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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.51 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

A mudança em psicanálise e a psicanálise em mudança. Parte I

 

The change in psychoanalysis and the changing psychoanalysis. Parte I

 

El cambio en el ppsicoanálisis y el psicoanálisis en cambio. Parte I

 

 

António Pazo Pires*

Instituto Universitário - Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O tema é como é vista a ação terapêutica em psicanálise hoje e no passado. Defendo a ideia de que se assiste com frequência a uma sobrevalorização das visões e intervenções tradicionais com desconhecimento das conceptualizações e descobertas mais recentes, e noutros casos por uma preferência pelas novas formas de conceptualização e intervenção e desvalorização excessiva das mais antigas. Conceitos-chaves no processo terapêutico como a recordação, o insight, a interpretação, a resistência, neutralidade e a transferência foram reformulados ou deixaram de ser o centro da atuação e viram diminuída a sua importância, cedendo a relevância a conceitos como a contratransferência, identificação projetiva e, mais recentemente, a relação, o enactment, a emoção, as relações interpessoais fora do setting, e o futuro do paciente. A psicanálise virou a sua atenção do paciente para analista. Discutem-se as mudanças das visões tradicionais em visões contemporâneas e as suas implicações em dois textos. Neste texto, identificado como a primeira parte, vamos abordar a recordação, o insight, interpretação, resistência e neutralidade. Os restantes serão abordados na segunda parte.

Palavras-chave: ação terapêutica, recordação, insight, interpretação, resistência, neutralidade.


ABSTRACT

The topic is how the therapeutic action in psychoanalysis is seen today and in the past. I support the idea that there is often an overvaluation of traditional views and interventions with ignorance of the latest conceptualizations and discoveries and in some cases a preference for new forms of conceptualization and intervention and excessive devaluation of the older ones. Key concepts in the therapeutic process such as recall, insight, interpretation, resistance, neutrality, and transference have been reformulated or ceased to be the center of action and have diminished their importance, yielding relevance to concepts such as countertransference, projective identification, and more recently to relation, enactment, emotions, interpersonal relationships outside the setting, and the patient's future. Psychoanalysis turned its attention from the patient to the analyst. We discuss the changes of traditional visions in contemporary visions and their implications in two texts. In this text identified as the first part we will address recall, insight, interpretation, resistance, and neutrality. The remainder will be covered in Part Two.

Keywords: therapeutic action, recall, insight, interpretation, resistance, neutrality.


RESUMEN

El tema es cómo se ve la acción terapéutica en el psicoanálisis hoy y en el pasado. Apoyo la idea de que a menudo hay una sobrevaloración de los puntos de vista e intervenciones tradicionales con ignorancia de las últimas conceptualizaciones y descubrimientos y, en algunos casos, una preferencia por nuevas formas de conceptualización e intervención y una devaluación excesiva de las más antiguas. Los conceptos clave en el proceso terapéutico, como el recuerdo, el insight, la interpretación, la resistencia, la neutralidad y la transferencia, se han reformulado o dejado de ser el centro de acción y han disminuido su importancia, dando relevancia a conceptos como la contratransferencia, la identificación proyectiva y más recientemente, a relación, el enactment, emociones, relaciones interpersonales fuera del entorno y el futuro del paciente. El psicoanálisis dirigió su atención del paciente al analista. Discutimos los cambios de las visiones tradicionales en las visiones contemporáneas y sus implicaciones en dos textos. En este texto identificado como la primera parte, abordaremos el recuerdo, el insight, la interpretación, la resistencia y la neutralidad. El resto se cubrirá en la Parte Dos.

Palabras clave: acción terapéutica, recordar, insight, interpretación, resistencia, neutralidad.


 

 

No século XX, a Psicanálise evoluiu extraordinariamente. A forma como é vista a mudança dos pacientes em psicanálise mudou ao longo destes cem anos. Os conceitos-chave relacionados com a mudança em psicanálise foram reconcetualizados ao longo do tempo. Foram-lhe acrescentados novos sentidos, reformulado o sentido, nalguns casos quase invertido o sentido. Por outro lado, o que era considerado um conceito essencial viu diminuída a sua relevância e apareceram conceitos novos, frutos do confronto de ideias, da evolução paralela das diferentes escolas de psicanálise e do impacto de mudanças sociais e filosóficas decorridas no século XX, e nas últimas décadas a uma crescente atitude de integração das várias psicoterapias. O que era conhecimento assente e aceite deixou de o ser sendo substituído por outras ideias com maior acolhimento. Assiste-te hoje em dia a uma complexidade crescente, a uma multiplicidade de ideias concorrentes difíceis de dominar no seu conjunto.

Em cem anos a psicanálise mudou de uma filosofia positivista com o intuito de ser objetiva e de autoridade centrada no analista, para uma psicanálise subjetiva, de colaboração entre analista e paciente na pesquisa sobre as dificuldades do paciente e do terapeuta e na forma de as ultrapassar. Conceitos-chaves como a recordação, a neutralidade, a transferência, a resistência à interpretação e o insight foram redefinidos, deixaram de ser o centro da atuação ou viram diminuída a sua importância cedendo a relevância a conceitos como a identificação projetiva, contratransferência, relação, enactment e intersubjetividade. A psicanálise virou a sua atenção do paciente para o analista. No entanto, uma parte dos psicanalistas atuais parece ignorar as vantagens das descobertas "recentes" enquanto outra parece desconhecedora do mérito dos conhecimentos do passado.

Neste texto (parte I), abordamos alguns desses conceitos como o papel da recordação, o insight, a interpretação, a neutralidade e a resistência. Num segundo texto (parte II), abordaremos a identificação projetiva; a contratransferência e o enactment; a transferência, neurose de transferência e nova relação; a importância de trabalhar o afeto e as relações interpessoais; e a necessidade de uma atenção ou atitude voltada para o presente, o passado, mas também ou sobretudo para o futuro do paciente.

 

Recordar

O primeiro tópico que quero abordar é o papel da recordação de memórias, nomeadamente das memórias antigas e esquecidas, no processo terapêutico. Freud (1914/1979) em "Recordar, repetir e elaborar", falava de dois tipos de memória. Primeiro, na importância de recuperar memórias verídicas. Memórias carregadas afetivamente e ligadas ao acontecimento traumático original. O recordar tal como era induzido pela hipnose. Segundo, um tipo de memória recalcada e não recordada mas transformada em padrões de ação repetidos ao longo da vida. Aquilo que não se lembrava aparecia transformado e repetido em ação. O repetir tal como era induzido no tratamento analítico. "O paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o. Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem naturalmente saber que o está repetindo"(Freud, 1914/1979, p. 165). "Não pode fugir a esta compulsão à repetição e, no final, compreendemos que esta é a sua maneira de recordar" (Freud, 1914/1979, p. 166).

Mas qual é o fator curativo? É a emergência na memória autobiográfica de uma experiência não lembrada previamente que agora pode ser assimilada ao sistema representacional? Ou mostrar ao paciente que ele repete na relação com o terapeuta, e com os outros em geral um determinado padrão? Para Freud (1914/1979) um dos objetivos da análise era ajudar o paciente a recordar, tornar o inconsciente consciente. Para isso eram procuradas as memórias remotas de acontecimentos ou memórias episódicas. As memórias dos acontecimentos traumáticos tinham inicialmente sido recalcadas e esquecidas porque evocavam sentimentos insuportáveis. Com a transição do método da hipnose para o tratamento psicanalítico manteve-se o objetivo de recordar, mas manejar a transferência para lidar com a compulsão à repetição tornou-se o mais importante. Ferenczi atribuía o principal papel na técnica analítica à repetição em vez de à recordação. Consistia numa gradual transformação do material reproduzido em recordação real (Ferenczi, & Rank, 1924/1986). Do lembrar para o reviver no aqui-e-agora.

Nas últimas décadas o primeiro fator terapêutico tem sido desvalorizado em favor do trabalho no aqui-e-agora. Alguns analistas (Fonagy, & Target, 1999) insistem que procurar as memórias explícitas é inútil, é uma forma errada de trabalhar e que o importante é analisar os padrões que se repetem sobretudo quando repetidos na transferência. Fonagy e Target (1999) acham que a recuperação de tais memórias é um epifenómeno, uma consequência inevitável da exploração dos padrões de transferência. A recuperação da memória proporciona uma explicação mas é terapeuticamente inerte. A memória declarativa ou explícita está envolvida na recuperação consciente de informação do passado; a memória de procedimento ou implícita permite a recuperação de informação sem uma recordação (Fonagy, & Target, 1999). Para estes autores a única memória útil a explorar nas sessões seria essa memória implícita não recuperável à consciência, automática e revelada na ação.

Só que isso nem sempre resulta porque os momentos transferenciais podem tender a produzir uma compreensão, um reconhecimento de que existe uma ligação entre o passado e o presente em vez de recuperar uma verdadeira memória, uma memória afetiva. Os pacientes obtêm insight do que se passa consigo mas ainda assim são incapazes de mudar. Isso ocorre em parte por serem os terapeutas e não o paciente a ligarem o presente ao passado. Em alguns casos, pelo abuso dos terapeutas em fazerem uma ligação do presente ao passado. Algumas teorias atuais enfatizando o aqui e agora desvalorizam a importância da recuperação de memórias transformadoras.

Mas, pelo contrário, a recuperação de algumas memórias episódicas no decurso da análise por parte do paciente podem revelar-se em alguns casos cruciais para entender o paciente e para ele entender-se a si próprio. Por rara que seja a recuperação de memórias episódicas elas podem ser importantes. Elas proporcionam uma oportunidade de o paciente reelaborar de outra forma aquilo que pensaram no momento do trauma. Sendo assim, acentua-se a importância das condições propícias à ocorrência das ideias espontaneamente (heinfall de Freud) como a associação livre.

Segundo Jacobs (2013, p. 75) a ação terapêutica da psicanálise pode ser vista agindo em dois níveis. O primeiro põe os pacientes em contato com as suas defesas, os motivos inconscientes e a sua forma habitual de serem e de se relacionarem com os outros. Através do insight, os pacientes tomam contato com as fantasias inconscientes tanto intrapsíquicas como relacionais que têm utilizado para se adaptarem tanto à realidade interna como externa, garantir segurança, evitar o sofrimento e obter a maior satisfação possível. Esse insight ocorre, segundo Jacobs, pelo trabalho no aqui-e-agora com as defesas e a transferência.

Contudo, grande parte do sofrimento que os pacientes evitam está contida em experiências e no seu significado privado fechado em memórias guardadas. Só tendo acesso e reenvolvendo as experiências envoltas nessas memórias um nível mais profundo da ação terapêutica toma lugar. Por vezes o acesso a essas memórias depende da consciência e capacidade do analista para confrontar e superar o evitamento das suas próprias memórias.

Para Jacobs (2013, p. 70-71) o trabalho no aqui-e-agora mantem-se em nível superficial não permitindo o acesso ao segundo nível. Frases como "agora percebo como devia ficar enraivecido com a minha irmã" ditas por um paciente que está enfurecido com o analista por sentir que ele prefere outra paciente conotam um insight mas ao mesmo tempo uma defesa forte contra uma verdadeira recordação. O paciente fala do que poderia recordar em vez de ser abalado emocionalmente por uma memória de um episódio relacional com a irmã.

Por outro lado, concentrar as expectativas na recuperação de memórias explícitas pode ser contraproducente. Pode desviar a atenção de forma excessiva para o lá e então e esquecer o trabalho no aqui e agora. Alguns padrões repetitivos que conotam cuidados parentais menos adequados podem ter sido constituídos em fases tão precoces que é impossível recuperar memórias episódicas dessa fase. O paciente tenderá a repetir um padrão indiciador ao longo da vida mas será incapaz de alguma vez o recuperar sob a forma de uma memória verídica. O facto de Freud se ter concentrado no período edipiano e pós-edipiano em detrimento de fases mais precoces levou provavelmente a sobrevalorizar a recuperação de memórias verídicas em vez da memória implícita. No entanto concentrar o trabalho exclusivamente no aqui e agora e desvalorizar a importância de memórias explícitas e declarativas é também uma tarefa incompleta.

Para tornar a situação mais complexa, podemo-nos lembrar dos pacientes que após meses de terapia nos trazem pela primeira vez memórias aparentemente relacionadas com a origem dos seus sintomas ou dificuldades para depois acrescentarem que tais factos nunca estiveram verdadeiramente esquecidos (Freud, 1914/1979). O que está esquecido não é o conteúdo em si mas a rede de associações ligadas a esses conteúdos (Wachtel, 2014, p. 84). Da mesma forma, se essa memória tivesse ocorrido mais cedo em terapia isso não causaria só por si uma mudança. É necessário um trabalho de "limpeza" dos antigos trilhos, ou construção de novas ligações de forma continuada para que o acesso a essas informações não se perca novamente e em vez disso se consolide.

Certos conteúdos só são trazidos para as sessões depois de muitos meses de terapia, não por estarem esquecidos, mas por estarem dissociados. Como se residissem em ilhas separadas que não se comunicam (Bromberg, 2011, p. 69; Pires, 2014). Por essa razão, hoje em dia a noção de dissociação passou a ter muito mais utilidade que a de recalcamento. Com muitos pacientes, as dificuldades não residem no facto de certos factos serem desconhecidos porque recalcados, enterrados e esquecidos no passado, mas no facto de eles nunca serem evocados em conjunto. A representação que os pacientes têm deles não os ajuda a ter uma visão diferente.

Sendo assim, teríamos três ações terapêuticas da psicanálise relacionadas com a memória. 1) Ajudar o paciente a recordar conteúdos verdadeiramente desconhecidos para ele ou, na maioria dos casos, há muito não lembrados. Isso requer uma atenção ao lá e então, um trabalho de reconstrução. Mas ainda é difícil dizer hoje em dia o que desencadeia memórias espontâneas de acontecimentos há muito não lembrados. Voltamos a essa questão na secção sobre o insight; 2) Ajudar o paciente a dar conta que repete nas relações atuais algo não lembrado, pensado, ou formulado. O que requer tanto um trabalho no aqui e agora da sessão, noutra linguagem interpretação da transferência e contratransferência, como um trabalho de ajudar o paciente a perceber que repete o mesmo lá fora nas relações com os familiares, amigos, colegas, e desconhecidos; 3) ajudar o paciente a construir e reconstruir a rede de ligações de memórias dissociadas que corresponde noutras palavras ao processo contínuo de elaboração e reformulação resultante do trabalho nas sessões mas em grande medida do feedback do que o paciente obtém das pequenas mudanças que vai conseguindo realizar na sua vida diária. Não é difícil de entender que esses três objetivos não são independentes mas complementares, requerem intervenções diferentes e potenciam-se uns aos outros. O foco exclusivo num deles traduz-se numa intervenção limitada.

A psicanálise na sua fase inicial tendia a ver o seu empreendimento como uma tarefa objetiva de destapar a verdade que estava escondida. A psicanálise clássica continuou a ver o seu empreendimento em grande medida da mesma forma, mesmo que a repetição na transferência se tenha tornado um foco evidente. Alguma psicanálise moderna, influenciada pela perspectiva construtivista, tende a desvalorizar a verdade última, a achar que não existe uma memória verídica mas apenas construções aproximadas desse facto inicial e daí a desvalorizar a sua procura. Outros preferem enfatizar a necessidade de recuperar as associações ao acontecimento aparentemente esquecido. Como seria de esperar, qualquer dessas posições extremadas parece incompleta porque as várias perspectivas se completam.

 

O insight

Insight não é um termo freudiano mas apenas um termo que o tradutor de língua inglesa da obra de Freud encontrou para o objetivo freudiano de a análise oferecer ao analisando um melhor conhecimento de si mesmo. Ser capaz de se aperceber de coisas em si que antes não tinha visto ou pensado. Na primeira metade do século XX o papel do analista era desenvolver o insight do paciente através da interpretação das resistências (que podiam ocorrer sob a forma de transferência) e defesas. De forma tradicional achava-se que era o paciente que precisava de insight e que, ou o analista o transmitia ao paciente ou este chegava a esses insights através das interpretações que o analista fazia. Obtido o insight os pacientes reformulariam a sua visão interna e externa da realidade e facilitariam a adaptação.

O insight esteve sempre associado ao processo terapêutico como meio fundamental da mudança embora desde o início se contestasse que fosse suficiente para o paciente mudar. Por exemplo, com alguma frequência os analistas observam o desenvolvimento de insight no paciente sem que ocorra uma mudança no seu comportamento. Parece saber o que se passa consigo mas não faz uso disso para fazer mudanças significativas. Jacobs (2013, p. 130-143) chama atenção para que nesses casos se reexamine em detalhe quatro aspetos:

Primeiro que se examine a história do paciente. Escondida na história dos pacientes pode estar uma fobia não reconhecida. Em alguns casos uma fobia relacionada com o medo precoce do movimento e locomoção e subsequentemente a fase de separação-individuação. Esses pacientes têm receio de fazer qualquer movimento nas suas vidas. Nesses casos, o insight tem de ser suplementado por esforços do paciente para confrontar os seus medos.

Segundo, que se examinem aspetos encobertos da contratransferência. Comunicações inconscientes por parte do analista e não reconhecidas quer pelo analista quer pelo paciente são agidas (enacted), podem perturbar o processo analítico e bloquear o progresso e possibilidade de mudança. Por exemplo, o analista pode juntar-se em conluio com o paciente no sentido de evitarem lidar com os sentimentos negativos do paciente para com o analista. Os insights mais significativos são os do terapeuta em relação ao seu próprio inconsciente, dando conta do que se passa contratransferencialmente. A mudança do paciente por vezes requer uma mudança no analista. Quando uma estagnação se instalou e não ocorre progresso, ou quando desacordos ou sentimentos negativos incapacitam analista e paciente de trabalhar em conjunto, com frequência dificuldades do analista estão a contribuir para o impasse.

Embora os insights obtidos por autoanálise sejam o veículo principal para a mudança no analista, existe outra via frequentemente ignorada: insights fornecidos pelo paciente. Observações feitas pelo paciente acerca de dificuldades contratransferenciais do analista podem ajudá-lo a restaurar a sua visão. Poucos autores (Ferenczi, Little e Searles citados em Jacobs, 2013, p. 97) discutiram a importância dessa contribuição.

Terceiro, que se explore e interprete as transferências dirigidas a outros que não o analista: esposos, pais, filhos, amigos, colegas de trabalho, etc. Para alguns essas transferências extra-analíticas são encaradas com menor importância porque não ocorrem no aqui-e-agora da sessão e lhes falta a imediaticidade da experiência. Não têm o potencial mutativo das transferências analíticas. Mas, pelo contrário, uma abordagem que dê prioridade à transferência para o analista e que minimize ou negligencie outras transferências pode não identificar aspetos importantes. A transferência para outras pessoas da sua vida pode revelar informação sobre a vida interna do paciente que não é revelada na transferência para o analista. Certas qualidades do paciente que aparecem na relação com os outros não se revelam com o analista.

O quarto aspeto é a possibilidade de o paciente precisar receber algo mais do analista, maior patilha das experiências subjetivas do analista. Certos pacientes parecem precisar duma relação de maior reciprocidade por parte do analista antes de se abrirem verdadeiramente (Jacobs, 2013, p. 143). Por exemplo, acham que o analista é distante, se recusa a fornecer qualquer informação sobre si próprio, não responde a questões, não dá uma opinião, não diz o que pensa, nem tem uma palavra de conforto ou encorajamento. Escondem a sua parte mais íntima e não deixam emergir a parte mais vulnerável de si próprios. Com o intuito de se manterem neutros, abstinentes e anónimos os analistas podem inadvertidamente manter-se distantes, menos calorosos e espontâneos com os pacientes.

Essas considerações de Jacobs põem em evidência, mais uma vez, o facto de interpretação e insight poderem não ser suficientes por haver dificuldades na passagem à ação, haver um enactment que entrava o processo ou por precisarem de ser suplementadas por uma relação mais próxima com o analista, e maior atenção ao que se passa fora da análise. Outros autores (Rangell, 1981, 1992; Cooper, 1989, 1992) anteriormente já tinham considerado que o insight pode não ser suficiente para provocar mudança por falta de vontade e de ação do paciente. Exploramos esse aspeto noutras secções deste artigo.

A ideia de que é o paciente que precisa de insights é hoje posta em causa. Mesmo que os insights do paciente continuem a ser importantes, enfatiza-se sobretudo um processo contínuo de insights por parte do analista. Os insights do analista não são certezas mas formulações provisórias (Schafer, 2003a, p. 16). Em vez de ficar calado e revelar ao paciente a verdade quando a percebeu, o analista mostra que é um ser que pensa e mostra como pensa. E procura desenvolver uma atmosfera de procura pela compreensão, facilitando um trabalho de colaboração por parte do analisando. A utilização da primeira pessoa ("agora eu compreendo o que queria dizer quando dizia que não podia falar nisso; você esperava que eu ficasse aborrecido consigo"; "o que percebo daquilo que me traz é que está insatisfeito com a forma como as coisas correm entre nós"; "então foi por isso que ficou em silêncio quando sentiu a onda de ternura, você pensou que eu ia varrer tudo para o lado", "ainda não percebo onde quer chegar com isto", "eu sinto...", "eu penso...") convida ao diálogo em vez da submissão e transmite ao paciente o esforço de tentar compreender o paciente (Schafer, 2003a, p. 18). O analista facilita maior compreensão se proporcionar ao paciente a ideia que ele, tanto como o paciente, está a tentar perceber em vez dum ambiente em que é ele quem explica ou transmite ao paciente o que se passa com o paciente e entre eles (Schafer, 2003a, p. 16). Nas mãos do analista narcísico a forma tradicional de agir e interpretar corria o risco de parecer um oráculo.

Para Wachtel (2014, p. 94) o insight tem mais probabilidade de ser proporcionado em terapias que procurem reduzir a ansiedade e evitamento e ajudem o paciente a reconstruir as capacidades comportamentais e emocionais que estão limitadas pela ansiedade. Fortalecer um self que promova a autoaceitação, não apenas uma maior compreensão de si próprio mas maior capacidade para abraçar, trabalhar e afirmar o que se tornou consciente.

Em 1989 (1991), Kernberg ilustra a evidência de insight do paciente quando é confrontado pelo terapeuta com o que ele ativa na transferência, dizendo "O paciente pode reconhecer com convicção emocional o que o terapeuta está descrevendo e pode espontaneamente descrever outras relações com um padrão similar. Uma caracterização correta pode levar a material não relatado previamente ou a novas lembranças..." (Kernberg, Selzer, Koenigsberg, Carr, & Appelbaum, 1989/1991, p. 113). Essa descrição do que poderíamos designar por uma fase produtiva da sessão revela a importância da ativação da emoção acompanhando o processo de insight, a sua relação com a evocação de memórias e o trabalho de elaboração da representação do self. Portanto, enactment, ativação da emoção, interpretação, insight, evocação de memórias e um trabalho de reelaboração do self parecem fazer parte de um todo.

Para concluir, cada vez mais o insight é visto como um dos ingredientes da mudança em vez de ser visto como o ingrediente único ou mesmo principal. A preocupação exclusiva com o insight acaba por ser prejudicial e, pelo contrário, a utilização de outros ingredientes acaba por potencializar o insight. Por outro lado, é cada vez maior a preocupação com os insights do terapeuta.

 

A interpretação

A noção de interpretação nestes mais de cem anos parece ter evoluído sob três impulsos. Por um lado, as limitações da sua ação terapêutica. Desde cedo se percebeu que a interpretação só por si não era suficiente para fazer mudar os pacientes, pelo menos com certos pacientes. Era preciso algo mais do que a interpretação. Investir na relação, apoiar o paciente e apontar a interpretação a vários alvos em vez de um só (a resistência, as defesas, a censura do superego, o carácter, a transferência, os impulsos amorosos e destrutivos, as angústias, os conflitos). Em 1924 (1986), Ferenczi e Rank declaram-se partidários de uma técnica que facilite a expressão do afeto. Para alguns a ação terapêutica deve-se não à interpretação mas à presença do analista ou ao vínculo afetivo que o analisando desenvolve com o analista. O analista deve proporcionar várias funções maternais, tentado proporcionar algumas delas e outras apenas pelo facto de estar presente e agir de forma responsiva.

Como segundo aspeto a atenção crescente dada ao analista. Deixa-se de falar de interpretação para se falar em intervenção de uma forma mais geral, em que o analista assume um papel que vai muito para lá da intervenção verbal. Winnicott (1971/1975, p. 121-131) mudou a ênfase do processo psicanalítico do conhecimento e insight para o reconhecimento intersubjetivo e aceitação da espontaneidade e jogo, e portanto para o verdadeiro self. Passa dum método da internalização pelo paciente da racionalidade e insight do analista para um método em que o paciente usa o objeto analista para a expressão do seu verdadeiro self. Com Bion (1967/1990) o terapeuta projeta uma confusão de experiências precoces densa, intolerável e caótica, dominada por ansiedades psicóticas e a mãe, se apropriadamente receptiva recebe, contém e reorganiza esse conteúdo mental de forma calmante, que é subsequentemente reintrojetado pelo paciente. Com Bollas (1987; 1989/1992) a diferença entre o paciente que associa e o analista que interpreta fica ainda mais esbatida. Bollas recomenda um método no qual o analista partilha livremente as suas associações, ou meditações, e também é encorajado a descrever para o paciente como chegou a uma determinada interpretação.

Como terceiro aspeto, uma crescente preocupação (ética) com o paciente. As preocupações de Kohut (1977/1988) com a empatia e a necessidade de fazer sentir ao paciente que ele foi compreendido pelo terapeuta eram já uma preocupação com os pacientes resultado dos efeitos negativos da exigência de neutralidade. Para Kohut (1977/1988, p. 81) toda interpretação devia ser precedida pela compreensão; primeiro o analisando deve entender que foi compreendido; só então, como um segundo passo, o analista demonstrará ao analisando a dinâmica específica e fatores genéticos que explicam o conteúdo psicológico que ele havia captado de forma empática a princípio.

Algumas visões recentes colocam uma ênfase especial na formulação das interpretações no sentido de não se correr o risco de implicitamente criticar o paciente e diminuir a sua autoestima. Muito pode ser dito sobre a relação através da forma como são feitas as intervenções. A forma como o terapeuta intervém pode ser crítica e acusatória. A sua interpretação veicula sempre o que ele pensa sobre o paciente. E o problema não está apenas na técnica mas no modelo teórico que guia a postura do terapeuta e a forma e natureza das suas intervenções. Se os pacientes são vistos à procura de gratificar os seus impulsos, tendo falhas no seu desenvolvimento, tentando resistir ou controlar a terapia, é difícil ao terapeuta não comunicar uma visão acusatória ou pejorativa. Por exemplo, as interpretações baseadas no modelo de paragem do desenvolvimento como o de Kohut, vendo o paciente como atrofiado ou imaturo tenderão a ser pejorativas.

Para Wachtel (2011, p. 125) uma boa interpretação tende a ser orientada para a permissão. Foca um aspeto da experiência do paciente que tem sido negada ou obscurecida e passa a mensagem de que é correto aceitá-la. Que o paciente tem tido receio de a reconhecer mas que talvez essa ansiedade e essa recusa já não sejam necessárias. Esse tipo de intervenção enfatiza o receio do paciente em vez da recusa.

Em vez disso, as intervenções do terapeuta podem transmitir a mensagem de que o paciente é defeituoso, patológico, tendo comportamentos desviantes ou sentimentos inaceitáveis se virem o paciente como dependente, manipulador, narcisista, hostil, simbiótico, controlador, masoquista, regredido, resistente, desonesto, irresponsável, patologicamente competitivo ou ciumento, recusando-se a desistir da gratificação dos seus impulsos infantis e crescer (Wile, citado em Wachtel, 2011). Em vez de: "Você está muito mais zangado com a sua mãe do que julga" podíamos dizer "tenho a sensação que está zangada com a sua mãe mas pensa que isso faz de si uma pessoa que sente coisas horríveis".

As intervenções propostas por Wachtel lembram de alguma forma a ideia de que o paciente faz o que faz para manter o seu equilíbrio como refere Joseph (1989). E em vez de se centrar na forma como o paciente tem repetidamente falhado, o terapeuta pode, para começar, focar a sua intervenção no que tem em si de positivo o comportamento do paciente e nas possibilidades do futuro (Wachtel, 2011, p. 139).

 

A resistência

A Psicanálise clássica via resistência como oposição ao trabalho, processo ou progresso analítico era inicialmente vista por Freud como oposição a lembrar acontecimentos traumáticos. E mais tarde como oposição a destapar os desejos infantis recalcados. Porque é que os pacientes se mantinham agarrados ao passado e não evoluíam mais depressa? Porque é que vinham procurar ajuda e pareciam lutar contra ela procurando manter-se na mesma? A expressão terá nascido da hipnose. Um grande número de pacientes resistia a lembrar-se do passado e só sob hipnose se conseguiam lembrar dessas coisas. Freud utiliza pela primeira vez o termo widerstand em 1893 em que wider significa contra, oposição ativa à recordação de lembranças penosas mas também contra a perceção de impulsos inaceitáveis, de natureza sexual, que surgem distorcidos.

Abraham em 1919 já tinha falado das resistências de carácter, mas é com Reich (1933/1989) que começa um processo quer de identificação de tipos de resistência, quer da forma de as interpretar. No início da análise devia-se dar mais importância à forma de comunicação do que ao conteúdo para tentar identificar as resistências secretas que são produzidas por doentes emocionalmente paralisados, bons e excessivamente delicados e corretos, os que mostram sempre uma transferência positiva e ilusória, os que exibem um amor tempestuoso e sempre idêntico, os que entendem a análise como uma brincadeira, ou os que riem por dentro de tudo e de todos (Reich, 1933/1989, p. 58). As resistências latentes não se manifestavam de forma direta como por exemplo na forma de dúvida, desconfiança, lentidão, silêncio, apatia, teimosia, mas indiretamente através de uma representação. Excessiva docilidade ou ausência completa de manifestações evidentes de resistência manifesta seriam indicação de resistência passiva escondida e perigosa. Os pacientes teriam resistências de carácter, que se revelam pela transferência negativa latente. Sobre a interpretação postulava uma regra básica: não se devia fazer a interpretação do sentido (dos conteúdos inconscientes) quando é necessária uma interpretação da resistência. Quando o analista compreendia o sentido de tais resistências tornava-as conscientes para o paciente por meio de uma interpretação consistente, i.e., primeiro explicava ao doente que tem resistências, depois o mecanismo de que se servem (como resiste) e finalmente aquilo contra o qual se dirigem (Reich, 1933/1989, p. 40). Para Greenson, em 1967 a resistência continuava a significar oposição que operava contra o progresso da análise, do analista e do processo analítico.

A revisão relacional do conceito de resistência terá ocorrido por duas vias segundo Aron (1996, p. 184). Primeiro, uma tentativa de reconsiderar a localização da resistência. Se devia ser vista como algo pertencente ao paciente, no paciente, ou em vez disso como pertencente ao terapeuta ou à relação. Segundo, um esforço para retirar a conotação pejorativa da palavra resistência questionando se tais comportamentos de facto se opõem ao tratamento.

A Teoria das Relações de Objecto preocupou-se com a função que a resistência tinha para o paciente ou a necessidade que o paciente tinha de resistir e nesse sentido ajudou a deixarmos de ver a resistência como uma oposição. Para Fairbairn (1952/1981) a resistência tinha origem no receio do paciente de ser retraumatizado. O paciente resistia por medo de depender [do terapeuta] e de abandonar os seus maus objetos internos. Para Guntrip (1969) a resistência era devida ao medo do paciente de se sentir ou parecer fraco ou inadequado e portanto experimentar vergonha ou humilhação.

Ferenczi terá sido o primeiro a desafiar a abordagem clássica da resistência não vendo a resistência como uma oposição e percebendo o papel que o analista pode ter na resistência. Em vez de ver as resistências como defesas contra as pulsões vê-as como expressão das necessidades do paciente e como respostas específicas à contratransferência do analista. Sugere que a falta de empatia do analista estimula a resistência (Ferenczi, 1928/1992). Ferenczi (1931/1992) não atribuía os ocasionais falhanços terapêuticos à resistência, narcisismo ou não analisabilidade do paciente mas à sua própria incapacidade. Em vez de interpretar as resistências, o que poderia ser sentido como uma acusação, sugere que se escute de forma diferente, mude a técnica e responda de forma natural e amorosa. Começou a dar ouvido aos pacientes quando eles lhe apontavam as suas [dele] próprias resistências. A sua contribuição reconcetualiza assim a resistência como algo que ocorre entre o paciente e o analista, na relação, em vez de algo dentro da mente do paciente.

Schafer ajudou a reconcetualizar a noção de resistência dentro da abordagem freudiana contemporânea. Propôs que em vez de vermos a resistência como algo que o paciente faz contra o terapeuta ou a terapia devíamos focar-nos no para quê é usada a resistência (Schafer, 1983, p. 162), qual é o valor, ou que benefícios retira o indivíduo dos seus traços de carácter (Schafer, 1983, 152-153), porque é que essas características são indispensáveis para o analisando. Sugere que a conceção clássica da resistência como algo "contra" encoraja uma atitude de adversários e interfere com a empatia.

Sugere que se elimine a resistência do papel central no processo analítico e que se coloque em seu lugar a análise da contratransferência. "No lugar da análise da resistência devíamos colocar a análise da contratransferência juntamente com a análise da transferência e das defesas como uma das três ênfases que definem uma terapia como psicanalítica" (Schafer, 1992, p. 230). Schafer considera que muito do que se atribuía à resistência são comportamentos do paciente que suscitaram contratransferência negativa.

O próprio uso do termo resistência facilita que o analisando e o analista sejam vistos como adversários, que o analisando, de forma consciente ou não, recuse o que o analista quer e espera (Schafer, 2003b, p. 135). Quando se fala de resistência fala-se do conflito interno, o analisando resiste a tomar consciência de memórias desejos e defesas. Contudo, no uso corrente, o termo enfatiza a obstrução do processo analítico feita pelo analisando. Se o analista acha que o paciente se recusa a colaborar ele perde a sua atitude analítica, isto é, a curiosidade de perceber o que leva o paciente a defender-se. Os ditos comportamentos negativos, a reação terapêutica negativa (bloquear, esquecer-se, evadir-se, atacar) são por vezes provocados pelo analista. Ver aqueles comportamentos como resistência pode ter um impacto negativo na contratransferência do analista. Schafer propõe que o conceito seja substituído pelo de defesas.

Os klenianos contemporâneos não usam o conceito de resistência e preferem falar numa necessidade do paciente manter o seu equilíbrio através de defesas (Joseph, 1989).

Hoje em dia cada vez mais psicanalistas admitem a necessidade e a vantagem de lidar com as resistências do analista. O processo analítico envolve a interação de duas psicologias em que a vivência do analista com frequência proporciona uma via para compreender a vivência interna do paciente. O progresso analítico depende, com frequência, do trabalho continuado com as resistências do analista. Nesse processo de lidar com as suas próprias resistências, a utilização da sua subjetividade à medida que ela surge no aqui e agora da sessão joga um papel central (Jacobs, 2013, p. 35-36).

Muita da resistência pode ser evitada se houver cuidado na formulação das intervenções no sentido de evitar criticar e pôr em causa a autoestima do paciente. Infelizmente muitas intervenções chamam a atenção para a resistência em vez de a evitar suscitando dessa forma uma atitude defensiva do paciente. Tomemos o exemplo do terapeuta que diz a um paciente que está há algum tempo calado, "está em silêncio porque está a tentar esconder a zanga". A intervenção corre o risco de implicitamente acusar o paciente de estar a esconder, a reter algo. Como alternativa o terapeuta podia dizer "tenho a sensação que está zangado mas tem a ideia que não era suposto" ou "pergunto-me se não está zangado por achar que é preferível não dizer nada dado que o que sente é zanga". Nessas intervenções o terapeuta mostra ao paciente que é aceitável estar zangado e não enfatiza o esconder ou negar, mas antes o receio do paciente e que esse receio é compreensível (Wachtel, 2011, p. 125-126). Da mesma forma, dizer "você diz que quer ir mais fundo mas, quando tento fazer isso consigo, você muda de assunto" acentua a resistência. Mas dizer "você que ir mais fundo mas receia, por isso hesita e muda de assunto, embora ao mesmo tempo queira continuar" reconhece o desejo do paciente de aprofundar as suas experiências e ao mesmo tempo sublinha a ansiedade e o conflito (Wachtel, 2011, p. 198).

 

A neutralidade

No modelo freudiano clássico esperava-se que o paciente associasse livremente e o analista devia estar silencioso e ocasionalmente fazer interpretações que se esperava produzissem insight. Outras intervenções para além das interpretações ocasionais eram evitadas por se achar que interferiam com o fluxo das associações e eram vistas como sujeitar o paciente à influência pessoal do analista. O analista devia estar fora da vista em termos literais e figurativos. Os três pilares fundamentais eram a abstinência, a neutralidade e o anonimato.

O analista não devia satisfazer os desejos do paciente (abstinência). "O tratamento analítico devia ser efetuado, na medida do possível, sob privação - num estado de abstinência" (Freud, 1919/1979, p. 176) - porque a frustração constituía uma motivação para o paciente mudar, e a satisfação das necessidades podia funcionar como substituto dos sintomas. Também é verdade que Freud acrescenta que algumas concessões devem, certamente, ser feitas, em maior ou menor medida, de acordo com a natureza do caso e com a individualidade do paciente. Contudo, não é bom deixar que se tornem excessivas (Freud, 1919/1979, p. 177). E, "no que diz respeito às suas relações com o médico, o paciente deve ser deixado com desejos insatisfeitos em abundância. É conveniente negar-lhe precisamente aquelas satisfações que mais intensamente deseja e que mais inoportunamente expressa" (Freud, 1919/1979, p. 178).

O analista devia agir de forma neutra para não influenciar a autonomia do paciente (neutralidade). A versão de neutralidade mais extensamente utilizada é a de Ana Freud (1936/2006) significando uma equidistância das três instâncias do conflito. O analista devia evitar censurar ou estimular as pulsões libidinais ou agressivas do paciente. Money-Kyrle (1956/1990) procura esclarecer o que Freud entendia por neutralidade benevolente dizendo que o analista está preocupado com o bem-estar do seu paciente sem se envolver emocionalmente no seu conflito; e mantém uma tolerância que é oposta à condenação e, no entanto, de forma alguma equivalente à indulgência ou à indiferença. A preocupação com o bem-estar do paciente origina-se da fusão de duas tendências básicas: a reparadora e a parental. É com a criança inconsciente no paciente que o analista está mais preocupado (Money-Kyrle, 1956/1990, p. 36).

Hoje em dia existe um consenso crescente de que essa atitude de neutralidade, abstinência e anonimato é impossível por muito que o analista queira. Muitas contribuições concorreram para esse consenso segundo Mitchell (1997, p. 178). Primeiro, a alteração na conceção de objetividade. O uso tradicional da noção de neutralidade implica um compromisso com o realismo filosófico procurando ser objetivo, imparcial, não interferindo com os acontecimentos, e estabelecer a interpretação correta para os factos psicanalíticos. No entanto, a ideia de que se pode ser objetivo, não interferindo no objeto que se estuda tem sido posta em causa pela filosofia das ciências.

Segundo, a proliferação das escolas de psicanálise cada uma encarando de forma diferente o comportamento e necessidades do paciente e a participação do analista.

Terceiro, a admissão gradual de que a contratransferência não é uma raridade, uma aberração, mas, em vez disso, normativa na prática analítica, e que as dinâmicas e conflitos do analista são inevitavelmente evocados e operam nas interações com os pacientes.

Quarto, apesar dos seus melhores esforços para se manter anónimo, o analista torna-se conhecido para o paciente (Hoffman, 1983; Aron, 1996). Ferenczi foi dos primeiros a concluir isso. "Cheguei pouco a pouco à convicção de que os pacientes percebem com muita subtileza os desejos, as tendências, os humores, as simpatias e antipatias do analista, mesmo quando este está inteiramente inconsciente disso" (Ferenczi, 1933, p. 98). Por outro lado, a persistência nessa atitude acabava por ser uma hipocrisia.

Ter descoberto e resolvido [admitindo os erros, sendo sincero] esse problema puramente técnico abriu-me acesso a um material escondido ao qual até agora se dera muito pouca atenção. A situação analítica, essa fria reserva, a hipocrisia profissional e a antipatia a respeito do paciente que se dissimula por trás dela, e que o doente sente com todos os seus membros, não difere essencialmente do estado de coisas que outrora, ou seja, na infância, o fez adoecer (Ferenczi, 1933, p. 100).

Quinto, a apreciação de que a relação analítica, por mais ascética que seja, é inevitavelmente gratificante e não apenas frustrante das necessidades do paciente.

A adesão estrita a uma atitude de neutralidade, abstinência e anonimato tenderá a colocar o analista em dificuldades. Se acredita que dar uma opinião ou encorajamento, revelar algo de si próprio ou responder a perguntas são erros grosseiros que devem ser a todo o custo evitados, o analista acabará por ser visto como distante, frio, pouco caloroso e espontâneo, não natural. O receio de se revelar e a necessidade de se esconder podem mesmo desencadear em alguns pacientes desconfiança e incapacidade para se abrirem e exporem a sua maior intimidade. Podem mesmo desenvolver insight mas não mudar porque não confiam completamente no analista. Aquilo que alguns pacientes precisam é mesmo uma relação mais próxima.

Kohut foi um dos autores que chamou atenção para os riscos de um entendimento errado da neutralidade.

Quando tento conduzir-me de acordo com o princípio da neutralidade analítica, isto é, de ser a tela neutra na qual a personalidade do analisando, com suas necessidades, seus desejos e anseios, se pode delinear, não tento aproximar-me de uma linha zero de atividade. Eu quis saber como é que os psicanalistas, que são geralmente dotados de capacidade acima da média de serem empáticos, puderam cometer o engano, como penso que às vezes cometem, de igualar a neutralidade à resposta mínima? (Kohut, 1977/1988, p. 191-192).

Como consequência, um certo formalismo, uma certa artificialidade e reserva escrupulosa não são ingredientes incomuns da atitude de vigilante "neutralidade" que os analistas trazem para a situação analítica. E quando o analisando reage com zanga àquilo que não é, de forma alguma, uma atmosfera neutra, mas sim, na realidade, uma atmosfera de grande privação, o analista presumirá que está enfrentando o surgimento de resistências contra o processo analítico - resistências que ele interpreta como manifestações de pulsões (agressividade) subjacentes - quando está, na verdade, lidando com artifícios (Kohut, 1977/1988, p. 194-195).

Mais uma vez a capacidade para se ajustar às necessidades dos pacientes deve prevalecer em detrimento da adoção de uma atitude e de limites do setting rígidos. Alguns pacientes ficam desagradados com qualquer conselho ou orientação mesmo que raramente fornecido. Outros, em algumas fases parecem desesperadamente esperar que dêmos uma orientação como se isso nos tornasse mais humanos, próximos deles. Alguns nunca fazem perguntas sobre nós, parecendo ter interiorizado de forma completa as regras fundamentais da análise e parecendo confortáveis com elas, outros, sessão sim sessão não, precisam de perguntar-nos como estamos, ou se estamos bem, antes de prosseguirem.

O ensino da técnica clássica tendo como objetivo neutralidade, abstinência e anonimato aos analistas em formação sem esclarecimento dos seus inconvenientes acaba por ser contraproducente. Eles procuram seguir essas regas e as análises funcionam bem com um certo número de pacientes, até se aperceberem que alguns pacientes não se conformam com essas regras. O anonimato, que supostamente deveria proteger a autonomia do paciente deixando a transferência não contaminada, resulta numa exigência de submissão ao analista como uma autoridade idealizada (Mitchell, 1997, p. 180) e alimentando a clivagem e transferência negativa (Kernberg, 1996).

Um aspeto que mais se alterou nos últimos cem anos foi a relação de autoridade. Hoje em dia considera-se que a atmosfera mais favorável para o trabalho analítico é a de pesquisa, dessa forma facilitando a disponibilidade do analista para procurar de forma colaborativa com o paciente em vez de ser um instrutor que ensina e faz constatações de forma triunfante sobre o que descobre no paciente. A melhor forma de o analista facilitar a compreensão é fazer as intervenções de forma a indicar que está a fazer um esforço sincero para compreender o paciente.

A análise tornou-se interpessoal. Na psicanálise clássica qualquer interesse na esfera interpessoal era vista como não analítica. Hoje admite-se que existe um fluxo contínuo de comunicações inconscientes que tem uma influência por vezes crítica sobre o decurso da análise. A intersubjetividade é vista como indissociada do mundo interno da imaginação e da fantasia.

É muito importante saber o que o paciente cala. Nomeadamente explorar as suas fantasias sobre a contratransferência (Racker, 1968). O mais comum é o paciente recear dizer porque o analista pode criticá-lo, não gostar, etc. Mas também pode achar que o analista requer lealdade absoluta, ou que as diferenças entre os dois põem o analista ansioso e são sentidas como hostilidade que ele não pode suportar.

Em suma, a neutralidade, se entendida como não envolvimento emocional por parte do analista de forma a poder ter uma visão distanciada, imparcial e objetiva do paciente não é possível nem faz sentido. Pelo contrário, é o envolvimento emocional na relação analítica que ajuda o paciente a mudar. A crítica da atitude de neutralidade não significa contudo que o analista não procure evitar decidir pelo paciente, impor-lhe os seus ideais, dar-lhe conselhos, sugestões, orientações, ou falar de si próprio, porque dessa forma não estaria a respeitar a autonomia do paciente. A ideia de neutralidade ajuda o terapeuta a lembrar que não deve decidir pelo paciente mas o terapeuta deve conhecer a impossibilidade e os riscos da neutralidade e não sacrificar o poder curativo da relação para manter uma neutralidade que equivale a falta de calor e distanciamento.

 

Conclusão

Nos inícios da Psicanálise acreditava-se que para o paciente melhorar precisava recordar acontecimentos traumáticos recalcados. Pouco depois, Freud percebeu que o paciente repetia pela ação aquilo que não conseguia recordar. Nas últimas décadas a dissociação ganhou mais importância e passou a enfatizar-se o facto de certos acontecimentos não estarem propriamente esquecidos, mas isolados dos outros. A importância relativa atribuída a cada um desses aspetos tem implicações clínicas distintas. Escavar o passado histórico do paciente, lidar com a repetição sobretudo na relação transferencial e extratransferencial e estar atento à dissociação. Essas três intervenções tendem a ser complementares.

Insight, interpretação e resistência tiveram uma evolução ao longo do tempo que dependeu da maior atenção dada ao contributo do analista. Foi-lhe dada maior relevância dentro da perspetiva freudiana do que nos outros modelos e para os freudianos contemporâneos continua a ter um papel chave mesmo que se admita que pode não ser suficiente para o paciente mudar. Quando isso ocorre procuram-se os fatores que impedem a mudança. As limitações do insight põem em evidência a importância da relação terapêutica, da aceitação do que se tornou consciente para além da compreensão. O insight do paciente não deixou de ser o que era mas nas últimas décadas dá-se tanto ou mais importância aos insights do analista e à necessidade de o analista mostrar ao paciente como chegou ao insight.

A interpretação teve uma evolução semelhante a outros conceitos. Deixou de ser a chave única para ser apenas uma intervenção fazendo parte de um todo em que a relação é vista como da mesma grandeza. Desde cedo se percebeu que nem sempre a interpretação produzia insight ou mudança, mesmo quando aparentemente a interpretação estava correta. Dependia de muitos outros fatores incluindo como era veiculada a interpretação e o que o paciente faz com interpretação, e do facto de ser preciso algo mais que ajudar a perceber, também é preciso aceitá-lo. O desenvolvimento mais recente diz respeito à preocupação com as mensagens veladas, sobretudo mensagens críticas, contidas em algumas interpretações.

A noção de resistência é um conceito revelador da evolução que a psicanálise percorreu ao longo de cem anos. Vista inicialmente como pertencente ao paciente ela tende a ser vista hoje, cada vez mais, como resultado de uma ação do terapeuta ou fruto da relação entre os dois. Vista inicialmente como um processo de oposição passou a ser reconcetualizada como uma forma do paciente se defender, ou manter o seu equilíbrio. Hoje em dia, muitos psicanalistas ainda desconhecem ou conhecem mal essa segunda perspetiva sobre a resistência.

O conceito de neutralidade foi dos que mais sofreu influência da alteração do paradigma dominante positivista para um paradigma construtivista. Nas últimas décadas do século XX foi crescente a compreensão de que procurar ser neutro não só é impossível como acaba por constranger a atitude do analista, que passa a ser visto como distante, frio, pouco caloroso e espontâneo, não natural. O envolvimento emocional com os conflitos do paciente é hoje considerado não só inevitável mas um ingrediente essencial. Esse envolvimento emocional deve ocorrer espontaneamente e a bem do paciente e da sua autonomia.

 

 

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Artigo recebido em: 28/03/2018
Aprovado para publicação em: 14/05/2019

Endereço para correspondência
António Pazo Pires
E-mail: apires@ispa.pt

 

 

*APPsyCI - Applied Psychology Research Center Capabilities and Inclusion, ISPA, Instituto Universitário, Lisboa, Portugal.

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