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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.52 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2020

 

ARTIGOS

 

Mais além do déficit intelectual: uma perspectiva psicanalítica sobre a demência, a debilidade e a psicose

 

Beyond the intellectual deficit: a psychoanalytic perspective on dementia, weakness and psychosis

 

Más allá del déficit intelectual: una perspectiva psicoanalítica sobre la demencia, la debilidad y la psicoses

 

 

Virgínia Célia Carvalho da Silva*

Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil
Centro de Estudos sobre a Criança - CIEN - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O sintoma de déficit cognitivo muitas vezes pode fazer convergir as categorias de demência, debilidade e psicose. Historicamente, as três se confundiam em termos tais como o de "demência precoce" ou "loucuras da idade", de Kraeplin e o de "confusão mental primitiva", de Chaslin. À luz da psicanálise, pode-se considerar que há uma diferença importante entre as três categorias, já que a demência é uma condição que afeta a subjetividade, a debilidade é uma posição subjetiva em relação ao saber e a psicose é uma estrutura clínica, ou seja, um modo de se inscrever na linguagem. O artigo se propõe trabalhar essas diferenças, indicando algumas perspectivas do tratamento com cada uma delas, sem desconsiderar que é a aposta clínica da singularidade como foco central o que promoveria um ponto de encontro entre elas.

Palavras-chave: demência, debilidade, psicose, clínica psicanalítica.


ABSTRACT

Cognitive deficit symptom can often bring together the categories of dementia, weakness, and psychosis. Historically, the three were confused in terms such as Kraeplin's "early dementia" or "madness of age" and Chaslin's "primitive mental confusion". In psychoanalysis, there is an important difference between the three categories. Dementia is a condition that affects subjectivity, weakness is a subjective position in relation to knowledge (savoir) and psychosis is a clinical structure. The article proposes to work these differences, indicating some perspectives of the treatment, without disregarding that the clinical bet of singularity as central focus promotes a meeting point between them.

Keywords: dementia, weakness, psychosis, psychoanalytic clinic.


RÉSUMÉ / RESUMEN

El síntoma de déficit cognitivo a menudo puede hacer converger las categorías de demencia, debilidad y psicosis. Históricamente, las tres se confundían en términos tales como el de "demencia precoz" o "locuras de la edad", de Kraeplin y el de "confusión mental primitiva", de Chaslin. A la luz del psicoanálisis, se puede considerar que hay una diferencia importante entre las tres categorías, ya que la demencia es una condición que afecta a la subjetividad, la debilidad es una posición subjetiva en relación al saber y la psicosis es una estructura clínica, o es decir, un modo de inscribirse en el lenguaje. El artículo se propone a trabajar esas diferencias, indicando algunas perspectivas del tratamiento con cada una de ellas, sin desconsiderar que la apuesta clínica de la singularidad como foco central promueve un punto de encuentro entre ellas.

Mots-clés / Palabras clave: demencia, debilidad, psicosis, clínica psicoanalítica.


 

 

O presente artigo se construiu numa tentativa de demarcar diferenças entre as categorias de demência, debilidade e psicose, para além dos fenômenos e sintomas que as aproximam, tal como o déficit cognitivo, as dificuldades no campo da consciência, da linguagem, do pensamento, do juízo, da afetividade, da memória e da percepção. Os sujeitos que apresentam esses sintomas são frequentemente marcados pela segregação. A aproximação entre as referidas categorias que ocorreu ao longo dos tempos favorece essa segregação, como apontam diversos estudos que indicaremos no trabalho.

A psicanálise considera que essas categorias possuem dimensões muito distintas: a demência seria uma condição que afeta a subjetividade, a debilidade uma posição subjetiva e a psicose uma estrutura clínica. Reconhecer essas diferenças modifica a direção do tratamento, como veremos ao longo do texto. Nesse sentido, o presente trabalho oferece uma revisão teórica sobre o tema, contribuindo para o diagnóstico diferencial entre essas três dimensões e, consequentemente, o manejo clínico.

 

Loucuras da idade, confusão mental primitiva e demência precoce: articulações e disjunções

Na história da psicopatologia psiquiátrica, houve uma grande convergência entre a demência, a debilidade e a psicose. Foi através do termo "demência precoce" que Kraepelin, em 1893, na quarta edição do seu Tratado de psiquiatria descreveu o quadro clínico de " enfraquecimento psíquico" (no alemão Verblödung) em jovens. Tratava-se de um quadro com enfraquecimento das atividades emocionais e perda da unidade interna do intelecto, da emoção e da volição - o que em 1908 foi nomeado por Bleuler de esquizofrenia (Santiago, 2005).

De-mentis, do latim, significa "perder a mente" e dimenticare, do italiano, quer dizer "esquecer" (Goldfarb, 2004). No Século II, Galeno tratava a demência como uma doença mental, equivalendo-a à loucura. Em 1787, Cullen distingue formas de demências inatas, acidentais e senis. Outros nomes que se refeririam à demência ao longo da história da psicopatologia clássica: fraqueza mental, por Pinel; confusão mental transitória, por Georget; paralisia geral, por Bayle; degeneração cerebral, por Klippel e Biswanger, sendo que este último faz uma diferenciação entre as demências com lesões e as demências senis; atrofia cerebral ou demência de Pick; demência pré-senil, pela degeneração neurofibrilar, por Alzheimer; loucuras da idade involutiva, por Kraepelin; doenças psíquicas de involução ou decadência, por Régis. (Bercherie, 1989; Goldfarb, 2004; Santiago, 2005).

Sobre a "debilidade", que tem sua herança no termo idiotismo utilizado por Pinel em seu Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental, de 1800, se encontra fortemente articulada tanto à psicose quanto à demência, que seriam gradações da "alienação mental". Santiago (2005, p. 49) sintetiza as ideias de Pinel, indicando que no primeiro tipo, a melancolia, ou "delírio parcial dirigido a um objeto", as funções intelectuais permaneceriam intactas. No segundo, a mania, ou delírio generalizado, várias funções da compreensão, tais como percepção, memória, julgamento, afetividade e imaginação estariam lesadas e muito excitadas. O terceiro seria a demência ou "fraqueza mental", com comprometimento nas funções de síntese, considerando que o demente não consegue fazer um " julgamento nem verdadeiro e nem falso; as ideias parecem isoladas e se apresentam verdadeiramente uma após a outra; mas não estão, de forma alguma, associadas". O idiotismo seria a mais grave de todas, pois nele há uma "abolição total das funções da compreensão" ou, em outros termos, "uma supressão quase completa da atividade mental" (Santiago, 2005, p. 49). Do idiotismo, segue-se a idiotia, distinta da "demência", por Esquirol, a "estupidez", de Georget, e a "confunsão mental primitiva", de Chaslin. (Santiago, 2005).

Santiago (2005) lembra que é a partir da educação, no início do século XX, que a debilidade adquire, de forma definitiva, a qualificação de mental e se separa da demência e da psicose. Esse fato ocorre porque, q uando a debilidade se apresenta no campo da educação, ela passa a estar articulada a um distúrbio da inteligência e pode então ser tratada. A noção de fracasso escolar torna-se importante na abordagem desses casos, como propõe Cordiè (1996).

No DSM-V, encontramos uma incorporação da demência aos Transtornos Neurocognitivos (TNC's), em que "a cognição prejudicada não estava presente ao nascimento ou muito no início da vida, representando, assim, um declínio a partir de um nível de funcionamento alcançado anteriormente" (APA, 2014, p. 591). Essa categoria difere dos Transtornos do Neurodesenvolvimento, pois abrangem transtornos em que o déficit clínico primário está na função cognitiva, ou seja, foram adquiridos e representam um declínio em tarefas e atividades que o sujeito dominava antes de apresentar o quadro.

Os Transtornos do Neurodesenvolvimento manifestam-se tipicamente antes da entrada da criança na escola e acarretam "prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional" (APA, 2014, p.31). Eles abarcam tanto as Deficiências Intelectuais, como os Transtornos de Comunicação, os Transtornos do Espectro Autista, como o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, o Transtorno Específico de Aprendizagem e os Transtornos Motores. Vemos, portanto, nesse Transtorno, a maior parte das dificuldades localizadas no campo da educação através da noção de fracasso escolar.

As Deficiências Intelectuais referem-se a déficits na capacidade de raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência, o que acarreta dificuldades na adaptação social. Dentro deles encontra-se o Atraso Global no Desenvolvimento, quando um indivíduo com menos de cinco anos de idade não atinge o desenvolvimento esperado em várias áreas do desenvolvimento e não tem ainda condições de "participar de testes padronizados" (APA, 2014, p. 31).

Sobre a psicose, no DSM-V, ela se encontra no Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos. Nesses transtornos, a psicose se circunscreve a uma série de sintomas que são: os delírios, que são "crenças fixas, não passíveis de mudança à luz de evidencias conflitantes" (APA, 2014, p. 87); alucinações, "experiências semelhantes à percepção que ocorrem sem um estímulo externo" (APA, 2014, p. 87); desorganização do pensamento, com discurso desorganizado; comportamento motor desorganizado e sintomas negativos, como expressão emocional diminuída e avolia.

 

O diagnóstico em psicanálise

A clínica psiquiátrica trouxe inspirações para o surgimento da psicanálise. Não obstante, foi na vida cotidiana que Freud (1901/1996) encontrou sua Psicopatologia. O interesse pelos esquecimentos, lapsos da língua, atos falhos, superstições e erros mais triviais, assim como pelo sintoma como formação de compromisso, coloca no centro da clínica o sujeito do inconsciente, que não se reduz ao Eu, já que este "não é o senhor de sua própria casa" (Freud, 1917/2010, p. 186).

Se na Clínica Psiquiátrica proposta a partir de Pinel interessava reconhecer e tratar a loucura através da razão, o que a Psicopatologia da vida cotidiana evidencia é a loucura presente na trivialidade de cada um. Barreto e Ianini (2017, p. 48) nos lembram que "se o sujeito freudiano subsiste às rupturas históricas pelas quais o Século XX passou, inclusive a reviravolta da moral sexual, é porque ele havia sido formulado em sua estrutura". Assim, pode-se ler a epistemologia freudiana através de três aspectos indissociáveis: tópico - referente à lugares com leis de funcionamento diferentes; dinâmico - referente às forças que agem sobre o aparelho psíquico; e econômico - que concerne ao quantum de energia libidinal em jogo (Assoun, 1996). Também não se pode separar o psíquico e o somático, como o conceito fundamental de pulsão demonstra. E, nesse sentido, para se pensar em uma psicopatologia psicanalítica há que se considerar que o adoecimento psíquico inclui no mental a relação com o corpo e com a linguagem.

Na pesquisa de Ferrari (2004, p. 384), alguns psicanalistas foram convidados a responder às seguintes questões: "há uma psicopatologia psicanalítica? Se há, como circunscrevê-la em Freud e Lacan?". Os resultados da pesquisa levam à conclusão de que embora seja possível dizer de uma psicopatologia psicanalítica, é preciso considerar a subversão que a psicanálise realiza na própria psicopatologia. Zenoni, um dos entrevistados, afirma que essa subversão se deve ao fato de que do ponto de vista psicanalítico não há normalidade. Temos "tipos de sintomas" e estruturas subjetivas dessa não normalidade, ou seja, a patologia humana. Diz Zenoni (citado por Ferrari, 2004, p. 384): "Lacan dizia que todo mundo delira, o que favorece que se diga que todo mundo é patológico segundo três modalidades subjetivas diferentes: neurose, psicose e perversão". Também Bassols lembra que, embora a clínica estrutural na qual distinguimos tais modalidades seja herdeira da psicopatologia psiquiátrica, é diferente da mesma exatamente por não fazer distinção entre o normal e o patológico. É nesse panorama que Fédida (1998) considera que a psicopatologia psicanalítica é fundamental e não fenomenológica, já que não interessa ao psicanalista a pura descrição de sintomas.

Seguindo "A psicopatologia da vida cotidiana" de Freud (1901/1996), em "Função e campo da palavra e da linguagem", Lacan (1953/1998) trata de demonstrar como esse pathos se estrutura como linguagem. Mais adiante, em seu Seminário 26 (1978/no prelo, destaca as marcas do significante sobre o corpo, indicando que o maior trauma experimentado pelos humanos refere-se ao fato de que nascemos mal entendidos, embora ávidos por uma representação na linguagem, campo do Outro. Lacan também soube recuperar de Freud a ideia de satisfação paradoxal que o sintoma comporta e, nesse sentido, não há como fazer uma leitura do sintoma sem considerar o gozo envolvido.

Levando em conta essa dimensão, uma clínica psicopatológica de inspiração psicanalítica precisaria dar lugar "ao que se apresenta de incomparável no sofrimento humano e que escapa à inscrição no campo das estatísticas, seja pela singularidade do que afeta um ser falante, seja porque aquilo de que ele fala, bem como o que o faz falar, pode se manifestar por outras vias que não aquelas que hoje se legitimam sob o nome de evidência" (Teixeira, & Caldas, 2017, p. 11).

Sobre a Psicopatologia Lacaniana, Teixeira (2017) sustenta que ela é o sujeito. Conferir à singularidade um lugar central no tratamento psicanalítico não significa, entretanto, abrir mão de um diagnóstico, já que este nos serve nas coordenadas da direção da cura, no manejo da transferência. Como propõem Barreto e Ianini (2017), uma classificação diagnóstica deve ser precisa e bem fundamentada a ponto de permitir uma estratégia de condução do tratamento, mas é necessário que ela seja suficientemente aberta para pensar a maneira como cada sujeito se faz inagrupável, ou seja, é preciso reconhecer o modo como cada um permanece dessemelhante dos demais membros de sua própria classe.

Pensar em diagnóstico na psicanálise requer, portanto, a observação, de que " ir dos fatos aos ditos não é suficiente, um segundo passo essencial é questionar a posição tomada por quem fala quanto aos próprios ditos" (Miller, 1997, p. 236). Para que isso seja possível, é imprescindível que o analista esteja em posição de "douta ignorância" (Lacan, 1954-1955/1998), ou seja, que se separe do saber constituído e pronto, permitindo a enunciação do próprio sujeito a respeito do que o faz sofrer.

A posição subjetiva que interessa à psicanálise diz respeito ao modo como o sujeito se coloca frente à castração e ao gozo do Outro. As "estruturas freudianas" referem-se, portanto, a três modos diferentes de responder ao encontro com a castração: a Verdrängung (o recalque), a Verwerfung (a rejeição) e a Verleugnung (recusa).

Em um primeiro momento de seu ensino, Lacan (1955-1956/1988) sustenta a importância desse diagnóstico, indicando o risco de que uma análise desencadeie uma psicose. Miller (1997, p. 244) ressalta que o diagnóstico estrutural é relevante para que se possa " saber o que deve e o que não deve ser considerado" e exemplifica com o caso de um analista que se interessou por uma alucinação histérica e a fez se prolongar por muitos meses, já que o sujeito a manteve para atender às expectativas do analista.

É importante indicar que com o avanço de seu ensino Lacan desloca seu interesse da estrutura para os modos de amarração da realidade pelo sujeito, que se compõe dos registros do imaginário, simbólico e real. Passa a ser relevante localizar na análise de que modo o sujeito consegue enlaçar sua satisfação mais singular ao campo do Outro, promovendo laço social com seu traço mais único. Embora a perspectiva coloque o real no centro do tratamento psicanalítico, a dimensão estrutural ainda se mantém atual.

As classes abordadas pela psicanálise "não têm um fundamento nem na natureza, nem na observação. Nem a psicose, nem a neurose são espécies naturais" (Miller, 2006). Referem-se a uma prática linguística e, nesse sentido, por sabermos que elas são artificiais, deixamos aberta a brecha para que o caso único possa aparecer, o que segue a lógica freudiana de dar lugar ao que do caso contraria a teoria. O universal de uma classe nunca estará completamente presente em um indivíduo. Mesmo que seja exemplar de uma classe, haverá sempre uma lacuna. E, nesse sentido, há uma arte em jogo no ato de diagnosticar, posto que este requer uma tomada de decisão, um julgamento. Miller (2006) chega, inclusive, a diferenciá-lo da classificação. Se na classificação busca-se o apagamento do médico, que se restringe a contabilizar e encaixar as descrições sintomáticas na classe, no julgamento, o ato do analista é fundamental.

Diferentemente de buscar a máquina do diagnóstico perfeito, como parece ser uma proposta como a do DSM-V, a clínica psicanalítica não consiste numa prática de aplicação da teoria. Trata-se, antes, de uma práxis, em que ambas estão intrincadas e, nesse sentido, é preciso que o ato de julgamento que é o diagnóstico não seja universalizável. Embora não haja padrões, há princípios e orientações. Nesse panorama, estudar a psicopatologia psicanalítica, que não é senão a da vida cotidiana, exige uma leitura cuidadosa do sintoma por parte do analista. Nesse sentido, a verdadeira clínica não é mera técnica, e sim uma aposta ética e política.

É, portanto, nessa perspectiva, a de servir como parâmetro para essa leitura cuidadosa que pretendemos trabalhar as diferenças entre psicose, demência e debilidade. S e podemos nos servir da diferença entre a demência, a debilidade e a psicose é para pensarmos em estratégias, táticas e uma política que possa acolher o "insuportável de suportar" (Lacan, 1977/no prelo) que esses sujeitos segregados por tais nomeações nos apresentam na clínica.

As três categorias em jogo referem-se a uma estrutura clínica, uma posição subjetiva e a uma condição subjetiva.Isso significa, por exemplo, que um psicótico pode vir a apresentar uma demência, ou às vezes se sirva da posição débil para sair de sua loucura. Nesse sentido, estamos trabalhando com três dimensões distintas, mas que precisam ser melhor estudadas para que seja possível uma melhor leitura da singularidade na manifestação dos sintomas.

 

Sujeito na demência?

A demência, pela definição de Brion, em 1978, refere-se à "uma deteriorização global, progressiva e irreversível das funções intelectuais; por definição, trata-se de um fenômeno crônico e incurável" (Goldfarb, 2004). É este um quadro patológico que pode ser abrupto ou gradual, com um dano cerebral progressivo. Quando é abruto, decorrente de interação medicamentosa ou de algum tumor passível de remoção cirúrgica, por exemplo, o quadro pode ser reversível e diz-se de pseudodemência. Entretanto, nos casos de dano progressivo, como no Alzheimer, na demência de Pick, multi-infartos ou Crutzfeld-Jacob, ela é irreversível.

Primeiramente, perde-se a memória recente, depois o passado também é esquecido, restando algumas "ilhas de saberes". Posteriormente, as palavras que nomeiam objetos se esvaem e percebe-se, entre os sujeitos, uma desorientação temporo-espacial. Tal é a observação de Goldfarb (2004), que propôs uma pesquisa psicanalítica com sujeitos que apresentavam essa condição. Ela lembra que o diagnóstico de demência transforma-se em uma "condenação à exclusão" (Goldfarb, 2004, p. 46). Sua pesquisa teve um foco maior em sujeitos com idades mais avançadas, mas a demência não se circunscreve a essa idade. Recentemente, inclusive, no campo da educação, têm surgido alunos com esse diagnóstico.

Seria interessante verificar se há um maior número de quadros demenciais entre sujeitos neuróticos do que em sujeitos psicóticos, mas Goldfarb (2004) não faz referência a esse ponto. Ela cita uma pesquisa realizada com os escritos autobiográficos de 678 freiras, feitos quando eram jovens, comparando-os com a incidência do diagnóstico de Alzheimer para cada uma delas. A pesquisa constatou que o maior nível educacional e a vida intelectual mais ativa protegem o cérebro dos efeitos devastadores do Alzheimer. A diferença, portanto, não é na quantidade de sujeitos com esse diagnóstico, mas no modo como lidam com o transtorno. Sobre essa quantidade, observaram que aquelas freiras que utilizavam mais expressões de gratidão, amor, alegria e esperança tinham menos incidência de Alzheimer do que as que se fixavam à tristeza, ao medo, à raiva ou vergonha.

Em sua pesquisa, Goldfarb (2004) constata que cinquenta por cento dos casos de demência se iniciam após um fato doloroso, como por exemplo, a morte de um ente querido ou a falência e que a psicanálise pode intervir no decurso da doença, pois ajuda a "elaborar o que por ser difícil ou doloroso é condenado ao esquecimento" (Godfarb, 2004). Nessa direção, ela conclui, a partir de sua clínica, que "a demência pode ser entendida como uma espécie de defesa contra os estados depressivos que muitas vezes acompanham o processo de envelhecimento" (Souza, 2005).

Freud (2017), em "O método psicanalítico", de 1904, afirma que numa idade próxima aos 50 anos criam-se condições desfavoráveis à psicanálise. Isso ocorre, segundo ele, porque o trabalho é dificultado pela grande quantidade de material psíquico acumulado: o tempo necessário para recuperação desse material torna-se longo demais e há uma certa paralisação das possibilidades de novos caminhos para os processos psíquicos. Outro impasse refere-se à pouca plasticidade, já que os idosos, para Freud, não são mais educáveis.

Contudo, se consideramos que no cerne da lógica da direção do tratamento psicanalítico está a fantasia, que será construída na análise e reduzida ao ponto de uma cicatriz, podendo ser atravessada, importaria tanto assim a idade? E Goldfarb (2004) nos lembra que a psicanálise subverte a trama do tempo, que não é o da interferência do passado, mas sim o da construção.

A fantasia é suporte do desejo e, ao mesmo tempo, chave das repetições aos quais os sujeitos se escravizam em sua relação com o inconsciente e a pulsão. Ela é uma resposta formulada à questão sobre o desejo do Outro que se constitui como "uma tela que fecha ao sujeito o acesso ao real e, inversamente, uma janela que abre, para o sujeito, um ponto de vista sobre o real em questão" (Naveau, 2011, p. 156). Tal como vemos na representação da tela "A condição humana", de Magritte, na qual uma tela é colocada sobre o caixilho de uma janela e se perde a noção dos contornos do quadro, deixando-nos em dúvida sobre o que é representação e o que é realidade.

Figura 1 - René Magritte, A condição humana (1934). Óleo sobre tela 393/8 x 311/2.
Fonte: Google Imagens.

Essa fantasia, modo como o sujeito enxerga o mundo a partir de uma posição que encontra em seu lugar no desejo do Outro, ao mesmo tempo o torna escravo dela, tentando encarcerar a pulsão a um modo padronizado. Ram Mandil (2018) relata, por exemplo, que viveu sua vida inteira colocando-se em posição de ser sacrificado, por ter reconhecido nesse lugar algo do desejo do Outro. A lógica da fantasia produz, portanto, sintomas e molda a maneira como o sujeito se coloca na vida.

Como essa fantasia não pode ser buscada nos confins do psiquismo, ela pode ser construída em análise, sob transferência. Freud (1919/2016) ensina que o exercício de construção é como o trabalho do arqueólogo, que reconstrói cidades antigas através de poucos fragmentos. O que ele não encontra pronto precisa construir. Uma vez construída a fantasia, em análise, é possível depreender dela seu ponto fundamental, que funciona como uma cicatriz (Freud, 1919/2016).

Lacan (1964/1998) acrescenta à operação de construção e à de redução a operação de travessia da fantasia - que implica em atravessar o plano das identificações e se permitir viver a pulsão, sem o enquadre da fantasia. O autor inclui também a identificação ao sinthoma, possibilidade de fazer laço com o mundo a partir do ponto mais singular de cada um. Para além da travessia da fantasia, Lacan (1975-1976/2007) aponta para uma poética.

Goldfarb (2004), em seu trabalho com os idosos, indica que é preciso considerar que existe um sujeito que não se circunscreve à demência e é importante abordá-lo em sua angústia, levando em conta seu desejo, pois, afinal, este é, segundo Lacan (1962-1963/2005), o melhor remédio contra a angústia.

Incluir essa dimensão é o que se buscou fazer no caso citado por Goldfarb (2004) do senhor institucionalizado que se negava raivosamente a fazer as atividades de artesanato. Tratava-se de um ex-professor universitário que somente se acalmou quando lhe propuseram cuidar da biblioteca da instituição, o que o agradava e reconectava-o ao prazer a partir de sua própria história. Assim como a senhora para a qual a mudança da cuidadora, que era a filha mais nova, para uma equipe multiprofissional permitiu à filha ocupar uma posição diferente diante da demência. A filha dava chupeta para ela dormir, oferecia-lhe comida na boca e não deixava que fizesse nada sozinha. Com a chegada da equipe, a senhora pôde escolher o que desejaria comer e fazê-lo sozinha. Andava mais pela casa e chegou a ensaiar alguns passos de valsa com a fisioterapeuta. A intervenção da psicanalista nesse caso produziu uma modificação direta no curso da demência.

 

O saber na debilidade

Diferentemente da demência, que expressa uma condição subjetiva, na debilidade trata-se de uma posição que o sujeito encontra para lidar com o saber. Em 1977 (no prelo), Lacan afirma: "Trata-se, no saber, do que se pode chamar efeito significante. [...] o homem não está à vontade com isso; ele não sabe 'se virar' com o saber. É o que se designa sua debilidade mental, de que devo dizer, não me isento". O débil flutua entre dois discursos.

De acordo com Bruno (1996), débil é aquele que se apega à veracidade do Outro, buscando, para tanto, fazer caducar a equivocidade da língua e pagando o preço de autointerditar-se ao questionamento sobre sua própria vontade. Para esse autor, a inovação de Lacan sobre o tema anula toda a definição deficitária da debilidade mental para encontrar aí um mal-estar fundamental do sujeito quanto ao saber.

Santiago e Mrech (2017) elaboram uma "semiologia da inteligência e da atenção: do retardo funcional à lógica da debilidade mental" - título do capítulo. Neste, elas lembram que o termo debilidade esteve sempre associado a quadros de fraqueza do pensamento e atraso intelectual. Nessa perspectiva, as "descrições caricaturais de pessoas identificadas como débeis reforçam o elemento deficitário da relação desses sujeitos com a linguagem" (Santiago, & Mrech, 2017, p. 190). Nessa caricatura, o débil aparece como alguém que não sabe fazer uso do conjunto do léxico, que recorre à poucas palavras, pronunciando uma série de termos de maneira deformada, frequentemente, com discurso incompreensível. Segundo as autoras, a psicanálise traz uma importante revelação sobre a debilidade: "trata-se do modo como tais sujeitos se fixam por identificação a significantes de outros, de familiares mais próximos, sobretudo de sua mãe" (Santiago, & Mrech, 2017, p. 190).

A contribuição clínica da psicanálise em relação a crianças débeis deve-se, sobretudo, a Maud Mannoni, que formaliza seu trabalho em A criança retardada e a mãe (1999). Na França dos anos 60, Manonni busca "distinguir a debilidade reeducável da debilidade analisável" (Barroso, 2014, p. 48). Para a psicanalista, a criança retardada e sua mãe se colocam em uma fusão tal que ambas parecem viver a mesma história. No trabalho que realizamos em uma escola especial, nos impressionou o modo como as mães não conseguiam se distanciar de suas crianças, nem no horário de aula delas. Elas passavam várias horas esperando-as, o tempo todo conversando sobre elas, não conseguindo pensar em outras atividades para sua vida. Foram várias as tentativas de resgatar outros temas e até mesmo propor que elas montassem uma cooperativa no espaço em que esperavam os filhos, mas nada disso se sustentou.

Lacan respeitava o trabalho de Manonni, mas colocava a ressalva de que a fusão em jogo não é a dos corpos da criança e da mãe, mas os efeitos no plano do imaginário corporal da criança, o que seria uma fusão em nível simbólico, da cadeia significante, mecanismo que denominou de holófrase.

Na debilidade, conforme indicam Santiago e Mrech (2017), a estratégia de identificação maciça a significantes do desejo e das angústias dos pais é correlata a uma obstrução na dimensão da metáfora. O débil, para não saber do sentido, se aprisiona no código, que é o sistema de relações estruturadas entre os signos, sem se abrir para a enunciação, ao que está nas entrelinhas do enunciado. Pois se o ser se torna falante a partir de sua inscrição no Outro, no que ele tem de mais íntimo, há algo desconhecido, há um não sabido no âmago de cada um. E para não saber desse desconhecido ele se aprisiona no código, obstruindo a dimensão da metáfora.

Quanto mais desimpedido para interrogar o efeito de significação que surge nas entrelinhas da enunciação, mais inteligente é o sujeito. Isso requer que ele esteja aberto a querer saber sobre esse desconhecido de si próprio. Por outro lado, quanto mais fechado está à enunciação, mais é débil em sua relação com a linguagem (Santiago, & Mrech, 2017). A estratégia do débil é anular os efeitos de sentido para não ter que se questionar sobre sua própria subjetividade e seu desejo. Assim, ele adota a posição de não pensar, identificando-se aos significantes que vêm do outro, ao preço de sua ignorância. De modo caricatural, repete os significantes do outro para falar de si mesmo.

Em nossa clínica, João, 25 anos, portador da Síndrome de X-Frágil e com diagnóstico de "retardo mental moderado", nos ensina sobre essa posição. Ele diz "quando perde fica triste... tristeza... sofrimento". Questionado se já havia ficado triste, responde: "nunca fiquei triste. Só quando meu primo morreu... mas, morreu, morreu, acabou, não posso me lembrar disso. O meu pai sabia, ele já esqueceu. Não fui no enterro para não ver. Não fui reconhecer o corpo... o meu pai foi. Não fui, não sofri. Meu primo foi muito burro, por isso ele morreu".

Alvarenga (1992) indica que a clínica da debilidade estaria para além do déficit, pois ela deve incluir uma produção de um saber sobre a verdade do sujeito, permitindo a este inscrever-se em no mundo de seres que falam e que sofrem. Kaufmanner (2007) considera que a análise pode restaurar a dimensão do equívoco no significante, fazendo vacilar a cadeia repetitiva do débil. Seria um fazer poético, que abre mão do sentido em busca de uma nova significação, singular.

A debilidade como posição pode estar presente na neurose ou na psicose. Lacan, que se coloca como débil, assim como considera Platão e Ernest Jones débeis, indica duas exceções à debilidade: o discurso analítico, já que a análise seria um remédio contra a ignorância, e a escolha pela loucura. Barroso (2014, p. 50) lembra que o termo loucura estende-se além da psicose, "implicando uma condição geral do ser humano, por exemplo, sua relação com a liberdade".

A debilidade na psicose se apresenta na maioria dos casos, como constata a pesquisa de Barroso (2014, p. 50), como "uma defesa contra o real da psicose, mascarando a estrutura psicótica". Ela lembra que, especialmente na clínica com crianças, permanece imprecisa, no campo da educação e da saúde, a fronteira entre a psicose e a debilidade, pois os casos mais frequentes de psicose encontrados na casuística psicanalítica com crianças não apresentam delírios.

Lacan (1954-1955/1985) indica que durante décadas houve uma recusa de pensar em psicose na infância, já que se buscava vincular esses fenômenos a certas condições orgânicas. Para ele, "se falamos legitimamente de psicoses na criança, é porque, como analistas, podemos dar um passo além dos outros na concepção da psicose" (Lacan, 1954-1955, p. 134).

Para Kaufmanner (2007), na clínica lidamos ou com débeis, ou com loucos. Se com os débeis haverá na análise esse esforço de poesia, na loucura trata-se de respeitar a solução de cada um, "testemunhando-a como um ato de licença poética".

 

"A invenção psicótica"

Se a debilidade mental se refere a uma posição subjetiva, a psicose se refere ao diagnóstico estrutural, que se delimita a partir do modo como o sujeito se inscreve na linguagem. Como propõe Zenoni (1991), se Lacan dizia que todo mundo delira, isso implica em considerar que somos todos patológicos segundo três modalidades subjetivas diferentes: a neurose, a psicose e a perversão. Alguns psicanalistas, tal como os Lefort (2017), acrescentariam também o autismo.

Embora Freud tenha sempre indicado sua pouca experiência clínica com a psicose, ele trouxe contribuições importantes para que depois fosse possível não recuarmos diante dela. O eu, que não é senhor de sua própria casa e precisa obedecer e conciliar as exigências do mundo externo, as paixões do Isso e o rigor do super-Eu, por vezes sucumbe. Na neurose, haveria um conflito entre o Eu e o Isso, enquanto na psicose, a perturbação seria entre o Eu e o mundo externo, ou entre o Eu e o super-Eu, na melancolia.

Enquanto na neurose não se quer saber da realidade e, por isso, fantasia-se, na psicose a realidade é rejeitada e substituída. Nesse panorama, o "que foi internamente abolido retorna desde fora" (Freud, 1911/1996, p. 78) e o delírio seria como um "remendo colocado onde orginalmente havia surgido uma fissura na relação do Eu com o mundo exterior" (Freud, 2015, p. 273).

Lacan, que se introduz na psicanálise pela psicose, lê essa ideia freudiana a partir de instrumentos da linguística e do estruturalismo. Ele vai considerar que é "preciso admitir, atrás do processo de verbalização, uma Bejahung primordial, uma admissão no sentido simbólico, que pode ela própria faltar" ( 1955-1956/1988, p. 21). Ele recupera o termo Verwerfung, para dizer dessa rejeição ao acesso simbólico a partir da experiência da castração. Assim, "tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real" (Lacan, 1955-1956/2002, p. 174).

"De que se trata quando falo de Verwerfung?" - pergunta Lacan (1955-1956/2002, p. 174). "Trata-se de um processo primordial de exclusão de um dentro primitivo que não é o dentro do corpo, mas daquele de um primeiro corpo de significante". Isso ocorre, segundo o Lacan do "De uma questão preliminar a todo tratamento da psicose", de 1958 (1998), porque houve tanto a rejeição (foraclusão) do significante do Nome do Pai, responsável pela divisão do Outro para o sujeito, quanto a ausência de significação fálica, que orienta o desejo desse Outro para mais além e faz a mediação entre os sexos.

Nesse panorama, as alucinações, os distúrbios de linguagem, os fenômenos do pensamentos e palavras impostas estariam relacionados à foraclusão do Nome-do-Pai e as ideias delirantes ligadas à sexualidade, ao amor e ao corpo, assim como certas passagens ao ato, disfunções corporais e libidinização, com perda do sentimento de vida, estariam correlacionadas à elisão do falo (Barroso, 2014, p. 52).

Em 1969 (2003, p. 369), em sua "Nota sobre a criança", Lacan indica que quando a criança está diante do desejo da mãe, sem mediação desse vetor que é o Nome do Pai, "ela se torna o 'objeto da mãe' e não tem mais outra função senão a de revelar a verdade desse objeto". A partir dessa ideia de Lacan e de sua clínica com a psicose, Zenoni (1991) ressalta que as crianças psicóticas estão presas na posição de objeto do gozo absoluto de um Outro intrusivo e sem lei.

A criança psicótica fica submetida ao imperativo caprichoso de um Outro gozador, não simbolizado. Diferente da criança neurótica que consegue se separar do Outro, questionando-se sobre seu lugar no desejo desse Outro, a criança psicótica fica capturada pela certeza que tem de que o Outro sabe sobre ela, determinando o que ela deve fazer. Nesse sentido, se para esses sujeitos o Outro é gozador, trata-se de promover um espaço para que ela invente um Outro menos invasivo. Como ocorreu na intervenção relatada por Kupfer, Faria e Keiko (2007): em meio a uma agitação que fez quebrar tudo a sua volta, uma criança grita "palhacinho". Dirigindo-se ao palhacinho, a equipe diz: deixe "André em paz!", o que apazigua e pacifica a criança.

Também podemos localizar essa tentativa de manobra da transferência no caso de Luci, criança que experimentava com grande angústia a ausência de um caminhão de bombeiros com que brincava no atendimento. A analista responde: "não foi a Luci quem pegou o caminhão, nem a Carina. Algum adulto da equipe do Lugar de Vida o pegou. Vamos escrever uma carta de busca à equipe. Esperaremos um pouco até que todos leiam e respondam esta carta!!!". Um caminhão certamente vai aparecer. Luci se acalma e repete: "Foi algum adulto da equipe do Lugar de Vida, certo?". A analista, no compromisso de assegurar para a criança uma circunscrição de borda nesse Outro, responde: "Sim, um caminhão vai aparecer. Poderá não ser o mesmo, mas você vai ter um caminhão". A equipe de fato respondeu e Luci teve seu brinquedo de volta. A palavra dirigida ao Outro desordenado não simboliza, mas possibilita uma localização disso que a invade (Kupfer, Faria, & Keiko, 2014).

 

Conclusão

Na psicose, a análise pode contribuir para a invenção psicótica de um Outro menos devastador, o que corresponde à possibilidade de lidar com esse Outro que habita o psicótico, criando estratégias inéditas de tomar uma certa distância dele. Na debilidade, o trabalho permite que o sujeito possa se interrogar e construir algum saber sobre seu desejo, quando passa a suportar melhor as limitações no Outro. Já na demência, o tratamento psicanalítico, ao resgatar o sujeito de onde a dimensão do déficit anula, inclui a possibilidade de lidar melhor com os impasses do corpo.

Frente a um "déficit intelectual", muito mais do que enquadrá-lo em uma das três categorias que o enquadrariam, trata-se de interrogar a que vem esse "déficit" ou como o sujeito se serve dele em sua maneira única de fazer parte do mundo que o cerca. Nesse sentido, embora o direcionamento do tratamento seja distinto em cada uma das três categorias, a aposta clínica na singularidade permanece como ponto de encontro.

 

 

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Artigo recebido em: 18/01/2019
Aprovado para publicação em: 21/12/2019

Endereço para correspondência
Virgínia Célia Carvalho da Silva
E-mail: vivscarvalho@yahoo.com.br

 

 

*Psicanalista. Doutora e mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Especialista em Psicologia Clínica e psicóloga pela PUC-MG. Pesquisadora do Nipse (FAE/UFMG) e responsável pelo "Laboratório Docentes doentes: deixe-os falar" do Centro de Estudos sobre a Criança (CIEN).

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