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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.54 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2022

 

ARTIGOS

 

A variante menor em Deleuze: uma minoração da linguagem

 

The minor variant in Deleuze: a minoration of the language

 

La variante menor en Deleuze: una minoración del lenguaje

 

 

Wes Viana*

Universidade Estadual do Ceará - UECE - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo de dois pressupostos, 1) a linguagem é essencialmente política, não essencialmente comunicativa e informativa (Deleuze & Guattari, 1980), e 2), assim intervém na forma como as práticas sociais são organizadas, representadas, defendidas ou combatidas (Magalhães, Martinz, & Resende, 2017). O objetivo deste artigo é apresentar a variante menor como uma ferramenta conceitual e política das minorias na contemporaneidade. Para isso, descrevemos relações entre os conceitos "maioria", "minoria" e "devir-minoritário" (Deleuze, 1979), para o estudo do funcionamento da variante menor. A partir desses conceitos, fomentamos uma discussão sobre línguas maiores e menores no Brasil (Deleuze, 2010) e, em seguida, deslocamos essa discussão para a literatura, a partir do conceito "literatura menor" (Deleuze & Guattari, 1975). Por fim, apresentamos o problema da linguagem como palavra de ordem (Deleuze & Guattari, 1980). Concluímos a discussão propondo a variante menor como uma ferramenta de minoração da linguagem que intervém na produção, circulação e recepção de imagens e textos em diferentes práticas sociais.

Palavras-chave: Menor, Minorias, Literatura menor, Minoração da linguagem, Prática social.


ABSTRACT

Starting from two assumptions, 1) language is essentially political, not essentially communicative, and informative (Deleuze & Guattari, 1980), and 2) language intervenes in the way social practices are organized, represented, defended, or fought (Magalhães, Martinz, & Resende, 2017). The aim of this article is to present the minor variant as a conceptual and political tool for minorities in contemporary times. For this, we describe relationships between the concepts of "majority", "minority" and "becoming-minority" (Deleuze, 1979), for the study of the functioning of the minor variant. Based on these concepts, we fostered a discussion about major and minor languages in Brazil (Deleuze, 2010), and then moved this discussion to literature, based on the concept of "minor literature" (Deleuze & Guattari, 1975). Finally, we present the problem of language as a watchword (Deleuze & Guattari, 1980). We conclude the discussion by proposing the minor variant as a language mitigation tool that intervenes in the production, circulation and reception of images and texts in different social practices.

Keywords: Minor, minorities, Minor Literature, Minoration of language, Social practice.


RESUMEN

Partiendo de dos supuestos, 1) el lenguaje es en esencia político, no esencialmente comunicativo e informativo (Deleuze & Guattari, 1980), y 2) el lenguaje interviene en la forma en que se organizan, representan, defienden o combaten las prácticas sociales (Magalhães, Martinz, & Resende, 2017), el objetivo de este artículo es presentar la variante menor como herramienta conceptual y política de las minorías en la contemporaneidad. Para ello, describimos relaciones entre los conceptos "mayoría", "minoría" y "devenir-minoría" (Deleuze, 1979), para el estudio del funcionamiento de la variante menor. Con base en estos conceptos, fomentamos una discusión sobre lenguas mayores y menores en Brasil (Deleuze, 2010), y luego trasladamos esta discusión a la literatura, con base en el concepto de "literatura menor" (Deleuze & Guattari, 1975). Finalmente, presentamos el problema del lenguaje como consigna (Deleuze & Guattari, 1980). Concluimos la discusión proponiendo la variante menor como una herramienta de mitigación del lenguaje que interviene en la producción, circulación y recepción de imágenes y textos en diferentes prácticas sociales.

Palabras clave: Menor, minorías, Literatura Menor, Minorización de la lengua, Práctica social.


 

 

Introdução

Procurando por "minoração" ou "minorar" em dicionários, é provável encontrar verbetes que associem essas palavras a uma redução de quantidades (tamanhos, gastos, dores etc.). Embora a essas palavras costumem ser associadas abordagens quantitativas, em Gilles Deleuze são associadas abordagens qualitativas. Por isso, quando nos referimos a uma minoração da linguagem na filosofia política de Deleuze, falamos de uma abordagem qualitativa desenvolvida pela relação indissociável entre as variantes "menor/maior" e os conceitos "minoria/maioria". Nesse sentido, visando à criação de práticas críticas e clínicas comprometidas com a saúde sociopolítica das minorias, propomos a variante menor como uma ferramenta para minorar a linguagem no contemporâneo.

Quando nos referimos à variante menor em Deleuze, acreditamos na importância de reconhecer a marginalização dessa palavra no português brasileiro: historicamente, a palavra menor remete ao extinto Código de Menores (1979), estrutura de controle social criada pela Ditadura Militar, Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979, para vigiar e punir crianças e adolescentes que se enquadravam no que foi chamado de "situação irregular", medida que autorizou o encarceramento de crianças e adolescentes negras e pobres, em uma tentativa de higienizar as cidades; além disso, no cotidiano de famílias pobres, mães e pais ainda falam sobre a necessidade de suas filhas e filhos estudarem muito para serem "alguém na vida", porque a nossa sociedade invisibiliza pessoas com menor escolaridade; por sua vez, na vida pública, mesmo com uma maior escolaridade, cargos menores costumam ser mais desvalorizados em empresas/instituições, e a promessa de "subir de cargo" muitas vezes é utilizada para explorar a classe trabalhadora em diferentes níveis como, por exemplo, por meio de valores neoliberais como a "produtividade". É nesse contexto histórico-social que se insere a palavra "menor" no Brasil. Nossa proposta, porém, desvia desses sentidos moralizantes, associando a variante menor aos usos políticos que as minorias fazem em uma língua maior. Queremos, portanto, apresentar a variante menor como uma ferramenta conceitual e política das minorias para as minorias.

Para minorar a linguagem, partimos de dois pressupostos. O primeiro: a linguagem é essencialmente política, e não essencialmente comunicativa ou informativa (Deleuze & Guatarri, 1980). Na filosofia deleuze-guattariana, a função da linguagem é transmitir palavras de ordem, ou seja, realizar transformações incorpóreas que decidem sobre a vida das pessoas, especialmente nos modos de pensar, de agir e de sentir. Na escola, por exemplo, professores transmitem palavras de ordem quando aprovam ou reprovam estudantes abaixo da média da instituição: a reprovação é uma transformação incorpórea que decide sobre a educação formal dos estudantes, principalmente sobre os índices de idade e série/ano. Além da escola, diferentes palavras de ordem podem ser transmitidas em outros agenciamentos da sociedade: a aposentadoria é uma transformação incorpórea, do trabalhador para o aposentado, realizada por agenciamentos previdenciários; a maioridade é uma transformação incorpórea, da menoridade para a maioridade, realizada por agenciamentos penais e jurídicos etc.

O segundo pressuposto é: a linguagem intervém na forma como as práticas sociais são organizadas, representadas, defendidas ou combatidas (Magalhães, Martins, & Resende, 2017). Em Análise de Discurso Crítica (ADC), as práticas discursiva e social estão associadas ao materialismo histórico-geográfico de David Harvey (1996), para quem a vida social é organizada a partir de ações habituais e institucionalizadas. Dessa maneira, para Magalhães et al. (2017), as práticas sociais referem-se a toda atividade individual ou coletiva, cujos procedimentos rotineiros (práticas discursivas) têm fundamento nas instituições e implicações sociais. Embora nem toda prática seja institucionalizada, direcionamos a nossa análise para as práticas que se relacionam às instituições na intenção de transformá-las, isto é, a fim de desnaturalizar nas instituições as práticas que, por meio da produção, circulação e consumo de imagens e textos, fortalecem sistemas de conhecimentos e crenças dominantes e, dessa maneira, promovem a manutenção de hierarquias sociais, beneficiando alguns grupos em detrimento de outros.

Essa discussão está montada em tópicos. No primeiro, apresentamos relações entre os conceitos "maioria", "minoria" e "devir-minoritário" na filosofia deleuzeana, a partir de Um manifesto de menos (Deleuze, 1979) e de Mil Platôs (Deleuze & Guattari, 1980), para entender o funcionamento da variante menor. No segundo tópico, refletimos sobre essa variante em Deleuze, a partir de seus textos Sobre o teatro (2010), fomentando uma discussão sobre línguas maiores e menores no Brasil. No terceiro, deslocamos as discussões sobre língua para a literatura, a partir do conceito "literatura menor" (Deleuze & Guattari, 1975), para evidenciar conexões políticas e coletivas de uma minoração da linguagem. No quarto tópico, apresentamos o problema da linguagem como palavra de ordem (Deleuze & Guattari, 1980), cujas transformações incorpóreas constroem processos de subjetivação nos corpos das minorias. Concluímos a discussão propondo a variante menor como uma ferramenta de minoração da linguagem que intervém na produção histórica de processos de subjetivação.

 

Maioria, minoria e devir-minoritário

Para Deleuze (2010), "maioria não designa uma quantidade maior, mas, antes de tudo, o padrão em relação ao qual as outras quantidades, sejam elas quais forem, serão consideradas menores" (p. 59). Esse padrão de medida privilegia interseções entre categorias majoritárias, como homem, cis, branco, cristão, classe média, macho, adulto, urbano. É importante destacar que as categorias majoritárias nunca estão sozinhas - o acúmulo de duas ou mais categorias produz interseções majoritárias -, logo, "o que define a maioria é um modelo ao qual é preciso estar conforme: por exemplo, o europeu médio adulto macho habitante das cidades..." (Deleuze, 2013, p. 218). Embora Deleuze esteja se referindo ao modelo de uma realidade francesa, em muitos aspectos esse modelo nos é contemporâneo. No caso do Brasil, nossa herança cultural, linguística e colonial também privilegia as identidades que mais se aproximam do homem, cis, branco, cristão, heterossexual, classe média, macho, adulto, urbano, europeizado ou norte-americanizado. Resumindo, maioria não designa uma quantidade maior, mas um estado de poder e de dominação.

Diferentemente da maioria, minoria tem dois sentidos. O primeiro refere-se à situação de um grupo que está excluído ou subalternizado à maioria. Como o homem é uma maioria no Brasil, podemos considerar tudo que se opõe a ele como minoria: mulheres, negres, indígenas, LGBTQIAPN+, crianças, pobres, pessoas com deficiência, pessoas gordas etc. É importante destacar que as categorias minoritárias nunca estão sozinhas - o acúmulo de duas ou mais categorias produz interseções minoritárias -, logo, para estudar as minorias, é importante considerar uma multiplicidade de perspectivas. Por sua vez, o segundo sentido de minoria é muito mais numeroso que o primeiro, porque se refere a todo mundo, é um devir no qual uma pessoa se engaja. Assim, de certo modo, minoria também diz respeito a todo mundo, porque a representação da maioria é o homem que todos deveriam ser, mas que ninguém o é. Resumindo, minoria não designa uma quantidade menor, mas um estado de potência e de subalternização.

Minoria designa, primeiro, um estado de fato, isto é, a situação de um grupo que, seja qual for o seu número, está excluído da maioria, ou está incluído, mas como uma fração subordinada em relação a um padrão de medida que estabelece a lei e fixa a maioria. Pode-se dizer, neste sentido, que as mulheres, as crianças, o Sul, o terceiro mundo etc. são ainda minorias, por mais numerosos que sejam. Esse é um primeiro sentido do termo. Mas há, imediatamente, um segundo sentido: minoria não designa mais um estado de fato, mas um devir no qual a pessoa se engaja [...] Minoria designa aqui a potência de um devir. (Deleuze, 2010, p. 63)

Comumente, pesquisadores associam minoria à vida humana. Essa é uma associação possível. No entanto, gostaria de propor uma expansão desse conceito, associando minoria também à vida não humana, pois as relações entre as vidas humana e não humana também são desiguais. Como maioria designa um modelo, e não uma quantidade maior, podemos constatar que o homem é uma maioria, mesmo em menor número que os insetos, por exemplo, pois as ações do homem, aliadas aos interesses econômicos da modernidade, vêm adoecendo e destruindo gradativamente os ecossistemas em que vivemos. Embora a polinização natural realizada por insetos seja responsável por grande parte dos alimentos ingeridos pelo ser humano, as ações do homem põem em risco a sobrevivência de diversas espécies de insetos e, em uma escala maior, intervêm nas condições ambientais que constituem um ecossistema.

Não apenas os humanos são afetados pelos efeitos da maioria do homem, também os animais. No Brasil, as abelhas nativas têm sofrido com o desmatamento das florestas, com o uso de venenos pelo agronegócio e com a monocultura. A Terra Indígena (TI) Jaraguá, em São Paulo, é um espaço onde atualmente se criam abelhas nativas, sem ferrão. Márcio Wera Mirim, liderança indígena Guarani Mbya da TI Jaraguá, comenta que esse projeto surgiu porque as abelhas nativas haviam sido extintas desse território. Porém, com o cultivo de um meliponário, aliado ao conhecimento tradicional do povo guarani, algumas dessas espécies estão voltando a Jaraguá. "Existe um círculo que roda o ecossistema. Não adianta a gente pensar em reflorestar, não adianta a gente pensar em fortalecer o meio ambiente, sem pensar nas abelhas nativas, porque elas que fazem a roda girar, através da polinização " (Wera Mirim, 2020, 2min 14s). Como a vida humana não está apartada da vida não humana, logo as abelhas, e os insetos em geral, também são uma minoria no Brasil.

Não basta ser uma minoria, é importante devir-minoritário. "É preciso não confundir 'minoritário' enquanto devir ou processo, e 'minoria' como conjunto ou estado" (Deleuze & Guattari, 2012, p. 92). Gradualmente, algumas minorias vão sendo capturadas pelo capitalismo: quando não consegue exterminá-las, o capitalismo integra as minorias ao seu sistema majoritário e passa a reconhecê-las como conjunto, mas sempre em um estado subalterno, explorando-as em direitos e segregando suas potências. Assim, quando nos referimos ao conceito minoria, falamos de diferentes coletividades que se encontram em duas frente de lutas: a luta das minorias por direitos e a luta dos devires-minoritários por potência. Ambas constituem os sentidos de minoria em Deleuze: a primeira luta é um movimento de territorialização, necessário para que as minorias conquistem direitos e sobrevivam à axiomática; a segunda luta é um movimento de desterritorialização, importante para que as minorias criem novos modos de expressão, fora do padrão capturado.

Quando uma minoria cria para si modelos, é porque quer tornar-se majoritária, e sem dúvida isso é inevitável para sua sobrevivência ou salvação (por exemplo, ter um Estado, ser reconhecido, impor seus direitos). Mas sua potência provém do que ela soube criar, e que passará mais ou menos para o modelo, sem dele depender. O povo é sempre uma minoria criadora, e que permanece tal, mesmo quando conquista uma maioria: as duas coisas podem coexistir porque não são vividas no mesmo plano (Deleuze, 2013, p. 218).

Não depender de um modelo majoritário não significa a negação dos direitos conquistados, mas o que as minorias souberam criar para além do que foi instituído a elas. É perigoso estar plenamente conforme a maioria, porque ela codifica para as minorias formas de vida subalternas. Mesmo quando o capitalismo legitima alguns direitos das minorias, ainda assim sempre algo "falta"; por exemplo: 17 de maio é o dia internacional contra a LGBTfobia, marcado pela retirada da homossexualidade da lista internacional de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1990. Se de lá para cá houve uma integração de pessoas gays à macropolítica no Brasil - a união estável, em 2011; o casamento civil, em 2013, embora ainda não seja lei; a criminalização da homofobia, em 2019 - hoje, ser gay em sociedade não é mais suficiente, porque para ele foram criadas representações majoritárias: o homem gay cisgênero, branco, macho, ativo, necudo, musculoso, discreto, com olhos claros, que usa roupas ditas "masculinas" etc. Enquanto as ficções sociais da maioria adoecem a vida de homens gays, entendendo os traços individuais como imperfeições, e o inacabado como um desejo a ser suprido pelo capitalismo, o devir é um ato político que toma os traços individuais e inacabados como força - a exemplo, devir-mulher, devir-bixa, devir-drag, devir-trans.

Devir-minoritário é um objetivo, e um objetivo que diz respeito a todo mundo, visto que todo mundo entra nesse objetivo e nesse devir, já que cada um constrói sua variação em torno da unidade de medida despótica e escapa, de um modo ou de outro, do sistema de poder que fazia dele uma parte da maioria. (Deleuze, 2010, p. 63)

Devir é um conceito complexo e, em diversos momentos, assume significados diferentes na filosofia deleuzeana. De modo algum queremos esgotar esse conceito ou cristalizá-lo em uma definição universal, principalmente porque o devir opera por um processo de repetição da diferença, logo não tem identidade, nem essência. Mas, para avançar na discussão, podemos partir do seguinte: devir não é um estado que se possa reivindicar e, por isso, não é uma minoria, assim como não é um modelo que se possa atingir e, assim, não é uma maioria. Resumindo, devir é uma passagem entre categorias. Isso nada tem a ver com uma transformação pessoal, nem com a aquisição de características formais, e tampouco com uma imitação do outro. Devir é, a partir das formas que se tem e dos órgãos que se possui, descodificar o organismo instituído pelo juízo de Deus e naturalizado pela hegemonia da maioria. Além disso, para Deleuze e Guattari, as categorias majoritárias não têm devir, porque o homem é um marcador de poder, pelo qual estrutura uma constante. No português brasileiro, "ele [o homem] aparece duas vezes, uma vez na constante [homem], uma vez na variável [homem negro] de onde se extrai a constante" (Deleuze & Guattari, 2011, p. 55). Quando alguém diz "homem", está implícito que esse homem seja branco, haja vista a necessidade de uma racialização como, por exemplo, "homem negro", para que haja uma distinção entre homens.

As categorias majoritárias não têm devir, porque devir não é uma correspondência entre categorias. Porém, isso não é um consenso entre pesquisadores. Vez ou outra, há menções sobre um devir-homem dos animais, ou devir-homem das mulheres. As tentativas de explicar o devir pela correspondência são possíveis, mas empobrecem o fenômeno. Devir não é correspondência entre categorias, porque as interações humanas e não humanas são desiguais, marcadas por um processo de majoração, logo "o devir não vai no sentido inverso, e não entramos num devir-Homem, uma vez que o homem se apresenta como uma forma de expressão dominante que pretende impor-se a toda matéria" (Deleuze, 1997, p. 11). Da mesma maneira que não há um devir-homem, também não há um devir-branco ou devir-hétero, posto que essas categorias são agenciamentos de poder que pertencem a um sistema majoritário, e o devir é sempre minoritário. "O devir-mulher [do homem] é uma passagem entre as categorias de homem e mulher, assim como o devir-criança [do adulto] é uma passagem entre as de adulto e de criança" (Bogue, 2010, p. 20), mas nunca contrário, pois, como lembram Gilles Deleuze e Félix Guattari (2012), "uma correspondência de relações não faz um devir" (p. 18). Para condensar a discussão, podemos dizer que, em Deleuze, devir é um processo de experimentação que, a partir de uma ética dos encontros, cultiva relações mais sensíveis entre as vidas humana e não humana.

Ao longo deste tópico, reunimos três pontos de partida que operacionalizam o funcionamento da variante menor na filosofia deleuzeana: 1) maioria é um estado de dominação e poder, cujo padrão de medida é o homem; 2) minoria tanto é um estado de subalternização em relação à maioria, quanto é um processo de potência em relação aos devires-minoritários; 3) entrar em devir é experimentar passagens entre categorias humanas e não humanas, a partir das formas que se tem e dos órgãos que se possui. É importante considerar a vida não humana como minoria, principalmente para não cairmos em uma perspectiva demasiado humanista que separe humano e natureza. Além disso, em uma perspectiva vitalista, a variante menor tem potência para transitar noutras disciplinas e áreas de conhecimento. Podemos refletir, por exemplo, a partir da língua portuguesa falada no Brasil.

 

Línguas maiores e línguas menores no Brasil

Como vimos, maioria/minoria é uma oposição qualitativa, relacionada às variantes maior/menor. Embora a essas palavras seja comumente atribuída uma oposição quantitativa, utilizada para desenhar tabelas e gráficos, em Deleuze as noções de maior e menor ganham destaque como ferramentas conceituais abertas a um processo de experimentação da linguagem. Recorremos à filosofia deleuzeana para estudar a variante menor, especialmente a partir de dois livros: 1) Sobre o teatro (2010); e 2) Kafka: por uma literatura menor (1975). Em relação à primeira obra, especificamente na introdução, o crítico Roberto Machado sinaliza que, em Deleuze, a relação maior/menor acontece em relação às línguas e às implicações sociais da linguagem em uso.

Em Um manifesto de menos (1979), Deleuze (2010) comenta que as línguas maiores "são línguas de forte estrutura homogênea (estandardização) e centradas em invariantes, constantes ou universais de natureza fonológica, sintática ou semântica" (p. 37). Nesse sentido, podemos considerar a língua portuguesa falada no Brasil como uma língua maior, em razão de diversos discursos que moralizam o português brasileiro às constantes de sua gramática normativa. Além disso, a língua portuguesa no Brasil pode ser considerada maior noutros sentidos: seja porque é reconhecida como língua veicular, ou seja, como língua oficial administrativa de práticas econômicas, culturais, universitárias etc., seja porque é institucionalizada por uma linguagem de Estado como, por exemplo, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que norteia a educação básica, pública e privada, em todo o país.

Por outro lado, "uma língua menor só comporta um mínimo de constante e de homogeneidade estruturais. Não é contudo uma salada, uma misturada de dialetos, visto que ela encontra suas regras na construção de um continuum" (Deleuze, 2010, p. 38). As línguas menores, por outro lado, vivem à margem da língua portuguesa veicular e, por isso, são línguas de resistência. Elas são construídas por interseções linguísticas entre diferentes minorias, compondo assim estrangeirismos na própria língua, cujos usos fazem a estabilidade da língua maior entrar em estado de variação contínua. "A questão não é 'bilíngüe', 'multilíngüe', a questão é que toda língua é tão bilíngüe em si mesma, multilíngüe em si mesma, que se pode gaguejar em sua própria língua, ser estrangeiro em sua própria língua" (Deleuze & Parnet, 1998, p. 94). Ser bilíngue na própria língua é outra maneira de se referir à gagueira, processo de desterritorialização da linguagem a partir do exercício de uma dimensão política no estilo literário.

Deleuze (2010) pensa a relação maior/menor em relação às línguas em uma perspectiva histórica. Nesse sentido, "será que se pode, em cada época, distinguir línguas maiores, mundiais ou nacionais, veiculares, e línguas menores vernaculares? O inglês, o americano, seria hoje língua maior, o italiano, língua menor?" (p. 37). A partir da perspectiva global, o inglês é atualmente uma língua maior em comparação ao português brasileiro; logo, aprender inglês como segunda língua é um ingresso para adentrar o mundo globalizado. "Mas isso não se verifica também nas sociedades de uma só língua?" (Deleuze, 2010, p. 37). No caso do Brasil, que adotou a língua portuguesa como veicular, serão menores as criações enunciativas que, em diálogo com as minorias, constroem novos modos de pensar, de sentir e de agir no mundo, para além da linguagem de Estado. A partir de um recorte de etnia, por exemplo, são menores as línguas vernaculares dos povos indígenas. Se hoje, no século 21, o português brasileiro tem adesão nacional, é também às custas do apagamento de diversas línguas originárias ao longo da colonização que hoje chamamos Brasil.

Para Deleuze e Guattari (2011), "[as línguas menores] não são simplesmente sublínguas, idioletos ou dialetos, mas potenciais para fazer entrar a língua maior em um devir minoritário de todas as suas dimensões, de todos os seus elementos" (p. 56). A partir de um recorte de etnia, por exemplo, o pajubá é uma língua menor porque cultiva encontros linguísticos com os povos iorubás, chamados nagôs no Brasil. Ao longo do processo de colonização, a ressignificação do pajubá aconteceu a partir de um encontro entre etnia e gênero, ou seja, entre povos africanos da diáspora e a população travesti, ambas submetidas a diversas políticas de violência. Historicamente, no Brasil, o pajubá é compartilhado entre pessoas LGBTQIAPN+ dentro dos terreiros, e fora deles sobretudo entre as travestis durante a operação Tarântula, nome dado à operação policial que, em 1987, perseguiu inúmeras travestis na cidade de São Paulo. Embora a justificativa para essa perseguição fosse um suposto combate à Aids, em prol de um bem-estar social, na prática eram necropolíticas de higienização do centro da cidade. Em entrevista ao jornalista Caê Vasconcelos, da Ponte Jornalismo, a ativista Neon Cunha (51), última sobrevivente da operação Tarântula, comenta sobre as violências sofridas nesse período.

A operação tarântula é sobre ditadura. São operações que vão receber nomes como 'rondão', 'riquete', 'tarântula', 'arrastão', que constitui operações de limpeza no centro da cidade, com a especificidade de remover mulheres transexuais, mulheres trans, travestis e as LGBTs pobres [...]. E a gente tá falando de extermínio mesmo. [...] A Ruth Escobar é uma das pessoas que vai defender, vai na luta feminista, dizer, olha, que não pode prender essas pessoas, não pode fazer isso deliberadamente, como tavam fazendo, [...] e eles colocavam as pessoas nas delegacias por dias, até achar uma questão de como pode te encarcerar, de como pode ser presa, e aí é isso: você saía marcada [...] com reincidência, e aí as violações, sabe, [...] de deixar você nua, inclusive tirar a peruca1. (Cunha, 2021, 14min21s)

No senso comum, principalmente entre pessoas cisgênero (cis), o pajubá é naturalizado como um punhado de gírias do "universo gay". Porém, além de enfraquecer as lutas históricas em torno dessa língua menor, esses discursos de estereotipia gradualmente apagam a diversidade de etnias, raças, gêneros e sexualidades das LGBTQIAPN+, como se a história da comunidade se limitasse a gays cisgêneros. Fora do senso comum, o pajubá é uma língua de resistência que, ainda hoje, circula entre as LGBTQIAPN+, principalmente entre as travestis, e, como toda língua menor, continua em estado de transformação. Algumas escritoras e artistas atualizam os usos históricos do pajubá no Brasil - por exemplo, a escritora e professora Amara Moira, com o livro Neca + 20 poemetos travessos (2021), a artista e designer Marina Luísa Almeida, com os seres fantásticos dos packs de travestices que ela ilustra e publica em seu Instagram® pessoal, e a cantora e compositora Linn da Quebrada, com o seu álbum de estreia Pajubá (2017). Entretanto, como adverte Amara Moira, o problema da transfobia no Brasil vai muito além da língua, e a maior parte das obras artísticas produzidas por travestis, mulheres transexuais e homens trans é publicada por editoras e gravadoras independentes, em tiragens de pouco alcance.

A erradicação da transfobia passa por duas frentes: 1) a população, de maneira ampla, compreendendo e lutando contra os mecanismos criados para inviabilizar a existência trans e 2) a presença trans se fazendo sentir em todos os espaços da sociedade. Só se supera a transfobia, quando há convivência efetiva com narrativas e pessoas trans, mas isso só será possível se conseguirmos eliminar os obstáculos que nos impedem de ter um lugar no mercado formal de trabalho, nas instituições de ensino e na nossa própria família. Pessoas trans sendo devidamente remuneradas por seu trabalho de escritoras, mas também tratadas como referências em debates amplos (e não apenas em questões de gênero e LGBTQIA+), esses são dois passos que precisam vir juntos do número cada vez maior de pessoas trans publicando livros. Até porque boa parte dessas obras foi publicada por editoras independentes, em tiragens limitadas e de pouco alcance, não trazendo grandes transformações seja ao mercado livresco, seja à sociedade em geral. (Moira, 2021)

Quando falam de línguas maiores e menores, Deleuze e Guattari (1979, 1980) não se referem a línguas diferentes, mas a qualificações diferentes para a mesma língua: territorialização pelas constantes, desterritorialização pela variação contínua. Dessa maneira, visualizamos a língua portuguesa como língua maior, e o pajubá como língua menor no Brasil. A língua portuguesa é uma língua masculinizada, pois faz uso do masculino genérico. Ao longo da história da língua portuguesa, os usos frequentes do masculino genérico naturalizaram o gênero masculino como neutro e como norma, dando maior visibilidade a um grupo (homens) em detrimento de outros (mulheres e pessoas não-bináries). A proposta de experimentar uma língua portuguesa que rompa com a binaridade de gênero incomoda ferrenhamente diversos gramáticos normativos e linguistas estruturalistas, que parecem inflexíveis à experimentação da heterogeneidade da língua portuguesa do Brasil.

Em Mil Platôs (1980), referindo-se ao linguista Uriel Weinreich (1926-1967), Deleuze e Guattari entendem a língua como uma "realidade essencialmente heterogênea" (citado por Deleuze & Guattari, 2011a, p. 23). Para eles, não existe uma língua-mãe, mas uma língua dominante que, em uma tomada de poder, estabeleceu suas constantes dentro de uma multiplicidade política. As línguas menores não se referem a gírias secretas de grupos sociais, nem se resumem à discussão sobre línguas marginalizadas, são antes potências minoritárias que colocam as constantes da língua maior em processo de variação contínua, criando, assim, novas formas de expressão engendradas pelas minorias, ou seja, "uma saída para a linguagem, para a música, para a escrita" (Deleuze & Guattari, 2015, p. 53). É um "fora" da linguagem que também é seu "dentro". Diante de uma hegemonia que majora a língua portuguesa, exercitar uma desterritorialização das constantes universais da língua é engajar o português brasileiro em um ato político, comprometido com uma transformação das práticas discursivas.

Para condensar a discussão, podemos dizer que, em Deleuze, línguas maiores referem-se a línguas veiculares, isto é, línguas administrativas de práticas econômicas, estatais ou globais. No caso do Brasil, cujo projeto de colonização dizimou diversas línguas originárias, a língua portuguesa é uma língua maior. As línguas maiores instauram uma tomada de poder em uma multiplicidade política, a partir de constantes universais de natureza fonológica, sintática e semântica (estandardização) e, desse modo, transmitem palavras de ordem (transformações incorpóreas) que decidem em diferentes graus sobre a vida das pessoas. Mas justamente as línguas maiores não se impõem como dominantes sem serem afetadas por diversas transformações das línguas menores. As línguas menores referem-se a línguas vernaculares, isto é, línguas de resistência, de movimentos sociais, de migrações humanas e não humanas, de movimentos geográficos da Terra etc. Em Deleuze, o conceito de território vai além da noção de território geográfico, podendo assumir novos sentidos. Assim, quando falamos em línguas menores, não nos referimos a uma nova tomada de poder, por exemplo, da língua portuguesa para o pajubá, mas aos usos políticos que as minorias fazem em uma língua maior.

 

Literatura menor e minoração da linguagem

Menor é um processo de minoração. E uma minoração da linguagem incita dois movimentos na escrita: o de desterritorialização da maioria e o de reterritorialização em um devir. Isso não significa se exilar da maioria, mas um movimento estratégico: reterritorializar-se em uma maioria para reivindicar direitos, reconhecer lutas de movimentos sociais, ocupar espaços públicos etc.; reterritorializar-se em um devir para reivindicar potências, minorar a linguagem, fabular novos mundos. Em Kafka: por uma literatura menor (2015), Deleuze e Guattari advertem que "uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior" (p. 35). Desterritorialização e reterritorialização são dois processos importantes para exercitar uma minoração, pois q uem nunca se reterritorializa se perde no tempo aiônico. A partir de uma minoração da linguagem, "os escritores menores fazem a língua gaguejar e tropeçar. Eles revelam uma língua estrangeira dentro de sua própria língua, provocando um desequilíbrio das forças sociopolíticas que permeiam a língua 'adequada' e que reforçam o status quo" (Bogue, 2011, p. 19). A língua pode ser afetada em diferentes níveis em uma minoração da linguagem.

Em relação à literatura, o filósofo Guillaume Sibertin-Blanc aponta a importância de analisar, em Franz Kafka2 (1883-1924), a sua "máquina de expressão", ou seja, a relação entre o estilo literário de Kafka e os agenciamentos coletivos de enunciação da época que Kafka viveu. No capítulo "Política do estilo e minoração em Deleuze: da sociolinguística à pragmática da expressão", no livro De Bergson a Rancière: pensar a filosofia francesa do século XX (2017), Sibertin-Blanc destaca o menor como "uma abordagem iniciada [em 'Kafka: por uma literatura menor'] em 1975, retomada em seguida em 'Um manifesto de menos' em 1979 e aprofundada em 1980 no platô 'Postulados da Linguística'" (p. 256). Para Sibertin-Blanc (2017), o processo de escrita de Kafka articula um modo de pensar a "literatura menor" de maneira mais objetiva, no caso, entendendo em Kafka uma crítica à língua maior [alemão] como objeto teórico da época, do qual eram excluídas tanto as variações estilísticas [alemão de Praga] quanto as variáveis sociais, políticas, econômicas, históricas que afetam os processos enunciativos.

No capítulo "O que é uma literatura menor?", no livro Kafka: por uma literatura menor (1975), Deleuze e Guattari apresentam três características das literaturas menores: 1) desterritorialização da linguagem3; 2) imediato-político; 3) agenciamento coletivo de enunciação. Para os filósofos, tanto a linguagem quanto a literatura têm natureza essencialmente política. Dessa maneira, "a primeira característica [de uma literatura menor], de toda maneira, é que, nela, a língua é afetada de um forte coeficiente de desterritorialização" (Deleuze & Guattari, 2015, p. 35). Mas o que seria uma desterritorialização da linguagem? Podemos pensar, nesse sentido, que toda língua surge em uma territorialidade, em uma cultura, em uma tradição. Kafka, embora judeu em Praga, pensava e escrevia em alemão. Porém, o alemão de Kafka não era o mesmo falado/escrito pelo Império Austro-Húngaro, língua formal, sistematizada em documentos oficiais, e sua escrita literária é recheada de "erros" sintáticos e de "vacilações" semânticas, quando comparada à língua maior, o alemão nacional.

Para Deleuze e Guattari, a impossibilidade de Kafka de escrever de outro modo senão em alemão é, para os judeus de Praga, um sentimento de distanciamento da territorialidade da tradição tcheca; e escrever pelas interseções entre alemão e tcheco (o alemão de Praga) é a impossibilidade de Kafka adotar a língua nacional de uma comunidade opressiva, no caso, a população alemã do Império Austro-Húngaro. "Em suma, o alemão de Praga é uma língua desterritorializada, própria a estranhos usos menores (cf., em outro contexto hoje, o que os negros podem fazer com o inglês norte-americano)" (Deleuze & Guattari, 2015, p. 36). O problema da literatura menor, no que se refere à desterritorialização da linguagem, pode ser vinculado às condições de fala impostas por um Estado sobre os imigrantes; porém, reforçamos que a noção de território em Deleuze é bem mais ampla e extrapola o conceito de território geográfico.

O alemão torna-se propício sobretudo a 'estranhos usos menores [...]' pelas populações tchecas e judaicas recentemente urbanizadas, tal como na 'inextricável mistura do alemão e do tcheco' formada pelo Kuchelböhmisch ou nesse 'tipo iídiche germanizado' que é o Mauscheldeutsch. O alemão aprendido pelo próprio Kafka, conforme os impulsos de ascensão social de seu pai, 'este alemão aprendido com nossas mães não alemães', escreve a Max Brod, aparece como uma forma híbrida, com entonações enroladas, recheado de erros sintáticos e de vacilações semânticas - não uma língua menor derivada ou oposta à língua maior, mas sim uma 'minoração' da própria língua maior. (Wagenbach, 1883-1912, citado por Sibertin-Blanc, 2021, p. 125)

Kafka: por uma literatura menor (1975) é um livro publicado entre os dois tomos de Capitalismo e Esquizofrenia, respectivamente, O Anti-Édipo (1972) e Mil Platôs (1980), época em que Deleuze e Guattari fazem uma crítica direta à psicanálise, que a tudo edipianizava em casos individuais. Considerando esse contexto, "a segunda característica das literaturas menores é que tudo nelas é político" (Deleuze & Guattari, 2015, p. 36). Para Deleuze e Guattari, nas literaturas maiores, o meio social é ambiente para a projeção de diversos casos individuais fixados na territorialidade da tradição de Édipo, ou seja, limitados a casos familiares, conjugais etc. Já nas literaturas menores, todo caso individual é imediatamente ligado à política. "Quando Kafka indica entre os objetivos de uma literatura menor 'a depuração do conflito que opõe pais e filhos e a possibilidade de discuti-lo', não se trata de um fantasma edipiano, mas de um programa político" (Deleuze & Guattari, 2015, p. 36). Para Deleuze e Guattari, na literatura menor de Kafka, os casos individuais são conectados a questões comerciais, econômicas, burocráticas, jurídicas, enfim, a questões políticas que determinam os valores dos casos individuais. Nas literaturas menores, nenhuma história privada é separada de questões políticas dos fluxos de uma época.

Uma só coisa causa dor a Kafka e o deixa com raiva, indignado: que a gente o trate como escritor intimista, encontrando refúgio na literatura, autor da solidão, da culpa, da desgraça íntima. É, no entanto, sua culpa, já que ele brandiu tudo isso... para antecipar a armadilha e por humor. [...] A escrita em Kafka, o primado da escrita, significa não mais que uma coisa: [...] Uma micropolítica, uma política do desejo, que coloca em causa todas as instâncias. Jamais houve autor mais político e social do ponto de vista do enunciado. Tudo é riso, a começar pelo Processo. Tudo é político, a começar pelas Cartas a Felice. (Deleuze & Guattari, 2015, pp. 77-78)

A terceira característica de uma literatura menor conecta os enunciados políticos às práticas sociais que estruturam uma dada sociedade. Assim, "a terceira característica é que [em uma literatura menor] tudo toma um valor coletivo" (Deleuze & Guattari, 2015, p. 37). O caráter social dos enunciados em uma literatura menor é extraído de um agenciamento coletivo e "podemos, sem dúvida, definir o agenciamento coletivo pelo complexo redundante do ato [imanente à linguagem] e do enunciado que o efetua necessariamente" (Deleuze & Guattari, 2011b, p. 19). Para Deleuze e Guattari, essa redundância efetua-se no real quando as palavras de ordem de uma enunciação têm força política suficiente para efetivar uma transformação não-corpórea em um corpo. "As palavras de ordem ou os agenciamentos de enunciação em uma sociedade dada [...] designam essa relação instantânea dos enunciados com as transformações incorpóreas ou atributos não-corpóreos que eles expressam" (Deleuze & Guattari, 2011b, p. 20). Os agenciamentos coletivos de enunciação se referem a uma complexa teia de fluxos que determinam e, também, transformam os estados dos corpos em uma determinada época. Assim, podemos imaginar diferentes agenciamentos coletivos de enunciação na contemporaneidade: familiar, escolar, artístico, acadêmico, midiático, clínico, médico, jurídico, comercial, religioso etc. Quando essas variáveis se relacionam em um dado momento, é formado um regime de signos.

 

Linguagem como palavra de ordem

Falamos que os agenciamentos coletivos podem ser definidos a partir da redundância entre os atos imanentes à linguagem e os enunciados que o efetuam. Mas em que consistem esses atos imanentes à linguagem? Para Deleuze e Guattari (2011b), a linguagem é um marcador de poder que transmite palavras de ordem, e "a palavra de ordem é, precisamente, a variável que faz da palavra como tal uma enunciação" (pp. 22-23), ou seja, um ato concomitante ao enunciado. Nesse sentido, os atos imanentes à linguagem referem-se às transformações incorpóreas efetivadas pelas palavras de ordem dos agenciamentos coletivos. "Quando [Oswald] Ducrot se pergunta em que consiste um ato, ele chega precisamente ao agenciamento jurídico, e dá como exemplo a sentença do magistrado, que transforma o acusado em condenado" (Deleuze & Guattari, 2011b, p. 19). As transformações incorpóreas são conhecidas por sua instantaneidade. Atualmente, no Brasil, atinge a maioridade quem completa 18 anos. Embora não haja nenhuma transformação corpórea nessa idade, a transformação incorpórea é imediata, assim como é imediata a transformação incorpórea da aposentadoria, embora cada corpo envelheça de maneira diferente. Por seu caráter instantâneo, as palavras de ordem costumam ser estritamente datadas em documentos que, por sua vez, só têm validade legal quando estritamente datados conforme os agenciamentos coletivos de enunciação.

A linguagem não é essencialmente comunicativa ou informativa, mas essencialmente política, e sua função é transmitir palavras de ordem. "A unidade elementar da linguagem - o enunciado - é a palavra de ordem" (Deleuze & Guattari, 2011b, p. 12). As palavras de ordem dos enunciados coordenam processos de subjetivação, ou seja, formas de vida subalternizadas. No Brasil, um caso concreto de processo de subjetivação é a estigmatização das travestis e demais pessoas trans a situações de crime, violência, prostituição e morte é um estado de corpos construído e reforçado pelo agenciamento midiático4. Bruna Benevides, da ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil, diagnostica que a mídia tem uma tendência a classificar os marcadores sociais das vítimas de forma racista, classista e estereotipada, e lembra que "as identidades foram atribuídas por quem escreveu a matéria e em muitos casos obteve informações no local no crime, diretamente relacionadas a marcadores como o território onde ocorreu o assassinato, contexto e classe social, raça e ocupação" (Benevides, 2022, p. 60). No artigo "Jornalismo transfóbico? Uma análise da imprensa na cobertura sobre pessoas trans", publicado no Dossiê da ANTRA (Benevides, 2022), os jornalistas Caê Vasconcelos e Vitória Régia da Silva sinalizam que esse cenário contribui para a estigmatização da imagem de pessoas trans, e defendem uma imprensa que respeite as vidas e as narrativas transvestigêneres.

Quando falamos de uma imprensa que respeita as vidas transvestigêneres, falamos de uma imprensa feita por pessoas trans e travestis. Falamos de redações que contratam, acolhem e deem espaço para que as pessoas trans e travestis possam realmente fazer seu trabalho. Falamos de pessoas trans em todos os cargos, dos estágios até as cadeiras mais altas da pirâmide de uma redação. [...] Quando falamos de uma imprensa que respeita as vidas transvestigêneres, falamos de uma imprensa que sabe que foi responsável por disseminar inúmeras fake news acerca das vivências trans, que foi responsável pelo apagamento e invisibilização da população trans ao longo das décadas. (Vasconcelos & Silva, 2022, p. 122)

Não é apenas informação que a linguagem veicula. A partir das tecnologias de comunicação em massa, o agenciamento midiático produziu ao longo de décadas transformações incorpóreas sobre os corpos trans em um alcance cada vez maior, e isso gradualmente estabilizou processos coletivos de subjetivação que produzem enunciados transfóbicos: "é travesti, logo é violenta"; "é travesti, logo é criminosa"; "é travesti, logo está na prostituição". Em dado momento, os agenciamentos também intervêm nas subjetivações que eles mesmos produzem, mas isso nunca é apartado de interesses econômicos do capitalismo. Quando a Globo, por exemplo, cogita contratar a cantora e atriz Lina Pereira para seu elenco fixo é, para além da boa repercussão com o público do Big Brother Brasil, também porque os patrocinadores que financiam a emissora se interessam em axiomatizar diversos públicos minoritários que se associam à Lina pela representatividade (Gomes, 2022).

[Nesse sentido], chamamos palavras de ordem não uma categoria particular de enunciados explícitos (por exemplo, no imperativo), mas a relação de qualquer palavra ou de qualquer enunciado com pressupostos implícitos, ou seja, com atos de fala que se realizam no enunciado, e que podem se realizar apenas nele. As palavras de ordem não remetem, então, somente aos comandos, mas a todos os atos que estão ligados aos enunciados por uma "obrigação social". Não existe enunciado que não apresente esse vínculo, direta ou indiretamente. Uma pergunta, uma promessa, são palavras de ordem. A linguagem só pode ser definida pelo conjunto das palavras de ordem, pressupostos implícitos ou atos de fala que percorrem uma língua em um dado momento. (Deleuze & Guattari, 2011b, p. 17, grifo dos autores)

No século 21, a multiplicidade de gêneros movimenta, mais do que nunca, um mercado econômico que gera lucro ao capitalismo. Nesse sistema, as palavras de ordem produzem processos de subjetivação que não cessam de variar, isto é, de serem submetidos às transformações das práticas de uma sociedade. E, como dessas transformações também surgem novas palavras de ordem, a subjetivação pode ser entendida como um processo em constante produção. Além disso, se desde a década de 1980 para cá houve uma integração das travestis e demais pessoas trans à macropolítica no Brasil - a instituição do Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 2004; o tratamento pelo nome social em órgãos federais, em 2016; o direito à retificação de nome e gênero no registro civil, em 2018; a criminalização da transfobia, em 2019 -, não houve, por parte do Estado e suas políticas públicas, um compromisso sério com demais demandas do movimento trans, especialmente, a proteção à vida. Um sintoma desse descompromisso do Estado é a permanência e liderança do Brasil na lista de países que mais matam travestis e pessoas trans no mundo (Pinheiro, 2022).

Apesar disso, queremos enfatizar a importância de Lina Pereira ocupar os espaços majoritários da cis-heteronormatividade branca em agenciamentos midiáticos, compreendendo que ocupar esses espaços é essencial para a sobrevivência das minorias. Lembramos Bruna Benevides e Sayonara Nogueira, da ANTRA, acreditando que a inserção de pessoas trans nos agenciamentos coletivos de enunciação poderia impactar o expressivo problema de 90% da população de travestis e mulheres trans estarem fora do mercado de trabalho formal no Brasil (Benevides & Nogueira, 2021, citado por Benevides, 2022, p. 47). Lembramos, também, Amara Moira, para enfatizar a importância de pessoas trans serem reconhecidas e referenciadas em debates amplos, ou seja, para além de questões de gênero e LGBTQIAPN+, como uma das demandas necessárias para o combate à transfobia no Brasil.

 

Considerações finais

Uma minoração faz vibrar a linguagem pela variação contínua. Em devir-minoritário, a língua articula conexões com usos majoritários e minoritários da linguagem e, dessa maneira, enfeitiça a criação de novos enunciados políticos e coletivos que desejam devir-minoritário diante da hegemonia de uma dada sociedade. A hegemonia a que nos referimos vem de bases marxistas, porém nos distanciamos em certa medida dessa perspectiva de base, pois a representação do corpo revolucionário marxista, embora seja uma minoria de classe, ainda está muito estratificada no padrão de medida majoritário: homem, adulto, cisgênero, heterossexual, masculino etc. Isso não quer dizer que seja necessário negar a maioria para estudar as minorias. A partir dos dois sentidos de minoria em Deleuze, relacionamos duas frentes de luta: 1) a luta das minorias por direitos, que se relaciona aos usos majoritários da linguagem e é essencial para a sua sobrevivência na axiomática; 2) a luta dos devires-minoritários por potências, que se relaciona aos usos minoritários da linguagem e é essencial para experimentar novos modos de expressão que desviem do padrão majoritário. Falamos de uma relação indissociável, entendendo que ambas as lutas são imanentes, mas não são vividas no mesmo plano e, por isso, podem coexistir.

Chamamos de usos majoritários da linguagem as variáveis enunciativas que controlam os agenciamentos coletivos e estratificam uma sociedade. A estratificação de um corpo social é uma forma de controle que seleciona, exclui e ordena determinadas estruturas, e de maneira mais ou menos estável habitua ou transforma a realidade. Não queremos moralizar os estratos: é essencial lutar por representatividade, por direitos das minorias, por linguagens inclusivas de gênero, por demarcação de terras indígenas etc. Lutar, porque o real é um campo de disputa com um objetivo bastante definido: ocupar os espaços. Os usos majoritários da linguagem referem-se, portanto, aos discursos e às práticas que disputam o poder, e essa disputa acontece tanto nas relações macropolíticas como, por exemplo, a partir de agenciamentos escolares, universitários, jurídicos etc., quanto nas relações micropolíticas, a exemplo, nos campos do desejo e dos afetos. Não se trata de abandonar os estratos, mas de avaliar os efeitos da estratificação de um corpo social. Para isso, acreditamos que cartografar discursos e práticas das minorias contribui para tornar visível e dizível a realidade intolerável de uma dada época, tensionando assim os processos de subjetivação que estratificam uma dada sociedade. Um desafio inicial para exercitar a minoração dos usos majoritários da linguagem seria o de encontrar o seu próprio ponto de subdesenvolvimento e, a partir dele, se reterritorializar em um devir.

Por sua vez, chamamos de usos minoritários da linguagem as variáveis enunciativas que desestratificam um corpo social. Essa desestratificação promove um abalo nos processos de subjetivação e desfaz os estratos instituídos. Porém, não se trata de um maniqueísmo: os estratos têm função pragmática, eles são necessários para a conservação da vida, e a destruição total dos estratos implicaria a morte da vida. Deleuze e Guattari alertam sobre os perigos de uma desestratificação imprudente, que nos levaria à morte, e de uma desestratificação reestratificante, que nos levaria ao fascismo. Falamos, portanto, de um controle dos afetos, de uma produção de afetos tristes, cujas práticas produzem um povo adoecido por necropolíticas neoliberais. Por isso, é importante tomar a prudência necessária e avaliar quais processos de desestratificação produzem afetos que potencializam a vida, criando modos de existência plenos (corpo revolucionário), e quais processos produzem afetos que despotencializam a vida, criando modos de existência vazios (corpo suicida) e cancerosos (corpo fascista). É importante cartografar relações de poder instaladas em territórios micropolíticos, como o desejo e os afetos, para identificar e selecionar as desestratificações prudentes. Assim, um novo desafio para uma minoração da linguagem seria identificar quais discursos e práticas das minorias promovem uma desestratificação prudente diante dos processos de subjetivação que estratificam um corpo social. Nesse sentido, acreditamos na potência dos atos de fabulação para trair a linguagem e articular o vislumbre de um por vir com novos horizontes éticos, estéticos, políticos e clínicos para a saúde sociopolítica das minorias.

 

 

Referências

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Endereço para correspondência
Wes Viana
E-mail: wmvhlv@gmail.com

 

 

*Mestrando interdisciplinar em História e Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), e graduado em Letras, com experiência no PIBID, pela Universidade Federal do Ceará (UFC). No mestrado, investiga a fabulação na arte contemporânea brasileira, a partir de uma cartografia de artistas visuais. É autor da fotoperformance "Anome" (2019) e da vídeo-oficina "Anome: revirando memórias dentro de casa" (2020). É pesquisador do LEFA - Laboratório de Estética e Filosofia da Arte. Foi professor temporário da SEDUC - Secretaria da Educação do Estado do Ceará, lecionando as disciplinas Língua Portuguesa, Literatura, Redação e Artes. Revisou textos de diversas exposições do MAC - Museu de Arte Contemporânea do Ceará. Possui diversos artigos publicados em revistas científicas e em capítulos de livros.
1O recorte começa em 14min21s e termina em 28min57s, transcrição minha.
2Segundo a Wikipédia (2022), Franz Kafka vem de uma família judaica, de classe média, durante o Império Austro-Húngaro (1867-1918), em Praga. Porque boa parte da população de Praga falava tcheco, era visível perceber variações linguísticas entre os falantes de tcheco e alemão, respectivamente, línguas menor e maior, falada por dois grupos que desejavam fortalecer uma identidade nacional. Kafka escrevia nas duas línguas, e considerava o alemão a sua língua materna.
3Em outras traduções e pesquisas, também aparece "desterritorialização da língua". Opto por fazer uma distinção entre "língua" e "linguagem" para evidenciar que essa desterritorialização não precisa se limitar à noção de língua modalizada pela escrita e pela oralidade. Podemos imaginar também uma desterritorialização da linguagem verbal e reterritorialização na imagem, no som, no ruído, no grito.
4A estigmatização da transexualidade é responsabilidade não apenas do agenciamento midiático, mas de um regime de signos formado pela relação entre diversos agenciamentos: médico, científico, midiático, jurídico, criminal, religioso etc. Apenas em 2019 a transexualidade efetivamente deixou a lista internacional de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde 1990, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID) mantinha a transexualidade como um "transtorno mental", palavra de ordem que resultou em diversas práticas discursivas conhecidas como "cura gay", uma dupla transfobia: seja porque a palavra "cura" remete a uma transformação incorpórea da transexualidade em uma suposta doença, seja porque a qualificação "gay" se refere a uma orientação sexual, não a uma identidade de gênero.

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