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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.51 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2019

 

ARTIGOS

 

A filosofia da ciência de Émile Meyerson nas primeiras teorizações de Jacques Lacan

 

Émile Meyerson's philosophy of science in Lacan's early theories

 

La philosophie de la science d'Émile Meyerson dans les premières théorisations de Jacques Lacan

 

 

Hugo Tannous JorgeI*; Richard Theisen SimankeI**

IUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Mesmo não se tratando de filosofia da ciência em sentido estrito, o pensamento de Lacan está repleto de reflexões típicas dessa área da filosofia. Contudo, a relação entre seu pensamento e a filosofia da ciência contemporânea à sua produção inicial - a França da primeira metade do século - é em geral desconsiderada ou considerada apenas de forma parcial na literatura lacaniana. Embora o filósofo francês da ciência Émile Meyerson tenha sido referido de forma explícita ou implícita na obra lacaniana, há poucos trabalhos dedicados à sua relação com Lacan. Buscando contribuir para a análise dessa relação e indicar suas possíveis implicações, trata-se aqui de examinar as convergências entre a doutrina de Meyerson em sua obra Identidade e realidade e as produções de Lacan entre 1936 e 1953, além de discutir as condições para a apropriação lacaniana dessa doutrina. Conclui-se que essa relação permite esclarecer pontos importantes da obra inicial de Lacan, tais como o conceito de imago, a noção de verdade e a tese do antropomorfismo das ciências naturais.

Palavras-chave: Lacan, Meyerson, filosofia da ciência, imaginário, real.


ABSTRACT

Even though it is not strictly speaking philosophy of science, Lacan's work contains many reflections that are typical of this branch of philosophy. However, the relation between his thought and the philosophy of science contemporary to his early work - France in the first half of the twentieth century - is often disregarded or only incompletely accounted for in Lacanian scholarship. French philosopher of science Émile Meyerson was often implicitly or explicitly referred to in Lacan's works, yet few publications can be found on this relationship between Meyerson and Lacan. The objective of this article is to contribute to the analysis of this relationship, pointing out its possible implications. For this, it discusses the convergence between Meyerson's doctrine, such as exposed in his book Identity and reality, and Lacan's works between 1936 and 1953, as well as the conditions for Lacan's reception of this doctrine. In conclusion, it is argued that this convergence allows the clarification of important issues in Lacan's early work, such as the concept of imago, his views on truth, and his thesis of the anthropomorphism of natural sciences.

Keywords: Lacan, Meyerson, philosophy of science, imaginary, real.


RÉSUMÉ

Même si ce n'est pas une philosophie de la science au sens strict, la pensée de Lacan est pleine de réflexions typiques de ce domaine de la philosophie. Cependant, la relation entre sa pensée et la philosophie de la science contemporaine à sa production initiale - la France dans la première moitié du XXe siècle - est généralement négligée ou ne considérée que partiellement dans la littérature lacanienne. Bien que le philosophe français de la science Émile Meyerson ait été explicitement ou implicitement mentionné à plusieurs reprises dans l'œuvre lacanienne, il y a peu de travaux consacrés à sa relation avec Lacan. Cherchant à contribuer à l'analyse de cette relation et à en indiquer les implications possibles, il s'agit ici d'examiner les convergences entre la doctrine de Meyerson dans son œuvre Identité et Réalité et les productions de Lacan entre 1936 et 1953, en plus de discuter des conditions d'appropriation de celle doctrine. On conclut que cette relation permet de clarifier des points importants du travail initial de Lacan, tels que le concept d'imago, la notion de vérité et la thèse de l'anthropomorphisme des sciences naturelles.

Mots-clés: Lacan, Meyerson, philosophie de la science, imaginaire, réel.


 

 

Introdução

O objetivo que perpassa a obra de Lacan não é, certamente, o de elaborar uma filosofia da ciência. É possível sustentar que Lacan sempre teve em mente a mesma problemática relacionada à inteligibilidade científica da subjetividade, e que a sua incursão em variadas áreas do conhecimento, da psiquiatria à topologia, passando pela psicanálise e pela filosofia da ciência, ocorreu em função dessa problemática (Roustang, 1988; Olgivie, 1991; Simanke, 2002). Assim, embora o autor não tenha sido um filósofo da ciência, todas as reflexões de sua obra que recorrem a alguma filosofia da ciência devem ser consideradas para um entendimento do projeto intelectual lacaniano na sua totalidade.

Corfield (2002, p. 181) assume que "não é tarefa fácil atingir um panorama claro da filosofia da ciência de Lacan" e que uma abordagem possível para atingir o panorama desejado é a que sonda suas "dívidas intelectuais [...] de modo a colocá-lo em uma linha de argumentação sólida". Em parte dos comentadores de Lacan, porém, a filosofia da ciência que pode tê-lo influenciado é, em pelo menos três sentidos, ignorada. Há alguns que comentam reflexões lacanianas em filosofia da ciência sem se questionarem sobre a possível presença dessas reflexões em autores anteriores. Nobus (2002), por exemplo, propondo-se a esclarecer o texto lacaniano "Ciência e verdade", comenta a comparação entre as causas aristotélicas e as intelectualidades religiosa, mágica e científica sem se questionar se uma comparação nesse sentido já tinha sido feita por outro autor. Há outros que, mesmo discorrendo sobre problemáticas e autores em filosofia da ciência que podem ter influenciado Lacan, não se debruçam sobre as fontes pertinentes que, de modo mais ou menos claro, ele cita. O comentário de Fink (2002) sobre como o conhecimento era visto na Antiguidade é um exemplo desse tipo de "alienação" ao texto de Lacan. Há, por fim, aqueles que analisam a relação entre filosofia da ciência e Lacan com um estudo superficial do filósofo da ciência em questão, como faz Evans (1996) em seu comentário sobre as origens do Real lacaniano em Émile Meyerson.

Essas três condutas impedem um juízo claro sobre o caráter da apropriação que Lacan faz de certos filósofos da ciência, ou seja, sobre o quanto essa apropriação é rigorosa, criativa ou indevida. A importação por Lacan de campos do saber à primeira vista externos à ciência da subjetividade que ele desejava construir já foi alvo de juízos extremos. Sokal e Bricmont (1999) acusam Lacan da importação de conceitos próprios das ciências naturais para o interior das ciências humanas sem justificação conceitual ou empírica. Contra esses autores, Glynos e Stravrakakis (2002, p. 220) afirmam que eles explicitam uma "tese não argumentada [...] de que é possível julgar os méritos científicos de uma disciplina sem referência ao tipo de questões concretas levantadas por aquela disciplina particular".

Para compreender a apropriação por Lacan das ideias de certos filósofos da ciência seria necessário, primeiro, estudar o filósofo em questão a partir de seus próprios objetivos e sistemas teórico-conceituais e através de literatura primária; depois fazer o mesmo com Lacan, para só então buscar relacionar os dois. Alguns trabalhos procuram seguir essa diretriz, como Burgoyne (2003), sobre Lacan e Koyré, e Eyers (2012), sobre Lacan e Bachelard.

Sobre a relação entre Lacan e Émile Meyerson (1859-1933), especificamente, há poucos trabalhos que sigam essa recomendação metodológica. Em seu estudo sobre a presença da filosofia na obra do primeiro Lacan, Charbonneau (1997, p. 114), considerando que a obra meyersoniana A dedução relativista era para o Lacan de 1936 uma referência teórica importante, realiza uma análise da mesma para concluir que o psicanalista "dá ao termo relatividade uma extensão ilegítima". Corfield (2002) menciona a relação Lacan-Meyerson no parágrafo de seu comentário sobre a necessidade de um estudo sobre a filosofia da ciência em Lacan. Diz ele: "para Meyerson [...] a ciência floresce sem que se dê conta de que o que é essencialmente real sobre o mundo é o que escapa da explicação científica [...] podemos considerar Lacan argumentando em linhas parecidas [...]" (Corfield, 2002, p. 181). Por fim, De Laclos (2007) é um estudioso de Meyerson e apresenta uma reflexão sobre o construcionismo implícito no filósofo da ciência através das teorizações de Minkowski, Dandieu e Lacan, concluindo, sobre este último, que ele apenas adiciona a ideia de uma gênese intersubjetiva ao conceito meyersoniano de identificação.

Essas relações entre Lacan e Meyerson, porém, podem ser multiplicadas e especificadas através da análise de mais questões teóricas em cada um dos autores. O objetivo deste artigo é analisar as convergências teórico-conceituais entre a filosofia da ciência de Émile Meyerson tal como se apresenta em sua obra Identidade e realidade, de 1908, e o período de produção teórica de Jacques Lacan entre 1936, o ano do seu primeiro artigo psicanalítico, e 1953, o ano que marca o início da sua fase estruturalista.

 

1. Meyerson em Identidade e realidade

Segundo Milič Čapek, na introdução à obra A dedução relativista, de Meyerson:

É verdade que "Identidade e realidade" contém todas as teses centrais [...] de Meyerson e que todos os livros que ele publicou subsequentemente [...] consistem principalmente em sustentar, defender e documentar o que ele formulou em 1907. Obviamente, havia novas descobertas tanto na física quanto na química, mas muitas delas - embora nem todas - facilmente rendiam-se às interpretações de Meyerson (Čapek, 1985, p. xxiv).

Identidade e realidade, portanto, pode ser considerada uma obra representativa da totalidade da doutrina meyersoniana e, por isso, será aqui utilizada para caracterizá-la. No primeiro capítulo do livro, assim como em seu capítulo conclusivo, Meyerson argumenta sobre a necessidade de uma separação radical entre os conceitos de causalidade e de lei científica. Essa separação lhe permite refinar a visão sobre as formas mais gerais de produção de conhecimento pelo intelecto humano e defender para a ciência a centralidade da forma causalista ou substancialista dessa produção. Os conceitos de causa e lei na ciência são atribuídos por ele a princípios do intelecto humano: o Princípio de Legalidade ou de Conformidade à Lei (PL) e o Princípio de Causalidade (PC). Identidade e realidade conclui afirmando a separação e o entrelaçamento desses princípios, o que evidencia a importância dada pelo autor à relação entre eles para a totalidade da obra: "no que diz respeito ao menos ao homem contemporâneo, à medida que ele busca conhecer a realidade, os dois princípios devem ser considerados como funcionando separadamente, embora sua ação seja incessantemente entremeada" (Meyerson, 1908/1962, p. 440).

As leis naturais estabeleceriam uma relação específica entre fenômenos naturais antecedentes e consequentes, e o Princípio de Conformidade à Lei postularia que essas leis regem toda a natureza. Para o PL, no intelecto científico moderno as leis seriam imutáveis no espaço e no tempo; de outro modo, o Princípio sustentaria que os objetos da realidade, embora imutáveis no espaço, são mutáveis no tempo.

A simplificação de que leis não mudam em função do espaço impor-se-ia ao intelecto científico moderno porque podemos formular leis estando na Terra mesmo que saibamos que ela muda de lugar com muita rapidez - gira em torno de seu próprio eixo e em torno do Sol, que também se move no espaço. Além disso, a geometria e a ideia de mobilidade livre dos corpos trariam consigo o postulado de que as coisas também não mudam em função do espaço (Meyerson, 1908/1962).

As postulações contrárias do PL sobre o tempo - a de que as coisas mudam segundo as leis, mas de que as próprias leis serão sempre as mesmas no tempo - mostrariam algo fundamental: a intimidade do PL com a noção de tempo. Um conhecimento do tempo independentemente das leis naturais seria impossível: todos os meios pelos quais o ser humano mede o tempo partiriam do princípio de que a mudança na natureza tem caráter uniforme, ou seja, de que mudanças similares na natureza acontecem em porções similares de algo que chamamos de "tempo". Conhecer "o tempo" seria, assim, conhecer a maneira pela qual os objetos naturais são submetidos a uma lei. E, inversamente, formular leis seria conhecer a maneira pela qual os objetos mudam com o tempo.

A origem do PL do intelecto humano está no "mais poderoso dos instintos do organismo", o "instinto de conservação". Uma vez que o organismo está "envolto por uma natureza hostil, [...] [ele] necessita agir, [logo] necessita prever, se [...] deseja viver" (Meyerson, 1908/1962, p. 22). O convencimento sobre o ordenamento da natureza motivaria o organismo a agir nela segundo as condições de sobrevivência.

É possível definir, a partir do modo como o PL considera as leis e as coisas no espaço e no tempo, o que é o Princípio de Causalidade para Meyerson. A atribuição de causalidade a fenômenos naturais implica que as leis que regem esses fenômenos compartilham as propriedades da atribuição de legalidade a fenômenos naturais: todas as leis devem permanecer as mesmas no tempo e no espaço. Também postularia o mesmo sobre a imutabilidade das coisas no espaço: as coisas não mudam ao se deslocarem. Porém, diferentemente do PL, o Princípio de Causalidade postularia que as coisas não mudam no tempo. A ideia de causa é a ideia de algo que já continha todo o fenômeno em suas propriedades antes de esse fenômeno poder ser reconhecido: a ideia de que "as coisas são assim porque elas já eram previamente assim" (Meyerson, 1908/1962, p. 43). Se há um tipo de leitura da realidade que entende que objetos - "no fundo" ou "apesar das aparências" - não mudam no tempo, essa leitura também entende que eles possuam identidade no tempo: "o Princípio de Causalidade não é outra coisa que o Princípio de Identidade aplicado à existência de objetos no tempo" (Meyerson, 1908/1962, p. 43). Para ilustrar sua posição sobre a definição de causalidade, Meyerson resgata a fórmula de Anaxágoras, "nada vem a ser e nada deixa de ser", a dos escolásticos, "causa aequat effectum", e a definição leibniziana de causa como razão suficiente de um fenômeno, isto é, como a situação restaurável ou substituível inteiramente por seus efeitos, que são o fenômeno em questão.

Sobre a origem do PC, o autor é bastante claro sobre onde não podemos procurá-la: "está claro em primeiro lugar que o instinto de preservação nada tem a ver com ela" (Meyerson, 1908/1962, p. 41). A não ser no caso em que a igualdade entre causas e efeitos esteja ligada às leis da experiência, assumir essa igualdade, por si só, não traria nenhuma informação preditiva e, consequentemente, nenhuma informação útil para a sobrevivência. Nossas sensações evidenciam a mudança no mundo, isto é, tudo o que conhecemos modifica-se no tempo, incluindo nossa própria individualidade, e isto seria contrário ao PC.

Fica estabelecido, assim, o cerne da diferença entre o PL e o PC:

A lei estabelece simplesmente que, se as condições forem modificadas de determinada maneira, as propriedades [...] da substância devem sofrer uma modificação igualmente determinada; enquanto que, de acordo com o princípio causal, deve haver igualdade entre causas e efeitos - isto é, as propriedades originais mais a mudança de condições devem igualar-se às propriedades transformadas (Meyerson, 1908/1962, p. 41).

Como isso implica uma diferença significativa na elaboração intelectual sobre a realidade, o autor rejeita as definições de causalidade científica, como as de Berkeley (1721/2008) e Hume (1748/2006), que a remetem à ideia de legalidade.

 

1.1 A relevância epistemológica do Princípio de Identidade

Um dos objetivos de Identidade e realidade é mostrar a centralidade do papel do Princípio de Identidade nas ciências naturais, ou seja, mostrar que "nem a evolução da ciência no passado ou sua condição presente podem ser explicadas se o excluirmos" (Meyerson, 1908/1962, p. 48). Tal papel é demonstrado pelo autor através de duas vias, uma histórica e uma epistemológica. Na via puramente histórica ou factual, rejeitando a concepção do positivismo comteano, ele argumenta que as hipóteses substancialistas (de identidade no tempo) nunca foram abandonadas na história da ciência, o que indica o lugar dessas hipóteses na própria definição da prática científica do passado e do presente. Na via epistemológica ou valorativa, ele sustenta que essas concepções sobre a essência dos fenômenos não sejam inúteis ou provisórias, mas descrevam algo da própria realidade. As hipóteses causais não seriam meros instrumentos, "andaimes destinados a desaparecer quando o edifício estiver construído", mas "correspondem a algo muito profundo e muito essencial na própria natureza" (Meyerson, 1908/1962, p. 395).

Os diversos Princípios de Conservação são as manifestações mais tangíveis do Princípio de Identidade na ciência. Eles são três: o Princípio de Conservação da Velocidade (ou Princípio de Inércia), o Princípio de Conservação da Massa e o Princípio de Conservação da Energia. Em Identidade e realidade, há capítulos distintos para apresentar a origem histórica e epistemológica de cada um desses princípios. Apesar disso, Meyerson apresenta as três origens com uma mesma estratégia argumentativa e uma mesma conclusão epistemológica: as manifestações efetivas do Princípio de Identidade na ciência seriam "plausíveis". Ele propõe que essa qualidade seja aplicada a juízos que são a posteriori e a priori ao mesmo tempo, ou seja, a juízos não demonstrados totalmente pela experiência nem totalmente pela razão.

Meyerson menciona o argumento de Jean D'Alembert (1743/2000), que buscou demonstrar a priori a verdade do Princípio de Inércia. Sobre o corpo em repouso, admitimos a priori que um corpo não pode determinar seu próprio movimento, uma vez que, nesse caso, não haveria razão pela qual o movimento para um lado seria preferível ao movimento para outro lado. Sobre o corpo em movimento, se a ação da causa impulsora no começo do movimento é suficiente para fazê-lo percorrer certo espaço, ou seja, se o movimento pode existir sem que a causa dele continue existindo, e se o corpo não pode por ele mesmo acelerar ou retardar seu movimento, então seu movimento só pode ser retilíneo, uniforme e eterno. Logo depois, Meyerson comenta quão curioso é comparar essa demonstração com a explicação encontrada em Aristóteles para a continuidade do movimento de um corpo depois que o impulso deixa de agir diretamente sobre ele. Para Aristóteles, do mesmo modo que para D'Alembert, o movimento não teria razão para cessar se ele durasse para além do impulso. Mas, diferentemente, ele não sustentava que o movimento durasse para além do impulso e, portanto, não postulava a inércia. Para ele, o que mantém o corpo se movimentando durante certo espaço e tempo até cessar (como é observado na superfície da Terra) seria a manutenção do impulso no ar circundante ao corpo que se move. Portanto, ele teria alcançado uma conclusão oposta aos modernos tendo usado a mesma premissa, o que faria cair por terra a ideia de que a demonstração de D'Alembert é de um apriorismo integral.

A prova empírica do Princípio de Inércia, por sua vez, poderia ser feita com o que conhecemos atualmente (isto é, em 1908) sobre o movimento dos corpos celestes. Se a Terra se desloca no espaço com velocidade considerável, então tudo o que é suposto como em repouso na Terra está também em movimento uniforme e, isolando-se e eliminando a curvatura desse deslocamento no espaço, retilíneo. Mas essa prova não era possível, na época em que o Princípio de Inércia foi formulado. Costuma-se também atribuir a Galileu (1638/2011) a prova empírica da inércia no movimento dos corpos: ele fala de corpos perfeitamente esféricos em planos horizontais e muito bem polidos que mantenham a mesma velocidade depois de um impulso. Mas, com uma análise histórica mais cuidadosa, ficaria evidenciado que esse experimento, assim como outros atribuídos a Galileu, foram, na verdade, experimentos mentais ou imaginários.

Meyerson, então, se pergunta por que, apesar de sua demonstração empírica pouco convincente, o Princípio de Inércia foi tão rapidamente aceito como o fundamento de toda a mecânica. Ele comenta como esse Princípio dominou a ciência depois que Descartes o derivou, nos seus Princípios de Filosofia (1644), da sua "Primeira Lei da Natureza": as coisas permanecem na condição em que estão contanto que nada as faça mudar, porque Deus não está sujeito à mudança. Essa "Lei" é uma versão do Princípio de Identidade, e é assim aplicada à velocidade. O movimento, aí, passa a ser uma entidade, uma substância, um estado, "consequentemente análogo não [...] [a uma] mudança de cor, mas [...] [a uma] cor em si" (Meyerson, 1908/1962, p. 145). A fórmula cartesiana, segundo Meyerson, dominou a ciência exatamente porque se apoia na ideia de imutabilidade no tempo, que é imediata e intuitivamente aceita pelo nosso intelecto.

Meyerson afirma então a parcialidade a priori do Princípio de Identidade: "É certo que as concordâncias que descobrimos entre essas teorias [atomistas/substancialistas] e os resultados dos experimentos fortificam o apelo que elas têm para nós; mas a nossa fé não se apoia exclusivamente nessa concordância, ela é anterior a ela" (Meyerson, 1908/1962, p. 395). Ou ainda: "toda proposição estipulando identidade no tempo parece a nós investida a priori com um alto grau de probabilidade. Elas encontram nossas mentes preparadas, elas a seduzem, e são imediatamente adotadas" (Meyerson, 1908/1962, p. 147).

Meyerson argumenta que a postulação de identidade no tempo é uma tendência tão forte do nosso intelecto que uma verdade científica que a contrarie irredutivelmente, mesmo que da grandeza de um Princípio de Carnot, sofre sistemáticas tentativas de submissão ao Princípio de Identidade. Ele se afasta, assim, de um realismo epistemológico puro: mesmo que admita a possibilidade de verificação de conformidade entre uma produção intelectual e a realidade e a alta conformidade entre esta e concepções substancialistas, ele afirma que o ser humano está mais propenso a aceitar antes alguns tipos de concepções de realidade do que outros.

Todavia, como ele concilia sua afirmação de que os Princípios de Conservação não podem sem provados a priori com a afirmação de que o Princípio de Identidade é a priori? Há aqui uma sutileza a ser levada em conta. Meyerson define o PI como uma tendência sem conteúdo: a identidade "aparece a nós como algo desejável, mas muito distante; como um princípio flexível que se ajusta às circunstâncias e pode fazer-nos admitir explicações ou engendrar ilusões" (Meyerson, 1908/1962, p. 439-440). É apenas nesse sentido que o PI é a priori. Quando se trata, segundo o autor, de decidir a que especificamente na realidade a identidade no tempo deve ser atribuída, o cientista deve ir ao encontro dos dados empíricos, os quais, aliás, não necessitam compor um corpo forte de evidências para cumprir seu papel. O PI postula que certas coisas essenciais persistem, "mas esta é uma fórmula indefinida, porque ela não nos diz quais são as coisas que persistem e quais, consequentemente, devemos considerar essenciais" (Meyerson, 1908/1962, p. 147). É nesse sentido que os Princípios de Conservação são plausíveis, na falta de um termo melhor, podendo ser considerados a priori e a posteriori ao mesmo tempo.

Se a atribuição de identidade no tempo é irresistível ao intelecto humano em geral, ela deve existir desde antes do que se entende por intelecto científico e em domínios em que este simplesmente não existe - ou seja, no "senso comum". Meyerson argumenta que tanto o conhecimento científico quanto o senso comum sejam produtos do mesmo processo inconsciente: o de atribuir identidade no tempo às sensações e assim fazer surgir a ideia da realidade das substâncias - ou seja, produzir objetos. Desse modo, tanto o senso comum seria parte da ciência quanto esta seria apenas um prolongamento do senso comum.

Sendo evidente que a sensação é um fenômeno cujo domínio é estritamente subjetivo - a sensação só pode ser sensação de uma consciência -, e sendo também evidente que "o senso comum [...] claramente afirma a existência de objetos externos e está longe de supor que essa existência dependa da nossa consciência" (Meyerson, 1908/1962, p. 357), é possível se perguntar: se uma repetição de sensações faz rememorar as anteriores, por que essa simples rememoração exclui a possibilidade de tratá-las como meros fenômenos subjetivos que se repetiram? Por que ela faz, ao contrário, perceber um objeto, isto é, supor que haja um objeto externo relativo à sensação repetida? Em suma: por que é possível para o senso comum supor que o que pertence incontestavelmente ao sujeito (a sensação) exista externamente no objeto?

Meyerson responde: o senso comum tem uma forte tendência a supor que as sensações continuem existindo no tempo (e no espaço) mesmo que não estejam se manifestando em nossa consciência; ou melhor, a supor algo que cause as sensações e continue existindo no mundo externo. Portanto, o senso comum está impregnado do Princípio de Identidade: ele assume implicitamente que, se algo não existe em nós no intervalo entre suas manifestações, esse algo deve existir em outro lugar, fora de nós. O senso comum hipostasia sensações, ou seja, faz com que permaneçam (stasis) abaixo ou subjacentes (hypo) à sua variação, faz com que se tornem substâncias.

Desse modo, a ciência está em continuidade com o senso comum e não representa um rompimento radical com os padrões intelectuais do mesmo. Consequentemente, a ciência, embora sua distinção e independência intelectuais sejam supostas completas, ainda manteria vestígios da ontologia e da racionalidade do senso comum. "O ponto de partida da ciência [...] é exclusivamente os dados do senso comum" (Meyerson, 1908/1962, p. 366). Portanto, ela "cria novos objetos que se parecem inteiramente com aqueles do realismo ingênuo" (Meyerson, 1908/1962, p. 372). Além disso, a associação de conceitos científicos a experiências e a objetos do senso comum facilitaria a abordagem substancialista desses conceitos, que é tão confortável ao nosso intelecto:

[...] o que é chamado de força é, em seu início, do ponto de vista conceitual, algo muito complexo, já que é uma hipóstase da aceleração, da relação entre duas velocidades - a velocidade ela mesma sendo um conceito derivado, composto pelos conceitos de tempo e espaço. É porque a aceleração é constante no tempo que somos capazes de hipostasiá-la, de transformá-la em uma coisa, e, por outro lado, o fato de que possamos, até certo ponto, comparar essa hipóstase, força, com a nossa sensação de esforço nos ajuda distintamente nesse processo (do mesmo modo que somos ajudados no caso do átomo pelo fato de que possamos assimilá-lo a um corpo sólido - isto é, a um objeto do senso comum) (Meyerson, 1908/1962, p. 434).

 

1.2 A insuficiência epistemológica do Princípio de Identidade

Leituras da realidade que admitem a identidade de algo no tempo seriam preferíveis para o intelecto humano se comparadas a leituras que admitem mudanças irredutíveis na realidade. Meyerson acomoda conceitualmente essa evidência histórica atribuindo ao Princípio de Identidade um caráter apriorístico, isto é, uma aceitabilidade independente da experiência. Portanto, a própria conceituação do PI justifica seu fracasso em explicar totalmente a realidade. Se ele fosse simplesmente o espelho da realidade, não haveria necessidade de defini-lo como sendo parcialmente a priori; ele não seria uma preferência, mas simplesmente uma verdade. Essa tendência deve necessariamente fracassar em se adequar plenamente aos dados empíricos justamente por ser apenas uma tendência, ou seja, algo que propicia uma ação mais ou menos cega a outras coisas que não sirvam à sua finalidade. Caso contrário, a natureza mostraria mais fugacidade e irreversibilidade que preservação e reversibilidade. Assim, essa orientação doutrinal meyersoniana para a insuficiência epistemológica do PI não é uma contradição: ela é a implicação conceitual direta do apriorismo do PI.

Meyerson sustenta a insuficiência epistemológica do PI através de dois argumentos principais: 1) a confrontação das implicações lógicas últimas da aplicação do PI com o dado empírico o mais elementar de todos, o da existência de mudança na realidade; 2) a confrontação do PI a dois pressupostos do mecanicismo, a tradução mecânica da sensação e a transitividade mecânica, o que o faz agrupar no conceito de "o irracional" tudo aquilo que, na ciência, não se submete ao PI.

O que acontece quando o Princípio de Identidade se projeta com toda a força na realidade? Por exemplo, para começar em escala menor, quando se apresenta como Princípio de Conservação da Matéria na reação BaCl2 + Na2SO4 BaSO4 + 2NaCl. Nessa fórmula, nada foi criado ou perdido durante a reação, além de ela ser inteiramente reversível. Há, portanto, uma identificação completa no tempo de uma realidade que se pode chamar de "átomo" e "massa". Expandindo, agora, essa ação de identificação no tempo para todo o cosmos, toda a realidade, árvores, sóis, galáxias, tudo seria identificado numa mesma cadeia temporal. O resultado seria, então, a inexistência de mudança efetiva alguma em lugar algum. Não existindo mais mudança, o tempo, esse algo que flui proporcionalmente a uma mudança específica da natureza, também passaria a não existir, tornando-se impensável. E, uma vez que a mudança e o tempo são dimensões necessárias ao próprio conceito de fenômeno, nesse cosmos, apesar das aparências, não existiriam mais fenômenos.

Mas um cosmos assim concebido não pode explicar a mudança e a diversidade da natureza. É a própria existência da natureza que fornece a prova decisiva da insuficiência de tal concepção. Assim, se o Princípio de Identidade é nossa tendência intelectual maior, "a ordem da natureza não pode ser inteiramente conformável à ordem do pensamento", porque, se o fosse, "a natureza não existiria" (Meyerson, 1908/1962, p. 399).

Por trás desse argumento, está o pressuposto de que o não-inteligível, o não-explicável, que vem a nós a partir dos dados empíricos, está na essência da ciência. A falta de identidade, a falha na cadeia identificativa, seria condição de existência da ciência porque, sem essa falta, não haveria mudança ou sequer realidade.

Meyerson inicia seu capítulo sobre o irracional com um esboço da doutrina científica do mecanicismo, hegemônica na modernidade ao menos até o século XX:

As teorias mecânicas reduzem o universo a um vórtice de corpúsculos colidindo uns com os outros segundo leis imutáveis. Já foi dito espirituosamente [...] que essas teorias consistem em supor que uma inteligência suprema - Deus -, ao contemplar o mundo, teria aproximadamente a mesma sensação que experienciamos frente a um jogo de bilhar (Meyerson, 1908/1962, p. 291).

Se o senso comum tem uma tendência a admitir seres que continuem existindo no tempo mesmo que não se apresentem nas sensações, o mecanicismo levaria esse conceito ao seu extremo, ao expurgar o mundo daquilo que é a própria matéria das sensações, isto é, ao livrá-lo das qualidades. O mundo mecanicista seria, então, um mundo de quantidades puras, em que as qualidades se reduzem a variações quantitativas de substâncias. Nesse mundo, luz e calor, por exemplo, seriam apenas movimentos de partículas: "O mundo [mecanicista] dos átomos é [...] um mundo de pessoas anestesiadas [...], sem qualquer possível relação com nossa sensação" (Meyerson, 1908/1962, p. 307). Uma vez que a qualidade se mostra múltipla e a quantidade é submissível à identidade, o mecanicismo seria a aplicação por excelência do Princípio de Identidade à realidade.

Mas Meyerson comenta que esse expurgo mecanicista é irrealizável. No senso comum, conceituar um mundo independente da consciência significa projetar as sensações no mundo - hipostasiar ou substancializar sensações - e, segundo ele, os sinais dessa operação são mantidos no mecanicismo:

No início, não duvidamos, a imagem do mundo externo é feita apenas de sensações hipostasiadas. Somos resolutamente capazes de abandonar esse procedimento? O esforço que imporíamos então sobre a nossa imaginação parecer-nos-ia muito grande. Com efeito, sendo o mundo externo apenas sensação, como supor a realidade de algo que deveria ter sido completamente despido dela, e que consequentemente não poderia mais se tornar sensação? Pois este pedaço de matéria, claro, poderia mover outro pedaço, mas nem ele nem quaisquer outros sobre os quais ele atuasse poderia se tornar uma causa de sensação para nós; ele não teria, portanto, nenhuma relação com a nossa sensação, e consequentemente se desvaneceria. É por isso que ao pensarmos na matéria retemos por um esforço poderoso e inconsciente esse elemento de sensação. Se tentamos dissociá-lo inteiramente, a imaginação se rebela. Em outras palavras, e apesar da definição que demos para ela, a matéria continua a ser para nós especialmente uma sensação tátil e visual. Bergson [1903] competentemente lembrou que átomos supostamente despidos de qualidades físicas são na verdade somente determinados "em relação a uma possível visão e a um possível contato" (Meyerson, 1908/1962, p. 306-7).

Assim, como as produções científicas não podem romper inteiramente com o senso comum, o mecanicismo é incapaz de ser na prática tão abstrato quanto pretende. Duas elaborações básicas do mecanicismo são discutidas por Meyerson e contribuem para a sua concepção do irracional: a teoria mecânica da sensação e a noção de atividade transitiva. Meyerson busca provar que, embora ambas tenham objetivos explicativos, suas definições mais fundamentais são incapazes de reter a ideia de identidade.

O mecanicismo concebe as sensações como movimentos de substâncias ocorrendo no contínuo entre o mundo externo e nosso aparelho neurológico. Essa concepção sustenta que os movimentos do mundo externo são comunicados em cadeia ao nosso aparelho neurológico; ela leva a tal ponto a ideia de identidade que se torna inevitável que o resultado dessa cadeia, a sensação, seja concebida apenas como um epifenômeno.

Meyerson problematiza o que se insere entre o movimento e a sensação nessa explicação mecanicista ao propor que a sensação seja remissível, mas não redutível, ao movimento. Ele afirma que é possível identificar a sensação no tempo enquanto um movimento puro; que é possível saber plenamente, na experiência imediata, o que é a sensação; e que é possível, por fim, dizer que há alguma ligação entre ambos. Entretanto, afirma também que essa é uma ligação para a qual não somos capazes de restaurar a identidade, ou seja, que não somos capazes de reconstruir inteiramente a cadeia que vai do movimento à sensação. E acrescenta: não somos nem nunca seremos, pois há entre ambos um abismo essencial e conceitual. Ele mostra, assim, a necessidade de dar um novo nome a essa parcela desconhecida da realidade: " É preferível [...], de modo a prevenir todo mal-entendido, e de modo a marcar mais claramente a natureza peculiar do desconhecido, do transcendente, que nós aqui assumimos, que o designemos por um termo diferente. Nós devemos fazer uso do termo irracional" (Meyerson, 1908/1962, p. 298).

Além do fenômeno da sensação, a própria cadeia de movimentos que o mecanicismo oferece como explicação da sensação seria um irracional. Sem o fato da transitividade do movimento - o simples fato de que os corpos atuem uns sobre os outros -, todos os modelos mecanicistas tornam-se inviáveis. E, no entanto, a transitividade é apenas um fato, em si inexplicável, aproximando-se da mesma condição que se acabou de discutir acima a propósito da sensação:

Não pode haver movimento sem matéria, sem algo para se mover. O movimento não tem nada em comum com uma substância, e o máximo que podemos fazer é considerá-lo como um estado. [...] considerando que esse estado deve durar indefinidamente, como o Princípio de Inércia demanda, como ele poderia ser desvinculado de um corpo para ser vinculado a outro? Isto demandaria [...] que, entre ambos, esse estado tivesse existido por um momento - infinitamente curto [...] - em si mesmo, enquanto uma verdadeira substância, o que é absurdo. [..] A dedução de fenômenos pelo mecanicismo é aparentemente bem sucedida somente porque retemos [...] para o átomo um princípio de atividade transitiva, que chamamos de impenetrabilidade (Meyerson, 1908/1962, p. 301).

Assim, haveria dois irracionais no mecanicismo: um do objeto - não podemos submeter teoricamente a noção de transitividade do movimento à identidade - e um do sujeito - não podemos entender como o movimento se transforma em sensação.

É importante destacar, porém, que a insuficiência do PI para a ciência não é uma espécie de ponto final ou ênfase principal da argumentação de Meyerson. Essa insuficiência não faz o posicionamento meyersoniano sobre a relevância do PI ser reformulado. Ele continua defendendo até o fim de Identidade e realidade a inexorabilidade histórica e a verdade, mesmo que parcial, das construções substancialistas em ciência.

 

2. Características relevantes das primeiras teorizações lacanianas

Para expor algumas articulações do primeiro Lacan necessárias ao entendimento das influências de Meyerson, é preciso, em primeiro lugar, explicitar as vias pelas quais Lacan relaciona o campo psi e a ideia de ciência. As reflexões filosóficas sobre a ciência em Lacan podem ser atribuídas a quatro ordens de questões:

1) As orientações epistemológicas mais gerais que o sujeito conhecedor deve dominar para fazer ciência dos fenômenos psicológicos.
2) A natureza do objeto da psicologia implicada por essas orientações - ou seja, a questão sobre o ser do objeto de uma psicologia científica.
3) Como esse sujeito psicológico "contamina" o sujeito que faz ciência - ou como o sujeito que faz ciência pode ser considerado um sujeito psicológico.
4) Como esse sujeito da ciência, limitado por seu caráter psicológico, volta a influenciar a epistemologia da psicologia.

A reflexividade, expressa nessa categorização, entre o objeto estudado e um sujeito que funda o método para estudá-lo, além da plasticidade desse sujeito-objeto, são problemas que se impõem à fundamentação de qualquer uma das ciências humanas. Lacan, em função do objeto que elege para investigar, de sua intenção declarada de fazer ciência do sujeito e, por fim, da influência do espírito intelectual francês, que via como uma implicação óbvia a intimidade entre psicologia e epistemologia, não os ignora com certeza.

Há, no contexto filosófico do primeiro Lacan, uma ideia compartilhada: a ideia de uma plasticidade, sob uma ordem racional, da dimensão do sujeito em epistemologia. Para o neokantismo, a intuição e o entendimento do sujeito conhecedor não são universais. Para o pós-positivismo francês, a negação de concepções metafísicas ainda é uma orientação válida e de suma importância, mas só pode ser assumida com a pressuposição de que a positividade dos dados já é resultado de alguma elaboração intelectual. Por fim, para a "filosofia concreta", a consciência é intencional e a consciência-de-si se origina no desejo socializado. A importância da historicidade para a racionalidade humana, a razão de esta ser plástica e não imutável, pode ser encontrada em todas essas concepções (Bachelard, 1934/1985; Bachelard, 1940/1966; Kojève, 1947/2002; Koyré, 1953; Descombes, 1980; Babich, 1994; Gutting, 2001; Braunstein, 2002; Lopes, 2005; Schrift, 2006).

Se a psicologia aborda a forma como o indivíduo se relaciona com o mundo e como essa relação se constitui, uma epistemologia que pense um sujeito como produtor, sob certas condições, de uma racionalidade ou de uma leitura do mundo nada mais seria que um duplo dessa psicologia. A ideia do delírio paranoico como um fenômeno de conhecimento é a primeira representação de Lacan, em sua tese de doutorado em psiquiatria de 1932, dessa intimidade entre epistemologia e psicologia (Simanke, 2002). Numa nota de rodapé dessa tese, referida a uma sentença discutindo justamente a ideia muito meyersoniana de "função identificatória do espírito", ele diz: "O estudo das relações da personalidade e do conhecimento deveria apresentar resultados muito fecundos para os dois problemas" (Lacan, 1932/1987, p. 29).

Nos anos 1930 e 1940, Lacan aparece como o proponente de uma "nova psicologia". Ele insiste na necessidade de zelar por alguns princípios epistemológicos para que essa "nova psicologia" possa ser sustentada. Ela deve, a seu ver, ser positiva, segundo a tradição científica francesa, e concreta, segundo a mais "nova" e contestadora corrente filosófica. A nova psicologia deveria também ser capaz de produzir hipóteses causais, orientação em que se refletia a filiação médica de Lacan.

Os conceitos de "concreto" e de "positivo" aplicados em 1936 e 1938 ao objeto da psicologia parecem se tocar, mesmo que tenham vindo de contextos filosóficos distintos: uma ciência concreta seria uma ciência que se volta para os fenômenos de seu objeto integral e independentemente da ideia ou do ideal que se possa fazer do mesmo; e uma ciência positiva seria a que lida com os fenômenos diretamente, sem deturpá-los com concepções metafísicas. Essas duas orientações epistemológicas parecem convergir para uma mesma função. A defesa de ambas em 1936 e 1938 parece ditar, basicamente, que uma nova ciência psicológica não deveria se perder em conceitos que fogem das "coisas mesmas"; ao modo da teorização freudiana, essa nova ciência deveria incluir no campo do inteligível toda sorte de fenômenos psicológicos, mesmo fatos de memória e comportamentos sem sentido aparente, sejam eles psicopatológicos ou cotidianos.

Por fim, essa "nova psicologia" lacaniana adota certa concepção de determinismo como pressuposto. Em 1946, no contexto de uma crítica ao organicismo psiquiátrico, o autor retoma algumas ideias gerais de sua tese de 1932, indicando a manutenção dessas ideias: "procuramos situar a psicose em suas relações com a totalidade dos antecedentes biográficos, das intenções [...] da doente, dos motivos, enfim, [...] que se destacam da situação contemporânea de seu delírio" (Lacan, 1946/1998, p. 171). Ele busca argumentar que os sintomas da loucura, bem como de qualquer manifestação da personalidade, são remissíveis à história social do sujeito. Esta se desenvolve "numa série mais ou menos típica de identificações ideais" (Lacan, 1946/1998, p. 179, grifo do autor). A causalidade psíquica, por sua vez, seria remissível à "identificação, que é um fenômeno irredutível" (Lacan, 1946/1998, p. 189, grifo do autor). Se a nova psicologia deve ser determinista em algum sentido, seu objeto deve ser, portanto, um resultado dessa história: essas identificações se sedimentam, configurando imagens (imagos), o objeto privilegiado da psicologia lacaniana até os anos 1950.

A imagem (imago), entendida como o conceito que representa e explica a totalidade dos fenômenos psicológicos, se origina nas primeiras relações sociais do sujeito. Lacan (1936/1998; 1949/1998) exemplifica o conceito com a imago da mãe, do pai, dos irmãos, e, principalmente, com a imago do eu. Esse conceito importado de Freud, porém, não pode ser entendido no primeiro Lacan como a figura de um indivíduo. A imago seria decorrente de um processo de identificação, o que não seria o mesmo que um processo de imitação. Este último pressupõe uma "aproximação parcial e tateante" (Lacan, 1936/1998, p. 92) de outra figura humana. Na identificação, ao contrário, há a assimilação de toda uma estrutura espacial e relacional referente a unidades sociais de figuras humanas, assim como da temporalidade virtual dessa estrutura. Tampouco o conceito de imago deve ser entendido no sentido de representação mental, ou seja, como um processo privado. Ela seria, antes, a reprodução de um comportamento, de uma atuação ou, sobretudo, de uma interação (Lacan, 1936/1998).

Dessa forma, a imago seria a reprodução no comportamento de uma relação estagnada entre duas figuras humanas, relação esta que teria um desenvolvimento limitado no tempo. Uma "imago da mãe", por exemplo, seria a manifestação da relação - que pode, num caso específico, mudar da mágoa para compaixão, por exemplo - entre a figura da mãe e a figura do "filho" em determinado momento da infância do sujeito. Uma vez formada uma imago, o sujeito a encenaria pela vida afora, como ator único do drama de seus muitos personagens (Lacan, 1936/1998). É possível considerar essa relação estagnada que se exprime na imago, ao modo do neokantismo francês, como um conjunto historicamente condicionado de categorias do entendimento e formas da intuição, já que ela pode ser comparada a um conjunto de "lentes" para a leitura do mundo. A imago determinaria, assim, os processos psicológicos mais básicos do sujeito, desde a percepção até o raciocínio.

As teorias do primeiro Lacan foram amplamente apresentadas pelos seus comentadores através da descrição teórica que ele faz das condições para a gênese da imagem do eu: a sua descrição do assim chamado Estágio do Espelho. O ser humano, diferentemente dos outros animais, manifestaria uma insuficiência instintiva ao nascer - ele nasce com o que Lacan (1936/1998; 1948/1998) denomina de "miséria vital", de "desamparo original" e de "prematuração fisiológica natal". Esses instintos e condições fisiológicas insuficientes estariam relacionados à alimentação, ao tônus corporal, à propriocepção, aos sentidos, enfim, a tudo o que permite a sobrevivência de um organismo com muitas necessidades num ambiente que oferece inúmeros riscos de vida. Mas outra capacidade estaria presente em abundância desde o início da vida do recém-nascido: a capacidade de reconhecer figuras humanas como uma totalidade - seja a de um rosto, nos primeiros dez dias de vida, seja a de um corpo, desde os primeiros meses de vida, além da capacidade de interagir com elas, seja por imitação, por expressões de satisfação ou insatisfação, etc.

Sabemos que, sem o adulto, o recém-nascido não sobrevive. Seria, portanto, a capacidade de se relacionar com o mediador de sua sobrevivência que faria com que o recém-nascido a garantisse. Mas seria também essa capacidade que o manteria desde o início alienado na figura humana e em tudo o que a ela é contingente, isto é, às suas qualidades próprias e às condições que envolvem sua presença. Disso decorreria que, para qualquer ser humano, a imagem humana tivesse um caráter: 1) de via primordial para qualquer ato psicológico sobre o próprio corpo e sobre o mundo; 2) de externalidade, uma vez que essa via é externa a uma relação direta com o próprio corpo e com o mundo; e 3) de antecipação, uma vez que a imagem humana também dá as condições da relação com o próprio corpo e com o mundo antes que essa relação seja de fato possível através da maturação neurológica da criança (Lacan, 1946/1998, 1948/1998, 1949/1998).

Com essas premissas, Lacan mostra que a gênese da imagem do eu (moi) não poderia ser diferente: o sujeito (je) reconhece visualmente a própria figura como uma totalidade através de superfícies refletoras1 numa idade em que todas as outras capacidades do organismo funcionam ainda caoticamente. Sua propriocepção, seu tônus muscular, a organização de seus pensamentos e de suas emoções - tudo o que está relacionado a uma identidade de experiências e de uma representação do espaço em que elas se dão - ainda seriam precários. Mas a visão de um corpo próprio totalizado na imagem, numa Gestalt visual, viria a compensar essa precariedade. Daí surgiria a ideia de uma unidade de si que tornaria tão importantes os termos atribuídos ao sujeito (nome próprio, gênero, qualidades, etc.) pelos outros: a unidade corporal seria a condição inicial para o desenvolvimento de outros tipos de identificações (Lacan, 1946/1998, 1948/1998, 1949/1998): "Essa relação erótica, em que o indivíduo humano se fixa numa imagem que o aliena em si mesmo [...] eis aí a energia e a forma donde se origina a organização passional que ele irá chamar de seu eu" (Lacan, 1948/1998, p. 116).

A natureza do objeto proposto para a psicologia valeria para qualquer sujeito: o sujeito psicológico estaria também no sujeito da ciência. Não há nada no sujeito concreto, argumenta Lacan (1949/1998), que nos faça resguardar a transparência e a objetividade supostas no sujeito cartesiano. O sujeito da ciência, portanto, se relacionaria com o mundo através de formas de intuição e categorias de entendimento socialmente contingentes, moldadas nas relações sociais de sua infância.

 

3. Meyerson em Lacan

Expostas essas articulações, é possível, finalmente, analisar a presença de Meyerson no primeiro Lacan. Essa presença pode ser identificada em quatro temas compartilhados por ambos de uma maneira ou de outra, a saber: 1) a proximidade entre a ciência e o senso comum; 2) a crítica ao mecanicismo; 3) a tendência à substancialização; e, por fim, 4) uma concepção formalista da identificação. Esses temas são discutidos nessa ordem no que se segue.

 

3.1. A proximidade entre a ciência física e o senso comum

A referência lacaniana a Meyerson aparece de forma explícita a partir de 1936, numa reflexão sobre como a ciência física, "por mais depurada que pareça, em seus progressos modernos, de qualquer categoria intuitiva, não deixa de trair [...] a estrutura da inteligência que a construiu" (Lacan, 1936/1998, p. 90):

Se um Meyerson pode demonstrá-la [a ciência física] submetida, em todos os seus processos, à forma da identificação mental, forma tão constitutiva do conhecimento humano que ele a reencontra por reflexão nos caminhos comuns do pensamento - se o fenômeno da luz, para lhe fornecer o padrão de referência e o átomo de ação, revela nela uma relação mais obscura com o sensório humano -, esses pontos, decerto ideais, pelos quais a física se liga ao homem, mas que são os polos em torno dos quais ela gira, porventura não mostram a mais inquietante homologia com os eixos que confere ao conhecimento humano [...] uma tradição reflexiva sem recurso à experiência? [...] o antropomorfismo que reduziu a física, na noção de força por exemplo, é um antropomorfismo não noético, mas psicológico, porque ele é essencialmente a projeção da intenção humana (Lacan, 1936/1998, p. 90).

O conceito meyersoniano de "identificação" se refere, como visto acima, à atribuição de identidade no tempo entre fenômenos, sob um fundo neokantiano em que essa atribuição é um juízo plausível, ou seja, simultaneamente a priori e a posteriori. Por outro lado, é possível que, em alguns leitores de Lacan, como é o caso de Roustang (1988), o conceito imprima um sentido fortemente relativista, ou mesmo "psicanalítico selvagem", através do qual as teorias físicas seriam projeções de aspectos da personalidade, como sugeririam o termo "antropomorfismo", o termo "projeção" e mesmo o termo "identificação", se tomado no sentido de estabelecer uma identidade entre eu e objeto.

O adendo de Lacan a esse último conceito - a tese da sua gênese intersubjetiva - pode até fazer dele um neo-hegeliano, ou mesmo um construtivista, destoando, portanto, de Meyerson. Porém a referência acima é bastante fiel ao autor de Identidade e realidade. O relativismo e a aplicação de uma "psicanálise selvagem" às ciências naturais não estão longe de Lacan, mas esse uso específico da filosofia da ciência é mais sutil do que parece. A proximidade em questão só pode ser provada no contexto da discussão meyersoniana sobre a continuidade entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.

Esse é o aspecto da doutrina meyersoniana que parece estar sendo referido nesse trecho de Lacan, o que transparece na presença de, pelo menos, três expressões convergentes com esse aspecto. Em primeiro lugar, a expressão "caminhos comuns do pensamento" (cheminements communs de la pensée) sugere uma referência à obra de Meyerson Du cheminement de la pensée (1931) e ao conceito de senso comum (sens commun) nela discutido. A propósito, essa é uma das obras meyersonianas a que Lacan se refere explicitamente em sua tese de doutorado de 1932.

Em segundo lugar, há a afirmação de que "o fenômeno da luz revela" na ciência física "uma relação com o sensório humano". A teorização do fenômeno da luz pela ciência física, que fornece ao fenômeno um "padrão de referência" e um "átomo de ação", remeteria ao modo com que o ser humano experimenta a sensação visual da luz. Para Meyerson, o mecanicismo, bem como qualquer produção científica, é incapaz de se desligar de noções do senso comum, e a realidade mecanicista de movimentos ou quantidades puras é impensável sem a experiência sensorial da visão e do tato. Assim, o que Lacan parece trazer aqui é, simplesmente, a ideia de que a abstração científica que produz para a luz um "padrão de referência" na vibração (ou em qualquer outra coisa que seja, no fundo, um movimento) não se emancipa da experiência humana imediata da luz.

Partindo desse mesmo ponto, podemos, em terceiro lugar, entender também o que Lacan quer dizer com "o antropomorfismo psicológico da noção de força" revelado no fato de que essa noção é "uma projeção da intenção humana". Meyerson (1908/1962) sustenta que a possibilidade de comparar uma noção científica com o senso comum - nesse caso "com a nossa sensação de esforço" - é para nós uma facilitação no processo, tão confortável ao nosso intelecto, de substancialização de uma noção. Com palavras diferentes, Lacan, em 1936, parece se apropriar inteiramente desse raciocínio.

Ora, em Meyerson, o elemento que estabelece a continuidade entre o senso comum e a ciência e que é responsável pela influência mútua entre ambos é justamente o processo mental identificatório. A menção desse processo em Lacan é, portanto, bastante fiel à sua formulação original.

Roustang sustentou que essa referência lacaniana a Meyerson seria um contrassenso, uma vez que a ideia de identificação em Meyerson "nada tem a ver com a alteridade requerida em psicologia" (Roustang, 1988, p. 21) e que a aplicação dessa ideia à psicologia demandaria que o seu sentido fosse o de "imitação" ou de "introjeção". Mas, em primeiro lugar, ele parece ignorar que o contexto intelectual francês da época em que a referência foi feita sustentava a aproximação entre epistemologia e psicologia, e que seria possível afirmar, portanto, que Meyerson fez afirmações de caráter psicológico sobre a prática científica. Com efeito, o argumento apresentado acima sobre o uso fiel de certas ideias de Meyerson por Lacan está baseado na aproximação bastante razoável entre as ideias de "sujeito epistemológico do senso comum" e de "sujeito psicológico". Nesse sentido, é possível especificar mais um ponto que evidencia a limitação da crítica tardia de Roustang. Lacan, já em 1936, não diferencia a constituição dos objetos e a constituição do eu [moi], porque, para ele, o eu [moi] também é um objeto, constituído da mesma forma que qualquer outro. Assim, mesmo que Lacan use o termo "projeção", não é possível falar de "projeção" e "introjeção" em sua teoria, ao menos não em seu sentido psicanalítico clássico: vale lembrar que, em sua teoria, as noções de "dentro" e "fora" também são produzidas pela mediação de outrem, no contexto do Estágio do Espelho. Aliás, essa é uma das diferenças mais notáveis entre a teoria lacaniana (a "escola francesa de psicanálise") e a escola inglesa de psicanálise.

Por fim, há mais uma evidência da adequação da referência lacaniana a Meyerson tal como aparece na citação feita acima. Há um momento em Identidade e realidade no qual o autor defende que os cientistas são inconscientes de seus próprios processos intelectuais:

É evidente que, ao pressionar seu pensamento ao molde ontológico, ao dar a ele a forma de uma hipótese sobre a realidade das coisas, o cientista, exatamente como o homem do senso comum, age de uma maneira inteiramente inconsciente. Logo, não é espantoso vê-lo ignorante do processo que ele aplica [...]. Sem dúvida, [...] ele pode ter sucesso, por uma análise paciente e vagarosa, em reconhecer o verdadeiro caminho que seu pensamento seguiu; mas o fato de ser um cientista, não, até mesmo um grande cientista, não tem nenhuma relação com isto. De fato, a qualidade distintiva de um grande cientista é um instinto científico poderoso, uma espécie de adivinhação [...]. A descoberta, isto já foi frequentemente notado, vem a ele subitamente - depois de longo trabalho, claro; é um clarão, uma revelação [...] E então se segue que não devemos buscar no cientista os princípios que realmente guiaram seu pensamento; não devemos nem acreditar em suas palavras quando ele tenta enunciá-los (Meyerson, 1908/1962, p. 387).

É esse ponto da doutrina meyersoniana que, muito provavelmente, ressoa na defesa lacaniana de que, "sem dúvida, as vias por onde a verdade se revela são insondáveis, e houve até matemáticos que confessaram tê-la visto em sonho ou nela esbarrado numa colisão trivial qualquer" (Lacan, 1936/1998, p. 89), que aparece imediatamente antes da referência explícita a Meyerson comentada aqui.

 

3.2. A crítica ao mecanicismo

Em 1936, Lacan afirma que a teoria do associacionismo se fundamenta em dois conceitos:

[...] um mecanicista, o de engrama, outro falaciosamente tido como dado pela experiência, o da ligação associativa do fenômeno mental. O primeiro é uma fórmula de pesquisa, aliás bastante flexível, para designar o elemento psicofísico, e que introduz apenas uma hipótese, embora fundamental: a da produção passiva desse elemento. É notável que a escola tenha acrescentado o postulado do caráter atomístico desse elemento. Com efeito, foi esse postulado que limitou o olhar de seus defensores, a ponto de fazê-los "passar ao largo" dos fatos experimentais em que se manifesta a atividade do sujeito na organização da forma (Lacan, 1936/1998, p. 79, grifo do autor).

No mesmo artigo, o autor comenta que a mesma teoria reduz o fenômeno da imagem ao conceito de engrama:

Sendo a imagem, segundo o espírito do sistema, considerada uma sensação enfraquecida, na medida em que atesta menos seguramente a realidade, ela é tomada por eco e sombra da sensação e, portanto, identificada com seu traço, com o engrama. A concepção do espírito como um "polipeiro de imagens", essencial ao associacionismo, foi criticada sobretudo por afirmar um mecanicismo puramente metafísico; assinalou-se menos que seu absurdo essencial reside no empobrecimento intelectualista que ela impõe à imagem (Lacan, 1936/1998, p. 81-2, grifo do autor).

Lacan faz aqui menção ao mecanicismo para, no fim, defender a "imagem" como sendo o objeto de conhecimento que não desfigura ou subjuga o fenômeno psicológico. Porém a menção é peculiar, nesse contexto em que a sensação e sua relação com o mundo externo para o associacionismo são discutidas. Pode-se especular que esses trechos lacanianos e parte do contexto maior em que se inserem beberam na fonte da crítica meyersoniana à teoria mecânica da sensação. Inversamente, podemos ler a crítica meyersoniana à teoria mecânica da sensação como, de certo modo, uma crítica à noção de engrama do associacionismo, no mesmo molde em que Lacan posteriormente a fará. O "elemento psicofísico produzido passivamente", o engrama, nada mais seria que o ponto final da cadeia de movimentos entre o mundo externo e o sistema nervoso afirmada pela teoria mecânica da sensação, tal como ela é discutida por Meyerson.

A ideia de que a crítica meyersoniana ao mecanicismo é uma das referências da teoria lacaniana aparece ainda mais claramente na seguinte passagem do artigo lacaniano de 1936: "a teoria físico-matemática, no fim do século XIX, ainda recorria a fundamentos tão intuitivos, depois eliminados, que se pôde hipostasiar neles sua prodigiosa fecundidade, e assim lhes foi reconhecida a onipotência implicada na ideia de verdade" (Lacan, 1936/1998, p. 83, grifo nosso). Como se viu acima, hipostasiar é o mesmo que substancializar para Meyerson, que usa o termo para descrever tanto o processo intelectual do senso comum quanto o da ciência, na qual está incluído o mecanicismo. Em Meyerson, a hipóstase oculta o que ele chama de "irracionais". Nessa passagem, por sua vez, Lacan afirma que a teoria físico-matemática do fim do século XIX - o mecanicismo - hipostasia intuições. Ele articula, assim, uma crítica ao realismo ingênuo envolvido nesse processo, uma crítica semelhante àquela desenvolvida por Meyerson.

Como se viu também, o argumento meyersoniano a respeito do elemento irracional da sensação está baseado na diferença essencial entre a experiência da sensação e o mundo mecanicista, no qual haveria apenas corpúsculos colidindo uns com os outros. Esse parece ser o mesmo caminho de Lacan, quando este aponta que o sujeito organiza ativamente a realidade e que o entendimento associacionista e mecanicista do conceito de imagem como uma cópia debilitada da realidade produz um empobrecimento do conceito.

Nesse sentido, em toda essa defesa do conceito de imagem e de uma nova psicologia que pudesse reconhecer a realidade própria dos fenômenos psíquicos, Lacan estaria focado na argumentação meyersoniana sobre a insuficiência epistemológica do Princípio de Identidade na ciência.

Para o primeiro Lacan, os dados concretos e positivos da psicologia humana mostram que não há substancialidade nem na subjetividade (ou personalidade), nem nos objetos psicologicamente relevantes para ela: estes seriam plásticos demais para tanto. Conceber uma personalidade como substancial, com propriedades permanentes no tempo, seria negar todo um conjunto de dados que inviabilizariam essa concepção. O mesmo ocorreria com os objetos do mundo externo: a única coisa que se pode afirmar sobre eles é que há uma organização singular de dados, relacionada a vivências sociais, que cada sujeito aponta como sendo parte do mundo externo. Lacan definiu a imagem como o objeto comum a essa organização ativa da percepção, da afeição e da ideação por parte do sujeito. Não há para ele, portanto, identidade no tempo, nem para o sujeito, nem para o objeto. Por isso, há uma coleção de posições contrárias em Lacan (seguindo, aliás, o estilo do intelectual francês típico do século XX): ele é anti-idealista e antinaturalista, do lado do sujeito, e antirrealista, do lado do objeto (Simanke, 2002; 2008).

A partir da constatação desse "antissubstancialismo" no primeiro Lacan, é possível, então, entender mais claramente que sentido ele dá, em 1936, à expressão "função do verdadeiro" e a que ponto preciso é endereçada sua crítica a essa "função". A "verdade" do associacionismo criticada por Lacan é a verdade da correspondência substancial entre representações e objetos substanciais.

 

3.3. A tendência humana a substancializar e a fazer emergir a lei da substância

Lacan alega que a estagnação de situações sociais de determinados momentos vitais explica sentimentos de perseguição e está relacionada à "estrutura mais geral do conhecimento humano":

Janet, que mostrou tão admiravelmente a significação dos sentimentos de perseguição como momentos fenomenológicos das condutas sociais, não lhes aprofundou o caráter comum, que é precisamente que eles se constituem por uma estagnação de um desses momentos, semelhante, em estranheza, à aparência dos atores quando o filme para de rodar.
Ora, essa estagnação formal é parenta da estrutura mais geral do conhecimento humano: aquela que constitui o eu e os objetos mediante atributos de permanência, identidade e substancialidade, em suma, sob a forma de entidades ou "coisas" [...] (Lacan, 1948/1998, p. 114, grifo nosso).

A alusão ao Princípio de Identidade nesse contexto, somada ao que se viu sobre o conceito de imago, aponta para a conclusão de que, desde seu ponto de vista, os fenômenos correspondentes à imago são expressões do Princípio de Identidade, são evidências de sua atuação no intelecto, assim como os exemplos que Meyerson retira da história da ciência. Como o conceito de imago significa uma fixação de cenas da infância que condicionariam todos os fenômenos psicológicos do sujeito pela vida afora, ele expressaria, afinal, a postulação subjetiva de uma identidade no tempo. Essa identidade produz num só movimento, para Lacan, um objeto científico e sua causalidade.

Visto por esse ângulo, o sujeito aplicaria o Princípio de Identidade à sua própria figura física e/ou simbólica (à imago do eu, o moi, que é, em última instância, uma relação entre o sujeito e o eu), a todas as figuras centrais em seu desenvolvimento (à imago de cada um dos indivíduos relevantes de sua infância, como as figuras parentais) e, por fim, a quaisquer outros "objetos" que se podem construir através dessas imagos.

Deve-se ressalvar, porém, que nem tudo no conceito de imago remete necessariamente ao Princípio de Identidade de Meyerson. Há um nó conceitual no primeiro Lacan que ele só desfará nos anos 1950 com seus três registros, do Imaginário, do Simbólico e do Real. Pode-se dizer que o Imaginário do primeiro Lacan (com o conceito de imago) é uma condensação do Imaginário e do Simbólico do segundo Lacan. A imago representa a permanência de figuras humanas, de seus caracteres espaciais e sensórios, de tudo o que passa a ser atribuído a esses caracteres e que, como eles, passa a permanecer no tempo. Nesse sentido, a imago é o que depois virá a ser "o Imaginário", a dimensão que fornece o conteúdo consistente de nossa matéria psíquica. É esse o sentido pelo qual a imago pode ser remetida ao Princípio de Identidade. Mas o conceito de imago é também a modalidade de relação entre essas figuras humanas e um desenvolvimento no tempo dessas figuras e dessa relação entre elas. Esse sentido da imago virá depois a ser recoberto pelo conceito de Simbólico. Esse é um sentido da imago que não pode ser simplesmente remetido ao Princípio de Identidade.

É possível especular que essa última parcela do conceito de imago apresenta alguns pontos em comum com o Princípio de Legalidade de Meyerson. Este defende tanto a diferença radical entre o Princípio de Causalidade e o de Legalidade quanto assume seu entrelaçamento habitual na prática científica. Tendo em mente o hibridismo conceitual da imago, pode-se retornar rapidamente a como esse entrelaçamento se afirma em Meyerson e constatar a proximidade os dois autores:

[...] é certo que nossas sensações se seguem umas às outras de tal modo que a constituição desse mundo de objetos é possível. E é também certo [...] que, uma vez constituído esse mundo, a previsão é facilitada. Em outras palavras, no campo do senso comum, bem como no da ciência, concepções criadas pelo Princípio Causal (ou, se preferirem, com a sua ajuda) favorecem a aplicação do Princípio de Conformidade à Lei. E já que, por outro lado, a experiência generalizada - ou seja, a conformidade à lei - concorre na formação da realidade do senso comum, o resultado é que, desde o começo das operações do nosso entendimento, os Princípios de Causalidade e de Conformidade à Lei colaboram um com o outro e que suas operações se tornam inextrincavelmente emaranhadas, do mesmo modo que eles fazem depois na ciência (Meyerson, 1908/1962, p. 363-364).

O conceito de imago, então, seria o meio para Lacan exprimir simultaneamente a identidade e a mudança, muito ao estilo meyersoniano. Assim como em Meyerson, postular identidades não evita um posterior desencanto com o desvanecimento sutil dessas identidades. A imago, de qualquer forma, é essencialmente frágil, mesmo que fundamentalmente necessária, como se discutiu acima.

Seja como for, o elogio e o uso da doutrina de Meyerson são evidências do tipo de cientificidade pretendida por Lacan. Em sua busca por um objeto de conhecimento próprio à dimensão humana, Lacan nunca deixa de reservar espaço para a causalidade científica, de uma maneira que se aproxima da proposta de Meyerson. Essa orientação determinista muda de figura no Lacan nos anos 1950, com uma nova conceituação do "real" como um dos registros para apreensão do sujeito. Vai-se tornando mais afim, desse modo, à filosofia francesa da ciência predominante em sua época, que já discutia, com Bachelard (1934/1985), por exemplo, o indeterminismo como a forma teórica central do "novo espírito científico".

Há uma diferença importante entre Meyerson e Lacan no que diz respeito à tendência humana a substancializar a realidade: Meyerson não discute a origem ou as causas da ação do Princípio de Identidade no intelecto como o discute para o Princípio de Legalidade (que se explicaria pela necessidade de sobrevivência). Já para Lacan, se a imago do eu é uma identificação no sentido meyersoniano, o Estágio do Espelho é, em última instância, uma teoria sobre a origem do Princípio de Identidade.

No primeiro Lacan, a miséria vital do ser humano, combinada à precocidade de suas faculdades sociais (entre elas, a capacidade de perceber visualmente e reagir à forma humana), faz com que, para garantir sua sobrevivência, este se fixe num mundo antropomórfico. Esse "mundo" deve ser entendido no sentido meyersoniano, como um sistema de sensações hipostasiadas que configurariam uma realidade independente da sensação. Assim, o bebê possui a capacidade de identificar no tempo seus cuidadores e tudo o que está relacionado a eles, porque essa atribuição de identidade é condição para sua sobrevivência. Há um momento em Identidade e realidade em que Meyerson parece esboçar essa discussão genética, mas se limita a apenas uma afirmação: "A criança, tão logo aprenda a se expressar, formula tantos porquês que se é tentado a acreditar que a tendência causal existia dentro dela antes da fala, mesmo que de modo obscuro" (Meyerson, 1908/1962, p. 48).

 

3.4. Uma concepção formalista da identificação

Lacan faz, em 1936, uma de suas principais críticas à metapsicologia de Freud a propósito do conceito de libido. "Convém distinguir", diz ele, "dois usos do conceito de libido, aliás incessantemente confundidos na doutrina: como conceito energético, regendo a equivalência dos fenômenos, e como hipótese substancialista, referindo-os à matéria" (Lacan, 1936/1998, p. 93). Essa hipótese substancialista lhe parece externa ao campo próprio da psicologia:

Como conceito energético, ao contrário, a libido é apenas a notação simbólica da equivalência entre os dinamismos que as imagens investem no comportamento. É a própria condição da identificação simbólica e a entidade essencial da ordem racional, sem a qual nenhuma ciência poderia constituir-se. Através dessa notação, a eficiência das imagens [...] [não pode] ainda ser relacionada com uma unidade de medida, mas já [é] provida de um sinal positivo ou negativo [...].
A noção de libido, nesse emprego, já não é metapsicológica: é o instrumento de um progresso da psicologia em direção a um saber positivo (Lacan, 1936/1998, p. 94).

Essa questão conceitual, que é retomada em 1953 (na conferência "O simbólico, o imaginário e o real"), é parte do antissubstancialismo e do positivismo lacanianos, como já se discutiu. O que Lacan parece querer dizer é que a libido não pode ser entendida metafisicamente pela psicanálise, como uma espécie de substância que circula pelos corpos, mas antes como um conjunto positivo de operações das imagens no comportamento.

Qual o sentido desse positivismo lacaniano? Os conceitos de imagem, complexo e libido, tal como propostos por Lacan, não seriam, de fato, tão positivos quanto conceitos que se definem unicamente por suas relações - como o conceito de força na física, por exemplo, que é o produto da massa pela aceleração. Lacan temperava seu positivismo com a pressuposição de que a tendência à identificação faz parte da estrutura geral do conhecimento humano. Isso justificaria o fato de que seus "conceitos positivos" não sejam simples relações matemáticas que computam dados dos sentidos, como um conceito positivo stricto sensu. Os conceitos de Lacan expressariam também, mesmo que de modo ambíguo, a permanência de algo no tempo.

Mas o mais notável no trecho citado é uma considerável confusão em relação aos conceitos meyersonianos, caso Lacan se refira mesmo a Meyerson nesse trecho, como parece ser o caso. Pode-se perceber, de imediato, que Lacan coloca o substancialismo de um lado e a identificação e a energia do outro, enquanto que em Meyerson as hipóteses substancialistas são exatamente as que promovem a identificação entre os fenômenos, e a energia pode ser ela mesma substancializada.

Talvez Lacan esteja aqui diferenciando uma "versão formalista" de identificação de uma "versão organicista" ou "ingenuamente materialista". Na versão formalista, essa "equivalência entre dinamismos que as imagens investem no comportamento" seria uma equivalência entre dinâmicas ou formas comportamentais ao longo de uma vida. Num sentido estritamente meyersoniano, essa "libido" formalista lacaniana corresponderia a uma lei, e não a uma identificação, pois o Princípio de Legalidade postula que a lei - essa relação de mudança entre antecedente e consequente - deve permanecer a mesma no tempo, enquanto que o termo "dinamismo" expressa justamente a ideia de mudança.

Vale lembrar que Meyerson é um filósofo neokantiano, e nunca se apropria irrefletidamente da imaginação ingênua sobre a substância. Apesar de supor uma correspondência entre o intelecto e a realidade, seu tema é o conceito de substância, o conceito de matéria, ou, ainda, como o intelecto precisa operar para dar forma a essas noções. Assim, se Lacan faz aqui uso da doutrina meyersoniana da ciência, este foi um uso pelo menos relativamente infiel.

 

Conclusão

Quando consideradas através de um exame detalhado e crítico das referências diretas e indiretas e das possíveis influências que atuaram sobre Lacan, algumas ideias meyersonianas aparecem como significativas para a constituição de seu pensamento inicial. A tese da continuidade entre o senso comum e a ciência esclarece a observação lacaniana sobre o antropomorfismo da ciência física. Sua posição sobre a insuficiência epistemológica do Princípio de Identidade pode ajudar a esclarecer a crítica de Lacan, em 1936, às noções associacionistas de engrama e de verdade, além de fundamentar a posição antirrealista e anti-idealista que assume. O Princípio de Identidade de Meyerson pode ser relacionado, com a mediação de Lacan, a certos aspectos do conceito de imago. A imago seria a expressão por excelência do Princípio de Identidade, uma vez que ela é a postulação (feita de modo inconsciente, tanto para Meyerson, quanto para Lacan) da identidade no tempo de figuras humanas da infância. Nesse sentido, o Princípio de Identidade é remissível ao que nos anos 1950 em Lacan tornar-se-á o Imaginário. Por fim, é possível apontar que, se Lacan emprega conceitos meyersonianos em sua crítica ao conceito freudiano de libido, ele, no entanto, não os aplica exatamente do modo como foram propostos pelo filósofo.

Pode-se considerar, assim, que haja limitações importantes tanto na abordagem dos autores que simplesmente acusam Lacan de apropriação indevida de teorias externas ao campo que ele deseja construir (Sokal, & Bricmont, 1999; Roustang, 1988), quanto naqueles que defendem sua singularidade intelectual irredutível (Glynos, & Stravrakakis, 2002). Deixar de analisar detalhadamente as concepções originais dos autores que Lacan importa para sua teoria ou ler esses autores somente através de lentes lacanianas são dois equívocos possíveis, simétricos e relativamente frequentes entre os comentadores de sua obra.

O s resultados das análises desenvolvidas aqui apontam para diversas questões importantes que não puderam ser abordadas no escopo do presente trabalho. Entre elas podem-se destacar:

(1) a relação entre o caráter trágico e mórbido do Imaginário de Lacan e o cosmos radicalmente submetido ao Princípio de Identidade de Meyerson;
(2) a relação entre o conceito de Real de um momento bem mais tardio do percurso de Lacan e o Irracional de Meyerson.

O objetivo principal do presente trabalho foi elucidar um aspecto pouco explorado da rede de referências extrapsicanalíticas de que Lacan lança mão na construção de sua teoria. Ele buscou também evidenciar a necessidade de desenvolver as questões colocadas acima e examinar mais profundamente outras questões sobre a relação entre Meyerson e Lacan ou, mesmo, aquelas referentes à contribuição de outros filósofos da ciência no processo de elaboração das ideias lacanianas.

 

 

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Artigo recebido em: 26/12/2017
Aprovado para publicação em: 29/08/2018

Endereço para correspondência
Hugo Tannous Jorge
E-mail: hugotannous@gmail.com
Richard Theisen Simanke
E-mail: richardsimanke@uol.com.br

 

 

*Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com período sanduíche na University of London
**Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor em Filosofia pela USP. Professor e orientador dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
1O termo "espelho" do conceito lacaniano pode se referir a espelhos de prata, a uma porção de águas calmas, ou a qualquer material refletor inanimado, mas tem claramente um sentido mais amplo, relacionado ao que a superfície permite: a assimilação de uma unidade corporal. Logo, "espelho" tem caráter de metáfora, podendo se referir também a qualquer interação humana com o sujeito que mostre a ele o conceito de sua unidade corporal. Na verdade, admitindo que a teoria lacaniana nesse momento de sua obra é, acima de tudo, uma teoria do reconhecimento intersubjetivo, pode-se concluir também que o reflexo especular não cumpriria sua função de permitir a assimilação de uma unidade corporal sem a mediação de outro ser humano.

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