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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.55 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2023

 

ARTIGOS

 

O feminino na fantasia: entre a dialética do desejo em Lacan e a fantasia social em Zizek

 

The feminine in fantasy: between the dialectic of desire in Lacan and social fantasy in Zizek

 

Lo femenino en la fantasía: entre la dialéctica del deseo en Lacan y la fantasía social en Zizek

 

 

Elizabeth Fátima TeodoroI*; Wilson Camilo ChavesI**; Mardem Leandro SilvaII, III***

IUniversidade Federal de São João del-Rei - UFSJ - Brasil
IIUniversidade do Estado de Minas Gerais - UEMG - Brasil
IIICentro Universitário de Formiga - Unifor-MG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Partindo do perceptível conflito entre as determinações fantasísticas do social, referentes ao feminino e o desejo da mulher enquanto sujeito, que chega à clínica materializado em um profundo sofrimento psíquico do qual ela parece incapaz de atravessar, questionamos: quais seriam os elementos da cena social atramados na fantasia social que apontam para o que consideramos representações do feminino? Assim, objetivamos articular o grafo do desejo em Lacan com a noção de fantasia social em Zizek para tentar responder o que haveria de feminino na fantasia, ou seja, como a dialética do desejo e a noção de fantasia social podem ajudar a compreender as construções fantasísticas do feminino. Para tanto, lançamos mão de uma investigação teórica com enfoque no texto lacaniano Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960) e no texto de Slavoj Zizek Eles não sabem o que fazem - o sublime objeto da ideologia (1992), sem desconsiderar, contudo, comentadores de ambos os teóricos mencionados. Nessa perspectiva, este estudo desenvolveu a articulação dos conceitos - fantasia, desejo, feminino e fantasia social - procurando se organizar a partir de três questões: 1) De que forma as elaborações de Zizek sobre ideologia como fantasia social auxilia a compreender a dialética do desejo em Lacan?; 2) De que forma o desejo do Outro, enquanto social, resta na fantasia do sujeito, de modo a responder pela articulação fundamental entre a demanda e o desejo?; 3) Sob qual razão os elementos conjunturais são tomados na perspectiva estrutural que compõe o que entendemos por feminino na fantasia? Tomando por base a assertiva de que a sociedade não existe por si mesma, o feminino na fantasia poderia sustentar a própria fantasia de uma ordem social, ao cumprir a função de tamponar os hiatos deixados pela dissimetria entre o sujeito e o social.

Palavras-chave: Fantasia, fantasia social, feminino, dialética do desejo, sociedade patriarcal.


ABSTRACT

Starting from the perceptible conflict between the fantastical determinations of the social referring to the feminine and the woman's desire as a subject who arrives at the clinic materialized in a deep psychic suffering that she seems unable to go through, we question: what would be the elements of the social scene strung in fantasy that point to what we consider representations of the feminine? Thus, we aim to articulate the graph of desire in Lacan with the notion of social fantasy in Zizek to try to answer what would be feminine in fantasy, that is, how the dialectic of desire and the notion of social fantasy can help us to understand the constructions feminine fantasies. For that, we make use of a theoretical investigation focusing on the Lacanian text Subversion of the subject and the dialectic of desire in the Freudian unconscious (1960) and on the text of Slavoj Zizek They do not know what they do - the sublime object of ideology (1992), without disregard, however, commentators of both theorists mentioned. In this perspective, this study developed the articulation of the concepts - fantasy, desire, feminine and social fantasy - seeking to organize itself from three questions: 1) How do Zizek's elaborations on ideology as social fantasy help us to understand the dialectic of the desire in Lacan?; 2) How does the Other's desire, as a social one, remain in the subject's fantasy, in order to respond to the fundamental articulation between demand and desire?; 3) Under what reason are the conjunctural elements taken in the structural perspective that compose what we understand by feminine in fantasy? Based on the assertion that society does not exist by itself, the feminine in fantasy could sustain the fantasy of a social order, by fulfilling the function of plugging the holes left by the dissymmetry between the subject and the social.

Keywords: Fantasy, social fantasy, feminine, dialectic of desire, patriarchal society.


RESUMEN

Partiendo del perceptible conflicto entre las determinaciones fantásticas de lo social referente a lo femenino y el deseo de la mujer como sujeto que llega a la clínica materializado en un profundo sufrimiento psíquico que parece incapaz de atravesar, nos cuestionamos: ¿cuáles serían los elementos de la escena social ensartadas en la fantasía que apuntan a lo que consideramos representaciones de lo femenino? Así, pretendemos articular el grafo del deseo en Lacan con la noción de fantasía social en Zizek para tratar de responder qué sería femenino en la fantasía, es decir, cómo la dialéctica del deseo y la noción de fantasía social pueden ayudarnos a comprender las construcciones fantasías femeninas. Para ello, nos valemos de una investigación teórica centrada en el texto lacaniano Subversión del sujeto y la dialéctica del deseo en el inconsciente freudiano (1960) y en el texto de Slavoj Zizek No saben lo que hacen - el objeto sublime de la ideología (1992), sin menospreciar, sin embargo, los comentadores de ambos teóricos mencionados. En esta perspectiva, este estudio desarrolló la articulación de los conceptos - fantasía, deseo, femenino y fantasía social- buscando organizarse a partir de tres interrogantes: 1) ¿De qué manera las elaboraciones de Zizek sobre la ideología como fantasía social nos ayudan a comprender la dialéctica del deseo? en Lacan?; 2) ¿Cómo el deseo del Otro, como social, permanece en la fantasía del sujeto, para responder a la articulación fundamental entre demanda y deseo?; 3) ¿Bajo qué razón se toman los elementos coyunturales en la perspectiva estructural que componen lo que entendemos por femenino en la fantasía? Partiendo de la afirmación de que la sociedad no existe por sí mismo, lo femenino en la fantasía podría sustentar la fantasía de un orden social, cumpliendo la función de tapar los agujeros dejados por la disimetría entre el sujeto y lo social.

Palabras clave: Fantasía, fantasía social, femenino, dialéctica del deseo, Sociedad patriarcal.


 

 

Introdução

[...] Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas
Não têm sonhos, só têm presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas
Morenas [...] (Chico Buarque, Mulheres de Atenas)

A beleza da canção Mulheres de Atenas, de Chico Buarque de Holanda, não se encontra somente em sua musicalidade precisa e sua voz encantadora, mas, sim, na mensagem expressa em sua letra que, ao mesmo tempo, evoca e provoca. Evoca-nos, no ponto em que entendemos que se trata de uma crítica velada à sociedade brasileira do período militar fortemente marcada por um sistema patriarcal-conservador que desconsiderava toda e qualquer influência feminina fora dos lares de famílias "bem" constituídas. Entende-se bem constituídas aqui como uma redução ao propalado modelo tradicional (pai, mãe, filhos) com papéis sociais bem definidos.

Provoca-nos, na medida em que percebemos que, aos moldes dos Aedos, Chico canta as "verdades" por trás das histórias populares de muitas gerações. Verdades essas que aparecem em tom de determinação de uma representação e uma posição feminina frente ao social, quase sempre marcadas por extrema passividade, amorosidade, compreensão, delicadeza, recatamento e, sobretudo, total devoção. Não sem razão, segundo Agamben (2007, p. 95) trata-se da proposição de uma das mais comuns figuras históricas da submissão civil que, desde as interposições postas pelo direito romano, impunha-se que a mulher figurasse como objeto de posse do pater famílias, peça de direito do pátrio poder: o vitae necisque potestas - o "poder da vida e da morte", já que esta estaria sub manu, ou seja, sob sua mão. O pater famílias era a única pessoa jurídica plena, de modo que a extensão de seu poder, sua longa manus (longa mão) se exercia por sobre sua mulher e a única forma de esta se emancipar - manumissio, literalmente: sair da mão do pátrio poder - era passar da posse do pater famílias para a mão de algum consorte jurídico qualquer, ou seja, um futuro pater famílias.

De volta à música, a submissão citadina da mulher grega é retratada de modo a escandalizar por sua insuspeita adesão e desejo. A letra da canção intenta dispor em evidência o modo como as mulheres eram frequentemente destituídas de vontades e sonhos, uma vez que deveriam expressar os interesses primeiro dos pais e, posteriormente, de seus maridos - perfeitos objetos! No entanto, se a letra cumpre escandalizar é porque temos retratada em sua composição elementos da vida nua (zoé) em contraposição à vida qualificada (bíos), ou seja, a interposição da "lógica da soberania" (Agamben, 2007, p. 04) que ambiciona contrapor à vida qualificada (uma bio-grafia) o que resta como uma forma de vida que a esta se submete (uma zoe-grafia). Parafraseando o título da obra de Agamben (2007) "Homo sacer" poderíamos dizer, sem sombras de dúvidas, tratar-se de uma femme sacer, não fosse pelo desejo que a habita.

Mudam-se as épocas e ainda que verifiquemos o fortalecimento de um movimento feminista que luta "pelo deslocamento das mulheres de objetos a sujeitos de seus próprios corpos" (Tomazetti & Brignol, 2015, s./p.), algo parece restar sem resposta. Situação que mantém intacto um mal-estar e um sofrimento que insistem em chegar às clínicas psicológicas na voz de muitas mulheres (Kehl, 2016), mesmo que o cenário social atual evidencie um deslocamento substancial do feminino nos espaços públicos como anuncia Lipovetsky (2000).

Essa constatação leva a perceber que tal fenômeno pode tanto ser pensado no particular de cada caso, quanto nos aspectos mais gerais de uma coletividade. Chama a atenção como a psicanálise admite uma leitura do singular que não desconsidera o que viceja no universal das relações, possibilitando entender os enlaces que tentam unir o que há de estrutural1 e o que há de conjuntural2 nos modos de se estabelecer as relações. Não raro, essas tentativas denunciam que entre as pessoas há mais nós que laços, uma vez que existe um (des)compasso entre o que vigora na conjuntura e o que se propõe como linha de força estrutural de cada sujeito.

Visto por esse ângulo, não seria incorreto afirmar que a primeira dissonância acontece no próprio sujeito que se vê galgando duas dimensões que, a princípio, parecem bastante distintas, uma pulsional (estrutural) e outra social (conjuntural). São gramáticas diferentes que exigem posicionamentos, muitas vezes, opostos e que devido a sua inconstância, geralmente, culminam no sofrimento psíquico. Por isso, Assoun (2012, p. 15, grifos do autor) afirma que "o que o neurótico testemunha é uma harmonia impossível entre 'pulsão' e 'civilização'". Com efeito, salvo as diferenças, não seria isso que resultaria no que Lacan teoriza como sujeito barrado, ou seja, aquele sujeito atravessado pela linguagem desde sempre, como esclarece Fink (1998) e Chaves (2005).

É nesse contexto que Zizek (1992) assevera que, em psicanálise, o que jaz por sobre essa dialética sujeito-social é a fantasia. Ao que tudo indica, ela termina por proteger o sujeito, em certa medida, de sua condição pulsional contraditória. Essa constatação pode até nos levar a acreditar, então, que a fantasia seria algo singular produzido somente pelo sujeito. Porém, Lacan (1998/1960), no grafo do desejo, demonstra como a construção dessa fantasia3 passa invariavelmente pelo Outro4.

Nessa perspectiva, a questão que passa a orientar em nossa proposição de escrita pode ser sumariamente descrita ao se considerar como base a dialética do desejo proposta por Lacan no grafo do desejo, e sua relação com o que Zizek nomeia de fantasia social, no ponto de nos interrogarmos sobre quais seriam os elementos da cena social que, atramados nos termos de uma fantasia social, apontariam para o que consideramos como sendo as representações do feminino. Em outras palavras, trata-se de uma investigação sobre a passagem da fantasia como uma resposta do sujeito frente à demanda do Outro e a fantasia como uma resposta frente à castração - ponto no qual o Outro emerge como barrado.

Consideramos metodologicamente que essa passagem possa lançar nova luz por sobre a relação entre a fantasia e o feminino, pois ao invés de questionarmos sobre a existência ou não de uma pretensa "fantasia feminina", invertemos a questão e interrogamos sobre o que haveria de feminino na fantasia. Nossa posição textual coloca em destaque que a fantasia é uma operação psíquica positiva no sentido em que produz os objetos afeitos ao desejo, que, por sua vez, é uma operação psíquica negativa que faz referência ao que falta. De tal forma que predicar como feminina ou masculina uma operação dessa ordem só faz sentido no âmbito das determinações do social, no âmbito das demandas postas pelo Outro.

Assim, objetivamos articular o grafo do desejo em Lacan com a noção de fantasia social em Zizek para tentar responder o que haveria de feminino na fantasia, ou seja, como a dialética do desejo e a noção de fantasia social podem ajudar a compreender as construções fantasísticas do feminino. Ressaltamos, portanto, que esse estudo se propõe a desenvolver a articulação dos conceitos - fantasia, desejo, feminino e fantasia social - procurando se organizar a partir das seguintes questões: 1) De que forma as elaborações de Zizek sobre ideologia como fantasia social auxilia a compreender a dialética do desejo em Lacan?; 2) De que forma o desejo do Outro, enquanto social, resta na fantasia do sujeito, de modo a responder pela articulação fundamental entre a demanda e o desejo?; 3) Sob qual razão os elementos conjunturais são tomados na perspectiva estrutural que compõe o que entendemos por feminino na fantasia? Em outras palavras, quais seriam os elementos da cena social atramados na fantasia social que apontam para o que consideramos representações do feminino?

Para tanto, lançamos mão de uma investigação teórica com enfoque no texto lacaniano Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960) e no texto de Slavoj Zizek Eles não sabem o que fazem - o sublime objeto da ideologia (1992), sem desconsiderar, contudo, comentadores de ambos os teóricos mencionados. Tal investigação se mostra necessária na medida em que o conflito entre as determinações fantasísticas do social referentes ao feminino e o desejo da mulher enquanto sujeito chegam à clínica materializados em um profundo sofrimento psíquico do qual ela parece incapaz de atravessar.

Cumpre dizer que estamos advertidos que a leitura zizekiana sobre a ideologia como fantasia se enquadra, de fato, no campo da filosofia política, porém, acreditamos que a abrangência de seus estudos, suas implicações e atravessamentos em diversos campos, permite um diálogo íntimo com a psicanálise e sua noção de feminino. Ainda que ele não aborde de forma direta a questão do feminino em sua articulação com a ideologia, é possível notar que suas formulações sobre o social fazem emergir indagações cruciais para se compreender as representações do feminino no contemporâneo.

 

Da fantasia social à fantasia do sujeito ou seu avesso

O conceito de fantasia, em psicanálise, vigora como uma peça central para a teoria, pois, se Lacan (2008/1964) propõe uma base fundamental de quatro conceitos que perfazem um itinerário metodológico mínimo, a saber, inconsciente, transferência, pulsão e repetição, é o conceito de fantasia que os torna inteligíveis do ponto de vista de sua dinâmica clínica, o que leva Jorge (2010), inclusive, a reclamar a elevação do termo "ao patamar de um verdadeiro conceito fundamental da Psicanálise, a partir do momento em que seu estatuto fundador é realçado e sua função de mediadora do encontro do sujeito com o real é indicado" (p. 9). Não podemos perder de vista também que, nesse Seminário 11, Lacan começa a elaborar a noção do conceito de objeto a, como causa do desejo até atingir a emblemática formulação de objeto "mais de gozar", tudo muito regrado à fantasia.

Na concepção de Freud (1972/1900), a fantasia representa o núcleo da realidade psíquica encenada no inconsciente, é ela, portanto, que organiza afetos e representações a partir de um enredo, resultante de um segundo momento do acontecimento traumático. Lacan (2003/1967), avançando nessa teorização, passa a compreender a fantasia como uma operação que, por um lado, oferece objetos ao desejo e, por outro, organiza a dinâmica de nossa satisfação ao ponto de ser um marcador estrutural: a fantasia seria, então, um modo de organização do universo neurótico, assim como o delírio é do universo psicótico.

Dessa forma, Amoedo (2008) salienta que um dos modos de se pensar a fantasia em Lacan é "como um quadro que é colocado no enquadramento de uma janela através da qual se vê o mundo e, como uma tela, protege a pessoa da visão do mundo" (p. 61), somente através dessa tela teríamos condições de acessar o real do trauma. Isso nos remete a uma constatação complicada, na percepção de Zizek (2010), de que a própria realidade estruturada pela fantasia "pode funcionar como uma fuga de um encontro com o real" (p. 73). De modo que teríamos a fantasia do lado da realidade e o sonho em oposição nos defrontando com o real traumático.

É nesse contexto que Chaves (2005) endossa a posição de Lacan de que a fantasia "exerce um papel importante na dinâmica da relação entre o sujeito e o eu" (p. 110). Isso porque ela (a fantasia) seria uma espécie de resposta ao enigma - Che vuoi? - advindo do Outro. Porém, Zizek (2010) esclarece que essa fantasia não se refere, necessariamente, ao desejo do próprio sujeito, mas sim, ao desejo do outro, visto que a constituição originária do desejo estaria ligada à uma tentativa de resposta da pergunta "o que querem os outros de mim?" (p. 63). Nesse sentido, "a fantasia fornece uma resposta para esse enigma em seu nível mais fundamental, a fantasia me diz o que eu sou para meus outros" (p. 63), uma vez que ela evidencia nossa tentativa de formar uma identidade que iria satisfazer os outros (geralmente aqueles que estão na função de pais) a fim de nos fazermos de objeto do desejo deles. Assim, observa-se que a universalidade da fantasia existe somente enquanto forma, pois seu conteúdo é opaco e diretamente associado a essa fórmula individual que cada um encontra para lidar com a angústia de não saber o que o seus outros querem.

Com efeito, não se trata de uma construção simples e, ainda que Lacan (1966-1967) apresente uma lógica da fantasia, ela se desdobra ambiguamente, pois, ao mesmo tempo em que serve como crivo de proteção contra o encontro com o real, "enigma insustentável do desejo do Outro [...] é a própria fantasia que, por assim dizer, fornece as coordenadas de nosso desejo, isto é, constrói o contexto que nos permite desejar algo" (Zizek, 1992, pp. 115-116).

Nesse ponto, o autor nos chama a atenção para o fato de que não se trata de pensar a fantasia como a representação da realização do desejo, uma vez que, na cena fantasística, o desejo não é satisfeito, mas sim, constituído, ou seja, a fantasia oferece objetos que faltam ao desejo. Então, podemos dizer que é "graças à fantasia [que] aprendemos 'como desejar' (Zizek, 1992, p. 116, grifos do autor).

Por esse viés, Silva (2014) pondera que a fantasia pode ser pensada enquanto um índice de positividade na mesma medida em que o desejo é tomado como função negativa. Isso porque "o que falta ao desejo, a fantasia providencia. Ao desejo falta o objeto, pois o desejo é pura negatividade, no sentido de ser um ato psíquico que busca realização por meio dos recursos fornecidos pela fantasia" (p. 32).

Assim, Zizek (1992), por meio dessa leitura da fantasia, sustenta a existência de uma fantasia social que também pode ser chamada de fantasia ideológica e que tem por função principal definir e determinar o valor e a significação da realidade socialmente compartilhada. Ela trabalharia, portanto, como uma ilusão inconsciente, ou seja, uma cena imaginária capaz de oferecer não somente as coordenadas, mas também o roteiro do desejo, dando a falsa certeza de que se trata da única realidade possível. Isso porque, na concepção zizekiana, não há uma realidade a priori que seria recoberta pela fantasia, muito pelo contrário, trata-se de uma realidade estruturada por meio de uma teia fantasística.

Nas palavras do autor, no documentário The Pervert's Guide to Ideology, "a ideologia não é simplesmente algo imposto a nós. A ideologia é nossa relação espontânea com o mundo social, é como percebemos seu significado etc. etc. Nós gostamos da nossa ideologia. Sair dela é doloroso" (Zizek, 2012). Nesse sentido, percebe-se uma dupla ilusão, no ponto em que uma ilusão elide outra ilusão, ou seja, aquela que estrutura nossa relação com a realidade, visto que não se trata de saber o que se faz, mas de fazer o que se faz. O que leva Zizek (1991) a pensar que, por mais que se saibam das injunções ideológicas, a fantasia fundamental que regula a realidade social permanece desconhecida, pois, ela está intimamente relacionada com uma prática.

Pensando a questão do feminino que norteia nossa investigação, isso significa dizer que não importa que saibamos que as injunções ideológicas da sociedade capitalista patriarcal produzem relações cruelmente desiguais. O que importa é que, na prática, continuamos a perpetuar um sistema baseado no machismo capitalista, ainda que não o consideremos justo. Nessa perspectiva, Zizek (2019) faz uma leitura interessante sobre o destino das protagonistas mulheres da famosa série Game of Thrones que, em resumo, traz a morte das duas mulheres mais poderosas do reino, uma (Cersei) é soterrada com o seu irmão (homem que ela amava), a outra (Daenerys) enlouquece e é morta pelo homem que amava. Detalhe importante, John Snow, seu amado, a mata por amor, "salvando-a" dela mesma. Assim, Daenerys que, ao longo da história, perturbou a ordem social estabelecida por querer dar fim às velhas injustiças, é morta pelo homem que amava. Não parece coincidência que Freud (2018/1910) descreva que, dentre as fantasias masculinas nas escolhas objetais amorosas, esteja a mulher como aquela que precisa ser salva por um homem.

Mas não para por aí, Arya, personagem que salvou a todos, ao matar sozinha o Rei da Noite, também desaparece, embarcando em uma viagem a oeste do Oeste. A única que permanece, como rainha do reino autônomo do Norte, é Sansa, que Zizek (2019, [s./p.]) descreve como "um tipo de mulher amada pelo capitalismo contemporâneo: ela reúne delicadeza e compreensão femininas com uma boa dose de intriga e assim se encaixa plenamente nas novas relações de poder". Em suma, essa representação feminina que o filósofo menciona ser o tipo perfeito para o capitalismo parece delinear o que se convencionou chamar de características femininas.

Contudo, chama a atenção menos esses ditames sociais e mais a percepção de que as mulheres encarnam esses papéis a ponto não só de sofrerem ao se perceberem aquém dessas construções imaginárias, mas de as desejarem. Uma boa ilustração dessa situação pode ser percebida a partir do crescente interesse, principalmente por parte das mulheres, por literaturas eróticas que retratam moças inocentes, inexperientes, tímidas que aceitam assumir uma postura submissa para ganhar o coração de homens poderosos, controladores e experientes. Parece-nos um interessante fenômeno que livros dessa temática se tornem best-sellers quase um século após a rebelião feminina contra o papel de submissão que vigorava até então e toda a emancipação das mulheres no século XXI. Isso nos faz indagar: como são arquitetadas essas representações? Em que medida elas passam a constituir o modo de ser do feminino, a ponto inclusive de serem tratadas como naturais das mulheres, terminando por habitar o imaginário tanto de homens quanto de mulheres?

 

O nó impossível da dialética demanda-desejo

Como apresentamos de forma breve anteriormente, fantasia e desejo são dois conceitos que vicejam na psicanálise de Freud a Lacan e mais além. Ambos os termos remetem à própria noção de sujeito no ponto em que se desdobram em uma dialética, na qual o sujeito toma o desejo do Outro como a sua própria fantasia para responder à demanda social, chegando inclusive a se pensar o desejo do sujeito enquanto desejo do Outro. Essa passagem que relaciona diversos conceitos como dialética, sujeito, desejo e Outro, impõe que se tenha em mente seu respectivo valor de implicação, ou seja, o modo como cada conceito termina por fazer referência lógica ao outro.

Partimos da leitura zizekiana de que, a rigor, o importante não é o conteúdo ideológico em si, uma vez que, na atualidade, o movimento feminista se torna cada dia mais consistente ao denunciar incansavelmente uma ideologia machista, mas sim, o modo por meio do qual "esse conteúdo se relaciona com a postura subjetiva envolvida em seu próprio processo de enunciação" (Zizek, 1996, p. 14). Essa afirmação é interessante, pois, segundo Lacan (1998/1960), o processo de enunciação é o lugar no qual o sujeito se produz e é produzido. Assim, o que estaria em jogo seria o sujeito do inconsciente que, nas formulações de Lacan (2008/1968-1969), aparece no segundo nível do grafo do desejo, momento que trata "muito precisamente, dos efeitos do simbólico no real" (p. 244).

 

Fig. 1: Modelo completo do grafo do desejo de Lacan.
Fonte: Lacan (1998/1960, p. 831).

Legenda:
I(A) - Ideal do eu (identificação simbólica)
$ - sujeito barrado
m - eu/outro (semelhante)
i(a) - imagem do eu/outro (identificação imaginária)
A - Outro
s(A) - o que no Outro adquire valor de significado
d - desejo
$<>a - fantasia
$<>D - pulsão (demanda)
S(Ⱥ) - falta de um significante no Outro

Pode-se pensar o grafo do desejo como um modelo topológico que, inicialmente, pretende "explicar melhor a dialética demanda-desejo na neurose obsessiva" (Chaves, 2005, p. 112), ele surge pela primeira vez no seminário 5 - As formações do inconsciente, em 1957-1958, mas é retomado e modificado ao longo de seu ensino. O grafo completo, como vemos na figura 1, é apresentado no texto de 1960 - Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano. Tomando, então, o patamar superior do grafo, notamos que ele fecha o circuito da inscrição da falta no simbólico, consequentemente, é onde se constitui o desejo (d), assim, como o próprio sujeito barrado ($), a partir dessa incompletude do Outro, ou melhor, de sua inconsistência simbólica S(Ⱥ). Isso porque essa falta de um significante no Outro que signifique o sujeito precipita a questão fundamental: o que o Outro quer de mim?

Na tentativa de responder a essa questão, o sujeito responde, inicialmente, por meio de uma posição na qual ele toma essa demanda como sendo sua ($◊D), e só posteriormente, ao se dar conta da incompletude do Outro é que ele responde com sua própria fantasia ($◊a). Por isso, Zizek (1992, p. 120) afirma que "a função da fantasia é servir de anteparo para ocultar essa inconsistência". Mas a própria fórmula da fantasia indica uma suposição de objeto que satisfaria o Outro, mas que não satisfaz, por isso, Lacan (1998/1960) utiliza o termo lógico <> (punção: junção e disjunção). Assim, o psicanalista francês coloca a fantasia do lado do gozo (falta da falta), indicando que há, na verdade, uma ilusão de completude, enquanto o desejo (própria falta) se localiza do lado da castração, denunciando, portanto, uma operação psíquica negativa, ou seja, o sujeito se situa em uma hiância e dessa falta que ele faz seu desejo. Zizek (1992, p. 120, grifo do autor) explica ainda que surge,

por fim, s(A), isto é, o efeito de significação como dominado pela fantasia: a fantasia funciona como uma "significação absoluta" (Lacan), constitui o contexto pelo qual percebemos o mundo como consistente e dotado de sentido, o espaço a priori em cujo interior têm lugar os efeitos particulares da significação.

Essas elaborações permitem evidenciar que o desejo, inicialmente, aparece como uma determinação do Outro do social, visto que tenta responder ao que o Outro quer. É nesse contexto que Chaves (2005, p. 113) assevera que "o desejo de entrada [...] está alienado na demanda", uma vez que ele "está condenado à mediação da palavra e a palavra tem seu status no Outro" (Lacan, 1976, p. 114). Para localizar essa relação do sujeito com seu desejo, Lacan (2005/1962-1963) utiliza o termo extimidade, fazendo referência ao fato de que o sujeito ex-siste, ou seja, existe primeiro fora, no discurso do Outro, a ponto de o definirmos "o desejo do homem é o desejo do Outro, onde o 'de' fornece a determinação chamada pelos gramáticos de subjetiva, ou seja, é como Outro que ele deseja" (Lacan, 1998/1960, p. 829).

Zizek (2010) chama a atenção para a ambiguidade dessa fórmula lacaniana no ponto em que desejar como o Outro, "significa primeiro que o desejo do homem é estruturado pelo grande Outro 'descentrado', a ordem simbólica: o que eu desejo é predeterminado pelo grande Outro, o espaço simbólico em que habito" (p. 55). Entretanto, há um outro sentido,

O sujeito só deseja na medida em que experimenta o próprio Outro como desejante, como sítio de um desejo insondável, como se um desejo opaco estivesse emanando dele. O outro não só se dirige a mim com um desejo enigmático; ele também me confronta com o fato de que eu mesmo não sei o que realmente desejo, do enigma do meu desejo (Zizek, 2010, pp. 55-56).

De maneira sumária, a dialética de matriz hegeliana é utilizada por Lacan para precisar algo da lógica do desejo, em seu texto Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano, a proposta é desdobrada nos termos de escrita e explicação do circuito do desejo: letras e vetores que escapam à lógica linear de proposição do desejo que, como uma letra (d), vai recursivamente remeter o sujeito aos termos de um plano dialético. A tese do desejo implica um sujeito mítico, sujeito da necessidade (S) ainda não dividido, ponto de partida como vetor que será interposto às determinações de uma alteridade irredutível: o Outro (A).

Tem-se, então, tese e antítese: necessidade e demanda do Outro - ordem simbólica subjetivada, até que uma ação nova se imponha - a síntese entre tese e antítese: a resposta do sujeito ao reconhecer sua castração, ou em termos formais, de reconhecer em si a barra que castra do Outro (%). Se nesse ponto o sujeito responde com sua própria fantasia ao invés de insistir em sustentar somente a demanda do Outro ($<>D), então, a força de determinação posta pelas relações intersubjetivas será franqueada por uma síntese fantasística. Do contrário, temos a ação daquilo que Zizek (1991) conceituou como fantasia social. Segundo o autor, a proposta de uma fantasia social não se impõe sem

acarretar um erro teórico fundamental, na medida em que a fantasia é essencialmente não universalizável. Ela é estritamente particular, "patológica" no sentido kantiano, "pessoal" - é a própria base da unidade da "pessoa" como algo distinto do sujeito (do significante) -, a maneira singular como cada um de nós tenta acabar, acertar contas com ela, com a Coisa, com o Gozo impossível, ou seja, a maneira como, por meio de um constructo imaginário, tentamos escapar ao impasse primordial em que se encontra o ser falante, o impasse do Outro inconsistente, do buraco no coração do Outro (Zizek, 1991, p. 156, grifos do autor).

Em face a essa advertência, o mesmo autor desenvolve seu argumento da proposição de uma fantasia social ao tornar evidente que isto que poderia figurar um impasse teórico - a interposição aparentemente contraditória do nível particular do sujeito ao nível universal da ordem social - parece ser o eixo mesmo de organização da Coisa: "longe de ser simplesmente epistemológico, longe de indicar um erro na abordagem teórica, esse impasse define a coisa mesma" (Zizek, 1991, p. 157, grifos do autor). Para tanto, o filósofo esloveno demonstra como exemplo a dinâmica dos laços sociais em sociedades totalitárias, como a Alemanha de 1938-1945, na qual haveria uma perda da distância entre a fantasia que forneceria os referenciais do gozo do sujeito em relação ao universal da lei que regulamentaria o regime de trocas na cena social: "a fantasia aí se 'socializa' de maneira imediata, a lei social coincide com uma ordem, 'Goza!', começa a funcionar como um imperativo supereu-óico" (p. 157, grifos do autor).

Por consequência, ainda que o sujeito seja uma formulação lógica e, ao mesmo tempo, particular referente a uma visada estrutural, como demonstra Lacan (1998/1960), logo, seria possível afirmar que se algo da ordem de seu desejo passa por implicar o Outro, enquanto lastro de determinação de uma estrutura social, então esse mesmo algo faria referência a um elemento não plenamente subjetivado no plano estrutural de suas coordenadas fantasísticas. Algo que resta na fantasia do sujeito, de modo a responder pela articulação fundamental entre conjuntura social e estrutura subjetiva. Essa leitura nos permite relacionar a proposição de Zizek sobre ideologia como fantasia social e a teorização lacaniana da dialética do desejo, no intuito de demonstrar como o que entendemos como representação do feminino poderia estar relacionada com algo de uma fantasia social.

 

Entre conjunturas e estruturas: o feminino na fantasia

Uma das leituras possíveis, no contexto da psicanálise lacaniana, como vimos anteriormente, permite-nos pensar a fantasia como uma tela protetora, no sentido de se mostrar como uma construção que busca tamponar certa inconsistência no campo do Outro. Isso porque ela oferece uma resposta à questão colocada pelo Outro: "che vuoi?" (o que queres?). Nesse ponto, Zizek (1992) acredita que se trata do que ele denomina de fantasia social, pois somente ela funcionaria como uma tela que cobre esse vazio no campo do Outro. O filósofo esloveno parte de uma razão cínica5 inversa à concepção marxista tradicional (Eles não sabem o que fazem) que, no seu entendimento, não explica as estruturas causais que suportam as reproduções sociais.

Assim, a razão cínica seria "Eles sabem, mas o fazem", que corresponde a uma falsa consciência esclarecida, no ponto em que ainda que saibam as proposições ideológicas, eles desconhecem a "fantasia" que estrutura sua realidade social. Em outras palavras, as pessoas podem não acreditar, mas as práticas acreditam por elas. Nesses termos, a fantasia ideológica seria uma crença fundamental que estrutura a própria realidade social, determinando nosso fazer e também nosso saber, uma vez que desconhecemos "a ilusão primordial que rege nossa atividade, nossa própria realidade" (Zizek, 1992, p. 62). Desse modo, verificamos que "fantasia e realidade se decantam uma sobre a outra de tal forma que o limiar de diferenciação se perde nos próprios esquemas oferecidos para a sociabilidade" (Lima & Castro, 2019, p. 232).

Entretanto, Zizek (1992) chama a atenção para o fato de que, ainda que a fantasia, inicialmente, responda "ao enigma insustentável do desejo do Outro, [é também ela que] fornece as coordenadas de nosso desejo, isto é, constrói o contexto que nos permite desejar algo" (pp. 115-116). Levando-se em conta essa dupla função da fantasia e a leitura zizekiana de uma fantasia social, questionamos: em que medida as características atribuídas às mulheres são femininas? Quem as estabelecem? Quais critérios as definem?

Em última instância, sabemos que o desejo escancara a máxima lacaniana "não existe relação sexual" (Lacan, 2012/1971-1972, p. 178). E interligando com o que sustentamos anteriormente, vê-se que a fantasia acaba nos protegendo, de certa maneira, do Real enquanto tal, como seres linguageiros, desejantes. Mas, paradoxalmente, ela nos impede, também, de certa forma, de apreender o que é da ordem desse mesmo Real. Isso é muito interessante, uma vez que Lacan vai, a partir de então, adentrar em outras modalidades de apreender o gozo, como o gozo do Outro, pensando aqui na tábua da sexuação, n'O Seminário 20 - mais, ainda.

Retomando a noção de fantasia social, Zizek (1992), citando Laclau e Mouffe, vai dizer que "a Sociedade não existe" por si mesma (p. 124), de modo que essa fantasia ideológico-social funcionaria como uma tentativa de fazê-la existir. Para tanto, o filósofo esloveno pontua que é preciso construir uma visão de "uma sociedade em que a relação entre suas diferentes partes seja orgânica e complementar" (p. 123). Assim, não nos parece estranho que a mulher seja sempre representada enquanto um par oposto ao homem. Nessa linha de raciocínio, Santaella (2004) toma a afirmação lacaniana de que a mulher é o sintoma do homem para evidenciar que se trata de "uma mensagem cifrada, então tem-se aí uma tese notoriamente antifeminista, visto que a mulher aparece como um signo que encarna a queda do homem, atestando que este cedeu quanto ao seu desejo" (s./p.).

Em psicanálise, como a autora supracitada esclarece, o sintoma é "'um mal-estar que se impõe a nós, além de nós e nos interpela'. Antes de remeter a um estado doentio, ele é um sinal do inconsciente" (Santaella, 2004, [s./p.], grifos da autora). Por essa razão, Dunker (2015) esclarece que o mal-estar pode ser lido como um quantum de sofrimento necessário à sociabilidade. Sem ele o próprio pacto social estaria impossibilitado, pois ele (o mal-estar) se apresenta como o resultado do cálculo de renúncia indispensável para se viver em sociedade como propõe Freud (2020/1930). Com efeito, os chamados sintomas sociais seriam aqueles que, ao mesmo tempo, desmentem e encarnam "a impossibilidade estrutural da 'sociedade'" (Zizek, 1992, p. 124, grifo do autor).

Nessa perspectiva, tomando como base as formulações zizekianas dos judeus enquanto sintoma social, propomos uma leitura da mulher como sintoma social, no ponto em que os índices do feminino na fantasia seriam pensados na estrutura social a partir de uma fantasia social patriarcal, na qual a mulher "aparece como [uma intrusa] que introduz de fora a desordem, a decomposição e a corrupção do edifício social, isto é, aparece como uma causa positiva externa cuja eliminação [ou o controle] permitiria restabelecer a ordem, a estabilidade e a identidade" (Zizek, 1992, p. 125).

A assertiva do filósofo esloveno pode ser constatada, ao revisitarmos a história das mulheres na civilização ocidental e percebermos que quando os homens não conseguem exercer o controle por sobre elas, eles terminam por encontrar formas de eliminá-las, a caça às bruxas durante a Inquisição é um exemplo claro disso. É fato que mais de 100 mil pessoas entre mulheres, homens e crianças morreram no Tribunal do Santo Ofício, porém, segundo o Malleus maleficarum, as mulheres eram os principais alvos para se tornarem adeptas da bruxaria devido à sua incapacidade intelectual e psicológica (Kramer & Sprenger, 2020), uma vez que elas

não poderiam aprender adequadamente assuntos espirituais e eram crédulas e impressionáveis em suas crenças. Ao mesmo tempo, suas "paixões e afeições descontroladas" deixavam-nas ressentidas com a autoridade e difíceis de disciplinar, de forma que eram uma ameaça potencial permanente à ordem de Deus (Clark, 2006, p. 163, grifos nossos).

Não é de se espantar que o discurso patriarcal que vicejava na superfície do Cristianismo colocasse as mulheres como inimigas, visto que a Igreja era constituída inteiramente por um clérigo masculino que estava constantemente às voltas com as dificuldades de sustentar a castidade e o celibato. Motivo pelo qual elas, "que já eram consideradas perigosas e inferiores, tornaram-se ameaçadoras à continência e uma armadilha demoníaca" (Gevehr & Souza, 2014, p. 117). Sabemos que o discurso de inferiorização das mulheres é anterior ao cristianismo, entretanto, é inegável o papel determinante dessa religião na cultura ocidental. Fato é que "a moral cristã perpetuou um discurso social e cultural baseado em modelos do feminino historicamente elaborados e culturalmente consolidados. A Igreja, usando o discurso histórico factual, desenvolveu uma argumentação teológica que deu suporte a esse processo" (pp. 120-121).

Durante a Modernidade, o discurso patriarcal se reveste de um saber biomédico, desse modo, as fogueiras são trocadas por patologias que sentenciam especialmente as mulheres à uma morte que antes de tudo é social, uma vez que as classificava como portadoras de doenças mentais, tornando-as incapazes de responder por elas mesmas. Dessa forma, Foucault (1988) denuncia como o corpo da mulher, nesse período, era resultado de um atravessamento tríplice do processo de integração social. Essa tríade, composta por uma comunicação entre um corpo social que esperava sua reprodução, um corpo familiar que exigia a manutenção do espaço doméstico e a vida das crianças que dependia de sua responsabilidade biológico-moral, terminava por definir o destino normal ou patológico das mulheres.

É curioso notar como, mais uma vez, a sexualidade feminina é apontada como a grande inimiga, agora, de um ideal de sociedade burguesa pautada na moral sexual civilizada como evidenciou Freud (2020/1908). Não sem razão, Assoun (1993) apresenta a mulher como sintoma, por excelência, da civilização, justamente porque ela evidencia a castração e a impossibilidade por trás do véu do social.

No contemporâneo, apesar de todos os avanços conquistados pelos movimentos feministas, a cultura do machismo se expressa nas desigualdades salariais, na onda conservadora que insiste em um retorno das mulheres ao lar e às atividades inteiramente domésticas, nas violências de gênero, domésticas e outras mais que cerceiam a liberdade de ir e vir, nos excessivos casos de estupros que culminam em grotescos feminicídios. Todas essas expressões quando não matam o corpo, dilaceram a alma gerando intenso sofrimento psíquico.

Entretanto, na esfera do controle, nem sempre se torna tão perceptível as violências direcionadas às mulheres, algumas são veiculadas de forma sutil no discurso social que se reveste de elogios para construir mitos como o da beleza, da esposa perfeita, do amor materno, e outros tantos que atravessam o cenário social e passam a assombrar o imaginário feminino com modelos que definem as características aceitáveis do ser mulher. Nesses termos, não satisfazer essas exigências impostas pela cultura, muitas vezes, leva diversas mulheres ao sentimento de culpa, inferioridade, incapacidade, não raro, à sensação de não estarem sendo mulheres de verdade, como se os papéis sociais de esposa, mãe e dona de casa fossem capazes de torná-las mais mulheres.

Com isso, o que queremos evidenciar é que a própria crença em um feminino que se enquadre na organização social patriarcal diz de uma fantasia que não é interior a estrutura fantasística do sujeito, mas exterior tal qual a ordem social, ou seja, trata-se de um ordenamento do qual depende de circunstâncias conjunturais. O saber nesse discurso patriarcal, que se reveste de um conhecimento religioso, científico, moral, capitalista ou outros mais, faz-se fundamental, uma vez que nele o que o sujeito sabe não se apresenta como resultado de sua relação com os outros do mundo social, mas advém de um ordenamento vindo do Outro.

Em última instância, poderíamos dizer que o mundo social aparece como é simplesmente porque assim a ordem simbólica determinou, e o sujeito se viu atramado, fantasisticamente, a essa mesma ordem. O que devemos apreender dessa constatação é, "acima de tudo, que a crença, longe de ser um estado 'íntimo' e puramente mental, é sempre materializada em nossa atividade social efetiva: a crença sustenta a fantasia que regula a realidade social" (Zizek, 1996, p. 317).

Portanto, ao que tudo indica, o feminino na fantasia sustenta a própria fantasia de uma ordem social. Pois, já que o social não existe por si mesmo, ele depende da efetivação de um conjunto articulado de crenças que se sustém na fantasia. Tal como o estofo estrutural do sintoma se sustenta na afirmação psicanalítica de que a relação sexual não existe, o mesmo se daria com o sintoma social, para o qual valeria a máxima de que a relação social não existiria, ao menos não sem o apoio de uma fantasia social, na qual o feminino emergiria como contraponto estrutural do doce conúbio da ordem social.

Por fim, evidenciamos que a tese de Laclau e Mouffe que Zizek (1996, p. 124) endossa, de que "a sociedade não existe", precisa ser contextualizada, uma vez que se trata de uma tese que estabelece que todos os processos capazes de gerar nossa identidade sócio-simbólica mais fundamental e estável estariam fadados ao fracasso. O que está em jogo é que a noção de fantasia social seria "uma contrapartida necessária do conceito de antagonismo: a fantasia é precisamente a maneira como a clivagem antagônica é mascarada", ou dito de outra forma: "a fantasia é um meio de a ideologia levar antecipadamente em conta sua própria falha" (Zizek, 1996, p. 124). Aqui reconhecemos o nítido desdobramento da máxima lacaniana: a relação sexual não existe, não haveria proporção capaz de tornar simétrica suas respectivas fantasias. De tal forma que, como desdobramento, o social seria "apenas um campo inconsistente, estruturado em torno de uma impossibilidade constitutiva, atravessado por um "antagonismo" central" (Zizek, 1996, p. 124). Esse ponto de impossível, esse antagonismo fundamental estaria no centro mesmo da estrutura social. Razão pela qual Zizek fala de fantasia social, esse expediente intersubjetivo e aparentemente necessário ao bom encaminhamento do contingente ordenamento social. É nesse sentido que propomos que o feminino na fantasia venha a ser admitido, a saber, como recurso capaz de suturar os impasses do antagonismo social, da dissimetria entre os sexos, ou do descompasso irredutível entre o sujeito e o social.

 

Considerações finais

A partir da leitura da dialética do desejo em Lacan e da fantasia social em Zizek, verificamos que o feminino na fantasia pode cumprir a função de tamponar os buracos deixados pela dissimetria entre o sujeito e o social. Essa irregularidade surge exatamente quando nos questionamos sobre a instituição das fantasias que sustentam um discurso patriarcal. Por que pensamos as mulheres como pensamos? Onde está determinado que esse feminino caracterizado pelo patriarcado se refere de fato ao feminino? A resposta é óbvia: não há um lugar concreto onde isso esteja predeterminado. O saber que vem do Outro, como produto de uma verdade mestra, produz demandas específicas e sustenta os circuitos fantasísticos de uma sociedade ainda patriarcal. Esses circuitos são imunes ao questionamento na medida em que se tornam apenas um saber instituído desde sempre.

Segundo Zizek (1992), a afirmação "a lei é a lei" pode explicar essa situação, o questionamento das origens dos ordenamentos sociais levaria a sua desintegração. Afinal, o que sustenta o tecido social é a crença de que esse é um constructo ético que se sustenta como se fosse o grau zero da realidade (Zizek, 1996). Para o autor, agimos sempre sustentados por um "como se". "Como se" a relação sexual existisse. "Como se" as mulheres fossem inferiores aos homens. "Como se" as mulheres fossem mais frágeis. E vários outros "como se" que determinam os modos de ser, agir e sentir especialmente dos indivíduos do sexo feminino.

É digno de nota que esta disposição "como se", não se refere ao problema de uma "falsa consciência" puramente, mas de uma "falsa consciência" cínica, como afirma Zizek (1992). Que aceita essas proposições como elementos racionais dos modos de vida na sociedade patriarcal. O "como se" não é da ordem do desconhecimento dos mecanismos sociais e políticos. Ele é simplesmente a crença nas afirmações. Mesmo sabendo que as mulheres não são assim, agimos como se fossem. Essa é a fantasia social fundamental, pois agindo "como se", a verdade das coisas se torna esse "como se". Isso significa que se agimos "como se" o mundo patriarcal fosse sinônimo de verdade, ele se tornará.

Zizek (1996, p. 323) faz menção a essa questão ao afirmar a "função da ideologia não é oferecer-nos uma via de escape de nossa realidade, mas oferecer-nos a própria realidade social como fuga de um núcleo real traumático". Se voltarmos à dialética do desejo de Lacan (1998/1960) veremos que a fantasia é, na verdade, produto da busca impossível do sujeito por um objeto que se desloca de toda tentativa de tradução, de modo a movimentar o circuito do desejo que é sempre desejo do Outro. Assim, podemos dizer que a lei patriarcal torna-se lei, na medida em que, subjacente a ela, está incutida a fantasia de realização do desejo, uma vez que, segundo Zizek (1991), esse é o fundamento final da fantasia social: a ideia de que a norma patriarcal é, por excelência, a realização final do desejo humano, na mesma medida em que o desejo segue sendo o desejo do Outro, até que se atravesse, não sem perdas e tropeços, o núcleo fantasmático pessoal, ou mesmo o centro ausente da fantasia social.

 

 

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Endereço para correspondência
Elizabeth Fátima Teodoro
E-mail: elektraliz@yahoo.com.br
Wilson Camilo Chaves
E-mail: camilo@ufsj.edu.br
Mardem Leandro Silva
E-mail: mardemls@yahoo.com.br

 

 

*Psicóloga graduada pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG-Divinópolis). Mestre e doutoranda em psicologia, na linha de pesquisa Fundamentos teóricos e filosóficos da Psicologia, pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ/MG).
**Doutor em filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (NUPEP-DPSIC-UFSJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ/MG).
***Doutor em Psicologia pela UFMG (Minas Gerais, Brasil). Pesquisador e coordenador do LaPSICC - Laboratório de Psicologia: Clínica, Ciência e Cultura. Professor e Chefe do Departamento de Ciências Sociais e Humanidades da UEMG - Unidade Cláudio (Minas Gerais, Brasil) e professor no Centro Universitário de Formiga/MG - Unifor-MG.
1O estruturalismo foi um movimento aplicado a muitas áreas do conhecimento como literatura, sociologia, filosofia, antropologia e outras. Em psicanálise, a noção de estrutura é teorizada por Lacan sob a influência de Lévi-Strauss e Jakobson como algo que organiza o sujeito, nas palavras de Miller (1964/1996, p. 11), "estrutura, portanto, é o que localiza uma experiência para o sujeito que ela inclui".
2Conjuntura é um termo que se tornou conceito na área da economia, em meados do século XIX, mediante a observação da periodicidade das crises econômicas. Nesse texto, consideraremos conjuntura como aquilo que diz dos acontecimentos externos e internos ao sujeito, ou seja, da soma total das condições externas que afetam o sujeito, qualquer que seja a sua natureza, de modo a se identificar a lógica do processo histórico que envolvem tais condições, mas também as ocorrências internas no ponto de sua contingência, como o que sobrevêm do corpo, mas que escapa às determinações da estrutura.
3Em seu ensino, Lacan utiliza tanto o conceito de fantasma quanto de fantasia, é o que pode ser lido no Seminário 14, A lógica do Fantasma (2008/1966-1967), no qual o psicanalista faz uso das duas grafias, sugerindo que o conceito de fantasia seria mais bem localizado na perspectiva do devaneio, enquanto o de fantasma seria mais pertinente ao que seu ensino propõe. Entretanto, frente à proposição e articulação do presente texto, optamos por fazer uso do termo fantasia, já que é a partir dessa grafia que Zizek propõe sua noção de fantasia social.
4Na teoria lacaniana, há a distinção de Outro (grande Outro) e outro (pequeno outro). O primeiro é representado pela letra A (do termo francês Autre) e diz respeito à alteridade, enquanto linguagem, "alteridade absoluta" (Chaves, 2005, p. 48), responsável pelas determinações simbólicas da história do sujeito, ou seja, "é o lugar onde se coloca para o sujeito a questão de existência, de seu sexo e de sua história" (Quinet, 2012, p. 21). O segundo corresponde ao semelhante, aquele advindo do complexo de intrusão, no qual se reconhece um rival e a partir do qual se constitui o próprio eu (Chaves, 2005).
5Segundo Zizek (1992, p. 60), "o cinismo é justamente a resposta da cultura vigente à subversão cínica: reconhecemos o interesse particular por trás da máscara ideológica, mas, mesmo assim, conservamos a máscara".

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