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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.51 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2019

 

ARTIGOS

 

Pode a transexualidade operar como amarração nodal do sujeito?

 

Can transsexuality work as a subjective tie?

 

Puede la transexualidad operar como anudamiento del sujeto?

 

 

Vinícius Moreira LimaI*; Ângela Maria Resende VorcaroI, II**

IUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil
IIAssociation Lacanienne Internationale - França

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste trabalho, abordamos os relatos autobiográficos escritos em redes sociais por Daniela Andrade, mulher transexual e militante, a fim de extrair o que ela pode nos ensinar acerca da transexualidade como possibilidade de amarração nodal do sujeito. Partindo da forma como ela organiza discursivamente sua experiência, recorrendo à distinção entre identidade de gênero, papel de gênero, anatomia e orientação sexual, levantaremos a hipótese de que esse saber sobre o gênero lhe permite fazer-se um nome próprio ("Daniela Andrade") ao eleger, no Simbólico, o significante "mulher trans" para representá-la frente ao Outro. Assim, pela via de uma nominação simbólica, Daniela alcança uma forma de operar a reescrita de seu gozo pela invenção singular de um nome próprio, ao construir uma solução transexual sinthomática no campo do Simbólico, manobra que corrige o duplo lapso nodal entre seu corpo (I) e o desejo do Outro (S).

Palavras-chave: psicanálise, transexualidade, identidade de gênero, nominação, sinthome.


ABSTRACT

In this work, we consider the autobiographical narratives written by Daniela Andrade, a militant and transsexual woman, in order to extract what she can teach us about transsexuality as a possibility of making a subjective tie. Drawing upon the way she organizes her experience discursively, recurring to the distinction between gender identity, gender role, anatomy, and sexual orientation, we will raise the hypothesis that such differentiation permits her making herself a proper name ("Daniela Andrade") by electing, in the Symbolic, the signifier "trans woman" to represent her in front of the Other. Thus, by means of a symbolic nomination, Daniela finds a way to operate the rewriting of her jouissance through the invention of a proper name, making up a transsexual sinthomatic solution in the Symbolic, which corrects the double nodal lapse between her body (I) and the desire of the Other (S).

Keywords: psychoanalysis, transsexuality, gender identity, nomination, sinthome.


RESUMEN

En este trabajo, abordamos los relatos autobiográficos escritos en redes sociales por Daniela Andrade, una mujer transexual y militante, a fin de extraer lo que ella puede nos enseñar acerca de la transexualidad como posibilidad de enlazamiento subjetivo. Partiendo de la forma como ella organiza discursivamente su experiencia, recurriendo a la distinción entre identidad de género, papel de género, anatomía y orientación sexual, levantaremos la hipótesis de que ese saber sobre el género le permite hacerse un nombre propio ("Daniela Andrade"), cuando elige en el Simbólico el significante "mujer trans" para representarla frente al Otro. Así, por la vía de una nominación simbólica, Daniela alcanza una forma de operar la reescrita de su goce por la invención de un nombre propio, construyendo una solución transexual sinthomática en el campo del Simbólico, que corrige el doble lapsus nodal entre su cuerpo (I) y el deseo del Otro (S).

Palabras clave: psicoanálisis, transexualidad, identidad de género, nominación, sinthome.


 

 

Introdução

O século XXI tem sido palco de uma proliferação marcante de discursos que situam o gênero como elemento decisivo de balizamento do sujeito no campo social. Do ponto de vista da psicanálise lacaniana, levantamos a proposta de que a identidade de gênero é um significante que nos interessa a partir da forma como cada ser falante dele se serve em seu discurso para possivelmente articular uma modalidade de amarração entre os registros RSI (Lacan, 1975-1976/2007). Isto é, trata-se de observar o lugar que esse significante ocupa para cada sujeito que busca, no saber sobre o gênero, um traço de sua verdade, a fim de ler aí algo da função psíquica que ele pode exercer para um ser falante. Nessa perspectiva psicanalítica, é preciso tomar as transexualidades não como um problema ou uma patologia, mas, antes, como uma possível solução de amarração para um sujeito.

Partindo desse pressuposto, abordamos neste trabalho os relatos autobiográficos de Daniela Andrade nas redes sociais, com vistas a explorar o que sua transexualidade pode nos ensinar a partir da sua solução singular para bordejar o real traumático. Assim, consideramo-la não como objeto de um conhecimento científico, mas sim como um sujeito que opera um saber transmissível, com o qual temos algo a aprender. Desse modo, servindo-se de seu passado épico, aperfeiçoado pela memória, vigente em seus relatos, e de seu passado histórico (com o desejo parental por uma filha), Daniela amarrou uma história contando com seu passado real, que insistentemente se manifestava pela repetição de algo que não se escrevia (Lacan, 1953/1998, p. 319). A modalidade pela qual ela contorna o impossível de sua história indica que, rasurando seu nome, sua transexualidade fez sua inscrição no laço social e parece capaz de reescrever seu gozo por uma via que articula nominação1 e sinthome.

No percurso de Daniela, parece-nos que o saber sobre o gênero, diferenciando identidade de gênero, papel de gênero, anatomia e orientação sexual, franqueia a ela a possibilidade de uma amarração, pela invenção de um nome próprio que a situa no mundo como sujeito desejante, a partir de sua apropriação subjetiva do significante "mulher trans". Tentaremos desdobrar esses pontos a partir da forma como Daniela Andrade constitui sua resposta ao Outro como uma mulher transexual, compondo o que chamamos aqui de uma nominação sinthomática2 na medida em que corrige o duplo lapso de seu nó entre Imaginário e Simbólico pelo redobramento deste último registro no ponto em que a falha ocorreu. Trata-se, portanto, da função que o significante pode adquirir quanto à nominação, que amarra os registros do Real, do Simbólico e do Imaginário (Lacan, 1974-1975). Tal como nos ensina a experiência transexual de Daniela, a invenção de um nome próprio pode ser uma operação do saber aí fazer-se, solução singular para um sujeito, fornecendo uma possibilidade de existência psíquica pela via de uma nominação sinthomática no campo do Simbólico.

 

De uma invenção que contorna o pior

Daniela Andrade foi, ao nascer, designada pelos pais como sendo um menino, devido à presença anatômica do pênis. No entanto, como ela relata, o casal desejava uma menina, uma vez que já tinham um rapaz, um pouco mais velho. Ainda criança, Daniela chegou a ouvir, por trás da porta, que sua mãe tentara abortá-la algumas vezes. Isso ajudou a consolidar sua forma de interpretar seu lugar para o Outro: "Senti durante toda a infância que tinha nascido de graça, sem motivo aparente, sem amor e sem afeto". Daniela escreve que sua mãe e seu pai tratavam-na das "piores formas possíveis", sendo vítima de ódios sem justificativas, inúmeras surras, agressões verbais, sobretudo porque queriam que ela se "encaixasse dentro de um padrão masculino", uma vez tendo nascido com um pênis. "Meus pais falavam-me toda sorte de impropérios que jamais um adulto deveria dizer para uma criança".

Os pais de Daniela, que eram bastante religiosos, ligados ao catolicismo, não aceitavam o fato de que sua filha recusava certo "papel de homem: bruto, viril, macho". Um "papel" que os genitores e outros familiares cobravam da criança, a qual não o assumiu, levando, por isso, à enorme série de surras e violências por parte dos cuidadores que encarnavam o Outro para ela: "Talvez date daí o ódio que passei a ter por todos os homens e tudo que significasse masculino". Sentia náusea ao ver o linguajar e a violência entre os meninos que brincavam na rua. Daniela coloca que havia, dentro dela, "uma total ojeriza pelo mundo dito masculino", chegando a dizer a um psiquiatra a que foi levada que ela tinha "uma vontade absurda de matar os meninos todos".

Quando afirmava para os pais que ela não era um menino, a resposta dada por eles era de batê-la e deixá-la de joelhos numa varanda escura: "tive de parar de dizer". No entanto, conforme o tempo ia passando, chegando à adolescência, mais e mais o seu "nojo pelos homens ia crescendo", e Daniela era alvo constante de recriminações por parte de colegas, sendo nomeada como "a 'bichinha' do bairro", "o 'viado' da rua", "o 'traveco' da escola", já que se apresentava de uma maneira afeminada, que não condizia com os modos hegemônicos de reconhecimento de um homem, suposto viril. Essa situação causava ainda mais desentendimento em Daniela, que não se enxergava como "homem gay", uma vez que isso implicaria amar precisamente aqueles por quem, naquele momento, ela nutria intensa aversão: "outros homens".

Por causa dessas tensões, ela relata inúmeros episódios de desconforto, segregação e agressões ao longo de sua vida em ambientes variados: na escola (como na educação física dividida entre meninos e meninas, no uso dos banheiros, no descaso dos professores quanto às violências dos colegas), no trabalho (xingamentos, preterições, preconceitos), nos relacionamentos (abandonos, maus tratos), bem como na própria vida social (abusos, assédios e mesmo uma situação de estupro). Durante a adolescência, Daniela escreve que os estudos tiveram uma função essencial para sua sobrevivência. Nessa época, não podia recorrer aos pais, aos amigos, à família, à escola, pois não havia criado laços em nenhum desses âmbitos, uma vez que todos eles a haviam rechaçado por não corresponder ao padrão de masculinidade esperado de um menino: "era uma vida sem amigos, sem ter com quem desabafar, sem ter uma pessoa com quem eu sequer pudesse chorar, sem uma palavra dizer".

Seu cotidiano era de voltar para casa após "um dia inteiro de humilhações na rua, na escola", para poder esconder o rosto no travesseiro e chorar. Mas, nesse ponto, ela encontrou algum refúgio: "Afundei-me nos estudos, nos livros e nunca tive uma infância e uma adolescência. Fui órfã de pais vivos. Eles nunca foram meus amigos". No entanto, esses mesmos pais lhe exigiam notas altas na escola, algo de que ela se apropriou como forma de fuga da realidade, ancorando-se, assim, nos estudos: "meu pai sempre me exigiu que eu fosse a melhor aluna, nota 9 para ele era muito pouco. Ele costumava dizer que, se eu tirasse nota abaixo de 10, era com a cinta dele que eu resolveria. Então, transformei-me na CDF da turma". Algo que assinala a importância assumida pelo saber em sua trajetória.

Paralelamente , para enfrentar um "esmagador mundo externo", Daniela recriou um "mundo interno cheio de fantasias", mundo no qual ela jamais iria crescer - afinal, para ela, "deixar de ser criança significava ser homem". Enquanto era criança, poderia, a seu ver, sustentar uma posição mais próxima do que ela encarava como o feminino, tido como tudo aquilo a que um homem era proibido. Isso significava poder ser frágil, chorar, demonstrar sentimentos, brincar com bonecas da irmã mais nova, utilizar maquiagem e outros adornos.

Quando chegou à puberdade, Daniela sentiu-se aliviada por não ter desenvolvido barba, ombros largos, voz grave e pelos por todo o corpo. Pouco tempo depois, começou a frequentar espaços gays, o que foi uma experiência bastante relevante em sua trajetória, pois, como ela afirma, "depois de ter conhecido homens gays, passei a observar os homens de outra forma, não todos". Isso lhe permitiu, nos espaços gays, "conseguir" alguns homens que queria, vestir roupas femininas, rebolar, até mesmo se "encaixar dentro do papel de gênero que a sociedade decidiu que só à mulher é permitido e... continuar homem".

Essa posição ainda não lhe bastava; ela levou anos tentando se afirmar como algo que ela diz jamais ter sido: "um homem gay". Muitos diziam que ela podia "brincar de gênero" dentro desses espaços, mas como brincar de algo que, para ela, "não era brincadeira"? Como consequência, Daniela prossegue: "Passei muitos anos tentando me encontrar entre os gays, e tudo que consegui encontrar foi um enorme vazio. Eu não era decididamente como eles, ainda que eu observasse os considerados mais femininos". Isto é, não se tratava aí da necessidade de uma suplência imaginária de feminilidade, visto que fazer semblante pela via dos papéis de gêneros culturalmente atribuídos ao feminino não era suficiente para Daniela. O que a deixava numa posição melancólica aparentemente sem saída: "Se não sou gay, tampouco hétero, então, o que eu sou? Eu não sou nada...".

Essa experiência do vazio só pôde ser tratada após algumas conversas com Cláudia, uma amiga transexual, que lhe permitiu se "encontrar" ao lhe falar sobre o que era a transexualidade: "Suas conversas valeram mais que anos de terapia serviriam naquele momento. Foi quando descobri o que era ser transexual - até então, havido ouvido raras vezes a palavra". Assim, ao saber que havia mulheres cujo sexo não traduzia seu gênero, ela diz ter compreendido que "você não necessariamente precisa nascer com uma vagina para ser mulher; porque as vaginas não determinam mulheres, assim como pênis não determinam homens". Não se tratava, portanto, de "ter nascido num corpo errado", mas no corpo próprio de Daniela, uma mulher, ainda que portasse um pênis. Afinal, " as pessoas trans podem ter os mesmos corpos das pessoas cisgêneras, sem modificar absolutamente nada. Pois a identidade de gênero não é algo do aparato anatômico, mas do psíquico".

A partir do encontro com esse saber, Daniela descobriu que "era possível ser uma mulher nascida num corpo que não traduzia seu gênero" e apropriou-se desse novo significante, "mulher transexual", para ancorar sua amarração psíquica, iniciando nessa época um processo de hormonização e, mais tarde, de terapia com uma psicanalista, que a atende desde 2012. Foi aos 18 anos que ela assumiu sua transexualidade e, na sequência, decidiu sair de casa, já que seus pais não aceitavam sua mudança. Lutou para alcançar um emprego formal (algo difícil de se conseguir, dada a discriminação contra a população trans), ganhando estabilidade relativa na vida ao trabalhar como analista de sistemas numa boa empresa, após ter se formado em Letras, com pós-graduação em Língua Portuguesa, e se formado também em Tecnologia da Informação, com pós-graduação em Engenharia de Software.

Em 2017, aos 36 anos, Daniela cursa sua terceira graduação, dessa vez em Direito, para sustentar sua alta qualificação e ajudar a garantir os direitos das minorias sociais. Ela afirma o seguinte: "Olho para o meu passado e vejo que não construí laços, não construí qualquer identificação com minha família; na verdade, passei muito tempo ouvindo da boca da minha mãe que só poderiam ter me trocado na maternidade". Ainda assim, ela diz não sentir nem falta nem rancor de sua família; apenas se questiona sobre o porquê de toda essa violência que sofreu da sociedade. Atualmente, seu discurso está voltado para a legitimação das reivindicações da população trans, discurso que ela constrói a partir da própria experiência, ao localizar quatro componentes distintos da subjetividade que, ainda hoje, são cotidianamente confundidos por uma parcela considerável da sociedade: sexo anatômico, identidade de gênero, expressão/papel de gênero e orientação sexual.

Partindo do fato de que o genital com que se nasce não determina nada do sujeito, Daniela coloca que reconhecer-se homem ou mulher pode ser uma reivindicação diferente da nomeação dada pelo Outro à época de seu nascimento, nomeação que costuma ser feita a partir do sexo anatômico. Assim, a identidade de gênero diria respeito ao gênero em que o sujeito se reconhece, seja homem, mulher, travesti, entre outros, de maneira independente de seu genital. Por sua vez, o papel de gênero teria importância secundária em relação à identidade de gênero, uma vez que cada um irá dar corpo à masculinidade e/ou à feminilidade a seu próprio modo, sem que essa expressão transforme alguém em homem ou mulher. O fundamental seria o respeito à identidade de gênero reivindicada pelo sujeito, ao tratar cada um pelo nome e pronome com que deseja ser tratado. Por fim, segundo ela, esses três fatores não apresentam relação fixa ou direta com a orientação sexual, no sentido da modalidade de atração que o sujeito sente: por homens, mulheres, ambos ou nenhum deles.

Assim, Daniela define a mulher trans ou transexual como aquela pessoa que, quando nasceu, foi registrada como homem pelo seu genital, mas "se reconhece mulher. Apenas isso. Veja que não tem nada a ver com cirurgias e roupas. Ninguém vira mulher trans quando se cirurgia, pois cirurgia não muda identidade das pessoas". Nesse sentido, trata-se de um "sentimento íntimo" que não se liga ao genital com que se nasce e que tampouco depende exclusivamente de uma cirurgia de redesignação de sexo. Daniela escreve: "eu sou mulher independente de qualquer roupa que eu coloque, assim como se dá com a mulher cis". Por isso, é fundamental, segundo ela, "esquecer" o dicionário, as roupas e a anatomia para se falar em identidade de gênero; trata-se, portanto, de ouvir a própria pessoa quanto à forma como ela reivindica ser tratada, pois a identidade de gênero é referida ao "psíquico".

Isso significa que, para Daniela, não é preciso " ser feminina para ser mulher, ter silicone para ser mulher, ser cirurgiada para ser mulher, ser vaidosa para ser mulher, ser super hormonizada para ser mulher". Ela afirma que nada disso é necessário para ser mulher, "pois o ser mulher não está instalado em nada disso. O ser mulher está em um lugar que ninguém poderá ver ou tocar, e que só eu mesma tenho acesso, dentro do meu mais íntimo ser". Por causa disso, diz ter deixado de usar "quilos de maquiagem", de usar "mil vestidos", de "forçar um andar rebolado para me encararem como mulher", pois nada disso "traduz o que é ser mulher". O que ela exige, de maneira simples e decisiva, é que em sua frente lhe tratem "por Daniela", de forma que: "O papel de gênero é descartável, a minha identidade de gênero não".

Nesse ponto, conseguimos depurar o fato de que o elemento fundamental na amarração que Daniela engendrou para si parece estar localizado no registro do Simbólico, em sua identidade de gênero, a qual lhe permite posicionar-se no discurso como uma mulher transexual, significante que ela situa mais além de todo imaginário dos papéis de gênero, nomeando-se, assim, como Daniela Andrade. Nome que ela conseguiu retificar em seus documentos em 2013 - e que ainda assim não garante que as pessoas a tratarão pelo nome social. Mas, a despeito desses outros que desconsideram sua solução, é por essa via da identidade de gênero que ela demanda do Outro seu reconhecimento como sujeito, pautada pelo respeito à forma de tratamento que lhe é adequada: no feminino, reconhecida como Daniela, uma mulher.

 

A identidade de gênero como assunção de um significante

Partiremos da hipótese de que Daniela Andrade constrói uma possibilidade de existência psíquica após nomear-se como uma mulher transexual. Em seu caso, o saber sobre o gênero parece funcionar como modalidade simbólica de tratamento do real, numa forma que talvez não seja encontrada em todas as soluções trans. Com sua invenção, Daniela nos ensina que, para além das normas sociais e das identificações imaginárias, há uma outra via para conceber a identidade de gênero, tomando-a como a assunção de um significante que tem um lugar no desejo do Outro para representar o sujeito no laço social, algo que lhe abre a possibilidade de alcançar uma ancoragem subjetiva pela via do reconhecimento simbólico. Mesmo que essa manobra não alcance a identidade do Um consigo mesmo (já que o significante é diferencial e não significa a si mesmo), a eleição de um significante na posição de uma identidade de gênero é passível de ajudar a situar o sujeito no laço. Nessa vertente, o gênero pode operar como um significante-mestre que orienta o sujeito no discurso.

Assim, as soluções trans nos conduzem a ir além da cola cultural entre "ser homem - ter pênis" e "ser mulher - não ter pênis", a fim de desconfiar desse arranjo identitário demasiado simplista, que tenta usar a biologia ou a anatomia como determinante do sujeito. Se o sexo "não define relação alguma no ser falante" (Lacan, 1971-1972/2012, p. 13), então, como nos ensina Daniela, a pergunta sobre o que é um homem ou uma mulher "não pode se resumir a 'é aquilo que a sociedade te impõe ser por conta de uma escolha arbitrária: escolheram que determinada parte anatômica define homens e mulheres'. Não para mim, para mim essa afirmação não consegue se sustentar".

Desse modo, nem a biologia, nem a anatomia, tampouco as determinações da cultura são suficientes para esgotar o que é o sujeito. Daniela está atenta a isso: "O que vinha do meu íntimo e que eu sentia necessitar não era apenas colocar uma roupa feminina, ou comportar-me como a sociedade julgava que às mulheres era permitido". Não se tratava, para ela, do imaginário dos papéis de gênero, que estaria atrelado a estereótipos, trejeitos, roupas e cuidados estéticos que fornecem certa imagem normativa da feminilidade. Antes, o que está em jogo parece ser uma operação simbólica de assunção significante.

Para Daniela, "a construção da identidade de gênero não toca apenas o social - aquilo que a sociedade define como sendo homem ou mulher, ela toca entranhas muito profundas do meu aparato psíquico; pois a nossa identidade também é construída muito internamente". Dessa forma, o gênero não se limita à relação anônima com as normas; ele é também um ponto opaco na existência, uma interrogação subjetiva fundamental, uma forma íntima de estranheza, por se endereçar às fronteiras do ser do próprio sujeito, despertando em cada um a questão do seu desejo e do seu gozo em sua relação ao Outro (Leguil, 2016, p. 37). É nesse ponto que se começa a falar do gênero além das normais sociais, conjugado na primeira pessoa do singular. Como coloca Daniela: "Creio que o que significa ser mulher e o que é ser a mulher que eu sou para mim só cabe à Daniela, e cada uma das demais mulheres terão sua concepção muito única de si mesmas".

Nesse caso, foi ao servir-se, à sua maneira, do significante "mulher transexual" que Daniela pôde reescrever sua trajetória a partir dos repetidos traços do horror que advinham da violência do Outro. Sua negação da nomeação pelo Outro como menino nos parece apontar precisamente para alguma marca do desejo parental pré-histórico por uma filha que permaneceu em Daniela como resíduo simbólico. Trata-se de uma forma de sexualidade inconsciente que faz furo na tentativa de determinação inequívoca pelas normas sociais. Assim, foi apenas ao assumir a seu modo o significante "mulher trans" que Daniela conseguiu se fazer um nome próprio, encontrando uma solução sinthomática que a inserisse no laço social, servindo-se do Pai para poder dele prescindir: "Ser travesti ou transexual é em enorme parte das vezes isso, ter que me parir, me cuidar e ser minha própria mãe e meu próprio pai".

 

A transexualidade de Daniela como nominação simbólica

Nessa direção, levantaremos a hipótese de que, amarrando os três registros de Daniela, encontramos uma nominação que busca garantir o reconhecimento de sua invenção, porque foi somente a partir de seu encontro contingente com um saber sobre o gênero que ela pôde compor sua resposta ao Outro, inserindo-se no laço social como mulher trans. Isso foi feito ao isolar, no registro do Simbólico, o lugar do significante "mulher", que passou a representá-la frente ao Outro, mais além do Imaginário de sua expressão de gênero e do Real de sua anatomia, de seu corpo como ponto de opacidade.

Servindo-se desse saber sobre o gênero, Daniela parece ter feito uma passagem do vazio do ser, em que não se reconhecia nas atribuições que lhe eram designadas, para operar sua transposição para a história, ao situar-se no campo do Outro por meio do nome que a remete à causa de seu desejo (Lacan, 1962-1963/2005, p. 366). Esse movimento lhe proporcionou uma orientação desejante no mundo a partir do que extraiu de suas relações com o Outro. Nessa esteira, podemos propor uma hipótese para a forma como Daniela nomeia sua experiência da transexualidade:

• no Real, encontramos a anatomia, não como uma realidade última, mas como envoltório de um ponto de opacidade corporal que faz enigma para o sujeito sem lhe fornecer um saber-fazer com isso, de forma que o destino subjetivo do anatômico se dará sem a garantia de um instinto ou de um saber inscrito na natureza;
• no Simbólico (naquilo que Daniela localiza como "identidade de gênero"), trata-se da assunção de um significante que tem um lugar no desejo do Outro para representar o sujeito no laço social, algo que Lacan elaborou a seu modo como "assunção do sexo" e que podemos situar de forma mais ampla como a decisão subjetiva pelo significante ("homem", "mulher", "travesti" etc.) que o representará para o Outro. No presente caso, a articulação do significante "mulher trans" numa rede simbólica franqueia a possibilidade de escrita de um nome próprio: Daniela Andrade;
• no Imaginário (que Daniela situa com a "expressão" ou o "papel de gênero"), é preciso realizar um aparelhamento narcísico do corpo que lhe dê consistência, de modo que o sujeito se arranjará para ter um corpo próprio, configurando sua própria maneira de dar corpo à masculinidade, à feminilidade etc.;
• a escolha de objeto é independente dos termos anteriores;
• na amarração dos três registros, no caso de Daniela, situamos o nome próprio que orienta seu enodamento, como aquilo que se presta a ser, nesses registros, o ponto de causa singular que a mobiliza e a orienta como desejante no mundo. Mostramos essa nominação na Figura
1.

 

 

Fig. 1 - A nominação simbólica da experiência transexual de Daniela

No Seminário 22 de Lacan (1974-1975), a nominação é o quarto termo que permite localizar os registros RSI como diferenciados uns dos outros. Sem esse quarto elemento, os outros três se tornam homogêneos e nenhuma amarração se sustenta. Na nominação simbólica, a articulação entre R-I só é esclarecida pela mediação entre eles que é feita pelo anel do S, amarrado a uma nominação (Ns) que vem isolar o registro simbólico. Dessa forma, em RSI, "o sintoma é a associação da nominação simbólica com o simbólico" (Porge, 2010, p. 49), o que se escreve como: ∑ = Ns + S. Com isso, o sintoma se torna aquilo que "duplica a função nomeante do simbólico", que "nomeia o simbólico a partir do simbólico" (Porge, 2010, p. 49-50).

Assim, localizar a identidade de gênero em seu valor significante parece permitir a Daniela fazer-se um nome próprio que opera como nominação simbólica. A associação entre o par "mulher transexual" e "Daniela Andrade" (respectivamente, a identidade de gênero [S] e o nome próprio [Ns]) pode operar, então, como sintoma, ponto de amarração subjetiva para Daniela. Trata-se do "nome próprio como sintoma", no que "um sintoma pode funcionar como nome próprio do sujeito, como aquilo que designa repetidamente algo do seu ser"; mais precisamente, um traço do seu gozo (Rosa, 2015, p. 127). Desse modo, é apenas ao produzir essa nominação pelo simbólico, a partir da identidade de gênero, que a articulação entre o real de sua anatomia e o imaginário de sua expressão de gênero é para ela esclarecida.

 

A escritura de um nome próprio como solução sinthomática

Sabemos que, ao avançar na direção do Real na década de 70, o ensino de Lacan esteve às voltas com a escrita dos nós borromeanos. Num primeiro momento, no Seminário 21, o psicanalista se pautava pelo nó de três elos (RSI) para propor a amarração do sujeito (Schejtman, 2015, p. 70). No entanto, durante o Seminário 22, ao apontar a equivalência entre os registros no nó de três, houve um ponto de virada fundamental: mostrou-se necessária a presença de um quarto elo para amarrar os outros três, tornando-os dissimétricos e, assim, discerníveis entre si por sua polarização dois a dois (Schejtman, 2015, p. 170). Só o quarto elemento é que permitiria nomear os demais. Esse movimento se consolida no Seminário 23, uma vez que o nó de três sempre dependeria de um quarto termo: "o mínimo em uma cadeia borromeana é sempre constituído por um nó de quatro" (Lacan, 1975-1976/2007, p. 49).

Dessa forma, se o sintoma no final do Seminário 22 foi tratado a partir da nominação simbólica como quarto elo que nomeia o Simbólico, esse elemento quarto equivalerá, no Seminário 23, à invenção do sinthome como solução que vem compensar a falha no nó (Porge, 2010, p. 50). Nessa direção, o sinthome irá operar como um "herdeiro" da função da nominação (Schejtman, 2015, p. 87). Vale lembrar, no entanto, as especificidades de cada proposta: o sintoma em RSI é composto por duas consistências (a nominação e o simbólico); ao passo que o sinthome é reduzido a apenas uma consistência.

No entanto, para a introdução desse último elemento, o mais importante, segundo Schejtman (2015, p. 87), é a noção de "lapso do nó", sobre o qual o sinthome virá fazer a reparação. Essa parece ser a novidade central introduzida no Seminário 23, na medida em que o quarto elo já supõe uma falha na amarração (Schejtman, 2015, p. 96). Doravante, como não há mais um enodamento sem falhas, o nó borromeano de três, mostrado pela Figura 2, não passa de uma abstração ideal: seria um "erro" pensar que esse nó constitui uma "norma para a relação [rapport]" dos três registros (Lacan, 1975-1976/2007, p. 20).

Figura 2 - O nó borromeano de três

Uma vez que não há norma para a amarração, o enodamento do ser falante torna-se assombrado por uma falha, a qual convoca para todo sujeito - cis ou trans - a necessidade de correção por um quarto termo - o sinthome - que mantenha juntos RSI. Se extrairmos as consequências dessa invenção de Lacan, essa perspectiva abre uma importante via ética de despatologização das transexualidades na psicanálise. Afinal, se não existe uma norma que oriente a amarração dos três registros, então é possível considerar o sintoma-sinthome não como um problema a ser eliminado, tampouco como uma patologia a ser classificada, mas, antes, como a solução inventada por um sujeito para manter juntos RSI. Trata-se, portanto, de considerar que o ser falante não pode prescindir de uma reparação em seu nó, denunciando as aspirações a qualquer harmonia ou normalidade. Para todo sujeito, estará colocado algum ponto traumático de falha estrutural, ponto que rateia em seu enodamento, exigindo um quarto termo de reparação (Schejtman, 2015, p. 98).

No caso de Daniela, o lapso parece se dar entre o simbólico do desejo do Outro (que esperava uma menina) e o imaginário do seu corpo, o qual, pela presença anatômica do pênis, foi imaginado como sendo um corpo de menino. No entanto, considerando a centralidade da solução trans ao longo de 20 anos de sua trajetória, levantaremos a hipótese de que ser Daniela Andrade, uma mulher transexual constitui para ela o que chamamos de uma nominação sinthomática (Σ), já que sua transexualidade parece compor, com uma nominação simbólica, um quarto elo que corrige o lapso no mesmo ponto em que ele ocorreu (que é a própria definição de sinthome, cf. Lacan, 1975-1976/2007, p. 94). Segundo nossa hipótese, a solução discursiva de Daniela repararia o duplo lapso entre Simbólico e Imaginário, como indicamos nas Figuras 3 e 4.

Fig. 3 - O duplo lapso no nó de Daniela

Fig. 4 - A nominação sinthomática de Daniela

Esse redobramento sinthomático do Simbólico permite a Daniela engendrar um saber-fazer com os efeitos das marcas do Outro em seu percurso de maneira retroativa, pela via de uma nominação daquilo que a causa como sujeito. Essa empreitada parece ter se tornado uma forma de passar o objeto a da marca de como ela veio ao mundo para a história de um sujeito desejante (Lacan, 1962-1963/2005, p. 366). Pela invenção de um nome próprio, Daniela opera uma reescrita com a qual ela se apropria de sua trajetória, enodando-se por um sintoma-sinthome ou uma nominação sinthomática: ser Daniela Andrade, uma mulher transexual.

Ao servir-se, à sua maneira, do valor simbólico do significante "mulher trans", essa solução corrige o duplo lapso entre o imaginário do seu corpo e o simbólico do desejo do Outro, a partir da inserção de Daniela no laço social pela organização de um saber sobre o gênero. Foi por meio de uma apropriação subjetiva desse saber, com a eleição do significante "mulher trans", que ela pôde fazer-se um nome próprio, "Daniela Andrade", e contar sua história retroativamente marcando um antes e um depois. Assim, esse saber sobre o gênero, que condiciona sua nominação como mulher transexual, parece franquear uma amarração pra Daniela ao nomear seus registros RSI, pela diferenciação entre o sexo anatômico (R), a identidade de gênero (S), o papel de gênero (I) e a orientação sexual.

 

Considerações finais

Daniela teve de promover uma tomada de posição subjetiva para se constituir como desejante, a partir da passagem para a história da forma com que ela se erigiu como objeto a para o Outro, "como o wanted ou o unwanted de sua vinda ao mundo" (Lacan, 1960/1998, p. 689). Isso foi feito ao nomear um significante para representá-la frente ao Outro mais além do imaginário dos papéis de gênero. A eleição desse significante, "mulher trans", permite-lhe constituir o nome próprio "Daniela Andrade", uma marca do sujeito que designa algo do seu gozo. Dessa forma, a solução de Daniela sinaliza, em alguma medida, um esboço de transformação na ordem simbólica, à medida que o saber sobre o gênero do qual ela se serve começa a encontrar respaldo no discurso partilhado pela cultura.

Assim, a eleição de um significante-mestre para representar o sujeito frente ao Outro na posição de uma identidade de gênero não precisa ser necessariamente uma identificação imaginária a certas formas de alienação a um grupo. Como nos ensina o caso de Daniela, a identidade de gênero pode ser pensada como o alçamento de um significante a uma função de amarração, que pode permitir a um sujeito - para nos apropriarmos da expressão lacaniana - a assunção de um sexo, desde que tomemos o sexo não como anatomia, mas especialmente como a assunção de um modo de gozo. Pois o que parece inquietar Daniela desde sua infância é a roupagem violenta com que o gozo fálico lhe foi apresentado, articulado ao universo masculino - uma versão que ela recusa em função de uma posição feminina que lhe foi tecida no inconsciente pela sua pré-história simbólica no desejo parental.

Afinal, não há garantias para que um sujeito se reconheça no gênero designado pelo Outro a partir da anatomia. Os resultados dessa nomeação dependem de uma assunção subjetiva que não é passível de ser totalmente controlada pelas normas sociais. Se o Outro é castrado - e não um instrumento completo de dominação -, a ordenação simbólica se torna inconsistente [S(Ⱥ)], permitindo aparecer a contingência da escolha de um sujeito3. Nessa direção, a população trans nos ensina que as pessoas que consentem com a designação dada pelo Outro a partir de sua anatomia são ditas cisgênero, ao passo que quem rejeita essa nomeação, reivindicando pertencimento a outro lado, é dito trans. Dessa forma, o sexo não define relação alguma no ser falante, pois o que está em jogo são as identificações do sujeito para além das designações conscientes ou normativas do Outro (Lacan, 1971-1972/2012).

No caso de Daniela, que relata nunca ter se sentido um homem a despeito das reiteradas designações masculinas advindas do Outro, a transexualidade permitiu sua inserção no laço social por meio de uma vertente simbólica. Se ela não pode mais ser criança, se ela nunca se considerou um (homem) gay e se ela não é uma mulher no sentido normativo da biologia, ela pôde encontrar uma saída a partir do saber sobre o gênero: ser uma mulher trans. Donde a importância de ser referida pelo nome próprio e pelos pronomes femininos, como forma de sustentar sua solução simbólica frente aos impasses de sua posição subjetiva.

Talvez esse seja um dos principais ensinamentos de Daniela à psicanálise, na medida em que sua transexualidade coloca em jogo não tanto uma adesão imaginária a protocolos médico-psiquiátricos, mas, mais centralmente, o gênero como uma posição discursiva assumida pelo sujeito à sua maneira. À medida que esse saber sobre o gênero alcança maior inserção no discurso partilhado, mais soluções como a de Daniela, pela via do Simbólico, podem ter lugar na cultura. Dessa forma, abre-se caminho para uma relativização da cirurgia como peça central para as soluções trans, permitindo que o sujeito tenha a possibilidade de se inserir no laço por uma via discursiva sem depender necessariamente de uma adequação corporal às normas binárias do gênero.

Nessa direção, a transexualidade pode ser entendida como uma possível solução de alguns sujeitos para enlaçar algo da opacidade do corpo, mas que não necessariamente tem de passar pelo procedimento médico de redesignação do sexo. De uma perspectiva clínica, não seria essa uma via possível para pensar a aposta em soluções trans articuladas ao registro do simbólico que não se orientem centralmente pela submissão às ofertas da tecnociência? Afinal, a realização da cirurgia não parece ser o ponto decisivo para a amarração de Daniela; ela sabe que uma operação não irá "transformá-la" em uma mulher, pois a identidade de gênero não se aloja num genital. Dessa maneira, sua cirurgia de redesignação - que está prevista para 2019 - talvez componha em seu nó uma forma de "polirreparação" (Schejtman, 2015, p. 307), isto é, uma suplência adicional que não incide no ponto exato da falha do nó, mas que pode ajudar a estabilizar sua solução simbólica.

Poderíamos mesmo levantar a hipótese de que já existe uma polirreparação em jogo, na medida em que, há duas décadas, em paralelo à amarração pela via discursiva, Daniela se serve igualmente do processo de hormonização, mais acessível do que os procedimentos cirúrgicos. Além disso, ela também cultiva uma parceria amorosa com Eduardo, com quem se casou no civil no final de 2017 após cinco anos de namoro. Mas, ainda que a hormonização, a realização da cirurgia e a oficialização de sua parceria amorosa sejam importantes para a manutenção de sua solução, o lugar decisivo do nome próprio ainda sobressai, de forma descontraída, quando ela escreve em seu Facebook pouco após o casamento: "A mulher no cartório perguntando se eu iria querer mudar meu nome pra ficar com o sobrenome dele, respondi: jamais, só eu sei o sacrifício que foi mudar esse nome pela primeira vez".

 

 

Referências

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Schejtman, F. (2015). Sinthome: ensayos de clínica psicoanalítica nodal. Olivos: Grama Ediciones.         [ Links ]

 

Artigo recebido em: 27/02/2018
Aprovado para publicação em: 11/02/2019

Endereço para correspondência
Vinícius Moreira Lima
E-mail: vmlima6@gmail.com
Ângela Maria Resende Vorcaro
E-mail: angelavorcaro@uol.com.br

 

 

*Graduando em Psicologia pela UFMG (2015-2019), bolsista de iniciação científica do PIBIC/CNPq, sob orientação da Profa. Dra. Ângela Vorcaro, e coordenador, juntamente com o Prof. Dr. Guilherme Massara Rocha, da pesquisa "Psicanálise lacaniana e teoria queer: um debate possível?", em andamento no Departamento de Psicologia da UFMG (2017-).
**Psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale, doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP) e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FAFICH/UFMG.
1Vertemos como "nominação" o termo francês "nomination" empregado por Lacan no Seminário 22, acompanhando a decisão teórica de uma pesquisa da qual participamos acerca desse mesmo conceito. A pesquisa, dirigida por Andréa Guerra e Ângela Vorcaro, resultou na publicação do livro sobre A teoria da nominação na obra de Jacques Lacan (2018), no qual essa discussão é amplamente aprofundada.
2A introdução dessa categoria de "nominação sinthomática" visa articular a nominação simbólica - como redobramento do registro simbólico, produzindo uma amarração pela via do sintoma - com a noção de sinthome enquanto uma reparação da falha do nó no mesmo ponto em que ela ocorreu. Algo a que Schejtman (2015, p. 308) já se referiu como "sintoma-sinthome", conjugando igualmente a teoria da nominação que se esboça ao final do Seminário 22 com a perspectiva do sinthome que se inaugura no Seminário 23.
3Vale observar que o termo "escolha" em psicanálise não se refere a uma decisão voluntariosa do eu, mas, antes, a uma eleição inconsciente da pulsão que surpreende o sujeito.

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