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Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.29 no.54 Belo Horizonte Sept. 2007

 

TEORIA PSICANALÍTICA

 

Do objeto hostil de Freud ao objeto a de Lacan

 

From Freud’s hostile object to Lacan’s object a

 

 

Arlindo Carlos Pimenta

Circulo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor parte do conceito de objeto hostil descrito no Projeto de 1895 e o confronta com o de objeto a (enquanto condensador de gozo) em Lacan. Procura estudar o conceito de trauma em Freud e acentua alguns achados na clínica, os quais têm a ver com esses conceitos.

Palavras-chave: Objeto hostil, Objeto a, Trauma, Desejo, Gozo, Angústia, Unheimlich, Delírio histérico.


ABSTRACT

The author analyses the "hostile object" described by Freud in the "Project for a Scientific Psychology" (1895) and confronts it with Lacan’s "object a" (as a condenser of joy). The Freudian concept trauma is also analysed along with related clinical findings.

Keywords: Hostile object, Object a, Trauma, Wish, Joy, Anxiety, "Unheimlich", Hysterical delirium.


 

 

Classicamente convencionou-se dividir a obra de Freud em primeira e segunda tópica. Divisão semelhante e equivalente pode ser feita em Lacan, a saber: campo da linguagem e campo do gozo.

Segundo Quinet1, vamos encontrar alguns pontos de marcação importantes no ensino de Lacan, que faz então vários retornos ao texto de Freud, de onde retira subsídios para avançar sua teorização.

Esses retornos se dão inicialmente a partir do campo da linguagem e da primazia do Significante, nos anos 50. Em seguida um segundo retorno se dá na década de 60, quando o furo na estrutura mostra que nem tudo é Significante, momento em que Lacan começa então a elaborar o conceito de objeto a articulando-o com a das Ding de Freud, com o Agalma da filosofia grega e com A Coisa de Heidegger.

O Seminário XVII vai marcar o terceiro retorno a Freud, com os quatro discursos, e a proposição do campo do gozo. Dois textos de Freud são principalmente tomados por Lacan nesse seu retorno: "Além do Princípio de prazer" e "O Mal-Estar na Cultura2".

Assim como em Freud a primeira tópica não anula a segunda, também em Lacan o campo do gozo não exclui o campo da linguagem.

Resumidamente temos, então:
1. Campo da Linguagem
a) Anos 50 – Primazia do Significante
b) Anos 60 – Da Coisa ao Objeto
2. Campo do Gozo
a) Anos 70 – Os discursos como laço social
b) Final dos anos 70 – SINTHOME.

A evolução conceitual, seja em Freud, seja em Lacan, não se dá de uma forma linear, mas dentro de uma dialética em que certos conceitos são deixados em latência e retomados a posteriori, o que ressignifica ou esclarece aquela conceituação até então deixada na obscuridade.

É o que se dá com o conceito freudiano de das Ding, deixado no limbo até que Lacan, no Seminário sobre a Ética, o resgata a fim de, como já foi dito, elaborar este não-todo que descompleta a cadeia significante.

Nosso interesse aqui é o de demonstrar a articulação entre o objeto hostil de Freud (traumático) e o objeto a de Lacan, enquanto condensador de gozo, produtor de angústia e estranheza, bem como algumas conseqüências clínicas daí advindas.

Ao articularmos então o conceito freudiano de objeto hostil e o de objeto a partimos de duas indicações de Lacan.

A primeira encontramos no Seminário VII3, lição de 9 de dezembro de 1959. Lacan afirma aí ser das Ding o elemento, originalmente, isolado pelo sujeito em sua experiência do Nebenmensch sendo, por sua natureza, estranho. E marca ainda que das Ding, como Fremde, é estranho, podendo mesmo ser hostil num dado momento, sendo em torno deste primeiro exterior que se orienta todo o encaminhamento do sujeito.

A segunda indicação se encontra no Seminário X, A Angústia4, lição de 6 de março de 1963, em que Lacan afirma que ao reler os principais textos sobre o assunto, verificou que o que vinha ensinando a seus alunos, longe de estar ausente nesses textos, estava simplesmente mascarado sob invólucros e carapaças, velados ou sob formas de abordagem demasiado cautelosas. Além do mais, enfatiza que "a angústia não é objektlos", ou seja, ela não é sem objeto.

Partindo destas indicações, procuramos no texto o "Projeto" de Freud5, mormente quando descreve a Vivência de dor, esse algo mascarado ou velado.

Verificamos então que Freud, ao descrever tanto a Vivência da satisfação como Vivência de dor, parte do desamparo (Hilflosigkeit) inicial do infans ao nascer. A segurança ilusória da vida intra-uterina é bruscamente rompida e o pequeno ser lançado no mais terrível desamparo, em estado de urgência de vida. Podemos supor então uma grande invasão das quantidades acarretando dor e trauma.

Nestas circunstâncias, as alterações interiores (choro, agitação motora) não são suficientes para aliviar a tensão. O alívio somente é conseguido pela presença do Nebenmensch (Outro originário) que, ao captar o grito e já tendo acesso à ordem simbólica, faz a tradução desse grito sendo co-autor da Vivência de satisfação. Esta, além da ação específica, deixa a marca, o traço do objeto de satisfação.

Toda vez que reaparecer a necessidade, reaparecerá também a tendência a reativar a marca primeira. A essa tendência chamaremos desejo, e à reativação efetiva da marca, realização alucinatória do desejo (Freud).

As marcações primeiras chamaremos, também com Freud e Lacan, afirmação primordial (Bejahung), e estas constituirão os atributos da coisa (die Sache), desde que das Ding permanece apenas como índice, como primeiro exterior, exterior ao processo de marcação simbólica.

Contrapondo-se ao Bejahung aparece o conceito de Ausstossung, caracterizado exatamente pelo que fica fora deste processo de tracejamento, como energia livre – núcleo do real.

Afirmação/negação é uma questão retomada por Freud em 1925, em seu texto sobre a Negativa6. "O que está na origem da afirmação", escreve, "é a união (Vereinigung) e o que está por trás da negação é a Ausstossung (expulsão)". E continua: A afirmação (Bejahung), como substituto da união, pertence a Eros e a negação (Verneinung) – sucessora da expulsão, pertence à pulsão de destruição.

Jean Hyppolite, em seu "Comentário falado sobre a Verneinung de Freud"7, retomando a questão dos juízos de atribuição e de existência, assinala que Freud fundamenta as duas formas de juízo em dois mecanismos primários, a saber: a afirmação primordial (Bejahung), que corresponde àquilo que é introjetado como bom, ou seja, marcado, e a Ausstossung (expulsão primordial), que corresponde ao que é experimentado como mau (hostil), portanto sem marcação e colocado para fora.

Acentua Lacan no Seminário III8 que ao nível dessa Bejahung pura primitiva – que pode realizar-se ou não – estabelece-se uma primeira dicotomia: o que teria sido submetido a Bejahung, à simbolização primitiva, terá diversos destinos e o que cai sob o golpe da Verwerfung primitiva terá outros.

É de notar que Lacan emprega o termo Verwerfung primitiva em lugar da Ausstossung de Freud, provavelmente preparando o terreno para a conceituação da foraclusão do nome-do-pai, que vai caracterizar a psicose.

 

O pensar no Projeto de 1895

Na elaboração freudiana do processo do pensar (simbolizar), encontrada no "Projeto" de 1895, é importante sublinhar a noção de processo primário e processo secundário. O processo primário, prévio ao aparecimento do eu, é caracterizado aqui por um forte investimento dos traços do objeto, que são reativados alucinatoriamente9.

Com o aparecimento do eu e dos investimentos colaterais, há uma inibição parcial do investimento, de desejo, de modo que possa haver uma diferenciação entre percepção e lembrança. Isto vai caracterizar o processo secundário. Lembremos que o eu no "Projeto", como afirma Lacan, "é o que sempre foi na pluma de Freud, do princípio ao fim de sua obra: o sujeito do inconsciente..."10.

Pensamos poder equivaler então o pensar, no "Projeto", ao processo de simbolização.

No item 16 do referido "Projeto" (o discernir e o pensar reprodutor), onde trata do discernimento ou reconhecimento do objeto da ação específica, Freud descreve a representação do objeto percebido e a representação do objeto relembrado, além do processo pelo qual esse discernimento é feito. O objeto percebido (a+b) e o objeto relembrado (a+c) têm como índice comum a (das Ding – a Coisa) e como elemento variável b ou c (die Sache – atributos da coisa). Estes atributos, marcações primeiras, são devidos à afirmação primordial (Bejahung) acima mencionada. O mesmo processo é encontrado na Carta 5211, com as noções de inscrição (Niederschrift) e de retranscrição (Umschrift).

Verificamos, então, que a corrente do pensamento visa estabelecer uma relação de semelhança (não de identidade) entre a representação do objeto percebido e a do objeto relembrado (a+b) e (a+c). No processo do pensar discernidor trata-se de achar um traço comum entre representação percepção e representação lembrança, para em seguida liberar a descarga.

O pensar é guiado e causado pelo desejo. Freud acentua bastante o papel do Outro originário (Nebenmensch) – lugar-tenente de das Ding, cujas pegadas são escritas quando do processo do pensar e do julgar em a+b e a+c.

 

Vivencia de dor

Na vivência de dor, uma descrição do objeto hostil, sustentáculo primeiro da dor, não é feita da mesma forma que a do objeto de satisfação.

Gabbi Jr. afirma que a dor seria completamente regulada pelo princípio da inércia, no caso do sistema nervoso primitivo. No entanto, dado que a vida criou a necessidade de uma memória, Freud depara-se com o seguinte: Como explicar a memória de uma vivência de dor? A solução consiste em aproximar a Vivência de satisfação da Vivência da dor, ao conceder à última uma fonte interna de Qη. Para tanto, é preciso supor a existência de neurônios secretores (neurônios-chave) cuja descarga leva a um aumento brusco de quantidade.

Lejarraga12 assinala que a dor se encontra nesse umbral dos traços mnêmicos, só sendo possível ser reproduzida como sinal de desprazer.

Haveria uma lembrança da dor? – pergunta.

Freud recorre ao grito para representar a dor. Quando um objeto gera uma excitação brusca, provocando um grito de dor, há uma associação desse som com a percepção do objeto hostil.

Podemos então considerar a dor como o inassimilável, e sua especificidade é a de estar fora do espaço da representação comparecendo como pura intensidade. A dor remete a uma dimensão que escapa à representação, portanto, fora da cadeia significante. O grito é, assim, fronteira do marginal e do presente, do excluído (Ausstossung) e do representado (Bejahung). O grito é o próprio ponto de limite, cujo som se inscreve como traço mantendo-se, ao mesmo tempo, enquanto expressão de dor (inarticulado na fala), portanto como índice excluído do sistema de signos.

Além disto, a impressão (Eindruck) é considerada por Freud como um momento importante na elaboração da memória inconsciente.

Na Comunicação Preliminar, a noção de impressão está ligada ao trauma. No caso Katharina, Freud afirma que juntamente com o trauma de natureza sexual da histeria encontramos impressões da época pré-sexual (Eindrucker Vor Sexuellen Zeit) que adquirirão posteriormente um valor traumático ao serem mediatizadas por uma lembrança que as presentifique não mais como impressão, mas como símbolo mnêmico.

A impressão é pois exterior à linguagem e tem mais o estatuto de uma Prägung, ou seja, mais da ordem do sinal.

Comumente é dito que a impressão só pode ser conservada pela memória como traço ou como representação. Não podemos no entanto descartar a possibilidade de a impressão (Eindruck) ser conservada pela memória sem ser como traço ou representação.

Neste caso tratar-se-ia da permanência de algo que não foi inscrito, mas que permaneceu como intensidade, como memória de pura impressão.

Podemos então aventar a hipótese de que a dor terrível do desamparo permanece como impressão (Eindruck) e que as marcações deixadas pela experiência de satisfação apenas em parte recobrem e neutralizam essa dor (Bejahung), ficando fora (Ausstossung) uma parte que constituiria no real o objeto hostil.

Estas primeiras marcações, sobretudo pela repetição, vão formar uma rede de representações ou cadeia significante. Podemos pensar depois da elaboração do objeto a de Lacan que esta cadeia formada pelos traços do objeto de satisfação (a+b, a+c etc) – portanto ao nível da Bejahung – apresenta pontos de não marcação.

Neste caso o objeto que se apresenta é o objeto hostil, o a disjunto da ordem simbólica como expressão da Ausstossung.

Sabemos com Freud que a vivência de satisfação e a vivência de dor deixam dois resíduos, respectivamente os estados de desejo e os afetos.

Aparecem, então, dois mecanismos básicos do aparelho psíquico, a saber: atração de desejo primária (atração pelas representações do objeto do desejo) e defesa primária ou recalque (tendência a se afastar rapidamente do objeto hostil).

Não seria mais adequado, no entanto, ao invés de recalque, falarmos de Ausstossung ou da Verwerfung primária, tal como faz Lacan no Seminário III?

 

Aparições do objeto hostil no trauma

Façamos uma pausa e retomemos aqui, ainda que brevemente, a questão do trauma, e vejamos se é possível aproximar o conceito de objeto hostil e o de trauma em Freud.

Sabemos que após abandonar sua "neurótica", que tinha como premissa um acontecimento traumático, há um silêncio temporário em Freud sobre este tema.

No entanto a idéia de trauma é retomada, em textos posteriores, associada ao excesso de excitações pulsionais que ficam fora do princípio do prazer, apontando para um real nas origens da angústia, associado a impressões (Eindrucke) que não se inscrevem como traços mnêmicos.

A noção de trauma, como afirma Lejarraga13, reaparece a partir dos anos 20 como testemunha dos limites do campo representativo, assinalando a incapacidade da teoria do recalque e do inconsciente em dar conta de todas as questões do campo psicanalítico.

O trauma é um termo que aponta para essa ferida no sistema representativo, para esse fracasso na ligação, para essa fronteira do analisável (campo do gozo); não sendo sem motivo a cunhagem por Lacan do termo "troumatisme".

No entanto, se tomamos por exemplo a Carta 52, vamos verificar que à percepção se sucede um sistema de signos (WZ) que serão retranscritos.

A passagem da percepção (W) à primeira inscrição da percepção comporta sempre uma mudança de registro e como aponta M. Schnneider14, "uma transposição ou metamorfose". As percepções são transpostas em marcas. A excitação se metamorfoseia em signos (Prägung) que se reordenam de diferentes formas.

Os signos de percepção, que transformam a excitação perceptiva em marcas (Prägung), se agrupam pela simultaneidade e contigüidade, e podem então não ser traduzidos em representações inconscientes, permanecendo assim como impressões traumáticas.

As impressões são marcas de um processo energético, mas não poderiam trazer ou produzir a lembrança do acontecimento. Além do mais, a noção de impressão (Eindruck), embora específica e imprescindível na teoria do trauma, é ambígua no texto freudiano, confundindo-se geralmente com a imagem e aludindo às vezes exclusivamente ao fluxo de excitações, tal como no "Projeto" de 1895.

É ainda Lejarraga que aponta os aspectos estruturantes e desestruturantes do trauma, em relação aos destinos do excesso energético e aos efeitos do insuportável.

Assim, o aspecto estruturante liga-se à possibilidade de articulação à cadeia significante e o aspecto desestruturante ao impedimento dessa articulação e aos efeitos de angústia.

Podemos pensar que o efeito da percepção que se transforma em marca (Prägung), apesar de ser uma impressão traumática, é estruturante e é passível de outras transcrições ou traduções. Ao contrário, a impressão que permanece como pura intensidade não é passível de se integrar à cadeia significante.

Micheline Enriquez15 afirma que somente a criação de uma forma pode tornar visível e transmissível o que é da ordem do indizível e do intolerável. Assim a figurabilidade, a criação de imagens no sonho, por exemplo, é o primeiro recurso para canalizar a angústia.

A memória formada pela inscrição/transcrição não se apresenta de uma única vez, mas é concebida como uma atividade inconsciente que atravessa os signos. Porém essa transcrição e tradução não é automática e poderia não acontecer se gerasse desprazer.

Do ensino de Lacan, sabemos que o objeto a quando vem articulado à ordem fálica, portanto no campo da linguagem, vai funcionar como causa de desejo e se vem desarticulado, portanto no campo do gozo, vai provocar outros efeitos.

A corrente do pensamento ao encontrar estes pontos, causaria um aumento brusco e intenso de Qη‘, produzindo em ω a qualidade de desprazer Affekt (angústia) e tendendo a se afastar rapidamente daquele ponto.

Evitamos assim lançar mão do complexo e insatisfatório mecanismo dos neurônios secretores como fez Freud.

 

Outras manifestações do objeto hostil

A manifestação do objeto enquanto hostil ou mais-de-gozar, que nos interessa aqui mais de perto, aparece em algumas ocasiões na clínica como na angústia, no pesadelo, no Unheimlich e no delírio histérico.

Lacan, no Seminário X, afirma que a angústia além de não ser sem objeto, ela é diante de algo.

O nível da angústia, diante do desejo do Outro, corresponde à presença do objeto a, sendo "diante deste algo" (et was) de que nos fala Freud que a angústia opera como sinal. Com esse algo que é para o homem, digamos entre aspas, "necessário", da ordem do irredutível desse real; é dele que a angústia é sinal16.

Ao traçar o quadro da divisão significante do sujeito, Lacan acentua também que é em relação ao Tesouro do Significante (A) – que desde já o espera e que constitui a distância onde ele deve se situar – que o sujeito existe neste nível mítico.

O sujeito faz no A essa primeira operação divisora. É essa operação que faz advir o sujeito no lugar do Outro e tem também como conseqüência o aparecimento da barra sobre o Outro que equivale à emergência de seu desejo. Essa emergência é representada pela pergunta "Che vuoi?", emitida em alteridade ao sujeito.

O resto dessa operação é o objeto a, resto de gozo, queda que resiste à significantização.

Eis o estado de angústia; o sujeito ao se confrontar com o enigma do desejo do Outro, é reduzido a esse objeto que ele oferece ao Outro, e o efeito é o advento da angústia17.

Lacan ainda no Seminário da Angústia (lição de 12 de dezembro de 1962) diz textualmente: "...a angústia do pesadelo é experimentada (...) como aquela do gozo do Outro. O correlativo do pesadelo é o Íncubo ou o Súcubo, é este ser que pesa com todo seu peso opaco de gozo estranho sobre o peito de vocês, e os esmaga sob seu gozo."

No Seminário IV, Lacan propõe o esquema da cortina, ou seja, entre o sujeito e o objeto há uma cortina da realidade, que protege o sujeito do encontro direto com o objeto a.

A cortina, diz ele, "assume seu valor, seu ser e sua consistência justamente por ser aquilo sobre o que se projeta e se imagina a ausência. A cortina ou véu, vela a castração do Outro, e equivale a um anteparo ao objeto".

A cortina corresponde, no caso da neurose, ao -φ da castração, ou seja, à inscrição do Nome-do-Pai no Outro, onde é colocada a fantasia, no caso do neurótico.

A desvinculação do -φ e a vai no neurótico fazer aparecer a angústia.

O delírio histérico é mais uma forma de manifestação da angústia, aparecendo – segundo Quinet – quando um abalo da fantasia faz com que o objeto se manifeste como assombração ou possessão18.

O Unheimlich é também uma outra manifestação dessa ordem.

Como podemos explicar esses fenômenos?

As impressões traumáticas portam um sentido rudimentar, diferente do que se encontraria na trama das significações. O Unheimlich, o delírio histérico e a angústia são provocados pela mostração desse indizível que vem imaginarizado.

No caso das impressões traumáticas, estamos nos referindo a uma diferenciação qualitativa, ao valor de prazer e desprazer que pode uma imagem e à possibilidade dela ser um sinal de perigo e gerar angústia.

Como já dissemos, o objeto a pode ter a função de causa do desejo ou de objeto condensador de gozo. A causação do desejo depende de sua articulação com a castração, ou seja, sua sustentação pelo - -φ. Quando há uma dissociação entre -φ e a, aparecem as nanifestações aludidas.

A esse a fora da significação fálica, identificamos a expulsão originária (Ausstossung), que vem a ser o objeto hostil freudiano (Fremde), promotor de angústia, ou das defesas frente a ela, expressão maior do Affekt.

 

 

Endereço para correspondência
Rua Paraíba, 1317/501 - Savassi
30130-141 - BELO HORIZONTE - MG
Tel.: (31)3281-1722
E-mail: arlindopimenta@gmail.com

Recebido em 15/06/2007
Aprovado em 27/06/2007

 

 

SOBRE O AUTOR

Arlindo Carlos Pimenta
Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG. EPCL - Brasil - Fórum B.H.

1 QUINET, A. Campo da Linguagem, Campo do Gozo, Seminário apresentado em Belo Horizonte, 2000.
2 FREUD, S. O mal-estar na cultura. ESB, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1972.
3 LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise, p. 98. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 396 p.
4 LACAN, J. Seminário X, a angústia. 1962-1963. Publ. para circulação interna do Centro de Estudos Freudianos do Recife.
5 FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica. Idem, v. 1.
6 FREUD, S. A negativa. Idem, v. XIX.
7 Hyppolite, J. Comentário falado sobre a Verneinung de Freud. In Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 937 p.
8 LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 209 p.
9 FREUD, J. Projeto para uma psicologia científica, Idem, v. I.
10 SOUZA, O de. O ego no Projeto e o problema da ligação. In Letra Freudiana – 100 anos de Projeto freudiano, ano XV, n. 15, 1995, p. 29-36.
11 FREUD, S. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess – Carta 52, ESB, v. 1.
12 FREUD, S. Projeto de uma psicologia – Trad. comentada do Osmyr Gabi Júnior. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
13 LEJARRAGA, A.L. O trauma e seus destinos. Rio de Janeiro: Revinter, 1996.
14 LEJARRAGA, A.L. Idem.
15 SCHNNEIDER, M. In LEJARRAGA, A. L. (org.) O trauma e seus destinos. Idem.
16 ENRIQUEZ, Micheline. In LEJARRAGA, A. L. Idem.
17 LACAN, J. Seminário X: a angústia – 1962-1963. Publ. para circulação interna do Centro de Estudos Freudianos do Recife.
18 QUINET, A. Um olhar a mais (Ver e ser visto na psicanálise). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 312 p.

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