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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.52 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

O lugar da crença no programa terapêutico da irmandade Alcoólicos Anônimos: um estudo psicanalítico

 

The function of belief in the therapeutic program of the Alcoholics Anonymous brotherhood: a psychoanalytic study

 

La fonction de la croyance dans le programme thérapeutique de la fraternité Alcooliques Anonymes: une étude psychanalytique

 

 

Raul Max Lucas da CostaI, II*; Leonardo DanziatoIII, IV**

IAleph - Escola de Psicanálise - Brasil
IICentro Universitário Dr. Leão Sampaio - UNILEÃO - Brasil
IIIUniversidade de Fortaleza - UNIFOR - Brasil
IVInvenção Freudiana - Transmissão da Psicanálise - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo de revisão narrativa tem como objetivo discutir a função da crença no programa terapêutico de doze passos dos Alcoólicos Anônimos (AA). Como procedimento metodológico, realizamos um estudo bibliográfico sobre a literatura de AA (livros, livretos, revistas e folders) que apresentam relatos pessoais sobre a experiência da crença. Para a análise dos dados, utilizamos o referencial teórico psicanalítico em sua vertente freudolacaniana. Constatamos que para os AA a crença em um "poder superior" e a experiência do "despertar espiritual" constituem princípios necessários para a construção de uma moral de vida. O programa dos doze passos se apropria de elementos cristãos e filosóficos pragmatistas se apresentando como um saber-fazer padronizado. Conclui-se que na literatura de AA o agenciamento do saber-fazer pragmático e a produção massiva e identitária do alcoólico anônimo apontam para uma prevalência do discurso universitário como modo de aparelhamento do gozo entre os AA.

Palavras-chave: Alcoólicos Anônimos, grande Outro, discurso, adicção, crença.


ABSTRACT

This narrative review article aims to discuss the role of belief in the Twelve Step Therapeutic Program of Alcoholics Anonymous (AA). The method used was the bibliographic study about AA literature (books, booklets, periodicals and folders) that present personal reports about the belief experience. For the analysis of the data, we use the psychoanalytic theoretical framework in its Freudian and Lacanian aspects. We find that for AAs belief in a "higher power", and experience of "spiritual awakening", constitute principles necessary for building a morality of life. The twelve-step program appropriates Christian and philosophical pragmatist elements as a standardized know-how. It is concluded that in AA literature the exercise of pragmatic know-how and mass identity production of the anonymous alcoholic indicate a prevalence of university discourse as a mode of agency of enjoyment among AA.

Keywords: Alcoholics Anonymous, big Other, discourse, addiction, belief.


RÉSUMÉ

Cet article de révision sur la narration, a pour objectif d'échangé sur la fonction de la croyance dans le programme thérapeutique d'un alcoolique anonyme. Avec une procédure méthodologique. Nous avons réalisé une étude bibliographique, à partir des différentes littératures d'alcooliques anonymes (livre, livre de poche, revue, dossier) qui présentent des rapports personnels sur l'expérience de la croyance. Pour l'analyse des données, nous avons utilisé un référentiel psychanalytique sur la théorie freudienne et la théorie lacanienne. Nous avons constaté que pour les alcoolique anonymes, la croyance a un "pouvoir supérieur" et une expérience de la "suscitation spirituelle" constituent des principes nécessaires pour la construction d'une moral sur la vie. Le programme des 12 étapes qui s'approprie d'éléments chrétiens et philosophiques pragmatiques, qui présentent un savoir-faire padronisé. Conclu que la littérature de l'alcoolique anonyme est agencée à partir du savoir-faire pragmatique et la production massive ainsi qu'identitaire de celui-ci. Avec un penchant pour la prévalence du discours universitaire comme mode de comparaison et d'utilisation entre les alcooliques anonymes.

Mots-clés: Alcooliques anonymes, grand Autre, discours, addiction, croyance.


 

 

Introdução

Dentre várias leituras do mundo contemporâneo podemos constatar uma caraterística comum, muito especialmente vinculada aos movimentos genealógicos da modernidade, que diz respeito à variedade de pequenos grupos identitários constituintes de uma moral de vida e de laços alteritários. Numa primeira perspectiva entendemos que a constituição desses pequenos grupos pode ser tomado como efeito de um processo moderno e pós-moderno de esvaziamento das referências simbólicas fundamentais do mundo tradicional, desse Outro simbólico (Miller, 2010, Melman, 2003) no espaço da cultura, ou ainda, consequência de um declínio da transcendência operado por um processo de imanentização do mundo contemporâneo (Lebrun, 2008). Os diagnósticos psicopatológicos, as identidades de gênero, as filiações políticas e religiosas parecem tentar suprir a falta de referências simbólicas "eficientes", apresentando-se como significantes mestres (S1) para esses sujeitos destituídos de referenciais de pertencimento social (Braunstein, 2010).

Nesse contexto, o sofrimento contemporâneo pode ser entendido como o imperativo de portar uma identidade, daí a busca, sobretudo com as categorias diagnósticas, por uma forma de nomeação do mal-estar (Dunker, 2015). Consideramos que a emergência de grupos de adictos anônimos sugere uma tentativa de reconstrução subjetiva desses liames sociais. Curiosamente, a nomeação de cada grupo indica o que Lacan denomina de o 'mais-de-gozar' em questão: Narcóticos Anônimos (NA), Comedores Compulsivos Anônimos (CCA), Devedores Anônimos (DA), Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA), Mulheres que Amam Demais (MADA), Neuróticos Anônimos (NA), Jogadores Anônimos (JA), Fumantes Anônimos (FA). Assim, a droga, a comida, o consumismo, o sexo, o jogo se apresentam como os objetos do adicto, que do gozo com mais-de-gozar caminha para o gozo do Outro.

Partindo da constatação proposta por Lacan (1969-1970/1992) da prevalência do discurso capitalista e de suas constantes variações, presenciamos na clínica e no social modalidades de adicções antes não vistas em torno do objeto. No interior dessas grupalidades anônimas, destacamos a especificamente dos Alcoólicos Anônimos (AA), dada a sua primazia histórica no que se refere à instituição do padrão de funcionamento e estruturação dos grupos de ajuda mútua. Além disso, o alcoolismo permanece com uma questão problemática no campo da saúde e das políticas sociais, interrogando as várias disciplinas atreladas a governamentalidade biopolítica. Nesse contexto de pulverização e multiplicação fragmentária dos grupos identitários, os AA, assim como os demais grupos anônimos que se apropriaram de sua estrutura institucional, representam de forma exemplar o que Miller (2010) nomeia como os pequenos "comitês de ética", ou seja, agrupamentos constituintes de uma moral de vida diante da constatação social da inexistência do Outro.

Desde sua origem os AA se apresentam como uma irmandade para o tratamento do alcoolismo com uma terapêutica que fusiona concepções da medicina e da religião. Apesar dos avanços teóricos e clínicos sobre o alcoolismo ao longo destes anos, a estrutura institucional e conceitual dos AA permanece praticamente inalterável: o alcoolismo é uma "doença" alérgica e somente um "alcoólico" pode ajudar na recuperação de um outro (Alcoólicos Anônimos, 2010). No campo da saúde coletiva e das políticas públicas, a complacência com a terapêutica dos AA oculta um contraste de ideais: o consumo módico ("beba com moderação") versus o ideal de abstinência ("evite o primeiro gole").

Os AA foram fundados em 1935 por Bill Wilson, um investidor falido de Wall Street, e Robert Smith, médico cirurgião, como uma Irmandade de ex-bebedores em busca de um tratamento alternativo para o alcoolismo. Contudo, sua projeção social só ocorreu com o lançamento do livro Alcoólicos Anônimos em 1939.

O surgimento dos AA na década de 1930 foi também contemporâneo à expansão comercial da literatura de autoajuda e também à difusão da psicologia. Illouz (2011) ressalta a primazia norte-americana na criação de uma "narrativa terapêutica", desde a obra de Samuel Smiles intitulada Autoajuda (1859) até a disseminação de narrativas de vida em torno da autorrealização e superação de adversidades.

São sete as características centrais dessa narrativa terapêutica: 1. A abordagem e interpretação dos afetos contraditórios, 2. O modelo religioso adotado por grupos de ajuda mútua, 3. A busca pelo bem-estar psíquico e do autoaprimoramento, 4. A narrativa performática da experiência individual, 5. O contágio do discurso terapêutico para a esfera familiar, 6. A mercantilização da biografia terapêutica, 7. A busca pelo reconhecimento dos direitos individuais e grupais (Illouz, 2011).

Essas características da "narrativa terapêutica" e da discursividade de autoajuda se apresenta também como o eixo textual da "literatura" de AA.

A criação do programa terapêutico em doze passos consiste na experiência pessoal de Bill Wilson, que se apropriou de referências religiosas e psicológicas para a formalização dos AA. A publicação do livro Alcoólicos Anônimos em 1939, de autoria coletiva, condensa os princípios de AA a partir dos relatos pessoais de seus fundadores, em destaque o relato narrativo em primeira pessoa de Bill Wilson.

A distinção dos AA perante a religião e a medicina, os doze passos, o anonimato, o lugar da família e dos empregadores e a divulgação de AA são os pontos centrais da obra. A partir da publicação de Alcoólicos Anônimos, também conhecido como o "Livro Azul", Bill Wilson se estabelece como o principal autor dos livros, livretos e memórias que compõem a literatura de AA.

A funcionalidade e permanência na cena social dos AA e dos demais grupos pode ser também explicada por um traço do laço social contemporâneo denominado por Dunker como a "lógica do condomínio", que ilustra o paradigma do sintoma social brasileiro (Dunker, 2015). Nessa perspectiva, a referência ao condomínio ultrapassa sua significância habitual de delimitação espacial de moradia, separando os que estão dentro e fora dos muros. A segregação própria dos condomínios, seus conjuntos de regras, o apelo a uma moral de conduta, a gestão do síndico se estendem como estrutura para: a instituição dos saberes (diagnóstico psiquiátrico), a produção cultural (ficção cinematográfica), o entretenimento (reality shows), a política (polarização partidária) e para a própria institucionalização da psicanálise (Dunker, 2015).

O que a lógica do condomínio implica para o sujeito contemporâneo é justamente a segregação no espaço social entre os pertencentes ou não aos estratos sociais de distinção. Essa lógica, ao estabelecer suas próprias regras de moralidade, denuncia a falência dos ideais de transformação política e social. Em vez da militância em prol dos ideais coletivos, opta-se pelo recolhimento a um modo de vida seletivo e micro-organizado. Os grupos de AA parecem encarnar essa lógica quando delimitam suas fronteiras de ação, estabelecendo o que lhe é permissivo ou não nos vínculos sociais.

Dentro desse contexto de hiperindividualização (Lipovetsky, & Charles, 2004), seja pela tônica dos "comitês de ética" ou pela "lógica do condomínio", os AA, se apresentam como uma irmandade de ex-bebedores, demarcando desde seu início uma estrutura institucional calcada na identificação grupal, na moral e na segregação. Diferente dos outros grupos identitários contemporâneos, os AA são marcados pela tradição e por referenciais espiritualistas e pragmatistas, conferindo uma particularidade discursiva a seu funcionamento. Consideramos, portanto, três aspectos constituintes na formação dos AA e dos demais grupos anônimos: a identificação com a doença, a terapêutica espiritual e a dietética da sobriedade .

A questão que nos convoca neste escrito é interrogar quais são a função e o estatuto da crença na discursividade terapêutica dos AA. Nesse sentido, nos chama à atenção que a crença no "poder superior" seja uma condição sine qua non para o cumprimento do programa terapêutico espiritual dos doze passos. Contudo, o que a princípio parece evidenciar um recurso direto a noção religiosa de Deus como referência desse "poder superior", acaba por revelar uma complexa discursividade sobre a crença se apropriando de diferentes referências como o pragmatismo do filósofo William James, métodos cristãos de tradição protestante e da psicologia analítica de Jung.

Como consequência direta, outra questão se apresenta: consiste na articulação peculiar entre o saber e a verdade na produção subjetiva do alcoólico anônimo. Através da terapêutica dos doze passos ocorre a elaboração de um saber-fazer prêt-à-porter e uma redução da verdade a sua funcionalidade prática. Aqui nos será preciosa a teoria dos discursos de Lacan (1969-1970/1992), sobretudo suas considerações sobre o discurso do universitário.

Discurso foi o termo utilizado por Lacan no Seminário O avesso da psicanálise (1969-1970/1992) para se referir às diferentes possibilidades de agenciamento do gozo no laço social, quais sejam: o discurso do mestre, o discurso da histérica, o discurso do universitário e o discurso do analista.

Dentre os quatro discursos, o discurso universitário é aquele que Lacan menos desenvolveu teoricamente (Souza, 2003). Vale ressaltar, desde já, que o discurso universitário não se limita à Universidade. A filosofia, por exemplo, e seus grandes sistemas também, funcionam tendo o saber como semblante. Lacan situa em Hegel (o mais sublime dos histéricos) a pretensão do tudo-saber ou todo-saber. Se a psicanálise é inaugurada por Freud a partir do conceito fundamental do Unbewusste (não saber), no discurso universitário não há lugar para o não saber nem para o sujeito. Daí podemos pensar um empuxo para a formação discursiva de uma Weltanschauung, ou seja, uma visão de mundo que tudo explica.

O que nos interessa a partir do discurso universitário é justamente pensar o laço social entre os alcoólicos anônimos centralizado em uma nova variação do saber, efeito de sua mercantilização, reduzido a sua aplicabilidade metódica. Nos pormenores dessa metódica terapêutica que constatamos, uma articulação peculiar entre a crença e o Outro no contemporâneo.

Assim, aproximamos a noção do "poder superior" ao conceito lacaniano de grande Outro e à discussão sobre o seu estatuto no contemporâneo. Nossa hipótese é que os grupos anônimos buscam recuperar um Outro (A) transcendente e substancializado a partir da crença e da fé. Indo mais além, veremos que a estrutura da crença permanece na contemporaneidade de diversas formas. Objetivamos, portanto, analisar a recuperação do Outro na contemporaneidade promovida pelos os Alcoólicos Anônimos (AA) através da crença no "poder superior" e quais a mutações no estatuto desse O utro operada por essa reapropriação.

Como método, realizou-se uma revisão narrativa, destacando autores psicanalistas e de saberes afins. Privilegiaram-se as obras de Freud, Lacan, Melman, Lebrun e Zizek. Outras fontes de pesquisa foram as publicações impressas e sites dos AA.

 

O estatuto da crença hoje

Interrogado por jornalistas italianos em 1974 sobre o futuro da religião, Lacan não hesita em afirmar: ela triunfará, pois se dedica a produzir sentido, justamente quando a ciência se depara com seus limites: "religião vai dar um sentido às experiências mais curiosas, aquelas pelas quais os próprios cientistas começam a sentir uma ponta de angústia. A religião vai encontrar para isso sentidos truculentos. É só ver o andar da carruagem, como estão se atualizando" (Lacan, 2005, p. 66).

Seguindo a previsão lacaniana, Zizek (2013) observa que nos tempos atuais, marcados pelas novidades exuberantes da tecnologia e da cibernética, a estrutura da crença persiste e se atualiza em proposições mistas de referências científicas e filosóficas como no budismo cognitivista e na fusão entre a mecânica quântica e o pensamento oriental.

Para o filósofo, longe de assistimos à derrocada das religiões, haveria a persistência denegatória da inexistência do Outro. Subjacente ao consenso social laico e ateísta de nossa época, cada um no seu íntimo possui uma crença: "O ateu moderno pensa que sabe que Deus está morto; o que ele não sabe é que, inconscientemente, ele continua acreditando em Deus" (Zizek, & Gunjevic, 2016, p. 24). Retomando criticamente o aforismo atribuído a Dostoiévski de que "se Deus não existir, então tudo é permitido", Zizek (2016) observa seu equívoco ao atentar que o sujeito contemporâneo, desamparado diante das injunções de gozo, constrói inconscientemente para si proibições. Daí a formulação denegatória que inspira o título desse artigo: "Sei que não há grande Outro, mas mesmo assim..." (Zizek, 2013).

O avesso desse ateu moderno consiste na figura do fundamentalista religioso que ao crer na plena existência de Deus se põe como seu instrumento, podendo passar ao ato em nome da vontade divina. No fundamentalismo o aforismo é justamente o oposto "se Deus existir, então tudo é permitido" (Zizek, 2016, p. 24). Não haveria uma delimitação para o fundamentalista ao passo que este se confunde com o Outro.

Da mesma forma que na obra de Freud podemos inferir uma teoria da religião (Malamoud, 1996), podemos constatar no ensino de Lacan referências frequentes às ideias religiosas, desde a concepção de Deus, diferenciando o teísmo bíblico do filosófico, até o que ele denomina de "a verdadeira religião" (Lacan, 2005), no caso, a cristã, por nos apresentar uma ideia divina universal. A tese freudiana sobre a crença religiosa consistia em denunciar a religião como uma forma de Weltanschauung (visão interpretativa do mundo), sua consistência não de erro, mas de ilusão, sobretudo quando crê na existência de um Deus pai que nada mais é do que uma elevação e potencialização do pai familiar (Freud, 1927/2014). Sabemos desde Freud que a experiência religiosa possui uma marca denegatória diante da realidade. Em sua conceituação primária, a denegação se refere à recusa de uma representação insuportável para o sujeito (Freud, 1925/2007). O sujeito religioso com sua crença opera uma denegação da realidade. Fato notável este nas construções de sentido perante a morte.

Lacan (1998, p. 250) ressalta a crença como um mecanismo de denegação. Considerando os tempos de constituição do sujeito, a crença consiste em uma experiência alienante: "Temos a prática da alienação fundamental na qual se sustenta toda crença". O neurótico é aquele que crê no Outro de forma denegatória como bem demonstra a posição histérica e neurótica obsessiva, quando tentam, cada qual a seu modo, sustentar a presença do Outro.

Uma outra questão presente na estrutura da crença consiste na condição da Unglauben, a descrença. Esse termo utilizado primeiramente por Freud foi apropriado por Lacan para fazer referência a um primeiro tempo da constituição da paranoia. A alienação do sujeito ao Outro implica em uma "escolha forçada" de renúncia do ser para a posição de sujeito no campo do Outro (Lacan, 1985). Esse tempo implica uma afânise, ou seja, um apagamento da condição desejante do sujeito. Ao se subjetivar no campo do Outro, o sujeito se depara com a hiância constituinte entre os elementos da cadeia significante S1 e S2, possibilitando assim uma saída pela via da operação de separação, momento de subversão subjetiva através da cadeia significante.

É a Unglauben diante do significante que aponta para a divisão subjetiva, ou seja, do significante da falta do Outro que faz o sujeito psicótico reagir através da certeza delirante, produzindo em vez da hiância a holófrase, situação em que ocorre um emperramento da cadeia significante. Ao comentar sobre a descrença no fundamento da crença Lacan ressalta:

No fundo da própria paranoia, que nos parece no entanto toda animada de crença, reina esse fenômeno de Unglauben. Não é o não crer nisso, mas a ausência de um dos termos da crença, do termo em que se designa a divisão do sujeito. Se não há, de fato, crença que seja plena, e inteira, é que não há crença que não suponha, em seu fundo, que a dimensão última que ela tem que revelar é estritamente correlativa do movimento em que seu sentido vai desvanecer-se (Lacan, 1998, p. 225).

Assim, tomando como questão a paranoia, Lacan atenta que mesmo na psicose há uma marca de incerteza ou descrença, no caso ao elemento que revela a falta do Outro. Tal situação de descrença pode ser antecessora a certeza e ao ato, como revela o caso Aimeé e outros crimes cometidos por paranoicos.

Vale ressaltar que no sujeito neurótico a estrutura da crença é perpassada por essa abertura significante constituinte da operação de alienação e separação, porém há uma construção do Outro divino lhe servindo como resistência ao real. Enquanto prática denegatória nunca se crê totalmente no Outro, já que a desconfiança também constitui a experiência da crença.

Estas considerações demonstram a complexidade da crença e a ingenuidade da tese dostoievskiana, contestada cotidianamente pelo sujeito neurótico quando revela que "se Deus não existir então absolutamente mais nada é permitido" (Lacan, 1985, p.165).

Uma diferença entre Freud e Lacan quanto a ideia de Deus consiste na perspectiva lacaniana do Outro divino próxima não do pai, mas da Mulher. Há portanto uma equivalência lógica entre a inexistência do Outro, de Deus e da Mulher. Mais especificamente quando discute a constituição borromeana do RSI, Lacan considera que: "Deus na elaboração que damos a esse Simbólico, a esse Imaginário e a esse Real, Deus é a mulher tornada toda" (Lacan, 1974-1975, p. 48). Se nas fórmulas quânticas da sexuação falta à mulher um significante que a represente, o que impossibilita um universal (A mulher não existe) e se seu pertencimento ao fálico é não toda, ou seja, a castração não se estabelece por completo, dizer que Deus é a mulher tornada toda consiste na suposição de um Outro não castrado.

 

O esvaziamento do lugar do Outro

A leitura psicanalítica do laço social contemporâneo, especificamente na linha de pensamento desenvolvida por Melman (2003) e Lebrun (2008), demarca o "esvaziamento" e a "dessubstancialização" do lugar do Outro na cultura. O declínio das grandes narrativas (Lyotard, 2000), sobretudo a bíblica e a marxista como referências ideológicas e moralizantes seria o principal indício desse esvaziamento. Nas palavras de Melman (2002, p. 52): "Durante milhares de anos, esses grandes textos nos serviram como Outros, ou seja, lugares organizados pela linguagem, que vinham indicar o que deveria ser nossa conduta, o que deveríamos pensar e de que maneira deveríamos morrer".

Não se trata propriamente do fim do Outro, mas de seu lugar vazio, fato que implicaria mudanças no laço com o outro semelhante. Um desses efeitos seria o acirramento das pequenas diferenças levando ao "comunitarismo" (Melman, 2002), uma espécie de retraimento narcísico dos grupos em identidades e rivalidades imaginárias e a segregação inerente à formação das fraternidades (Askofaré, 2009).

Quanto à dessubstancialização do Outro, Lebrun (2008, p. 28) ressalta a constatação da não existência do Outro, o que não implica no desaparecimento da fé, relegada agora a experiência privada. Apesar de sua não consistência, persiste sua necessidade lógica:

[...] o Outro de ontem encobria duas entidades que devemos hoje distinguir: sua existência substancial e sua necessidade lógica. O que a modernidade chegou a nos livrar é da existência substancial do Outro, mas não de sua necessidade lógica. Quando se pretende [se] desembaraçar de sua necessidade lógica, passa-se para a pós-modernidade.

Essa dessubstancialização do Outro não implica seu desaparecimento. Contudo, produz duas vias opostas: a da nostalgia, saudosista da transcendência substancial do Outro, e a libertária, que a qualquer custo quer se livrar do Outro.

Em contrapartida a essa falência simbólica do Outro, sobretudo de seu aspecto "transcendente transcendental" (Lebrun, 2008), na contemporaneidade novas configurações alteritárias são produzidas através da virtualidade. Sobre a dimensão do Outro virtual Zizek comenta:

Pode parecer que hoje a doxa de Lacan ("não existe grande Outro") perdeu seu gume subversivo e tornou-se um lugar-comum globalmente reconhecido - todo mundo parece saber que não existe "grande Outro", no sentido de um conjunto substancial e compartilhado de costumes e valores. [...] Entretanto, o exemplo do ciberespaço mostra claramente como o grande Outro está mais presente do que nunca: o atomismo social só pode funcionar quando é regulado por algum mecanismo (aparentemente) neutro. (Zizek, 2011, p. 53).

A pós-modernidade, assim, busca rechaçar o significante-mestre do laço social, dirimindo as diferenças e as fronteiras binárias, produzindo um mundo atonal, ou seja, sem tonalidades, sem diferenças. Contudo, a alteridade com o Outro virtual implica em novos laços sociais (Zizek, 2011).

Ao discutir sobre o sujeito no contemporâneo, Rudge (2006) considera a leitura de Melman (poderíamos estender a crítica ao próprio Lebrun) sobre o laço social uma generalização conceitual excessiva e uma teorização sem rigor, cujo efeito maior seria a desvalorização da singularidade do trabalho clínico analítico. As transformações no laço social contemporâneo incidem na clínica de forma singular em cada sujeito.

Ora, uma leitura atenta da discussão dos referidos autores não desmerece a clínica e ao mesmo tempo não abre mão do rigor teórico-conceitual. Considerando, a interface moebiana sujeito e cultura, se há uma questão presente na clínica psicanalítica esta consiste na crença, seja ela religiosa, política, moral, ou ideológica (Dunker, 2004). O trabalho de análise, que pressupõe uma travessia do fantasma, conduz o sujeito a interrogar suas crenças, ao operar uma destituição do Outro (A), fazendo o sujeito se deparar com a inconsistência do Outro e com o declínio dos ideais.

Dunker (2004, p. 02), partindo do texto lacaniano "A ciência e a verdade", especificamente sobre a referência ao "sujeito religioso", ressalta: "O que caracteriza uma crença como fundamentalista não é o seu conteúdo religioso, mas sim a forma como esta engendra uma relação entre o sujeito e a verdade". Ou seja, para o religioso, a crença pode funcionar como "causa final" ao provocar uma antecipação do ato. A verdade como causa faz com que a crença opere como uma garantia. Aquele que crê age em nome do Outro, tal qual o fundamentalista que passa ao ato em nome de Deus.

A crença se constitui a partir de quatro dimensões: a confiança em um Outro, a aceitação de algo como verdadeiro, a referência ou a nomeação do objeto acreditado e o ato de fé. Esta última dimensão remete à precedência da crença no ato. Ao precipitar uma certeza antecipada a crença se torna concretizada (Dunker, 2004).

Crer em um Outro implica assumir uma posição alienante: "Temos a prática da alienação fundamental na qual se sustenta toda crença" (Lacan, 1998, p. 250). Ao crer o sujeito doa uma consistência ao Outro, mesmo que este se apresente barrado. Um efeito dessa crença alienante seria uma desimplicação da posição de sujeito, atribuindo ao Outro a responsabilidade de suas ações. Tal situação evoca a noção de interpassividade proposta por Zizek (2010) como marca do sujeito contemporâneo como veremos adiante.

O sujeito ao crer na crença do Outro estabelece uma reflexibilidade do qual não pode se desvencilhar:

A crença é reflexiva, o saber não. Posso crer através dos outros, mas não posso saber através dos outros. Aqui há, justamente, o aspecto performativo, acentuado anteriormente em conexão com o acreditar, e que não está presente no saber. Posso saber mas agir como se não soubesse, mas não posso crer e agir como se não acreditasse (Dunker, 2004, p. 09).

Há portanto uma distinção entre crença e saber no que concerne a sua atuação. Mesmo que o sujeito na atualidade venha assumir uma postura cínica ou ainda ateia, ele não está isento de suas crenças, por exemplo, fundamentalistas, e de compartilhá-las. A crença implica em uma alteridade seja com o outro semelhante, seja com aquele que ocupa o lugar de Outro. Esse enlaçamento alteritário em torno da crença consiste em uma característica constituinte dos grupos de ajuda mútua.

Essas considerações psicanalíticas sobre o panorama do estatuto do Outro e crença servirão como norteadoras para uma análise acurada dos escritos, da literatura de AA sobre a constituição de sua terapêutica espiritual.

 

A "solução espiritual" dos AA para o alcoolismo

Bill Wilson, em suas memórias, reconhece como antecedente direto na origem do AA a atuação dos grupos Oxford nos EUA: "os primeiros AAs adquiriram suas idéias de auto-análise, reconhecimento de defeitos de caráter, reparação pelos danos causados e trabalho com outros alcoólicos diretamente dos grupos Oxford e de Sam Shoemaker, seu antigo líder na América do Norte e de nenhum outro lugar" (Alcoólicos Anônimos, 2001, p. 34).

Tais grupos foram criados p elo reverendo luterano Frank Buchman no final da década de 1910 e consistiam em um movimento de renovação dos princípios cristãos a partir da prática do compartilhamento (comunicação de experiências pessoais a outros) e da reparação (solicitar o perdão e o restabelecimento de vínculos). Após seu "despertar espiritual" Frank Buchman viaja para Europa onde inicia as reuniões do grupo com jovens estudantes da universidade de Oxford. Em pouco tempo, o grupo se transforma em movimento e se estabelece em vários países europeus e nos EUA até o seu declínio final na década de 1930 (Alcoólicos Anônimos, 2001).

Dentre as práticas institucionalizadas dos grupos Oxford que foram apropriadas pelos AAs destacamos o compartilhamento, no qual, durante as reuniões um dos membros, de pé, falava de sua história pessoal para os outros. No que concerne aos princípios morais, a crença no ser superior divino.

A chegada dos grupos Oxford nos EUA foi reconhecida socialmente por seus trabalhos com alcoolistas através de visitações em hospitais. Bill Wilson e Robert Smith foram assíduos participantes dos grupos Oxford antes mesmo de se conhecem e fundarem os AA.

Outr o eixo de apropriação do programa espiritual do AA foi o pensamento de William James, psicólogo e filósofo norte-americano estudioso da consciência e das experiências religiosas. James foi um dos principais divulgadores do pragmatismo, movimento filosófico surgido no último quartel do século XIX fundado pelo filósofo norte-americano Charles Peirce. A proposta filosófica do pragmatismo era uma utilização do saber prático como verdade. A crítica pragmatista incidia principalmente sobre os modelos filosóficos europeus idealistas, considerados excessivamente abstratos e conceituais. Para James o pragmatismo era mais eficiente do que o idealismo ao ser capaz de apresentar soluções concretas e práticas para vida humana:

O pragmatista volta as costas resolutamente e de uma vez por todas a uma série de hábitos inveterados, caros aos filósofos profissionais. Afasta-se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más razões a priori, dos princípios firmados, dos sistemas fechados, com pretensões ao absoluto às origens. Volta-se para o concreto e o adequado, para os fatos, a ação e o poder (James, 2006, p. 47).

Uma de suas premissas fundamentais é de que o verdadeiro é aquilo que funciona. Mais do que uma teoria o pragmatismo é um método, sendo sua validação mensurável por suas consequências práticas. A verdade, nessa perspectiva, é instrumental e não um conceito abstrato. Daí a tônica pragmatista de se apresentar como anti-intelectual, antidogmática e antirracional. A tendência à sistematização conceitual e a causalidade estrutural são amplamente recusadas pelo movimento pragmático.

O pragmatismo consiste no fundamento filosófico de várias psicoterapias de origem norte-americana, sobretudo, as comportamentais e as humanistas. É interessante notar o lugar de destaque da filosofia pragmatista como referência epistêmica e cultural dos EUA, originando no mesmo contexto a literatura de autoajuda, os grupos de ajuda mútua e as psicoterapias. Foucault (2008) observa que o contexto da psicologia norte-americana é a biopolítica. Da mesma forma, podemos estender essa consideração de que os métodos de auto e mútua ajuda servem aos ideais biopolíticos de produção de subjetividade.

No que se refere às práticas religiosas, James (2006), considera que as ideias e as crenças são parte de nossa experiência. Serão elas verdadeiras na medida em que estabelecem relação com outras experiências pessoais. A recepção de novas ideias ou crenças dependerá justamente da adequação às experiências anteriores, às ideias preconcebidas. Nesse processo, ressalta o filósofo-psicólogo, há resistência das crenças antigas perante as novas.

Nesse sentido, um dos eixos de análise do pragmatismo de James é o lugar da religião na Modernidade. Um dos efeitos do darwinismo foi abalar as estruturas do teísmo, considerado antigo diante do novo panteísmo idealístico. O Absoluto, em termos naturais, surge como o substituto do Deus teológico. Apesar de seu posicionamento contrário a qualquer categoria de caráter universalizante, James ressalta que nas questões em torno da crença divina predomina a máxima pragmatista: se funciona é verdadeiro.

Desde o lançamento do "livro azul" ou o "grande livro", a referência à concepção pragmática de William James sobre a crença é um dos pilares da proposta espiritualista agnóstica dos AA. A possibilidade de eleger e nomear ao seu modo o "poder superior", livrando-se dos dogmatismos e ritualismos institucionais das religiões tradicionais, lhe pareceu como uma solução prática para o alcoólico não afeito a religião.

Outra apropriação destacada por Bill Wilson ( 2001 ) nas origens dos AA foi um comentário epistolar de Carl Gustav Jung sobre a cura do alcoolismo. Em carta dirigida a Jung, Bill Wilson lhe recorda que um dos pioneiros de AA, Mr. Rowland, fora seu paciente no início da década de 1930. Jung havia constatado a impotência da medicina e da psicologia frente à "doença" alcoólica. Daí sugeriu a seu paciente norte-americano uma experiência espiritual, tal qual os medievais mantinham com Deus. A recomendação junguiana para o alcoolismo era o Spiritus para o spiritum, ou seja, o espírito para as bebidas espirituosas ou alcoólicas. Somente uma força espiritual seria capaz de reconstituir e amparar o alcoolista. Diz Jung em sua carta a Bill Wilson: "Veja bem, álcool em latim é spiritus, e podemos ver a mesma palavra sendo utilizada para indicar tanto a mais profunda experiência religiosa como o mais degradante dos venenos. Portanto, a melhor fórmula a ser utilizada é: Spiritus contra spiritum" (Alcoólicos Anônimos, 2011, p. 19).

O problema sugestivo da proposta de Jung é que ela busca um forma de reestabelecer uma relação com o Outro aos moldes do sujeito pré-moderno, ou tradicional, cujos rituais no qual o álcool era utilizado como instrumento do "êxtase" religioso remetia a alguma mitologia própria daquela cultura, ou seja, um Outro (A) consistente. O que Jung não considera é que foi exatamente essa consistência do Outro que se perdeu na modernidade, sem possibilidade de reconstituí-la.

Ao retornar de seu tratamento com Jung, Mr. Rowland se engaja em um dos grupos Oxford e se tornou posteriormente um dos pioneiros de AA (Alcoólicos Anônimos, 2011, p. 15).

Bill Wilson busca na psicologia junguiana o reconhecimento de um autor "psi" para a devida autenticação dos preceitos e funcionamento dos AA. Não bastava o aval da medicina e da religião. Lamenta a esse respeito as concepções freudianas sobre a prática religiosa:

Naturalmente, os pesquisadores que representavam as diversas escolas de psiquiatria estavam em considerável desacordo a respeito do verdadeiro significado das novas descobertas. Enquanto os seguidores de Carl Jung perceberam valor, significado e realidade na fé religiosa, a grande maioria deles mantinha-se firme no ponto de vista de Sigmund Freud, de que a religião era uma fantasia confortante da imaturidade do homem; que quando ele crescesse, à luz do moderno conhecimento, não precisaria de tal apoio (Alcoólicos Anônimos, 2001, p. 03).

Enfim, constatamos que na apropriação feita ao modo de funcionamento dos grupos Oxford, ao pragmatismo jamesiano e ao psicologismo junguiano, os AA constroem sua concepção singular de crença espiritual que será crucial na sua terapêutica do alcoolismo e na reconstrução de sua moral da sobriedade.

 

O "sujeito interpassivo" e a reinvenção do Outro

Um dos eixos centrais da institucionalização dos AA (que servirá como modelo de funcionamento para os demais grupos de ajuda mútua) consiste na construção simbólica e alteritária de um grande Outro personalizado, um "poder superior" como referência individual. Tal "poder superior" se configura como o cerne do programa espiritual que agrega as discursividades psicológicas, espiritualistas e pragmatistas já mencionadas.

Na apresentação do programa terapêutico dos doze passos, a noção de "poder superior", mais adiante nomeado Deus, ocupa um lugar de destaque:

1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
2. Viemos a acreditar que um Poder superiora nós poderia nos devolver à sanidade.
3. Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.
4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
5. Admitimos peranteDeus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
7. Humildemente rogamos aEle que nos livrasse de nossas imperfeições.
8. Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las, ou a outrem.
10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente
11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós e forças para realizar esta vontade.
12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades (Alcoólicos Anônimos, 2001, p. 110-111; grifos nossos).

Considerando os três primeiros passos, é notória a marca de alteridade e de crença em um Outro como condição para o iniciante de AA executar o programa terapêutico. Nesses passos introdutórios também estão estabelecidos os eixos fundamentais para a produção subjetiva do alcoólico anônimo: o reconhecimento da posição adicta.

O grande Outro aqui é personalizado e constituído de forma individual, apesar da formação grupal característica dos AA. Cada membro deve crer e construir um Outro de poder: "o Outro personificado se torna a sede e a sede do poder, nos dois sentidos, porque o sujeito, [...] é alienado aos significantes que vieram do Outro com a série 'tú és...'" (Quinet, 2012, p. 27).

Este Outro personificado é também primordialmente anônimo, nomeado conforme cada sujeito recorre à cadeia significante, fato que ressalta o Outro como lugar puro e reservatório dos significantes. Essa alienação tem como efeito a produção de uma subjetivação passiva e a consequente obnubilação do desejo e de sua condição fantasmática. Do gozo alcoolista em torno do objeto álcool o sujeito, identificado com a "doença" e com o significante "alcoólico", passa à posição de alienação ao Outro ( Lacan, 1964/1988), reconstrução subjetiva contínua para fazer barreira ao gozo com a bebida.

Seguindo a lógica da alienação, proposta por Lacan (1964/1988), pela qual o sujeito precisa escolher - como uma "escolha forçada" - entre o ser e o sentido do Outro, podemos observar que nesse caso, há uma escolha "regressiva" pelo sentido do Outro. O que fundamenta o ser do sujeito é o sentido do Outro e não seu fantasma.

Zizek (2010), atenta para a emergência de um "sujeito interpassivo" na contemporaneidade, à espera e dependência da ação do Outro em contraposição à interatividade do mundo globalizado. Quanto a sua noção de interpassividade e sua relação com o Outro, Zizek (2010, p. 38) comenta: "ele pode afetar não apenas sentimentos, mas também crenças e conhecimento - o Outro pode também acreditar e saber por mim". Essa posição passiva perante o Outro, atribuindo-lhe o saber e o fazer, implica também na produção do "Sujeito Suposto Crer", ou seja, numa crença na existência e na atuação do Outro, personificado e institucionalizado. Recordando a célebre reflexão de Blaise Pascal sobre a aposta na existência de Deus, Zizek (2010, p. 42) sintetiza o funcionamento do sujeito interpassivo: "Ajoelha-se, reza, age como se acreditasse - e a crença virá por si só". Ou, como os Alcoólicos Anônimos expressam sucintamente: "Finja, até que seja verdade".

Se um dos efeitos do discurso capitalista na contemporaneidade foi o esvaziamento do Outro, evidenciada no declínio dos grandes textos norteadores da humanidade, cuja função era de defesa contra a vacuidade do Outro (Melman, 2003), os AA recuperaram a consistência textual do Outro na criação de uma vasta "literatura" (livros, folhetos, biografias, filmes) cujo principal autor é Bill Wilson, que apresenta seu "despertar espiritual" como experiência pioneira na institucionalização dos AA.

Entre os membros de AA a função do líder se apresenta de forma singular. A princípio se configura na experiência-modelo de seu cofundador Bill Wilson. A centralidade de sua "narrativa terapêutica" expandida em sua vasta produção bibliográfica serve como traço identificatório para os demais membros.

Ultrapassando os relatos pessoais de Bill Wilson, a experiência dos membros anônimos registrada na literatura de AA serve como aporte identificatório e pedagógico para os membros iniciantes, sobretudo no que se refere à nomeação do "poder superior". O livro Despertar espiritual (Alcoólicos Anônimos, 2011) condensa diversos testemunhos de membros anônimos, de como cada um nomeia, concebe e crê em seu Poder superior.

Nos textos que fazem a abertura do livro é apresentada a ideia de similitude entre os doze passos e os princípios cristãos de humildade e de proximidade divina para quem lhe dirige a prece. Nessa via de argumentação, o significante "anônimo" é conceituado como a necessidade de anulação do eu e de evitação da autopiedade. O título de um dos textos introdutórios sintetiza bem essa noção: "Quando o Grande Eu torna-se Ninguém" (Alcoólicos Anônimos, 2011).

O "ego", os AA o definem não de forma conceitual, mas afetiva. Trata-se de uma experiência de distinção não alteritária:

Esse ego que se vê como especial e diferente tem algumas características. ele é cheio de si e tende a manter suas metas e visões no mesmo patamar [...] ele se desespera com suas culpas e falhas, e desenvolve um cinismo que amarga o espírito e transforma seu dono em um realista raivoso (Alcoólicos Anônimos, 2011, p. 06).

Mais adiante, esse projeto de aniquilação do "ego" é reconhecido como uma forma de "suicídio psicológico", ao abrir mão de uma identidade próspera em troca de ser "nada". Contudo, as vantagens do anonimato são ressaltadas em sua produtividade diária, ou seja, aproveita-se melhor a vida quando se vive o "programa de 24 horas", sem as preocupações do amanhã, tal qual o princípio Zen que "ensina a libertação pelo nada".

Ao longo da obra, a função do anonimato é apresentada como uma experiência de anulação do eu. O alcoolismo estaria intimamente ligado ao egoísmo do bebedor que prescinde de seus laços familiares, restringindo seu laço com a bebida e com outros bebedores. Ser anônimo consiste então em um exercício de rebaixamento e aniquilação do eu, cujo ponto central é a construção de um inventário moral para a prática da reparação. O que implica uma culpabilização seguida de sua expiação. Podemos localizar essas premissas no quarto, quinto e sexto passos do programa dos doze passos. (Alcoólicos Anônimos, 2001). Este exercício de anulação do eu pode ser concebido como uma espécie de psicologia melancólica, às avessas da tradicional ego psychology norte-americana. Vale ressaltar a proximidade desse preceito de aniquilação egoica dos AA com a tradição cristã de mortificação de si em nome de um Outro. Eis aqui aquela escolha forçada pelo sentido do Outro que sinalizamos acima.

Em termos discursivos, esse efeito de apagamento subjetivo pode ser entendido como efeito do funcionamento do discurso universitário. Nesse discurso, o saber ocupa o lugar de agente, sustentado pelo mestre que ocupa o lugar oculto da verdade. O saber impele o outro a trabalhar de forma apassivada tal e qual o estudante. Como produção temos a fabricação massiva de profissionais com seus respectivos títulos. Em sua apresentação topológica temos o seguinte matema:

Podemos ler a constituição institucional e o programa metódico dos AA a partir desse discurso. O saber pragmático registrado na literatura de AA é quem agencia o laço social entre os membros da Irmandade. Notadamente a constituição desse saber foi erigido a partir da experiência de seus mestres fundadores. Podemos considerar que o alcoólico em recuperação ocupa o lugar do outro apassivado anônimo, trabalhando diariamente para a produção ideal do sujeito abstinente.

Na diversidade dos breves relatos anônimos em forma de cartas, é notória a função da crença em um Outro como condição fundamental para a constituição do alcoólico anônimo. O ateísmo, queixa recorrente de vários iniciantes da irmandade, é contornado com a premissa pragmatista de o Poder superior pode ser qualquer coisa, desde que funcione. É o que podemos ler no relato de Sara S:

Desde aquela manhã, em 26 de janeiro de 1983, nunca mais tive dúvidas de que Deus existe. Não quero dizer que sei tudo sobre Deus. Tudo o que sei é que eu conheci um Poder superior a mim, e esse poder recuperou minha sanidade. Para mim, esse é o poder ao qual nós nos referimos quando dizemos: "Continue voltando!, funciona". "Para mim, Deus funciona". Deus também "funciona" quando dizemos: "ajoelhe e reze; funciona". E funciona realmente, não importa como entendemos (Alcoólicos Anônimos, 2011, p. 29).

A crença pragmatista em um poder superior funcional é geralmente apresentada nos relatos pela fórmula "faça como se acreditasse". Há entre os AA uma experiência inversa da verdade revelada cristã e também um distanciamento da lógica científica de comprovação metódica e conceitual. É verdadeiro porque funciona, não há necessidade de teorizar, especular.

É possível perceber uma tensão entre as diversas possibilidades de conceber o "poder superior". Embora a doutrina AA se apresente como agnóstica, é possível localizar nos relatos a hegemônica referência ao Deus religioso como o Outro de poder: "As pessoas com as quais fiz amizade eram alcoólicos sóbrios, e a maioria delas era cristã ou acreditava em um Deus judaico-cristão" (Alcoólicos Anônimos, 2011, p. 54).

Tal fato constitui uma polêmica, ainda atual, sobre a dificuldade de um lugar para o ateísmo no processo de ingresso nos AA. Na literatura de AA, é reconhecido o fato de os ateus não conseguirem prosseguir no programa de doze passos. A solução apresentada é a radicalidade pragmatista na construção de um Outro. Em um dos relatos do "Despertar Espiritual" encontramos a seguinte noção de "Poder Superior":

[...] pensei num lugar maravilhoso que tinha descoberto tentando pescar trutas, com rochas grandes repousando enfileiradas em cima de uma bela piscina natural [...] era um monte de pedras grandes e um fluxo que aMãe Naturezajuntou. Isso me fez sentir bem por estar lá, e isso em geral não acontecia. Talvez pudesse acreditar em alguma coisa, e isso já era uma pequena rachadura no muro da descrença (Alcoólicos Anônimos, 2011, p. 46; grifos nossos).

Nessa descrição, a crença em um lugar natural como referência de poder superior, implica que tal gesto é inicial, ou seja, uma primeira crença possível que pode levar a uma experiência mística com o inominável. Nesse sentido, no relato acima nos chama a atenção a referência à "Mãe Natureza" mais do que à descrição da paisagem. Em geral, a perspectiva implícita é de que as pequenas crenças funcionam como gatilhos para a construção de referenciais maiores.

Apesar do esforço de incluir em sua lógica da crença a posição do ateu, a partir dos testemunhos dos membros, na prática do programa de doze passos há um empuxo à construção de Outro ao molde do Deus da tradição judaico-cristã, justamente naquilo que o particulariza no panteão das divindades, ou seja, o nome do Deus bíblico é impronunciável e sua imagem não representável. A instituição de uma falta no campo das representações é sua marca característica. O que os AA levam até a última instância, portanto, é a necessidade de recorrer a um significante-mestre (S1) como forma de recuperar um posicionamento no campo do simbólico.

 

Considerações finais

Entre os AA, o recurso a crença na terapêutica do alcoolismo implica a construção de um Outro muito peculiar. Deve-se crer no poder Superior porque ele funciona, gera resultados. A literatura oficial de AA não apresenta uma divindade teológica tradicional. Como foi discutido, trata-se de uma visão pragmatista de Deus apropriada por Bill Wilson das ideias filosóficas de William James. Contudo, a própria literatura de AA mostrará através da noção de poder Superior uma inclinação, um empuxo à perspectiva do Deus judaico-cristão representada nos relatos pessoais de seus membros.

A verdade apresentada como toda, sem falhas, implica um forçamento impositivo. A função da crença nos AA é o princípio de todo o funcionamento de sua terapêutica e do consequente enlaçamento de seus membros. A consequência dessa verdade imposta é a exclusão daqueles incapazes de crer, evidenciada pelo grande número de alcoolistas que não conseguem ingressar na Irmandade.

No contexto contemporâneo, o recurso ao poder Superior funciona como uma denegação do lugar de esvaziamento do Outro. Tal denegação se apresenta como o elemento constitutivo das narrativas terapêuticas que ultrapassam o modelo institucional dos AA e se estende às demais formações grupais de ajuda mútua.

Em termos discursivos, o caráter pragmatista dos AA apresenta um saber-fazer pronto para ser aplicado, ou ainda, comercializado tal como se pode constatar no contemporâneo a partir da explosão de práticas de autoajuda, Programação Neurolinguística (PNL) e coaching. O clássico bordão fake it until you make it, amplamente repetido em tais práticas, tem sua provável origem com o programa de AA, pioneiros em sua disseminação.

Ao recorrermos à concepção lacaniana de discurso universitário, enquanto laço social agenciado pelo todo ou tudo saber (Lacan, 1969-1970/1992), é possível analisar a função do saber na produção subjetiva do alcoólico anônimo. É característico desse discurso, que como já visto não se restringe ao âmbito da universidade, a recusa da posição do sujeito em favor da ciência. O mestre sustenta de forma velada o saber que ocupa o lugar de agente nomeado posteriormente por Lacan como semblante (Lacan, 2009). O a-estudante ocupando o lugar do trabalho labora em função da produção massiva de sujeitos reconhecidos pelas insígnias do saber.

É possível, portanto, identificar entre os membros de AA uma reconstrução subjetiva que coincide com a produção subjetiva do alcoólico anônimo. Da adicção alcoolista temos uma passagem para uma posição subjetiva interpassiva alienante. A condição de semblante ocupada por um saber em sua versão pragmática faz referência à verdade da experiência espiritual dos fundadores de AA. O membro alcoólico deve se tornar também anônimo, condição massificante evidenciada pela repetição dos jargões e do estilo narrativo da literatura de AA.

Na contemporaneidade, o diagnóstico cumpre uma função de nomeação do mal-estar e também de referência identificatória. Sofremos porque devemos ter uma identidade (Dunker, 2015). Ser alcoólico aponta para uma forma de nomeação diagnóstica a partir de um significante-mestre (S1) que organiza a experiência do membro de AA como uma moral de vida. Para além de uma terapêutica do alcoolismo, os AA apresentam um ethos baseado na crença e no saber pragmático.

 

 

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Artigo recebido em: 31/05/2018
Aprovado para publicação em: 26/11/2019

Endereço para correspondência
Raul Max Lucas da Costa
E-mail: raulmax@leaosampaio.edu.br
Leonardo Danziato
E-mail: leonardodanziato@unifor.br

 

 

*Psicanalista, membro do Aleph - Escola de Psicanálise. Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará-UFC. Doutor em Psicologia pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Professor do curso de Psicologia do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio-UNILEÃO, Juazeiro do Norte-CE.
**Professor Doutor Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Psicanalista, Analista-Membro da Invenção Freudiana - Transmissão da Psicanálise.

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