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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.52 no.2 Rio de Janeiro Jul./Dec. 2020

 

DOSSIÊ

 

O ato infracional como ato anti-hamletiano de adolescentes sob condição de indignação e revolta

 

Infrational act as anti-hamletian act of adolescents under the condition of indignation and revolt

 

El acto infracional como acto antihamletiano de los adolescentes bajo la condición de indignación y revuelta

 

 

Cássio Eduardo Soares MirandaI*; Marcelo Ricardo PereiraII**

IUniversidade Federal do Piauí - UFPI - Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo da noção de indignação e revolta, com base nas análises freudo-lacanianas de Hamlet, de Shakespeare, este ensaio discute a relação entre desinserção social e ato infracional de adolescentes em conflito com a lei. Para isso, remonta ao conceito de adolescência e de desorientação simbólica para analisar como esses sujeitos, à diferença do personagem shakespeariano, são impelidos a agir mediante a revolta, mesmo que seu ato possa levá-los ao pior. Por meio do caso José, conclui mostrando alguma saída possível para adolescentes criminais que não se reduza nem à paralisia neurótica nem ao ato não dialetizável.

Palavras-chave: adolescência, indignação, revolta, desinserção social, ato infracional.


ABSTRACT

Based on the notion of indignation and revolt, based on the analyzes of Freud and Lacan de Hamlet, by Shakespeare, this essay discusses the relationship between social disinsertion and the infraction of adolescents in conflict with the law. The Essay goes back to the concept of adolescence and symbolic disorientation to analyze how these subjects are impelled to act through revolt, even if their act may lead them to the worst. Through the José case, the essay shows some possible way out for criminal adolescents that is not reduced to neither neurotic paralysis nor non-dialectable act.

Keywords: adolescence, indignation, revolt, social disintegration, offense.


RESUMEN

A partir de la noción de indignación y rebelión, basada en los análisis freudolacanianos de Shakespeare, este ensayo discute la relación entre la desinserción social y la infracción de adolescentes en conflicto con la ley. El artículo vuelve al concepto de adolescencia y desorientación simbólica para analizar cómo estos sujetos, a diferencia del personaje de Shakespeare, se ven impulsados a actuar por medio de la revuelta, aunque su acto pueda llevarlos a lo peor. A través del caso de José, concluye mostrando una posible salida para los adolescentes criminales que no se reduce ni a una parálisis neurótica ni a un acto intransigente.

Palabras clave: adolescencia, indignación, revuelta, desintegración social, ofensa.


 

 

Introdução

A violência constitui-se como um grave problema social e sanitário, tendo um impacto significativo nas mais variadas partes do mundo. Anualmente, mais de um milhão de pessoas morrem vitimadas pelas variadas formas de violência, além dos inúmeros casos de ferimentos não fatais decorrentes de autoagressões, de agressões interpessoais ou de violência coletiva. Dados estimados da Organização Mundial de Saúde apontam que a violência é uma das principais causas de morte de pessoas entre 15 e 44 anos em todo o mundo (Dahlberg & Krug, 2006). No caso brasileiro, mais da metade dos homicídios ocorridos no país em 2017 foram de pessoas de 15 a 29 anos de idade (Cerqueira, & Bueno, 2019).

Da mesma forma que existe no Brasil um verdadeiro extermínio da juventude brasileira, em que a morte prematura de jovens de 15 a 29 anos por homicídio tem apresentado taxa ascendente de crescimento desde os anos de 1980, parece ser lugar-comum estabelecer associação entre juventude e criminalidade, estando o jovem tanto no papel de vítima quanto de autor. Todavia, parece chamar mais atenção social o fato de jovens serem praticantes de ato infracional, ainda que estatisticamente essa situação seja significativamente menor que os casos de jovens vítimas da violência (Brasil, 2019).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, configura-se como o principal regimento jurídico sobre os direitos das crianças e adolescentes no Brasil, definindo criança como a pessoa até doze anos incompletos e adolescente como aquela que está entre doze e dezoito anos incompletos. Em caso de envolvimento em práticas delitivas, o ECA propõe diversas medidas socioeducativas e, dentre as previstas na legislação, a internação é a mais grave por implicar na privação de liberdade (Brasil, 1990).

De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o sistema socioeducativo brasileiro conta com 330 unidades de internação e 123 unidades de semiliberdade tendo, no entanto, um descompasso entre o número de vagas existentes e o número de jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação, bem como uma taxa de reincidência média de 23,6% (Brasil, 2019). Ademais, os atos infracionais são os mais variados, incluindo roubo qualificado, homicídio, homicídio qualificado, tráfico de drogas, dentre outros, os quais podem ser categorizados, segundo sua possível motivação, como crimes de utilidade ou crimes do gozo (Miller, 2015).

Neste ensaio, partiremos da noção de indignação e revolta, com base nas análises freudo-lacanianas de Hamlet, de William Shakespeare (1601/2003), para discutir a relação entre desinserção social e ato infracional de adolescentes em conflito com a lei. Remontaremos ao conceito de adolescência e de desorientação simbólica para analisar como esses sujeitos, à diferença do personagem shakespeariano, são impelidos a agir mediante a revolta, mesmo que seu ato possa levá-los ao pior. Discutiremos fragmentos de uma entrevista clínica de orientação psicanalítica conduzida com um adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação, localizando em sua história elementos que o inscrevem numa posição indigna desencadeada pelo assassinato do pai. Finalizaremos mostrando alguma saída possível para o caso que não se reduza nem à paralisia neurótica nem ao ato não dialetizável.

 

Indignação, revolta e desinserção social

O tema da violência, com suas múltiplas variações, incluindo aí a revolta que a motiva, é um tema recorrente na literatura mundial. Para Ginzburg (2012), trata-se de um locusprivilegiado para se entender um determinado período ou tempo, principalmente daqueles em que o mal-estar se encontra socialmente mais visível. Em sua acepção, tanto a violência quanto a revolta podem se constituir como um ponto de convergência privilegiado na compreensão de um dado período social ou moralmente conturbado. Segundo ele:

O testemunho é necessário em contextos políticos e sociais em que a violência histórica foi muito forte, desempenhando papel decisivo na constituição das instituições. Nesses contextos, as diferenças de perspectiva entre os setores em conflito implicam diferenças formais e temáticas nas concepções de escrita e em recursos institucionais de legitimação (Ginzburg, 2012, p. 59).

Desse modo, para muitos casos a revolta pode ser tomada como um significante que o representa, com o delicado risco de se tornar uma estética da dor e da violência, conforme costumeiramente se vê nos programas policiais de cunho sensacionalista. Segundo Machado (2020), os críticos literários franceses evitam a palavra revolta e descrevem mais os sentimentos que a provocam. No Romantismo, por exemplo, surge a figura do herói revoltado em Víctor Hugo, que é o caso de Hernâni, ou Musset, com Lorenzzaccio. Todavia, segundo ela, o que mais chocou as personalidades de seu tempo foi sem dúvida, Albert Camus, com o livro L'homme revolté. Nesse sentido, Machado defende que o tema "revolta" não é muito recorrente mas sim o do homem que se revolta contra alguma forma de opressão. De fato, Camus, ao conjecturar acerca do valor que movimenta o homem revoltado, defende que deve ser alguma coisa que, mesmo confusa ou incerta, diz respeito a algo que é comum a todos, não se tratando de uma excepcionalidade, mas de uma "afirmação implícita em todo ato de revolta se estende a qualquer coisa que ultrapassa o indivíduo, na medida em que essa mesma revolta o arranca à sua suposta solidão e lhe fornece uma razão para agir" (Camus, 1996, p. 18). Desse modo, o filósofo francês estabelece o envolvimento entre revolta e solidariedade em razão de haver uma integridade a preservar, tendo, portanto, um caráter ativo e impositivo.

Entretanto, aqui, para nós, é outro personagem literário que nos chama a atenção. Trata-se do já tão comentando Hamlet (Shakespeare, 1601/2003), que foi amplamente citado por Freud no decorrer de sua obra para elucidar a condição edipiana particularmente clara e mal decidida. A peça inicia-se pouco após a misteriosa morte do Rei Hamlet, homem admirável por suas virtudes paternas e reais, morto picado por uma serpente no pomar real: eis a primeira versão de sua morte. No entanto, tempos depois outra versão começa a circular após o casamento da rainha viúva com o cunhado Claudio, irmão do Rei Hamlet. O fantasma do Rei declara ao príncipe Hamlet que havia sido traído pela mulher e assassinado pelo irmão, revelando uma rede de intrigas, ódio, amor, vingança e luta pelo trono. O que chama a atenção de Freud no belo texto de Shakespeare é a presença da mesma estrutura trágica encontrada em Édipo. Para Freud, no entanto, a tão admirada obra revela impasses da ordem da realidade vivenciada por Shakespeare, o que torna o nome Hamlet um significante de sua representação. No argumento freudiano apresentado em 1925, a hesitação do príncipe Hamlet em vingar o assassinato de seu pai revela seus impasses subjetivos frente ao contraponto presente em seus atos inescrupulosos evidenciados no envio de seus cortesãos à morte, ao assassinar Polônio, e ao enfrentar mortalmente Laertes.

Para Freud, trata-se de uma "obscura lembrança de que ele próprio havia contemplado praticar a mesma ação contra o pai, por paixão pela mãe" (Freud, 1900/1976, p. 79), o que justifica então essa destacável hesitação hamletiana: seu sentimento inconsciente de culpa demonstrado na enunciação que Hamlet faz ao se dirigir a Polônio no Ato II, Cena II: "se tratarmos as pessoas como merecem, nenhuma escapa ao chicote". Porém Freud avança em suas considerações acerca da problemática da hesitação de Hamlet em vingar seu pai. Para ele, a hesitação se ancora no fato de seu tio haver efetivado uma ação por Hamlet desejada por ocasião do conflito edipiano em sua infância. Desse modo, o ódio sentido pelo tio que agora se tornou padrasto é "substituído por autorrecriminações, por escrúpulos de consciência, que o fazem lembrar que ele próprio, literalmente, não é melhor que o pecador que deve punir". (Freud, 1900/1976, p. 281).

Os impasses vividos por Hamlet são interrogados por Jacques Lacan (1986) sobretudo frente ao que parece ser na dimensão do agir desse personagem como algo paradoxal: Sendo Hamlet alguém tão decidido, que não recua frente a muita coisa, o que acontece que ele não vai ao ato? É em razão dessa inoperância de Hamlet que Lacan irá nomeá-la como a "tragédia do desejo". Nesses termos, o ensaio de resposta proposto por Lacan é a de que existe uma articulação entre agir e saber:

Lança-se então na armadilha preparada pelo Outro. [...] Até o último momento, até à derradeira hora, até a hora de Hamlet, em que será ferido mortalmente antes de atingir o seu inimigo, a tragédia prossegue a sua cadeia e realiza-se segundo a hora do Outro - quadro essencial para conceber aquilo que está em questão. É nisto que o drama de Hamlet possui a ressonância metafísica da questão do herói moderno. Algo mudou, com efeito, desde os tempos antigos, na relação do herói com o seu destino. Falei-vos do que distingue Hamlet de Édipo, é que Hamlet sabe. Traço que explica, por exemplo, a loucura de Hamlet. Existem na tragédia antiga heróis que são loucos, mas não conheço nenhum - refiro-me às tragédias e não às lendas - que se faça de louco. Ora, Hamlet se faz de louco (Lacan, 1986, p. 82).

É por essa estrutura que Lacan estabelece uma distinção entre o mito do Édipo e a peça de Hamlet. Para Jacques Lacan, o não saber de Édipo é o que fornece as coordenadas de seu crime, pois estavam recalcadas e não sabidas, enquanto que, em Hamlet, um saber estava posto. Tal ponto de diferenciação entre Hamlet e Édipo possibilita-nos pensar no modo com a estrutura neurótica se organiza no contemporâneo. Ou seja: não se trata do não sabido, mas do que fazer com o que se sabe. Se, na proposição lacaniana capturada do texto de Shakespeare, Hamlet não age porque sabe, então, para que lhe serve seu saber? Seu saber, nesse caso, seguindo a orientação lacaniana, serve para aprisioná-lo no desejo do Outro, afastando-o daquilo que o causa. Parece-nos, assim, que o saber de Hamlet fixa-o na crença de que haverá um tempo oportuno para vingar a morte do pai, morto na "flor de seus pecados", castigando a mãe e o tio, responsáveis pelo assassinato, o que, no entanto, não acontece, colocando a personagem tão somente na condição de indignado.

Ao tratar da temática da indignação, Lacan em seu Seminário: livro 8, destaca a ambiguidade do termo grego agamai,que pode ser, a depender do contexto, tanto "admiração" quanto "inveja", "ciúmes", "suportar com dificuldade" ou, mais especificamente, "estar indignado". Nesse sentido, a sublimação tendo como um de seus componentes a admiração, seria "elevar um objeto à dignidade da Coisa" (Lacan, 1964-1965/1992, p. 140-141), com a diferença que na sublimação o objeto é causa de desejo, enquanto que na indignação ele é tido como obturador de uma falta, estando fora de sua posição de dignidade. Assim, o agalma é um objeto supervalorizado que "tem a função de salvar nossa dignidade de sujeito [...]. Ele faz de nós algo distinto do sujeito da fala, esse algo único, de inapreciável, de insubstituível, afinal, que é o verdadeiro ponto onde podemos designar aquilo a que chamei a dignidade do sujeito" (Lacan, 1960-1961/1992, p. 173). Desse modo, pode-se dizer que a singularidade está na base da dignidade, uma vez que, ao estabelecer uma relação distinta com um objeto que protege a dignidade, o sujeito é capaz de restabelecer a própria dignidade. Por outro lado, conforme destaca Moraga (2018, p. 02), "a indignação, como afeto de um corpo individual ou político, surge quando o singular é rechaçado ou desconhecido e, com isso, é tocado algo da juntura íntima do sentimento de vida".

De modo mais específico, em Hamlet a indignação é uma resposta frente à afronta à dignidade do pai, mas ele fica suspenso entre a "perversidade" do gozo materno e o ideal encarnado pelo pai assassinado. Ao se endereçar ao Outro, a resposta que recebe da mãe é: "Sou o que sou, não tenho jeito, sou uma verdadeira genital [...] luto não é comigo" (Lacan, 1958-1959/2016, p. 309). Desse modo, nota-se que o agalma suscita movimentos da subjetividade devido à simultânea proximidade e distância que o objeto mantém frente ao sujeito desejante. A proximidade do objeto, por um lado, abarca o imaginário em seu caráter alienante; a distância, por sua vez, assinala alguma coisa impossível de ser completamente simbolizada. Talvez seja por isso que Hamlet permanece apreendido em sua relação de dependência ao Outro e localiza em Laerte, seu duplo, todo seu brilho. É nesses termos que Hamlet torna-se ainda mais indignado ao constatar que Laerte ostenta seu luto pela morte de Ofélia, sua irmã.

Éric Laurent definiu a indignação (2019, s.p.) "como um sentimento experimentado como um valor diante de algo que atingiu outro valor. Há um toque de real, porém sublimado, mais simbólico". Lacan, por sua vez, a toma como paixão da alma, uma vez que se trata dos efeitos da linguagem sobre o corpo e afeta frontalmente a relação do sujeito com o objeto. Desse modo, a nosso ver, indignação e revolta encontram-se imbricados, na medida em que uma se coloca na ordem da paixão que toca o corpo, a indignação, enquanto que a outra, a revolta, parece ser uma resposta ao impossível de suportar. Nesses aspectos, ambas se imbricam naquilo que o real promove de ruptura nas coordenadas simbólicas. É nesse ponto que a indignação associada à revolta nos interessa para pensarmos como a revolta posta em ato estabelece uma ruptura anti-hamletiana que inaugura um antes e um depois e marca a quebra de uma fronteira na qual o sujeito se coloca como fora da lei.

Jacques-Alain Miller (2010) destaca que a revolta é um ato que se distingue do saber tendo em vista que ela é sem mediação, diferenciando-se da revolução e da subversão. Em sua perspectiva, tanto a revolução quanto a subversão implicam em um saber, tendo em vista que necessitam de tempo para maturação e aprofundamento. A revolta, por sua vez, é uma resposta ao encontro do sujeito com um impossível de suportar. Miller argumenta:

Essa notação indica que a revolta está separada do conhecimento; é sem mediação. A revolta estritamente falando não pensa e se distingue nisso da subversão, empreendimento de longo prazo que requer um conhecimento profundo da ordem que se trata de destruir, de derrubar. A imagem da subversão é a da famosa toupeira velha, que cava nas sombras, explora a duração e deixa tempo para o tempo, por assim dizer (Miller, 2010, p. 213)1.

Nesse percurso, talvez não seja possível extrair da revolta, na perspectiva apontada por esse autor, uma crença, uma perspectiva partidária ou até mesmo uma ideologia da esperança, conforme pode ser encontrado em promessas partidárias, identitárias ou religiosas. Assim:

A revolta, como tal, não tem fé, não especula sobre o futuro, irrompe no momento. Está inteiramente no encontro do que chamei de impossível de suportar e na decisão, o ato, que se segue imediatamente, sem paralisações. Então, eu acredito, temos que extrair a revolta dessa estrutura de apostas e dizer que é um deleite. Este transporte extático o agarra - como um símbolo, eu disse - enquanto todo o seu se reunia e condensava na unidade do seu ser isto, em direção e para a morte (Miller, 2010, p. 214)2.

De algum modo, Miller (2010) aponta para o bom uso da revolta. Ele inclui nela a tentativa de construção de um saber, ou seja, de algum modo estar avisado da reversão da revolta e de sua relatividade, bem como advertido de que o impossível de suportar pode estar intimamente associado à fantasia do sujeito: "Se o espetáculo do impossível de suportar anima a revolta, é porque coincide com o seu teatro mais íntimo - aquele que Freud chamou de fantasia - e que aí se encontra um gozo" (Miller, 2010, p. 214). Dito de outra maneira, o bom uso da revolta talvez só possa ser possível na medida em que inclua esse resto inapreensível do gozo e o que Miller nomeou de uma possível salvação pelos dejetos.

Ora, a salvação pelo dejeto, na proposição de Miller, refere-se, de certa forma, à elevação do objeto à dignidade da Coisa a partir da premissa lacaniana de que "nem a ciência nem a religião são aptas para salvar a Coisa, nem a nos dá-la" (Lacan, 1959-1960/1997, p. 168). É nesses termos que é possível sustentar que, seguindo a lógica adotada por Miller, a salvação pode ser feita fora dos ideais, fora de um ideal de moralidade orientado pelo olhar do Outro.

Em suas discussões sobre o uso do dejeto para a sua própria salvação, Miller (2010, p. 214) argumenta que o dejeto "é o que é rejeitado e especialmente rejeitado ao cabo de uma operação onde só se retém o ouro, a substância preciosa a que ela leva. O dejeto é o que [...] cai, é o que tomba quando por outro lado algo se eleva". Nesse sentido, dejeto e ideal caminham emparelhados, na medida em que o apogeu de um pode ser o declínio do outro.

No que tange aos jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação sem atividade externa, talvez pudéssemos interrogar se aquilo que é tomado como traço identificatório é o objeto aenquanto uma espécie de dejeto real em que o sujeito "vai à direção de realizar o dejeto sobre a sua pessoa, negligenciando a si mesmo ao ponto mais extremo" (Miller, 2010, p. 18). Ora, de alguma maneira a psicanálise permite sustentar que a salvação, conforme já fora dito, pode ser vista num para além dos ideais e pode ser buscada nos dejetos que se encarnam nos restos, nas peças soltas ou avulsas. Se essa for uma aposta para a clínica contemporânea, talvez isso implique em consentir novos modos de vida e formas diferenciadas de se experienciar a pulsão, mas, também, pode servir de orientação para aqueles casos em que a opacidade da interpretação mantém o caráter refratário do sintoma.

Dito de outra maneira, a salvação pelo dejeto é uma aposta em uma saída possível inventada pelo sujeito que não se assenta nos ideais, mas, antes, naquilo que extrai de seu gozo. De um lado, pode haver salvação pela sublimação, na medida em que nessa operação há uma integração do gozo com o laço social através dos circuitos das trocas. Por outro lado, é possível também a salvação pelos dejetos na medida em que os restos psíquicos, quando bem acolhidos, podem, de alguma forma, fazer laço com o Outro. É a partir desse tipo de aposta que Miller (2008) defende uma pragmática da desinserção, ou seja:

Trata-se de desprender do gozo uma parcela que possa constituir objeto e inicialmente objeto de uma narração, de um cenário - como o cenário da fantasia - de uma storytelling, como nos foi ensinado hoje com esta palavra, de uma lenda, daquilo que Lacan chamava um "mito individual" e que pode ter lugar de fantasia (Miller, 2008, p. 5).

Assim, a pragmática da desinserção, longe de uma política dos ideais, atua em um flanco não orientado por uma pedagogia das formas de ser ou que vise à adequação do sujeito às normas e ao que se espera dele. Trata-se, nesse caso, de autorizar o sujeito a construir um saber-fazer com o seu gozo pela liberação da palavra.

 

A adolescência desinserida

A adolescência é um fato da modernidade (Ariès, 1981; Hall, 1904), e o modo como os aparatos sociais, midiáticos e culturais tratam essa etapa da vida parece dar-lhe um lugar de destaque. De fato, o empuxo à "juventude" tornou-se uma das molas propulsoras da contemporaneidade e a adolescência, de maneira idealizada, tem servido de norte, tanto para adultos quanto para crianças, por ser visto como um tempo de plenitude das realizações (Pereira, & Gurski, 2014).

A psicanálise, desde seus primórdios, interessou-se pelo tema. Freud (1905/1976) nomeou à época como "puberdade" o que costumeiramente compreendemos hoje como o tempo da adolescência. Para ele a puberdade é considerada como o tempo de descenso infantil da conduta sexual "perverso-polimorfa", resultado da combinação de fatores constitucionais e "acidentais". Configura-se ainda como o momento em que o púbere tem como tarefa a renúncia aos objetos amorosos infantis e o direcionamento a um objeto sexual alheio. Trata-se de um intenso trabalho psíquico, pois implica na separação dos pais da infância ou dos primeiros objetos (incestuosos) de amor exatamente num momento de intensas modificações corporais. Nesse ponto Freud destaca que "[...] consuma-se uma das realizações psíquicas mais significativas, porém também mais dolorosas, do período da puberdade: o desligamento da autoridade dos pais, [...] tão importante para o progresso da cultura" (Freud, 1905/1976, p. 213).

O terceiro de os "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", de Freud (1905/1976), intitulado A metamorfose da puberdade, delineia as mutações operadas no corpo da criança durante a puberdade, aguçando seus efeitos na vida erótica do sujeito; ressalta que as metamorfoses da puberdade implicam a perda do corpo infantil, o que exige a construção de uma nova imagem corporal. Desse modo, o tempo da puberdade aparece como um momento em que as exigências pulsionais estão aptas à sua realização, bem como na ocasião em que ocorre um mal-estar relacionado ao despertar para o desejo, à sensível relação do sujeito com o corpo próprio, ao traumático encontro com o outro e, ainda, à árdua separação da autoridade parental.

É nesse ponto que Freud parece fazer convergir fisiologia e cultura e remete à chamada "crise de gerações". Nesse sentido, frente aos desafios do real do corpo, o púbere deverá responder psiquicamente às exigências provenientes tanto do corpo quanto do estabelecimento de novos laços sociais. Assim, a puberdade é compreendida como uma etapa de conclusão na qual o desenlace institui o que Freud denomina como "vida sexual normal do adulto", caracterizada pela primazia da genitalidade (Freud, 1905/1976, p. 186). Nesse sentido, a puberdade é assinalada pela convergência das pulsões parciais da infância sob o primado da genitalidade, último tempo da organização sexual. Entre o afetivo da infância e o sensual da adultez, a adolescência seria a resultante de lugares polarizados, ambíguos e opacos, como a perfuração de "um túnel cavado através de uma montanha a partir de ambos os lados" (Freud, 1905/1976, p. 213).

Para o que interessa a este ensaio n o que toca à adolescência, Freud (1905/1976) defende que um dos trabalhos do púbere para lidar com tal ambivalência seria o desligamento da autoridade dos pais. Com Lacan (1938/2003; 1964-1965/2006), poderíamos acrescentar ainda outros dois trabalhos: em "Os complexos familiares", Lacan (1938/2003) destaca que existe uma coincidência entre o tempo da puberdade e a emergência do ideal viril no rapaz e o virginal na moça. É aqui que se pode notar, em função de uma certa incompatibilidade entre esses ideais, que não há um encontro harmonioso com o parceiro sexual, o que já demonstra a inequivalência da relação sexual. E em Os problemas crucias da psicanálise (Lacan, 1964-1965/2006), o autor defende ser a adolescência um tempo em que se estabelece um saber-fazer mediante a inexistência ou falta de equivalência dessa relação sexual. A adolescência seria esse tempo de elaboração de um outro, enquanto parceiro, que entraria na dimensão sexual do sujeito, abdicando-se dos investimentos libidinais dirigidos aos pais, ocasião em que há a abertura para o encontro com o parceiro sexual. Na perspectiva lacaniana, é nesse momento em que o real sexual como impossível adquire consistência.

Psicanalistas contemporâneos, seguindo a trilha aberta por Freud e Lacan, discutem a adolescência como uma resposta que o sujeito dá a esse real do sexo. Lacadée (2011), por exemplo, assevera que a adolescência não é uma fase do desenvolvimento, e sim "uma resposta sintomática do sujeito, quando a libido, escapando a qualquer entendimento, envia-o à solidão, à errância e ao sentimento de ser incompreendido pelo Outro" (Lacadée, 2011, p. 76). Nesse sentido, um dos impasses vivenciados pelos adolescentes refere-se aos efeitos do encontro do sujeito com o outro, o que pode fazer com que o adolescente se depare com um real insuportável e, como resposta a isso, podem surgir as condutas de risco. Para esse autor, essas condutas são "[...] solicitações simbólicas da morte na busca de limites, tentativas desajeitadas e dolorosas de se situar no mundo [...]" (Lacadée, 2011, p. 57). Dito de outra maneira, o psicanalista destaca que, "no momento em que a batalha se desencadeia, o adolescente, em luta contra as pulsões parciais, deve se identificar com os ideais de seu sexo, o que o remete, da melhor maneira, à sua solidão" (Lacadée, 2011, p. 252). Desse modo, o encontro das experiências vivenciadas pelo adolescente com suas fantasias leva-o a crer que a incompreensão de si mesmo o torna incompreensível para o Outro, ao que Lacadée assegura:

A delicada transição da adolescência tem a ver com o encontro desse real, momento em que a angústia, a confusão, o tédio, a solidão e o afeto de vergonha ou ainda a agressividade ocupa o primeiro plano. Esses momentos de exílios são vividos de forma mais aguda e real quando os adolescentes vivem em lugares de exclusão, onde já está em questão certa precariedade simbólica e até mesmo uma rejeição, notadamente nos colégios de periferia (Lacadée, 2011, p. 252).

Às demandas surgidas nesse tempo de transição que é a adolescência algumas respostas podem surgir como tentativa de enfrentamento à batalha desencadeada no sujeito: uma identificação ao grupo, a relação com o saber e as condutas de risco (Lacadée, 2011).

Por esse mesmo caminho, Hélène Deltombe (2016) defende que, para além dos traumatismos com que cada um pode se deparar em sua existência, a adolescência é estruturalmente uma ocasião traumática, uma vez que se trata do tempo de separação dos pais da infância e da exigência dos ideais que apontam para o futuro. Segundo essa autora, em função da desorientação provocada pela perda dos referenciais infantis e pela presença dos imperativos dos novos ideais, da busca amorosa e da vontade de gozo, a adolescência apresenta-se como um tempo favorável à formação de sintomas e à passagem ao ato. Um destaque importante dado pela autora é de que na adolescência, enquanto um tempo de desprendimento da autoridade dos pais com a consequente ampliação dos laços sociais, a maneira como a cultura fornece referências aos jovens tem uma implicação sobre o laço social, gerando inserção ou desinserção social. Para ela, por fim, o estabelecimento de laços sociais na adolescência pode se dar de modo sintomático.

Dessa forma, no que diz respeito ao propósito deste ensaio, podemos interrogar: em certas situações, mesmo naquelas em que as condições socioeconômicas se encontram precárias, a cultura é capaz de ofertar modos de anteparo frente ao incompreensível da adolescência? Se sim, que falha na oferta da cultura, e portanto da ordem simbólica, faz com que o adolescente se envolva em ato infracional?

Para responder, recorremos a Miller (2015) quando enuncia que os adolescentes são mais afetados pelos efeitos das mutações da ordem simbólica. Se concordarmos que a contemporaneidade se evidencia por uma intensa modificação na ordem simbólica, dentre elas o decaimento do patriarcado, a deposição da tradição, o decréscimo do respeito e a redução da autoridade, esses estamentos sociais não servem mais como um modo de normatização social. Isso posto, a nova ordem simbólica promove efeitos de desorientação generalizada, exercendo um peso maior sobre os adolescentes. Uma consequência destacável a ser feita nas considerações desse autor em relação ao enfraquecimento da ordem inaugurada pelo pai refere-se ao surgimento, em diversas parte do mundo, da face mais radical do islamismo como resposta justamente pelo fato de o Islã oferecer um outro consistente, capaz de ofertar, de modo não dialetizável, uma orientação aos sujeitos desbussolados da contemporaneidade.

Ora, no que se refere a essa condição desbussolada e aos efeitos da mutação da ordem simbólica sobre os adolescentes e sua relação com o ato infracional, é oportuno considerar que em certas comunidades periféricas parece haver algum evento que favorece o enlaçamento do jovem com o objeto do crime, surgindo como um modo de sustentação do adolescente na sua passagem por um certo traço transgressor que parece ser um modo próprio de funcionamento. De alguma forma, podem-se localizar em certas comunidades, territórios ou regiões das cidades a precariedade de certos elementos simbólicos que poderiam servir como fator de proteção desses jovens quanto à entrada no assim chamado "mundo do crime". Tal precariedade pode se configurar como um elemento causador de desinserção social.

De algum modo, podemos pensar que há elementos localizados em um dado território que favorecem a aderência à transgressão e a permanência do adolescente no mundo do crime. Ademais, pode-se questionar se é possível encontrar em dado território determinados elementos que promovem a proteção do adolescente e sua desistência desse mesmo mundo do crime. Sendo assim, a presença de certos aspectos objetivos poderá auxiliar na dimensão pragmática do laço social sedimentada na noção de inserção, o que pode auxiliar na localização de elementos que possuem uma carga semântica capaz de promover a entrada, permanência e desistência da trajetória delinquencial.

De acordo com Miller (2008), o desejo de inserção é um fato fundamental para o sujeito. Para ele,

O ser falante deseja inserir-se. O que Lacan chamou discurso do Outro - e que imediatamente passou para a psicanálise como um esquema de comunicação, de intercâmbios de mensagens, de inversão de mensagem - diz que, nesse desejo o social é radical, é a raiz. Esse é o sentido do título de Freud "Psicologia das massas e análise do eu". Nele, Freud já diz que o social está constituído na relação analítica. E sabemos que um sujeito com um desejo de des-inserção é algo que pode chegar ao suicídio social e ao suicídio vital (Miller, 2008, p. 01).

Dito de outra maneira, inserir-se, pertencer, fazer parte é importante para cada um e, ao que nos parece, para o adolescente isso se torna ainda mais determinante.

Para Miller (2008), ao se pensar o tema da inserção/desinserção, a noção de espaço, de lugar, necessita ser convocada. Para nós, como sucedâneo à elaboração milleriana, sustentamos que a noção de território é fundamental para o estabelecimento de laço social. De acordo com esse autor, muitos transtornos podem ser produzidos por uma mudança espacial dos outros em relação ao sujeito, isto é, "quando ele vê pessoas de sua própria geração avançarem mais rápido numa hierarquia. Tudo isso é do cotidiano, mas tem um sentido fundamental [...] quando o sujeito perde isso, advém patologias de todo tipo, pois toca o ser, toca o objeto a" (Miller, 2008, p. 02).

De acordo com Antônio Teixeira (2010), a inserção refere-se a um modo particular de relação com o Outro, sustentado pelos mecanismos de submissão ao poder.

[...] sua visada implica antes, por essência, uma relação definida pelos meios possíveis de negociação do sujeito com o Outro, em cujo saldo se manifesta não apenas uma transformação do modo anterior de vínculo, como também uma modificação essencial tanto da parte do sujeito quanto da parte do Outro com o qual esse sujeito vem compor (Teixeira, 2010, s.p.).

Desse modo, a desconexão social é um importante fator de entrada no mundo do crime, sobretudo para sujeitos que residem em comunidades em que parece haver pouca aposta em elementos objetivos promotores de inserção social. Assim, frente à desorientação promovida pela nova ordem simbólica associada à oferta de poucos elementos promotores de conexão social, talvez a criminalidade e a infração sejam das poucas formas em que o adolescente pode encontrar uma referência para se orientar e, consequentemente, estabelecer laços, ainda que de modo transgressor.

Em uma pesquisa realizada com internos em uma unidade da Fundação de Assistência Socioeducativa (FASE) da região metropolitana de Porto Alegre, RS, identificou-se que existe uma vulnerabilidade acentuada entre jovens dos 13 aos 15 anos de idade, sendo essa faixa etária na qual se teve o início o consumo abusivo de álcool e outras drogas para a maioria dos participantes. De acordo com a pesquisa (Davoglio, & Gauer, 2011), houve uma preponderância de infrações com arma de fogo e os assaltos foram as infrações preponderantes. No público estudado, constatou-se também elevados índices de reprovação/abandono escolar, desconhecimento da renda familiar e criminalidade entre familiares e pares. Por outro lado, em pesquisa realizada por Silva (2009) com 262 adolescentes em conflito com a lei que tiveram passagem pela Justiça Infanto-Juvenil de Duque de Caxias, RJ, demonstrou-se que a baixa escolaridade aloca os adolescentes em situação de vulnerabilidade social e que a escola pode ser um fator de proteção à criminalidade.

De mesmo modo, em uma pesquisa transdisciplinar e multicêntrica realizada com um universo de 300 jovens egressos do Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte, MG3, todos praticaram ao longo de suas adolescências alguma forma de ato infracional e, em razão disso, cumpriram medidas judiciais no referido sistema. Analisando a entrada no "mundo do crime" desses sujeitos, a pesquisa revela como a presença ou a ausência do Outro social e a própria experiência de alteridade pelas quais passam esses jovens lhes são determinantes. A maioria deles conheceu, não ao acaso, os excessos desse Outro em registros muito diversos: maus-tratos, abusos, agressões, mortes, abandonos. Os problemas relacionais, afetivos, sexuais e adaptativos tornam-se, na verdade, problemas de ordenamento simbólico ou regulação societária que, como tal, não parecem contar com um Outro como referente para balizá-la. A ausência dessa regulação (e desse Outro que a sustente) não cria na vida desses jovens diques societários efetivos contra o curto-circuito pulsional e o desbussolamento libidinal a que estão sujeitos. Logo, a pesquisa vai revelar que o próprio ato infracional pode significar uma forma de eles se apresentarem ao Outro convocado como ordenação simbólica a tomar partido no aparelho jurídico do Estado. A própria instituição socioeducativa pode servir-lhes de veículo para tal ordenação, para se colocarem em cena e para ressignificarem a falta do Outro. Entretanto, dificilmente nossas instituições jurídicas, policiais, assistenciais e mesmo socioeducativas - precárias e politicamente desinvestidas como são - estarão aptas a cumprirem essa demanda de se ofertarem como genuína alteridade portadora tanto de ordenadores simbólicos quanto do desejo implicado por esses jovens - um desejo que não lhes seja anônimo.

 

O caso José: indignação e revolta convergidas em ato

Em entrevistas clínicas realizadas com um adolescente de 17 anos que cumpria medida socioeducativa de internação no Centro Educacional Masculino de Teresina, PI, o jovem, a quem renomeamos de José - em alusão ao nome de santo que ele porta -, relata que o que o levou ao crime foi a revolta pela morte trágica do pai quando tinha 14 anos. Ao sair cedo de casa para o trabalho, foi baleado em decorrência de uma tentativa de assalto. Pai amigo e presente, precocemente retirado do convívio familiar pela violência de seu bairro, deixou o adolescente desamparado, indignado e revoltado com a situação. De acordo com ele, "[...] mataram meu pai, fiquei revoltado na vida e comecei a ter desafeto, comecei a atirar em desafeto meu, desafeto meu atiraram em mim, aí, desde os 14 anos de idade, que venho sendo preso". Para ele esse foi o motivo de se revoltar e iniciar sua trajetória infracional, tendo sido seu primeiro ato, pouco tempo após o assassinato do pai, um homicídio cometido contra um "desafeto" seu. De algum modo, o assassinato do pai seguido do homicídio do desafeto talvez permitam estabelecer alguma causalidade psíquica na qual o sujeito possa ser responsabilizado pelo seu ato. Buscamos estabelecer um antes e um depois na vida desse jovem que até então parecia ter simbolicamente certa orientação em sua vida.

Segundo José, antes do assassinato do pai, "eu estudava antes, trabalhava, depois que mataram meu pai não quis mais saber de estudo, não quis saber mais de nada". Ao narrar sua decisão pautada na revolta decorrente da morte do pai, ele marca a temporalidade de sua entrada na trajetória infracional como um antes e um depois, mas, talvez, sem se implicar nessa escolha que nos parece forçada por uma dimensão fantasística de reparar, com os crimes, o fim precoce que impuseram a seu pai: após a morte do pai passou a fazer uso abusivo de drogas e a cometer uma série de ilícitos. Além disso, constata-se a presença constante de diversos atos infracionais, como roubos, assaltos, furtos, porte de arma, latrocínio e diversas passagens e evasões do sistema socioeducativo piauiense.

No decorrer da entrevista, no entanto, é possível localizar a presença de uma dimensão especular quase paranoica no adolescente em que, ao que nos parece, existe uma supremacia do objeto olhar. Ao ser interrogado se ante a um assalto ele poderia agir diferentemente do que faz ao atirar na vítima, ele responde: "Eu fico pensando também que a vítima também tem arma e fico pensando essas besteiras que eles vão querer pegar pra matar você". Nesse ponto, o entrevistador intervém: "Ah, sim, você já antevê; você pensa que eles estão armados. Mas é bem parecido então com a história do seu desafeto em que você acha que vai te matar e por isso você acaba não mudando de vida".

Poderíamos pensar se uma i dentificação fantasística concorreria para a atuação desse adolescente, uma vez que, segundo Nasio (1997), esse tipo de identificação consistiria num tipo de defesa contra o medo de uma satisfação do desejo através do qual um alívio ilusório da tensão acontece. Na identificação fantasística há uma possibilidade de o sujeito construir uma defesa frente ao intolerável medo de um aniquilamento, representado pela descarga total da pulsão, a qual, além da dor do sofrimento subjetivo, poderia repercutir, também, na própria motricidade. Por um lado, existe uma espécie de identificação com o lugar do assassino do pai, por outro, a dimensão de utilidade também aparece, tendo em vista que o adolescente revela que um de seus primeiros atos infracionais foi roubar nove mil reais em uma distribuidora de gás, primeiramente para comprar uma arma - que lhe custou dois mil e quinhentos reais - e, com o restante, para comprar roupas, calçados e ajudar a mãe nas despesas de casa. Sobre isso, interessa refletir que na dialética do crime do eu "o sujeito não sabe que, golpeando um rival, ele golpeia o seu ideal" (Cottet, 2008, s.p.).

Os crimes do eu, em Lacan (1986), são aqueles que possuem um objetivo exterior ao próprio crime, sendo revestidos de um caráter utilitário (Miller, 2008) tendo em vista que apresentam um ensejo que lhes é exterior. Ou seja: não se trata do crime pelo crime. Segundo Machado, "mata-se para roubar, por vingança, para usurpar o poder; por sentir-se perseguido, humilhado, ou para se livrar de vozes atormentadoras. Mata-se para derrubar um regime político, para dominar uma nação, para defender uma crença" (Machado, 2013, s.p.). Em função da possibilidade de localização de um aspecto motivador, a autora sustenta que os crimes do eu ou crimes de utilidade possuem uma ordenação simbólica. Diríamos que se trata de uma ordenação simbólica, mas também entrelaçada, no caso aqui exposto, a uma dimensão imaginária. Tendlarz e Garcia (2013) defendem que nos crimes do eu o indivíduo se comporta segundo sua vontade (imaginária) com a ilusão de plena liberdade.

Na mistura do Rivotril com café e Coca-Cola, José se diz tomado por uma vontade de roubar: "Aí dá vontade de roubar, aí o cara nem pensa em parar mais. Rouba e não se lembra o que foi que fez. Sai esquecendo as coisas". Tomado pelo automatismo gerado pela droga, seus roubos e furtos são essencialmente marcados pela presença da arma em função da já dita suposição de que pode ser morto a qualquer momento pela vítima do assalto que, em sua lógica, poderá estar armada. No relato do adolescente, bem como nos dados colhidos no PIA (Plano Individual de Atendimento), verifica-se que a entrada nas práticas delituosas se dá por uma dimensão de utilidade: é o roubo para comprar uma arma para roubar mais; é o assalto para comprar o berço de sua filha; é a prática de roubos e assaltos para comprar roupas, calcados, comida e remédios que lhe possibilitarão roubar mais.

Se pela queixa dos técnicos o jovem, apesar de calmo e tranquilo, é "terrível", na oferta de um espaço de escuta ele pode dizer um pouco mais acerca de sua revolta pela morte do pai, sem a presença de um certo moralismo presente nos encontros com os técnicos. Em um dado momento da entrevista, interroga se o entrevistador pode ajudá-lo. "Te ajudar a quê?", questiona o entrevistador. Ao que ele diz: "A sair daqui. Não quero mais essa vida para mim mais não. Pretendo sair daqui e mudar de vida, trabalhar, ajudar minha mãe, já vi muito minha mãe sofrendo, sabe?! Não quero mais essa vida para mim mais não". Talvez essa enunciação sustente um apelo que carreia uma vacilação da certeza do automatismo que poderá permitir ao adolescente investir em outras coisas que não seja no crime: fazer um curso profissionalizante, conforme ele diz; mudar-se para o interior, aceitando a proposta dos avós paternos de investirem na pequena produção rural.

Os crimes de José, o ato de cometê-los, demonstra ter a potência de convergir em si indignação e revolta sem deixar o sujeito paralisado por elas à maneira neurótica. Esse adolescente anti-hamletiano inaugura com seu ato um antes e um depois no seu próprio tempo, e, como dissemos, marca a quebra de uma fronteira pela qual se põe como fora da lei. Ele produz um saber-fazer com seu gozo ao equacionar, em ato, sua indignação com sua revolta. Mas escolhe o caminho do pior. Aqui, o êxito do sujeito torna-se sua derrocada social, sua desinserção.

Presumimos que José possa dar outra saída à sua revolta pela morte do pai sem que seja nem ao modo de Hamlet, paralisado frente ao Outro, condenado à eterna indignação, nem ao modo do "mundo do crime", fazendo seu ato não dialetizável pactuar-se com seu gozo. Um gozo que visou extinguir a revolta, ou no mínimo vingar aquilo que a causa, mas que só fez José adiar-se numa espiral infinita e compulsivamente repetitiva. A escuta clínica, nesse caso, pode surgir como possibilidade de o jovem inventar para si outra saída que não seja tão mortífera ou que não o condene a reviver todos os dias a morte do pai. Sua entrada no curto-circuito do ato infracional, resultante da revolta advinda de tal morte, nos faz concordar com Stevens (2000): na adolescência, o ato infracional talvez se configure como um apelo dirigido ao Outro em que um endereçamento preciso ao Outro se dá como uma tentativa de restituição da função do pai.

 

Considerações finais

Juventude abandonada, desorientada, transviada, desencantada, envelhecida, infantilizada. São muitos os nomes que a juventude - e seu corolário, a adolescência - comporta hoje na cultura. Em todas as nomeações provenientes do Outro social parece haver uma marca do ideal, ainda que reduzida em brilho. De certa maneira, os sintomas presentes nessa juventude, tais como o tédio, a depressão, a violência, entre tantos, parecem ser signos, para muitos, da falta de referências simbólicas que sirvam de norte ao jovem adolescente em sua "delicada transição". Indignação e revolta podem compor o modo de vida de muitos desses jovens e sua convergência em ato infracional pode ser a única forma encontrada por eles para lidarem com o mal-estar frente à desorientação da vida, ao encontro com o sexo e com o real da puberdade. Talvez, nesse sentido, o ato, na adolescência, seja a última forma de defesa contra a angústia proveniente de um ideal, ou maciço demais ou ausente demais, que a precariedade simbólica do jovem não consegue dialetizar. A exemplo disso, para aquilo que aponta o caso José, a desinserção operada pelo ato infracional organiza enlaçamentos que se dão pela via da identificação ao assassino do pai e demonstra a dificuldade do sujeito em relação ao desejo, posto que isso parece se inscrever de maneira muito precária, evidenciando as consequências subjetivas dessa desinserção.

A se apostar na lógica conceitual defendida até aqui, o ato infracional de certos adolescentes pode surgir como um modo de apelo ao Outro frente ao desamparo e à desinserção. Por esse caminho, Miller (1993) defende que na passagem ao ato faltam coordenadas simbólicas e o sujeito cai se identificando imaginariamente ao objeto. Trata-se de uma identificação imaginária ao objeto causa de angústia e o sujeito tenta atacá-lo em si mesmo ou no outro, eliminando a angústia da cena. De algum modo, uma das operações do psicanalista frente a esses casos, a exemplo do de José, refere-se a uma transformação na estrutura de seu ato, que permitirá ao sujeito substituir o atuar pelo dizer.

A indignação e a revolta convergida em ato por José, em sucessivos e rotineiros atos infracionais, ao serem faladas na entrevista clínica de orientação psicanalítica como uma possibilidade de ele fazer a narrativa de sua vida e nela se implicar, historicizando-a, dá a ele a possibilidade de localizar sua identificação ao algoz do pai e, talvez, em algum momento, realizar a passagem dessa identificação ao algoz à identificação ao pai. Não seria uma identificação idealizada ao pai enquanto um sujeito honesto e trabalhador que saía cedo de casa para levar sustento para a família que tornou vítima da violência urbana, mas, antes, seria uma identificação aos restos do pai que podem ser consumidos no banquete totêmico e servir de norte para José que, com seu nome de santo, pode salvar-se por meio de seus próprios dejetos.

 

 

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Endereço para correspondência
Cássio Eduardo Soares Miranda
E-mail: cassioedu@ufpi.edu.br
Marcelo Ricardo Pereira
E-mail: mrp@ufmg.br

 

 

*Pós-doutor em Psicologia, Psicanálise e Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, do Mestrado Profissional Saúde da Família e da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
**Pós-doutorado em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Educação Social pela Universitat Oberta de Catalunya (UOC). Professor do Programa de Pós-Graduação e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador Pq2 CNPq.
1Livre tradução nossa de: "Cette notation indique que la révolte est disjointe du savoir; elle est sans médiation. La révolte à proprement parler ne pense pas et se distingue en cela de la subversion, entreprise de longue haleine qui demande la connaissance approfondie de l'ordre qu'il s'agit de ruiner, de renverser. L'image de la subversion est celle de la fameuse vieille taupe, qui creuse dans l'ombre, exploite la durée et laisse du temps au temps, si je puis dire".
2Livre tradução nossa de: "La révolte, comme telle, n'a pas la foi, elle ne spécule pas sur l'avenir, elle fulgure dans l'instant. Elle tient tout entière dans la rencontre de ce que j'appelais l'impossible à supporter et dans la décision, l'acte, qui s'ensuit immédiatement, sans temps mort. Il faut donc, je crois, extraire la révolte de cette structure du pari et avancer qu'elle est un ravissement. Ce transport extatique vous saisit - comme un jeton, disais-je - comme tout entier rassemblé et condensé dans l'unité de votre être et ce, vers et pour la mort".
3Projeto: Curso de vida e trajetória delinquencial: um estudo exploratório dos eventos e narrativas de jovens em situação de vulnerabilidade (2017-2019), parcialmente financiado pelo IEAT-UFMG, do qual os proponentes deste artigo foram membros pesquisadores.

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