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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.55 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2023

 

ARTIGOS

 

Contribuições psicanalíticas a uma revisão narrativa da depressão infantil

 

Psychoanalytical contributions to a narrative review of childhood depression

 

Contribuciones psicoanalíticas a una revisión narrativa de la depresión infantil

 

 

Pedro Moacyr Chagas Brandão JuniorI*; Suelen Carlos de OliveiraII, III**; Ilda Triani***

IUniversidade de Vassouras - Brasil
IIUnigranrio - Brasil
IIIFundação Oswaldo Cruz - Fiocruz - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A depressão é um problema de saúde pública que pode ter afetado cerca de trezentos milhões de pessoas no mundo em 2018, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A literatura científica aponta que as alterações do humor que configuram esse transtorno podem ocorrer em qualquer faixa etária, sendo os estudos sobre sua ocorrência na infância ainda considerados escassos, com necessidade de maior aprofundamento. Diante desse panorama, realizou-se uma revisão narrativa da produção científica sobre o tema da depressão infantil, com posterior categorização e análise de conteúdo temática das publicações encontradas. Destaca-se a depressão infantil como um transtorno que exige atenção, em especial no que tange aos critérios diagnósticos, às propostas de tratamento e ao risco de adequação destes aos ideais de infância de nossa época. Os resultados foram debatidos à luz do referencial conceitual da psicanálise, sugerindo a articulação entre saberes diversos e seus possíveis encontros discursivos.

Palavras-chave: Depressão, criança, psicanálise.


ABSTRACT

Depression is a public health problem, according to data from the World Health Organization (WHO) that may have affected nearly three hundred million people in the World in 2018. The mood changes that configure this disorder can occur in any age group, as the scientific literature points out. Studies on its occurrence in childhood are still considered scarce, with the need for further research. In view of this panorama, the article presents a narrative review of the scientific production on the theme of childhood depression, with subsequent categorization and analysis of thematic content of the publications found. Childhood depression stands out as a disorder that requires attention, especially regarding diagnostic criteria, as well as treatment proposals and the risk of adapting them to the ideals of childhood in our time. The results were discussed in the light of the conceptual reference of psychoanalysis, suggesting the articulation between diverse knowledge and its possible discursive meetings.

Keywords: Depression, childhood, psychoanalysis.


RESUMEN

La depresión es un problema de salud pública que puede haber afectado a casi trescientos millones de personas en todo el mundo en 2018, según datos de la Organización Mundial de la Salud (OMS). La literatura científica señala que los cambios de humor que configuran este trastorno pueden ocurrir en cualquier grupo de edad, y los estudios sobre su aparición en la infancia aún se consideran escasos, siendo necesarios más estudios. Ante este panorama, se realizó una revisión narrativa de la producción científica sobre el tema de la depresión infantil, con posterior categorización y análisis de contenido temático de las publicaciones encontradas. La depresión infantil se destaca como un trastorno que requiere atención, especialmente en lo que respecta a los criterios diagnósticos, las propuestas de tratamiento y el riesgo de adaptarlos a los ideales infantiles de nuestro tiempo. Los resultados se debatieron a la luz del marco conceptual del psicoanálisis, sugiriendo la articulación entre saberes distintos y sus posibles encuentros discursivos.

Palabras clave: Depresión, niño, psicoanálisis.


 

 

Introdução

A depressão é um transtorno recorrente e reconhecido pelo seu sintoma mais premente: a tristeza ou humor deprimido. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018, indicam que a depressão é um transtorno presente em todo o mundo, sendo relativamente comum, estima-se que afete cerca de 300 milhões de pessoas, constituindo-se como um problema de saúde pública (OMS, 2018). Mas existem outros sintomas na área afetiva, tais como: apatia, desânimo, ansiedade, desesperança e irritabilidade, assim como alterações somáticas e cognitivas (Dalgalarrondo, 2019), sendo necessária a análise dos sintomas e seu tempo de duração para que seja dado um diagnóstico efetivo.

O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) estabelece o Transtorno Depressivo Maior como a condição clássica dentro do grupo dos Transtornos Depressivos (APA, 2014). Caracterizado por episódios distintos de alterações no afeto, cognição e em funções neurovegetativas, com duração de duas semanas, pelo menos. Basta a ocorrência de apenas um episódio para que o diagnóstico possa ser dado.

A maior parte da produção científica sobre o tema concentra esforços na pesquisa sobre a depressão na população jovem e adulta. No entanto, alterações do humor com intensidade e frequência suficientes para dar indícios de um transtorno podem ocorrer em qualquer faixa etária. Apesar da menção à possível ocorrência na infância, ainda é bem expressiva a diferença entre os estudos com adultos e os que se dedicam ao tema da depressão infantil. A despeito da crítica às modalidades diagnósticas, que guardam o risco de servirem à patologização da vida cotidiana, o sofrimento da criança pode igualmente ser ignorado devido à idealização que existe em torno da infância, dificultando assim o início de um tratamento psíquico.

Acerca desta idealização, Ariès (1987) descreve que o sentimento de infância é uma construção moderna. Paralelamente ao que seria uma invenção da infância surge uma série de prescrições sobre como uma criança deve ser, diversas vezes comparada na iconografia a entidades religiosas sagradas. Revestida dessa aura de pureza e santidade, a criança alça, na modernidade, o patamar de uma entidade a ser cultivada com vistas a fazer sua entrada no mundo social adulto. Para tanto se torna alvo de cuidado e atenção e criam-se dispositivos que garantam seu preparo, tais como a escola e a medicina especializada. A psiquiatria é uma dessas especialidades médicas, cujo objetivo é evitar um desvio no desenvolvimento considerado normal (Klein & Lima, 2017).

Os transtornos de humor, quando ocorrem na infância e na adolescência, podem apresentar irritabilidade, desinteresse, retraimento, além de tristeza profunda e de longa duração. São incapacitantes, podem comprometer a saúde física, com manifestações somáticas, principalmente nas crianças pequenas, e levar à limitação nas atividades cotidianas, assim como queda no rendimento escolar, entre outros prejuízos (Almeida et al., 2019).

A peculiaridade dos sintomas depressivos em crianças levou à Associação Psiquiátrica Americana (APA) a incluir no DSM-5 um novo diagnóstico na categoria dos transtornos depressivos, exclusivo para essa faixa etária, com início entre 6 e 10 anos de idade, o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH). A nosografia inclui crises de birra ou explosões emocionais, agressão física e verbal e destrutividade de objetos. As ocorrências devem ser de medida desproporcional ao evento que as desencadeou. O diagnóstico não deve ser dado antes dos 6 anos e nem depois dos 18 anos, e é necessário que os episódios ocorram 3 ou mais vezes por semana durante o período de 12 meses ou mais. Somado a isso o humor da criança deve ser raivoso, triste ou irritável de forma persistente.

Almeida et al. (2019) destacam que essa nova categoria diagnóstica deve ser usada com cautela. Apesar de ter surgido como resposta às críticas ao diagnóstico excessivo e, por vezes equivocado, de transtorno bipolar em crianças com alterações de humor e de comportamento, sua inclusão no DSM-5 pode ter sido apressada e com base em um estudo com poucos anos de duração. Outra crítica é que não contextualiza as birras, podendo gerar uma explosão diagnóstica de depressão em crianças com questões diversas e inclusive aumentar os casos de prescrição indiscriminada de psicofármacos na infância.

A problemática do uso excessivo de diagnósticos e da hipermedicalização da infância é discussão corrente especialmente no que tange ao intercâmbio entre os campos da saúde e da educação. A criança corre o risco de ocupar um lugar de objeto de cuidados que pode ofuscar indícios de sofrimento psíquico. Família, instituições de educação, cuidado e proteção, caminham sobre uma linha tênue entre a adequação desses jovens sujeitos ao ideal de infância de cada época, e a escuta de suas questões subjetivas que pode estar para além dos males causados pela fase da vida que se encontram. Na contramão da medicalização da vida cotidiana e com a proposta de tratar o sofrimento psíquico, a psicanálise pode servir de arcabouço teórico que faça uma contraposição ao discurso dominante e considere a criança em sua condição de sujeito, a despeito de seu curso de desenvolvimento cognitivo. Assim, os resultados aqui obtidos serão discutidos à luz da psicanálise, pois, embora não seja uma classificação psicanalítica, a depressão é um tema frequentemente debatido por essa clínica, e pode dar aparatos para o tratamento do mal-estar para além da normatização dos estados de humor.

Tendo em vista o exposto até aqui, o presente artigo inicialmente realiza uma revisão da produção científica sobre o tema da depressão infantil acessível em quatro bases de dados. Considera-se essa uma revisão pertinente, pois a depressão é um transtorno que exige atenção, devendo ser objeto de discussão e problematização. Sua identificação e tratamento devem seguir critérios rigorosos pelos profissionais que utilizam os Manuais Diagnósticos como referência. Especialmente quando se trata das manifestações do sofrimento na infância, período tão caro à história dos sujeitos, cujas singularidades devem ser consideradas, evitando uma banalização diagnóstica e consequente medicalização da vida. Ademais, pretende-se promover um diálogo entre saberes diversos, considerando campos próprios de intervenção e pesquisa: o da clínica psicanalítica, o da psicologia clínica e o da psiquiatria.

 

Metodologia

A revisão sobre depressão infantil foi realizada nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) (https://bvsalud.org/); Lilacs (https://lilacs.bvsalud.org/); Portal de Periódicos da Capes (https://www.periodicos.capes.gov.br/); PubMed (https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/).

A pesquisa foi desenvolvida ao longo do ano de 2020. Foram utilizadas a combinação dos descritores "depressão infantil" e "depressão; infância", no título e resumo na base de dados PubMed e somente título para as demais bases.

Os critérios de inclusão foram: (1) somente artigos, (2) idiomas português, inglês e espanhol e (3) ter relação direta com o tema e faixa etária buscados. Não houve restrição quanto à data de publicação dos artigos. Posteriormente, utilizaram-se três critérios de exclusão: (1) artigos que não se relacionavam diretamente ao tema; (2) idiomas diferentes dos definidos e (3) artigos indisponíveis na íntegra.

Foram considerados na primeira etapa o total 9827 artigos, sendo 1442 (BVS), 151 (Lilacs), 7942 (PubMed) e 292 (Portal Capes). Considerando os critérios citados acima, foram excluídos na segunda etapa 9534 artigos, totalizando 293 artigos selecionados. Destes, 102 eram artigos em duplicidade, obtendo-se, assim, o total de 191 artigos a serem revisados na terceira etapa (Fig. 1). Dos artigos selecionados para revisão, 49 eram de língua portuguesa, 8 de língua espanhola e 134 de língua inglesa. O artigo mais antigo foi publicado em 1974 e o mais recente em 2020.

Na etapa de categorização, procedeu-se a organização dos artigos por eixos temáticos e a subdivisão por áreas do conhecimento. O maior número de artigos pertencem ao campo da Psicologia (73), seguidos por Psiquiatria (62), Neurociências (19), Pediatria (11), Saúde Pública (10), Epidemiologia (4), Enfermagem (2), Psicanálise (2), e as áreas da Antropologia, Educação, Epigenética, Farmacologia, Fonoaudiologia, Bioquímica, Psicofarmacologia e Reumatologia com 1 artigo cada.

Na etapa de análise, as publicações foram separadas por 4 enfoques principais (Tabela 1): 1. depressão infantil, com ênfase nos fatores de risco, sintomas, diagnóstico, e recomendação ou análise da eficácia dos tratamentos psicoterápicos e/ou farmacológicos; 2. depressão infantil como comorbidade de outras condições, tais como: alterações cerebrais, neurológicas ou neuroquímicas, asma, autismo, dislexia, doenças e dores crônicas, epilepsia, leucemia, lúpus, obesidade, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), e traumas emocionais; 3. depressão como causa de: suicídio em crianças e adolescentes, baixo desempenho escolar, alterações na aprendizagem e desenvolvimento; 4. análise dos instrumentos psicométricos disponíveis para diagnóstico de depressão na infância.

Figura 1. Revisão dos artigos em quatro bases
Fonte: elaboração própria.

Tabela 1. Enfoques de abordagem da depressão infantil.

Enfoque Principal

Subtemas

Artigos Relacionados

Depressão Infantil

Fatores de Risco

63

Sintomas

16

Diagnóstico

8

Tratamento

37

Depressão Infantil como Comorbidade

Alterações cerebrais, neurológicas ou neuroquímicas

9

Asma

1

Autismo

3

Dislexia

1

Doenças e dores crônicas

4

Epilepsia

6

Leucemia

2

Lupus

1

Obesidade

6

TDAH/TOC

3

Traumas

3

Depressão Infantil como Causa

Alterações no desenvolvimento, peso e apetite

3

Baixo desempenho escolar

4

Suicídio

7

Análise de Instrumentos

CDI

7

CDRS-R

1

RCADS-P

1

FRIENS for Life

2

BAID-IJ

1

CBCL

1

CDRS-R/MADRS

1

Fonte: elaboração própria.

 

Resultados

A seguir, são apresentados os resultados encontrados de acordo com os enfoques principais indicados na Tabela 1.

 

Depressão Infantil

Dos artigos analisados, 63 abordam os fatores de risco para a depressão infantil e destacam como principais fatores o acolhimento institucional; fatores bioquímicos, neurológicos e/ou genéticos; gênero, prevalecendo o feminino; ambiente familiar, com destaque para a relação com os pais; a existência de depressão materna; fatores perinatais, como baixo peso ao nascer; nível socioeconômico e violência.

No tocante aos sintomas, 16 artigos destacam o tema, enfatizando sintomas que vão além dos tradicionalmente encontrados, como a tristeza. Os estudos apontam como possíveis sinais de depressão queda no controle atencional; perda da qualidade do sono; queixas somáticas associadas, como dores de cabeça e no corpo; vergonha; alterações na autorregulação emocional; dificuldade de tomar decisão; e o comportamento de "birra".

Os artigos que abordam o diagnóstico (8 publicações) dão destaque à atuação do enfermeiro, outros profissionais da saúde, profissionais da emergência psiquiátrica e professores na percepção dos sintomas, o que levaria a um diagnóstico precoce. Indicam como principal instrumento possível aos profissionais a utilização do Inventário de Depressão Infantil (CDI). Há ainda outros artigos que abordam o diagnóstico, mas com ênfase na análise dos instrumentos psicométricos disponíveis, os quais serão abordados mais adiante.

Quanto ao tratamento, 37 artigos abordam o tema. Estes estudam a eficácia de tratamentos psicoterápicos e/ou psicofarmacológicos, com destaque para a Terapia Cognitivo-Comportamental e o uso do psicofármaco Fluoxetina®, concluindo que estes apresentam maior eficácia quando comparados às outras terapias. Outros artigos analisam os efeitos da depressão infantil a longo prazo, e sugerem maior probabilidade de depressão na vida adulta, seja por cronificação ou por recidivas. Há ainda os que sugerem a intervenção precoce, o trabalho de grupo e o brincar como recursos terapêuticos que evitariam o agravamento dos sintomas.

 

Depressão Infantil como Comorbidade

Dentre os artigos revisados, 39 apontavam a depressão infantil como comorbidade de outras condições pré-existentes, tais como alterações na estrutura cerebral, neurológicas ou neuroquímicas, que poderiam ocasionar quadros de depressão devido às mudanças que provocam no funcionamento do organismo, e não por fatores externos.

Outros artigos associam à asma; autismo; dislexia; epilepsia e/ou diabetes; leucemia; lúpus; obesidade, sobrepeso e síndrome metabólica; transtornos como o Obsessivo-Compulsivo (TOC) e o do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Estas seriam condições que provocariam um quadro depressivo devido aos prejuízos emocionais que podem ocasionar, seja por tratamentos invasivos e prolongados ou pelos prejuízos na socialização da criança e/ou adolescente. Um artigo associa que o tratamento medicamentoso para a epilepsia poderia causar depressão como efeito colateral.

Há ainda os estudos que apontam os traumas emocionais ocasionados por autoconceito, bullying (que também pode acontecer devido às situações citadas anteriormente) e depressão materna. Estes associam a depressão infantil à formação de uma autoimagem distorcida.

Os estudos sugerem que quando a depressão é causada pelos fatores mencionados pode se apresentar em formas mais graves e ser de difícil detecção, devido aos sintomas da condição já existente ou negligência no reconhecimento do quadro depressivo, principalmente nos casos sem manifestações somáticas evidentes e associados aos prejuízos na socialização.

 

Depressão Infantil como Causa

A depressão infantil aparece como causa de outros transtornos em 14 publicações. Estes apontam principalmente queda do desempenho escolar e no desenvolvimento da criança; aumento do sono, alterações do apetite e consequente variação de peso; e risco de suicídio ainda na infância ou adolescência.

Com relação à queda no desempenho escolar e no desenvolvimento infantil, os artigos apresentam pesquisas que associam a depressão na infância à inadaptação, o que dificultaria a inclusão escolar e social. Outros, ainda nesse sentido, destacam problemas na aprendizagem devido à falta de concentração provocada pelos sintomas e/ou medicamentos e que levariam a prejuízos no repertório de estratégias de aprendizagem, principalmente àqueles relacionados à leitura e à escrita.

Um artigo investiga a relação da depressão com a obesidade; este conclui que a depressão leva a alterações no apetite, mas em termos de sua diminuição e consequente perda, e não ganho de peso. Na obesidade, a depressão seria uma comorbidade.

O único artigo que estuda a questão do sono vincula as alterações do período de repouso como um alerta para uma maior ocorrência de suicídio em crianças e adolescentes gravemente deprimidos. Os artigos que focam exclusivamente no tema suicídio destacam a gravidade do problema e a escassez de discussões sobre o assunto, o que poderia possibilitar uma subnotificação dos casos de suicídio e tentativa de suicídio em crianças.

 

Análise de Instrumentos

Dos artigos que abordam o diagnóstico, 14 se dedicam exclusivamente à análise e/ou aplicação dos instrumentos disponíveis para diagnóstico e avaliação da depressão infantil. O instrumento mais frequente nos artigos foi o Inventário de Depressão Infantil (CDI). Dois artigos apresentam recorte regional com aplicação em Campinas/SP e Nigéria. Os artigos sugerem que o CDI é um instrumento eficaz para diagnóstico da depressão infantil.

Um artigo analisa a Escala para Avaliação de Depressão em Crianças (CDRS-R) e sugere mais estudos sobre ele. Outro artigo avalia o RCADS-P (Revised Children's Anxiety and Depression Scale), ainda não traduzido para o português, e concluem que é um instrumento adequado e capaz de proporcionar a distinção entre ansiedade e depressão.

Dois artigos avaliam o FRIENDS for Life, um programa holandês de prevenção à depressão. Concluem que é um programa eficaz e sugerem sua aplicação nas escolas.

Há ainda um artigo que avalia, no contexto brasileiro, a Bateria de Avaliação de Indicadores de Depressão Infantojuvenil (BAID-IJ), indicando ser um instrumento válido e preciso. Um artigo avalia o Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência (CBCL) e conclui que é um instrumento adequado à identificação do risco de adoecimento por depressão e ansiedade em crianças e adolescentes. Por fim, outro artigo compara a Escala para Avaliação de Depressão em Crianças (CDRS-R) e a Escala de Depressão de Montgomery & Asberg (MADRS) e conclui que o CDRS-R é mais eficaz em suas propriedades psicométricas.

 

Discussão

A presente pesquisa verificou que a maior parte da produção científica sobre o tema da depressão infantil é em língua inglesa, o que pode indicar a insuficiência de produções científicas sobre o tema no Brasil e nos países de língua espanhola. As publicações analisadas exploraram, nas últimas quatro décadas, uma multiplicidade de temas correlacionados à depressão, ou causados por ela, demonstrando os muitos questionamentos que esse tema ainda desperta.

O maior número de artigos encontrados concentra-se na pesquisa sobre os fatores de risco para o desenvolvimento da depressão na infância, na busca de caminhos que possam levar a prevenção desse transtorno. Nessa assertiva, os fatores hereditários muitas vezes são também apontados como hipótese etiológica principal, sustentada por explicações onde impera a influência de "marcadores biológicos", cuja direção terapêutica é farmacológica ou uma psicoterapia como conduta substitutiva por causar menos efeitos colaterais.

Em segundo lugar estão os artigos que discutem os tratamentos, sejam psicoterápicos ou farmacológicos, com vistas a apontar os mais eficazes, seguidos pelos artigos que discutem os sintomas da depressão infantil e seu diagnóstico. No que se refere a esses pontos, destacam-se algumas vertentes específicas. Uma delas, mais próxima à racionalidade médica (Nascimento et al., 2013), visa a modificação comportamental e sintomática do paciente. É frequente a atribuição de uma causalidade única ou principal para o quadro depressivo, como o bullying ou a obesidade, por exemplo. Tal tendência, independente da causa considerada, pode acarretar o mesmo perigo que Canavêz (2015) salienta a respeito do bullying: a promoção descontextualizada e acrítica de um fenômeno no imaginário social.

No que tange especificamente ao tratamento, foi possível observar que as pesquisas apontam caminhos variados, sendo o uso de antidepressivos indicados em última instância, quando todas as outras alternativas falham. Vale ressaltar que tal orientação coaduna com as diretrizes e orientações fundamentada nos ideais da Reforma Psiquiátrica brasileira, que prevê a desmedicalização e subjetivação dos sujeitos em tratamento (Brandão Júnior & Besset, 2012). Tal cautela é justificada, tendo em vista que se verifica na atualidade uma inflexão no rumo das políticas de saúde mental desenvolvidas com base nos preceitos reformistas. Além disso, pode ser uma resposta ao empuxo à patologização da vida cotidiana, já mencionado neste escrito e facilmente observado na cultura contemporânea. Essa, fundamentada nos laudos produzidos pelos especialistas, que frequentemente discordam entre si no que diz respeito aos diagnósticos e condutas terapêuticas para um mesmo quadro clínico (Giddens, 2002), como foi possível constatar nesta pesquisa.

Sobre o diagnóstico, a instituição escolar aparece nas pesquisas como o espaço onde o sofrimento psíquico da criança é primeiramente identificado. Inclusive foi o local mais escolhido para aplicação dos instrumentos analisados nos artigos encontrados. Ademais, a escola é um local de referência para muitas crianças, onde passam considerável parte do dia, entram em contato com outras realidades e dinâmicas de vida e que demanda investimento e tarefas que muitas vezes ultrapassam aqueles referentes ao ambiente escolar. É primordial que o docente esteja atento ao sofrimento em questão e na distinção entre os objetivos pedagógicos e terapêuticos, advertido que desenvolvimento cognitivo e sofrimento psíquico são diferentes esferas, apesar de poderem se influenciar mutuamente.

Os motivos de busca por tratamento estão diretamente associados com as explicações sobre a causalidade do quadro depressivo na infância. Sendo esta última, por sua vez, intimamente relacionada com a concepção de infância existente na sociedade contemporânea e utilizada para justificar ações de saúde. Esse panorama nos suscita a questão de que também na fase adulta os casos de depressão são pregnantes e motivo comum de afastamento no trabalho. Se os adultos já teriam todo o aparato cognitivo e de desenvolvimento para lidar com as situações da vida, questiona-se se seria possível traçar explicações causais diferentes para o quadro depressivo nas diferentes fases da vida.

Quando se aborda o tema das demandas de atendimento no contexto da saúde mental, problematizamos que os motivos de procura de atendimento psíquico podem mesmo ter características em comum em uma primeira abordagem, guardando relação com o contexto sócio cultural onde o problema está inserido (Brandão Júnior & Besset, 2012). No entanto, na avaliação mais pormenorizada de cada caso, constatamos que mesmo que a delimitação fenomenológica de determinada queixa seja muito parecida em um grupo de pacientes, elas são deveras distantes em relação à posição subjetiva que cada paciente assume diante de seu mal-estar. A essa conjuntura também se acrescenta que na escuta clínica o profissional se depara com diferentes funções que as formações sintomáticas podem assumir na dinâmica psíquica desses sujeitos.

A indicação de cuidados com a prescrição farmacológica foi encontrada em toda bibliografia pesquisada, juntamente à sugestão de que essa fosse administrada em conjunto ou depois de outras terapêuticas não-medicamentosas. Tal justificativa foi frequentemente associada à falta de estudos e pesquisas consistentes quanto aos efeitos em longo prazo da utilização de psicofármacos na infância. Desse modo, destacamos como primeira direção do tratamento o cuidado com a prescrição medicamentosa, que não deve ser descartada, mas administrada com precaução, sendo o último instrumento a ser utilizado nesses casos.

Outro importante ponto a ser destacado proveniente de nossa pesquisa retrata a importância da participação dos cuidadores no tratamento psíquico de crianças pequenas. Sejam os pais, profissionais da educação, justiça, saúde ou assistência social, é mister o envolvimento de tais atores nas questões relativas à infância, uma vez que são eles que muitas vezes detectam a sintomatologia desse público. Por outro lado, a pesquisa da bibliografia psicanalítica ressalta a importância da escuta clínica para essa clientela, que destaca o desencontro da demanda dos cuidadores e daquela formulada pela própria criança, sendo necessário considerar o lugar que ela ocupa na dinâmica da família (Brandão Júnior, 2008; Lacan, [1969] 1998, Meira, 2004). Nessa conjuntura, o trabalho com os pais, especificamente, segue também a direção de os escutar como sujeitos, com demandas não necessariamente coincidentes com as queixas das crianças, e com questões próprias em relação a estas (Alberti & Elia, 2008).

Quanto à especificidade da conduta no tratamento, a pesquisa revelou divergências em relação ao objetivo e rumo deste. De um lado estão os que consideram importante trabalhar questões como a autoestima e o autoconceito de forma a auxiliar a criança a formar novos conceitos sobre si mesma, visando assim que desenvolva segurança e melhor autogerenciamento das emoções, possa se adaptar melhor aos diferentes contextos, mesmo em condições adversas, e alcance sua plena capacidade de desenvolvimento e inclusão no contexto social. De outro lado, verificamos uma abordagem, em essência psicanalítica, que ressalta a importância de escuta do sofrimento quando considerada a vivência subjetiva e particular de cada um, assim como as formas singulares de manifestação do sofrimento psíquico (Pacheco & Oliveira, 2016; Piza & Alberti, 2014).

 

Considerações psicanalíticas

Dois campos distintos se delineiam. O primeiro se preocupa em associar fatores ao quadro depressivo na infância, dentre eles questões como abusos físicos, sexuais e/ou psicológicos, por vezes cometidos por pessoas próximas, como parentes ou amigos da família, por exemplo (Cruvinel & Boruchovicth, 2009; 2014). Nessa perspectiva, as condições ambientais, cognitivas e de desenvolvimento são elementos essenciais para o conhecimento da doença e para a correta utilização dos critérios diagnósticos.

Em contraponto a esse posicionamento, sem desconsiderar a cultura de nossa época, os autores da psicanálise enfatizam que o fator sujeito é determinante na consideração de um evento traumático (Brandão Júnior, 2008; Brandão Júnior & Ramos, 2010; Piza & Alberti, 2014). Essa vertente verifica na abordagem clínica dos pacientes a impossibilidade de definição antecipada sobre o que pode ser considerado traumático para cada ser humano. Também alerta para a importância em diferenciar o pathos, enquanto sofrimento subjetivo, de uma generalizada patologização da vida cotidiana. Em um artigo que problematiza o perigo de condutas moralizantes nos casos de abuso sexual sofridos por crianças e adolescentes, Calligaris (1999) destaca que, dentre as propostas terapêuticas e diagnósticas formuladas pelos profissionais contemporâneos, impera a confusão entre o que estaria errado moralmente e o que de fato seria da ordem da patologia. Nesse raciocínio, uma das contribuições do saber psicanalítico a esse debate, é questionar o diagnóstico de depressão quando qualificado a partir dos ideais sociais de comportamento e humor adequados para a infância e para o funcionamento comunitário.

A abordagem da criança requer a consideração de seu desenvolvimento cognitivo, muitas vezes necessitando de apontamentos e métodos adequados para que determinado objetivo seja atingido (Cruvinel, 2014). Entretanto, o profissional que pretende atendê-la na esfera do sofrimento psíquico deve estar atento para não confundir os fatores pedagógicos e os de tratamento clínico. Pois apesar da condição de dependência dos adultos da criança, e de efetivamente encontrarem um material simbólico ainda em construção, ou seja, não usarem as palavras e formularem suas queixas como os adultos, as crianças são também sujeitos com questões, sexualidade, conflitos e desejos. O limiar entre o posicionamento moral e o ético é tênue, e o diagnóstico corre o risco de colocá-los no lugar de objeto dos desígnios dos ideais culturais. Nesse ponto, a psicanálise lacaniana, influenciada pelo estruturalismo, propõe outra distinção diagnóstica: neurose, psicose e perversão. Não se pretende nesse escrito esgotar a pluralidade conceitual de nenhuma das abordagens propostas, mas indicar ao leitor/pesquisador noções básicas a serem aprofundadas em outra ocasião. Cabe situar que o diagnóstico na perspectiva psicanalítica fundamenta a direção do tratamento e a resposta do analista frente ao modo com o qual o paciente estabelece seus laços de amor, chamado, desde Freud ([1912] 1996), de transferência.

A vertente apoiada na clínica psicanalítica postula a impossibilidade de atribuição de uma única causalidade ao quadro depressivo como categoria diagnóstica (Rodrigues, 2000). Tal abordagem leva em consideração a singularidade de cada caso e a complexidade dos fatores envolvidos em uma condição de sofrimento psíquico. Isso inclui não só os determinantes externos (sociais, familiares, culturais etc.) mas a própria relação do sujeito com sua doença e a função que esta tem na sua vida, e ainda, a possibilidade de o sujeito servir-se de seu sofrimento (Freud, [1924]1981). Além disso, a psicanálise propõe que o sujeito do inconsciente não se resume aos traços que configuram as subjetividades, mas é apreendido no próprio dispositivo de escuta, a partir dos tropeços (em fala e ato), ao que lhe parece estranho, e àquilo que escapa ao seu controle mas que lhe acomete repetidas vezes na vida.

Seguimos Lacan ([1958a]1998) quando localiza a experiência de sofrimento em relação ao próprio funcionamento dos sujeitos, suas identificações e seu suposto ser. Nesse caso a via das paixões seria uma maneira de delinear o mal-estar: o amor, o ódio e a ignorância. Paixões do ser pensadas a partir dos três Registros cunhados por Lacan (real, simbólico e imaginário) e trabalhados durante todo seu ensino. Amor e ódio, como par de opostos - amódio (Lacan, [1982]1972-73) - fazem elo a partir do imaginário e se substituem mutuamente. Isso porque na clínica analítica, o que toma relevo é a fala em sua função e ato ([1953]1998). O raciocínio é lógico e depreendido da escuta clínica freudiana, que parte da premissa de que todo humano é fundamentalmente desamparado. Condição prolongada por toda vida, tal qual sustenta a concepção de infantil para a psicanálise, ou seja, o que não se desenvolve, não amadurece, mesmo na idade cronologicamente adulta.

A fala comporta um endereçamento de amor, pois quando um sujeito se dirige a um outro, essa pessoa é ao mesmo tempo colocada em determinado lugar simbólico. Assim, mesmo o cuidador de uma criança muito pequena ao ocupar o lugar daquele que tem o privilégio de responder às demandas do sujeito e satisfazer suas necessidades (Lacan, [1958b]1998), inauguraria um lugar simbólico para além da sobrevivência. Para designar essa diferença, Lacan escreve com "o" minúsculo o outro que refere a pessoa que cuida em sua vertente imaginária (como semelhante), e com "o" maiúsculo - Outro - o lugar simbólico que ela ocupa, algumas vezes chamando essa função de mãe. Dessa forma demarca que não se trata da mulher que pariu o bebê, mas de um papel que pode ser exercido por qualquer pessoa que o cumpra. A consequência clínica dessa distinção está na base do tratamento analítico, que trabalha com o manejo da transferência, objetivando operar desde a forma que cada um enlaça seus objetos e os ama-odeia.

A paixão pela ignorância faz com que o sujeito nada queira saber sobre sua verdade, e sobre seu desamparo, que é real. No entanto, sob transferência, diferente do que o analisante encontra em suas relações pessoais, o analista vai responder de forma a considerar a operação simbólica implicada nesse jogo, que é efeito da inserção do humano na linguagem. O Outro nos remete ao simbólico, como o inconsciente, estruturado como uma linguagem (Lacan, [1953] 1998). Isso quer dizer que o analista faz existir o inconsciente sempre que intervém em uma análise, pois aponta para algo além do que consegue explicar, de sua subjetividade. Assim, a ignorância está presente na entrada em análise, na medida em que o analisante é direcionado a se engajar na pesquisa sobre seu desejo.

Outra maneira de situar o tratamento psicanalítico leva em consideração a noção de angústia, Lacan ([1962-1963], 2005) a situa em relação ao imaginário e ao real. A angústia aponta para o desamparo, é uma invasão de real no imaginário, onde as amarras subjetivas se esgotam. Afeto que não engana, reduz o sujeito ao seu corpo, donde encontramos todas as sensações corpóreas descritas nas crises de angústia e ataques de pânico. A psicanálise propõe um tratamento pela palavra, tratar o real pela via do simbólico. O analista pede que o paciente fale sobre o que o acomete, menos para promover um sentido enquanto significado para seu mal-estar, mais para encontrar um sentido, uma direção na cadeia simbólica (que nos remete ao Outro) sem o entrave das paixões que a ilusão de possuir um ser impõe.

Essa proposta de atendimento clínico é a mesma para crianças e adultos, considerando os modos que cada um consegue manifestar e lidar com seu sofrimento. Nota-se que o diagnóstico de depressão não cabe na abordagem psicanalítica. No entanto, o humor depressivo não é ignorado pelos analistas da contemporaneidade. Lacan ([1973] 2003), de forma jocosa, se refere a ela como covardia moral. Isso porque no jogo com o Outro o que está posto na mesa é o desejo, que coloca o sujeito em tentativas de se localizar diante desse Outro. Uma busca sem fim que o faz enlaçar objetos, onde as paixões vão ter lugar, como explicitado acima. A baixa do processo desiderativo faz o sujeito cair e o deprime, mas no mesmo golpe o protege da angústia. O desamparo comporta sua dor (Brandão Júnior, 2020), a dor de existir, limite que coloca o humano em contato com a realidade do sem sentido da vida, como demonstra a melancolia (Freud, [1917] 2007). O que a psiquiatria chama de depressão se aproxima dessa condição, mas a semelhança é apenas fenomenológica, uma vez que a clínica psicanalítica se situa em outro campo de atuação, com método e abordagem específicos.

 

Considerações finais

Abordaram-se dois posicionamentos metodológicos diferentes, que apresentaram alguns pontos de aproximação. Ambas as propostas localizam como problemas de pesquisa a falta de estudos precisos sobre o diagnóstico; sobre os efeitos da medicação em idade tenra; e a dificuldade em precisar com eficácia e exatidão os fatores ambientais causadores do mal-estar por vezes denominado de depressão. Todos os profissionais envolvidos no cuidado e proteção, especialmente os que compõem o meio psi, prezam por um ambiente onde crianças e adolescentes possam permanecer livres de atitudes abusivas e violentas por parte dos adultos. Primando para que possam viver em condições adequadas para a aquisição de conhecimento e com a presença de estímulos que contribuam para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais.

A pesquisa bibliográfica também demarcou claramente a proximidade lógica e metodológica das psicoterapias cognitivo comportamentais com a parte da medicina que associamos à racionalidade médica. As respectivas abordagens levam em consideração fatores equivalentes quanto à causalidade da doença e às condutas de intervenção. Muitas vezes colocando no mesmo nível a função e efeitos da psicoterapia e a proporcionada pela prescrição medicamentosa. Verificou-se que essas intervenções são compatíveis com os ideais de ciência contemporânea, que qualificam a infância como um momento do desenvolvimento do ser humano.

A psicanálise insere uma proposta distinta de tratamento. Se para a primeira asserção, o tratamento visa a modulações ambientais e comportamentais e à supressão dos sintomas. Para a psicanálise, a direção do tratamento implica no manejo da transferência, levando em consideração a especificidade de cada estrutura clínica. Aposta-se que o discurso psicanalítico pode contribuir como outra via de escuta, trazendo à luz aspectos dos seres humanos considerados pelo discurso científico, mas não abordados por ele como possíveis de sofrerem intervenção. Nessa medida, ao considerar a criança como sujeito, a psicanálise sugere escutar as formações do inconsciente, que ignoram sua idade cronológica e o momento de seu desenvolvimento. Mas também se importa com aquilo que se apresenta em ato, como repetição de uma mesma tragédia, com a qual os sujeitos se deparam ao longo de suas vidas e que geralmente as atribui às forças do destino. Essa modalidade lógica coloca em pauta a noção de infantil, que diferente da infância, época a ser ultrapassada em direção à vida adulta, permanece ao longo do tempo, sem idade ou identidade.

 

 

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Endereço para correspondência
Pedro Moacyr Chagas Brandão Junior
E-mail: pedromoacyr@uol.com.br
Suelen Carlos de Oliveira
E-mail: suelen.c.oliveira@gmail.com
Ilda Triani
E-mail: ildatriani@hotmail.com

 

 

*Professor Adjunto do curso de Psicologia da Universidade de Vassouras. Pós doutor em Psicologia (UFRRJ), Doutor em Psicologia (UFRJ), Mestre em Psicanálise (UERJ), Especialista em Psicologia Clínica (PUC/RJ). Psicanalista membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL-Brasil) e do Fórum do Campo Lacaniano Região Serrana/RJ. Autor do livro Paradoxos da dor: da dor de existir as dores no corpo.
**Psicóloga (UFF), Mestre e Doutora em Ciências da Saúde (Ensp/Fiocruz), Pós-doutoranda em Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Atualmente é professora universitária na Unigranrio e coordenadora editorial da Iniciativa Brasil Saúde Amanhã (Fiocruz).
***Psicóloga/Psicanalista. Especialista em Saúde Pública ENSP/Fiocruz.

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