação de desamparo, na qual não dispõem de quem cuide delas e, portanto, nem de suas crianças (Dauer e Martins, 2015), numa repetição transgeracional de um tipo de maternagem que, todavia, permite que essas crianças possam se estruturar, apesar das condições materiais da família, mesmo que a expensas de um sintoma. Com frequência, as mulheres são classificadas como apáticas, recalcitrantes ou até mesmo deprimidas, porém existem algumas características que fogem aos manuais psiquiátricos. Questões que dificilmente são expostas à equipe de forma direta, percebidas no comportamento e em outras coletas de informações. Quando interrogadas sobre o pai dos filhos, é recorrente a possibilidade de as crianças serem fruto de diferentes relacionamentos, porém com uma característica em comum: o abandono da família (mãe e criança). São constantes os relatos sobre abandono dos pais em relação aos filhos, seja afetivo ou financeiro, após o término do relacionamento.

Nesse cenário, atesta-se um perigo que se faz permanente, ultrapassando a proteção oferecida pela angústia sinal de alarme: a característica preparatória da angústia aqui perde o sentido. Poderíamos, inclusive, supor uma rigidez da angústia sinal, já que ela não cessa, pois o "alarme" sinaliza um perigo constante. Os efeitos dessa angústia ininterrupta se fazem no corpo das crianças atendidas pelo IPREDE, principalmente através dos impasses no desenvolvimento e dos sintomas relacionados à oralidade, em especial sob o signo da desnutrição. Nessas situações, por mais que o sujeito tente estruturar uma defesa própria, ele dificilmente possuirá recursos suficientes, já que repercutem uma vulnerabilidade que é também externa, pois participa de uma esfera social, extrapolando a sua possibilidade de ação.

Pacheco-Ferreira (2012, p. 170) sinaliza o caráter elaborado, logo, posterior, da angústia sinal "que pressupõe, por sua vez, uma série de processos anteriores, em especial um ambiente que tenha proporcionado condições necessárias para a emergência de um aparelho psíquico capaz de produzir esse tipo de ligação". Partindo da concepção de que o advento do sujeito psíquico está relacionado com a capacidade e a qualidade com que o outro vai marcá-lo, aqueles que apresentam os objetos ao bebê possuem participação ativa em sua constituição e estruturação psíquica (Coriat, 1997). Seguindo esse curso, podem-se tecer relações entre a concepção do trauma como falha ambiental e o ambiente das trocas simbólicas e cuidados oferecidos ao bebê.

As formas mais precoces de angústia poderiam, então, estar relacionadas com uma falha do ambiente em filtrar e atenuar os impulsos e as sensações vivenciadas pelo bebê em um momento muito inicial, deixando de oferecer um tratamento dessas urgências pulsionais. A situação traumática estaria, portanto, relacionada com as excitações pulsionais que excedem a capacidade de integração do bebê, juntamente à ausência de uma proteção ativa em seu meio para efetuar um trabalho de simbolização. Os investimentos maternos oferecidos ao bebê seriam o equivalente a possibilitá-lo um caminhar com uma cobertura interna (Pacheco-Ferreira, 2012). Podemos situar a importância do estabelecimento de uma função identificatória, possibilitando que a mãe seja capaz de oferecer a antecipação necessária ao nascimento psíquico do sujeito, realizando as operações lacanianas de suposição de um sujeito na criança e do estabelecimento das demandas que estariam a ela direcionadas.

Winnicott (1967/1975) enfatiza a importância de o rosto materno se comportar como espelho para o bebê. Desse modo, ao olhar para a mãe, ele percebe-se a si mesmo refletido no rosto dela. Essa troca de olhares possibilita que a mãe reenvie à criança as suas próprias necessidades e emoções, o que equivaleria a uma espécie de tradução das urgências pulsionais da criança. Questiona-se o que acontece quando tal operação não ocorre: quando a mãe não reage ao olhar do filho, ou ainda, quando a criança não recebe de volta o que oferece. Quando a criança não se percebe no rosto materno, o "vazio da moldura" estaria relacionado à impossibilidade da mãe-ambiente em oferecer à criança uma imagem narcísica suficientemente boa, acarretando, posteriormente, a "dificuldade do sujeito de se perceber e se sentir como um suporte de narrativas positivas e não apenas de narrativas por subtração: eu não sou; eu não posso; eu não sei; eu não desejo; eu não quero; eu não penso e assim por diante" (Costa, 2012, p. 12).

É nesse período inicial da vida do sujeito que Pacheco-Ferreira (2012) situa o trauma como falha ambiental, propondo compreendê-lo a partir das angústias ligadas a uma constituição narcísica frágil, produto de uma perturbação precoce na relação sujeito/objeto. Ademais, Costa (2012, p. 12) compartilha dessa hipótese de empobrecimento narcísico ao pontuar que o olhar materno vazio de amor estaria na raiz do processo de envergonhamento: "o sujeito da vergonha teria sido reconhecido como um sujeito singular, mas despido de qualidades. Isto é, sua representação imaginária cristalizou-se em torno do vácuo de ideias de eu maternos".

Em paralelo à dupla origem da angústia, propõe-se pensar o surgimento da vergonha em três tipos: vergonha "sinal de alarme"; vergonha "plenamente experimentada" e vergonha "de ser", propostos por Ciccone e Ferrant (2009) e retomadas no texto de Pacheco-Ferreira (2012). Ao se proferir um "não" para uma criança, o primeiro tipo de vergonha caracteriza-se como um processo "típico", quando a reprovação é claramente verbalizada à criança e está acompanhada de uma linguagem não verbal apropriada. Através do ato "negativo", o movimento pulsional da criança foi simultaneamente visto, ouvido, sentido e interrompido pelo "não" do adulto. Por diferenciar o sujeito do seu movimento pulsional, os autores consideram este "não" conservador, constituindo as bases do recalcamento e a possibilidade da "vergonha sinal de alarme", responsável por possibilitar uma proteção narcísica (Pacheco-Ferreira, 2012).

Já na segunda forma, promove-se uma desqualificação dos movimentos pulsionais da criança, reduzindo o sujeito ao seu ato, pois se opera uma indistinção entre o todo e a parte; o sujeito deixa de ser objeto de investimento. O "não" experimentado na "vergonha sinal de alarme" muda de contexto: o "isso não é legal" se transforma em "você não é legal". Este é um "não" de confusão, que reduz o sujeito a seu movimento pulsional. Como consequência do fracasso da vergonha sinal de alarme, surge a "vergonha experimentada". Portanto, no processo de construção do sentimento de vergonha, enquanto a vergonha "sinal de alarme" oferece as bases para a operação de recalcamento, a vergonha "plenamente experimentada" opera como uma ferida narcísica, privando o sujeito da ilusão de ser sujeito por não conseguir construir uma identidade para si.

Por fim, a terceira modalidade de vergonha é a mais grave, pois o "não" atinge a própria existência do movimento pulsional, impedindo o seu aparecimento: "o sujeito não visto, não ouvido, não sentido perde a própria capacidade de se sentir e se ver" (Pacheco-Ferreira, 2012, p. 175). Esse contexto está relacionado com a "vergonha de ser", proveniente de uma falha da resposta do ambiente e provocando um sentimento de descontinuidade narcísica. Esta última forma de vergonha é, ao mesmo tempo, efeito e sinal do traumatismo primário, pois o objeto-outro não foi apenas ausente, ele foi ativamente desqualificante.

Quando a tentativa de recalcamento da vergonha "sinal de alarme" fracassa, Ciccone e Ferrant (2009, citado por Pacheco-Ferreira, 2012, p. 176) apontam como possível destino o soterramento, que implica uma tópica de profundidade no eu: "por não ser recalcada, ela não é esquecida nem transformada, é conservada tal qual, congelada, como toda experiência traumática". Essa experiência de enterramento do sujeito é caracterizada por um sentimento de transparência, pois, ao mesmo tempo que o núcleo vergonhoso se faz escondido, ele também se faz visível ao olhar do outro. Aqui, a vergonha "plenamente experimentada", consequência da falha da vergonha "sinal de alarme", participa de um contexto que se faz muito próximo da resposta não adaptativa oferecida pela angústia automática. Ambas estão relacionadas com uma resposta do ego à ameaça da repetição de uma situação traumática, porém sinalizam para a incapacidade de construção de uma defesa por parte do sujeito.

Em nosso campo de investigação, ao pensar as possíveis relações entre as experiências de vulnerabilidades, surge a hipótese de um fracasso da angústia "sinal de alarme" em decorrência de um perigo que se faz constante, tendo seus efeitos evidenciados através do baixo peso da criança ou demais impasses em seu desenvolvimento. Frente à impossibilidade do sujeito em se preparar para um perigo que não cessa de se repetir, estaríamos, aqui, no campo da vergonha "plenamente experimentada", que pode vir a desembocar numa vergonha "de ser" das mães.

Na clínica do IPREDE, essas situações são constantemente observadas, seja durante os atendimentos ou nos corredores da instituição. As crianças são tidas como sem limites e as mães sem energia para interrompê-las, como se estivessem tão ligadas a outros interesses que não percebem a movimentação dos filhos. Quando o "não" aparece é em situações de risco de vida para a criança, em que, muitas vezes, a desqualificação vem acompanhada de palmadas que chocam quem passa por perto. É como se elas não encontrassem, no ambiente, esse eco que faria um limite à excitação, ou seja, diante da sua conduta, a criança não teria reconhecimento desse outro, que se omitiria, colocando em jogo as amarras identitárias, gerando um sentimento de abandono e desaparição frente à comunidade (Venturi, & Vertzman, 2012).

Consoante Gaulejac (1996/2008), a miséria impossibilita a satisfação das necessidades mais elementares, como exemplo a de alimentação, a de cuidados de higiene e proteção, a de vestir-se, dentre outras. Desse modo, o sofrimento acarretado por essa condição de vulnerabilidade se inscreve primeiramente no corpo, por meio da falta de cuidados com a saúde e aparência física, podendo evoluir para doenças diversas: alcoolismo, dores de garganta, bronquites crônicas, úlceras, velhice prematura etc. Tais sofrimentos físicos e psíquicos são mais prevalentes à proporção em que se aumentam as privações vivenciadas e, como consequência, provocam uma exaustão moral e intelectual.

Ao serem confrontadas sobre o modo como cuidam ou educam os filhos, é recorrente as mães argumentarem que também foram criadas assim e que "se criaram", sobreviveram. Souza et al. (2009) apresentam a existência de transferências de valores imateriais, simbólicos, na manutenção dos privilégios e reprodução das classes sociais no tempo. Esses processos sustentariam, juntamente às condições de renda e acesso aos direitos sociais, as posições perpetuadas pelo tempo de famílias durante várias gerações. Nesse sistema, a exceção seria de origem meritocrática, através da qual, por alguma eventualidade ou situação incomum, se conseguiria ascender e manter a ilusão da mobilidade social efetiva.

Uma discussão restrita às questões metapsicológicas, portanto, fugiria um pouco a nossa proposta e quem sabe perderíamos a oportunidade de dialogar com as teorias que já buscaram a compreensão de seus processos nas teorizações da psicanálise. Tendo como base nosso campo de investigação, Martins et al. (2011) estabelecem articulações entre as proposições da psicanálise na clínica no IPRDE e a teoria psicossociológica de Axel Honneth acerca do reconhecimento social na constituição da identidade, da confiança e da estima de si. Martins (2015) retoma tais proposições em seu projeto de pós-doutorado, acrescentando os achados das pesquisas que foram inauguradas desde o artigo fruto do projeto Infância e privação: a fome, o silêncio e a vontade de viver. As inquietações diante das vulnerabilidades experienciadas pelas famílias, tendo como mola propulsora os casos de desnutrição infantil e os diálogos entre fome, violência, silêncio e a vontade de viver, colocaram a possibilidade das intersecções entre Winnicott e Honneth. Ambos os autores se encontram na intersubjetividade da relação mãe-bebê para ressaltar a importância do reconhecimento das propriedades de um novo indivíduo emergindo, através do cuidado atento e afetuoso, denominado de amor por Honneth.

Esse amor seria fonte de aquisição de um reconhecimento de si, da capacidade de ir se separando gradativamente da mãe rumo à independência, mas também de afirmação de suas capacidades e habilidades em sociedade futuramente. Quando esse ambiente de cuidados de algum modo reflete através da mãe ou cuidador a falta de identificação com as necessidades do bebê, então a aquisição dessas capacidades está, de algum modo, prejudicada. Nessa nova empreitada, a vulnerabilidade interroga as formas de desrespeito e negação do reconhecimento, promovendo angústia perante uma "invisibilidade" desse sujeito (Rosa, 2002), mas também pela via da desautorização. A partir dessa desautorização, da mesma forma que o adulto desmente o relato traumático da criança (Ferenczi, 1932/1992), o sujeito é negado como portador de uma dignidade, de seus direitos.

Honneth (2003) associa a violência do desrespeito e da humilhação com o sofrimento causado pelas doenças quando ameaçam a identidade. Essa necessidade do reconhecimento do outro, através de relações intersubjetivas, convoca um risco no sentido da criação de uma lacuna psíquica que se evidenciará com reações desde a ira à vergonha. Essa vergonha evidencia uma estima de si esfacelada pelo rechaço das ações do sujeito, relativizando seu valor social. Esse entrelaçamento entre individualização e reconhecimento seria o cerne de uma grande vulnerabilidade dos seres humanos, fazendo do desrespeito a sua demonstração mais crua, pois a autoimagem de cada ser dependeria desse reasseguramento do outro. Tal experiência danosa poderia ser responsável pela derrocada de toda a identidade desse sujeito.

O desrespeito aqui seria entendido como todas as formas de negar ou denegar o reconhecimento, ofendendo ou rebaixando esses indivíduos. Esses conceitos negativos não representam apenas formas de injustiça sociais, nem de refreamento em suas liberdades, mas danos à "compreensão positiva de si", que continuamente é ferida por tais formas de relações sociais. Entre os sentimentos morais, a vergonha seria para Honneth (2003) o mais aberto, não estando estritamente referida à timidez da exposição de si. Nela, não se define "por quais aspectos da interação se transgride a norma moral que, por assim dizer, falta ao sujeito para o prosseguimento rotinizado de sua ação" (Honneth, 2003, p. 222).

Assim como Honneth atribuiu as formas de negação do reconhecimento aos danos na estima de si e na autoafirmação do sujeito, Gaulejac (1996/2008) também acredita que a identidade pode ser prejudicada. Em sua pesquisa, a vergonha diante da condição social vulnerável pode gerar um sofrimento inimaginável para aqueles que não vivem nessa condição. Para Gaulejac (1996/2008), a identidade acaba se assumindo como negativa, pela forma como o outro aponta suas características exteriores de sujeira, odor, aparente feiura aos olhos dos que não desejam ver as desigualdades sociais.

A palavra vergonha pouco aparece no discurso das mães das crianças atendidas no IPREDE, mas humilhação é um termo constante nos atendimentos, deflagrando que talvez as intervenções não gerem mobilização nas famílias, sobretudo nas mães, porque de alguma forma muitos tratamentos ainda não as havia incluído nessa hipótese do sofrimento gerado pela vergonha. A desautorização sofrida diante do lugar de saber também parece ser um ponto importante a ser levado em consideração na história das mães, diante da privação dos bens de consumo (Rosa, 2002).

 

Considerações finais

Diante das possibilidades e das dificuldades de uma atuação clínica, buscamos valorizar o que já foi alcançado no diálogo entre a psicanálise com outros campos, sobretudo nas pesquisas ligadas à clínica institucional. Essas interlocuções nos permitiram discutir como a angústia e a vergonha comparecem nessa clínica tão marcada pelas desigualdades sociais. A partir de nossa experiência no IPREDE, percebe-se como a vergonha é pouco mencionada no discurso das mães, embora possa, muitas vezes, estar latente nas figuras da angústia e da humilhação, mais evidenciadas nos relatos.

O Brasil, historicamente desigual em seu processo de colonização, convoca os analistas a se debruçarem sobre um mal-estar causado por um discurso social dominante que exclui o sujeito do inconsciente, mas também grupos que evocam um estranhamento (quem sabe familiar?). Com a constante mudança social e do perfil dos pesquisadores ao longo dos últimos vinte anos, novas questões como as propostas aqui se colocam e despertam nossos interesses. Mesmo com essas mudanças, ainda nos deparamos com colocações do tipo "fome é um tema de interesse do campo da sociologia, não da psicanálise", oriundas dos mais inesperados interlocutores, como se tal problemática fosse apenas um problema de ordem conjuntural e sem implicações subjetivas. Quando fazemos esse deslocamento, podemos pensar em novas formas de intervenção e rememorar o questionamento sobre o que pode a psicanálise nesse cenário, e fazer a nossa aposta. Apesar desses obstáculos segue-se apostando no lugar da psicanálise e de seu fazer clínico junto aos dispositivos de saúde e de assistência social onde se desenvolvem junto aos indivíduos socialmente vulneráveis.

O trabalho em uma perspectiva institucional é atravessado por desafios frente à "confusão de línguas" das equipes interdisciplinares e às tensões do exercício de seus saberes e poderes. Nessa perspectiva, o trabalho clínico da psicanálise relaciona-se à escuta do sujeito e de sua singularidade fazendo, simultaneamente, uma desestabilização no discurso totalizante das especialidades.

"O que pode a psicanálise dentro desse contexto" é um enunciado ético que se recoloca e se refaz cotidianamente em toda clínica psicanalítica, alcançando nesses espaços os limites que fazem fronteira com a impotência. Nessas situações, talvez mais que em outras, o fazer do psicanalista exige deste uma constante reflexão sobre sua prática e ética.

 

 

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Artigo recebido em: 01/09/2018
Aprovado para publicação em: 21/11/2018

Endereço para correspondência
Karla Patrícia Holanda Martins
E-mail: kphm@uol.com.br
Beatriz Sernache de Castro Neves
E-mail: bia_sernache@hotmail.com
Érika Teles Dauer
E-mail: erikadauer@hotmail.com
Iara Fernandes Teixeira
E-mail: iaradernandesteixeira@hotmail.com

 

 

*Professora do Departamento de Psicologia e coordenadora do Programa de Pós-graduação de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Pós-doutora pelo Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - USP. Membro do Grupo de trabalho "Psicanálise e clínica ampliada" da Associação Nacional de Pós-Graduação em Psicologia - ANPEPP.
**Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Ceará. Docente do curso de Psicologia da Faculdade Ari de Sá.
***Psicóloga. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - PPGP/UFC. Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - PPGP/UFC.
****Psicóloga. Mestranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - PPGP/UFC.
1Trecho original: "l'expérience clinique, il nous a été permis de comprendre que la rencontre, avec une présence sensible et l'offre de l'écoute du témoignage, peut contribuer à atténuer l'horreur et l'isolement éprouvés par le sujet traumatisé" (Kupermann, 2009, p. 210).
2De que forma as experiências silenciadas na cultura retornam nos modos de figuração do mal-estar e nas formas de sofrimento dessas mães e filhos? Essa investigação é clínica e histórica, na medida em que a matriz simbólica do Outro primordial também é formada a partir dos vestígios arqueológicos de uma cultura que retornam nas formas de sofrimento e mal-estar. Desse modo, podem-se estabelecer relações entre negações culturais e as dificuldades no estabelecimento de condições necessárias para as operações primárias de simbolização. Retornando ao argumento de Ferenczi, a perda do conteúdo da realidade inclui a perda da autorrepresentação no futuro. A fome, no contexto em questão, está acompanhada por outras formas de violação da dignidade humana e de outras humilhações (Martins, & Kupermann, 2017b, p. 140, tradução nossa).

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