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Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso v.29 n.54 Belo Horizonte set. 2007

 

CLÍNICA PSICANALÍTICA

 

Sobre a direção do tratamento*

 

On the direction of the treatment

 

 

Maria Angela Assis Dayrell

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora trabalha a questão do diagnóstico e das estruturas clínicas no sentido de uma clínica contemporânea para além da clínica estrutural entre neurose e psicose, para dar lugar a uma condução de cura inventiva, buscando produzir uma suplência na direção do tratamento.

Palavras-chave: Diagnóstico, Estruturas clínicas, Formas clínicas, Sintomas, Direção do tratamento, Suplência.


ABSTRACT

The author discusses the issues of diagnosis and clinical structures in contemporary clinical work that advances beyond the questions of neurotic and psychotic structures. Special consideration is given to the conduction of an inventive cure, which aims to produce supplementing in the direction of the treatment.

Keywords: Diagnosis, Clinical structures, Clinical forms, Symptoms, Direction of the treatment, Supplementing.


 

 

Trata-se de um neurótico ou de um psicótico?

Sabemos que a questão do diagnóstico sempre nos ocupou em nosso trabalho clínico. Mesmo que, inicialmente, ele seja colocado em suspenso para confirmação posterior, não impede que possamos circunscrever, o mais rápido possível, uma posição diagnóstica para decidir quanto à orientação da cura.

O diagnóstico nos permite definir uma melhor maneira de abordar o paciente e de conduzir o tratamento, o atendimento. Na maioria das vezes, contudo, a preocupação com o diagnóstico é para saber se a pessoa é perigosa, se tem condutas anti-sociais, se é inabordável, etc. É uma pena que seja assim...

Lacan partiu da psicose para iluminar as neuroses. Ele vai dizer para não considerá-la inabordável. Então, os sinais patognomônicos – linguagem, neologismos, etc. – são para se pensar o diagnóstico, para saber do caso (como ele se apresenta) e não para classificar.

A Psicanálise herdou a nosografia da Psiquiatria. Quando falamos nosografia estamos nos referindo a quadros clínicos reunidos numa classificação, isto é, num sistema geral, várias classes. Contudo esta idéia de classificação tem sido contestada e, no momento atual, vem perdendo prestígio. Muitas vezes há hesitação quando um termo é empregado, se se trata de um termo da Psicanálise ou da Psiquiatria. Mas, podemos dizer que, por parte da Psicanálise, tem havido um longo trabalho de esclarecimento que nos leva à proposta de estruturas clínicas condizentes com a teoria analítica.

Para a Psicanálise uma estrutura não é somente uma reunião de partes; se assim fosse aceitaríamos o que já havia sido estabelecido pela Psiquiatria quando menciona uma síndrome como uma reunião de sintomas. Uma estrutura, em Psicanálise, exige uma regra de composição. Os elementos de uma estrutura assim como as regras que regem sua combinatória são definidos desde o início e não permitem acréscimos. Se quisermos falar de estruturas clínicas teremos que definir os elementos em pauta assim como as regras de funcionamento que regem uma combinatória entre os elementos.

Quais são os elementos encontrados na teoria psicanalítica susceptíveis de formar estruturas?

Na teoria, dizemos que os elementos são: o Sujeito e uma instância de alteridade radical com a qual ele se defronta na sua constituição. Chamamos essa instância de grande Outro. Quando dizemos que o inconsciente contém um saber não disponível para o Sujeito, a localização desse saber pode ser atribuída ao grande Outro e, na prática, falamos de "a" (objeto pequeno a) como sucedâneo do grande Outro.

De uma forma concisa, podemos dizer que:

Na neurose temos uma perturbação na relação entre o Sujeito e o grande Outro.

Na psicose a perturbação é consigo mesmo. "O Sujeito desconhece a instância de alteridade grande Outro, ou simplesmente se considera um outro grande Outro. Com isso, não conhece limites, nem restrições ao seu prazer. Seu investimento libidinal estaria dirigido ao seu corpo, abandonando os objetos do mundo (caso da esquizofrenia); ou então, um sistema de pensamento se impõe numa tentativa de reordenar o mundo (caso da paranóia)".

O outro semelhante: o outro do pacto, da fala, reconhecido na palavra, está excluído na psicose. Não há o tu e o eu; há uma mistura. O outro do amor, do ódio é o sujeito, ele mesmo.

"Na perversão parece não se constituir como estrutura; haveria traços de perversão nas outras estruturas. O Sujeito perverso entende que ele sabe como fazer seu parceiro ter prazer sob seu comando. Ele se bastaria a si mesmo. Ele faz pouco caso de quem se aproxima dele".

"O trabalho realizado por psicanalistas, ao examinarem casos onde o desencadeamento da psicose não se dava de maneira tradicional, foi a pedra de toque para que se investigasse a possibilidade de uma psicose que não evidenciasse a conjunção clássica, a saber, transtorno na função paterna, portanto, a figura do pai atingida pela foraclusão – que faria dasaparecer a vigência do Nome do Pai – e o transtorno na função fálica, portanto uma marca de invalidação do falo e seus efeitos ordenadores".

Foram examinados muitos casos de psicóticos, isto é, com transtornos na função paterna e na função fálica, em que se manifestava um dos aspectos, sem necessariamente estar associado ao outro. Esses casos foram chamados de inclassificáveis. Nos nossos dias encontramos quadros mistos, formas associadas a outros sintomas, pacientes que não desencadearam uma psicose e, no entanto, são sabidamente portadores de sofrimento mental. Nesta perspectiva somos sensíveis aos aspectos específicos, particulares, singulares de cada um. Dizendo em outras palavras, o nosso paciente hoje é plural, ou ainda, um politranstornado. O sintoma não é visto como um sinal, uma mensagem a interpretar, mas um signo sem sentido que daria conta da produção de gozo, que traduz um "dito e feito". O que isso diz? É a pergunta. E não, o que isto quer dizer

"Na psicose, já vimos que a perturbação seria uma desamarração entre as palavras e o que elas significam: o psicótico se permite brincar com as palavras, inventar novos termos, criar neologismos, e deixar levar pela mera repetição de termos em ladainha. Tudo isso seria resultado de uma carência de organização psíquica, onde faz falta um termo central, termo de referência. A esse fenômeno estrutural chamou-se foraclusão, que quer dizer apagamento, perda irrecuperável". (Foraclusão é um neologismo do âmbito jurídico, prescrição do processo edipiano).

Vamos nos encaminhar, como nos ensina Célio Garcia, no sentido de "dar lugar à clínica contemporânea para além da clínica estrutural entre neurose e psicose em função da presença ou ausência do operador que é o Nome do Pai". "Essa clínica abre espaço para formas clínicas (no sentido de variantes), modos atípicos a serem abordados graças a uma condução da cura inventiva diante da qual a querela dos diagnósticos não se apresenta como obstáculo, nem tampouco a cooperação de colegas psiquiatras que venham a medicar um paciente em análise".

No caso apresentado pela nossa colega Belmira, partimos dos ditos do seu paciente que revelam o trabalho da psicose: ele se pergunta sobre questões da existência humana, sobre dois iguais (clonagem), sobre a origem, sobre o mal, onde ele se perde... Em vez de inventar uma historinha, como fazem os neuróticos, o psicótico se perde.

O psicótico encontra-se fora do laço social (laço social é ter um discurso: do mestre, universitário, da histérica). Sendo assim, se falar não é do lado dos discursos, do laço social. O Sujeito do discurso é vinculado ao outro do laço social. Não há Sujeito sem outro. Portanto, podemos dizer que o psicótico aprende a conviver, mas não faz laço social. O fora do discurso da psicose é para dizer que entrar na dança dos discursos, mediatizar suas relações, atar e reatar, esta maleabilidade de circulação é da ordem do impossível. O psicótico nos interroga sobre as formas com que nos relacionamos com os outros: tem uma função interpretante e, com sua fala pulverizante, ele desfaz conexões entre significante e significado, pulveriza o que há... O psicótico tem certezas, não equivoca.

Enfim, não vai passar do lado psicótico para o lado neurótico: se tem foraclusão do Nome do Pai, rompeu-se e pronto.

Por isso, na condução do tratamento, falamos em suplência, vislumbrando uma estabilização.

Nosso trabalho é tratar de produzir uma suplência, isto é, dentro da história do paciente, interrogar como tornar sua vida viável; como pôr uma barreira às pulsões e descobrir uma forma de se ocupar na vida.

Compete ao analista, diz Lacan, ser um secretário do psicótico, isto é, aquele que vai anotar, respeitando sua singularidade, tentando implicá-lo e responsabilizá-lo por seus atos, bem como assumir seu tratamento. Evitar o "furor includente", como diz Quinet, precavendo-se contra a inclusão do psicótico: isto é, não exigir dele, a todo custo, um valor fálico (trabalho, dinheiro, competência, etc...). Estar interessado na inclusão é não ir contra o seu delírio ou tentar uma forma de organizar seu delírio. Deixá-lo fazer sintoma é imprevisível: pode ir do delírio à arte. Como exemplos de suplência temos Joyce, como escritor, e a arte do psicótico Bispo (Arthur Bispo do Rosário).

Com a suplência há um apaziguamento, uma diminuição do sofrimento, podendo-se até restabelecer um contato social com os outros, por exemplo, retomando uma convivência conjugal, no trabalho, etc.

Suplência que possa suportar sua diferença e não adaptação: implica sua inclusão (de sujeito) com seus sintomas.

Buscar esta suplência é possibilitar uma entrada no corpo social e isto requer uma invenção, uma forma singular de estar no mundo ("como se fosse" um professor, por exemplo, num caso clínico relatado por um colega, em que o paciente faz leituras cuidadosas de artigos e vai comentando-os com seu analista...) restabelecendo, desta forma, um vínculo com os objetos.

 

Bibliografia

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Endereço para correspondência
Av. do Contorno 4640/604 - Funcionários
30110-090 - BELO HYORIZONTE - MG
Tel.: (31)3227-4044
E-mail: maria.angela.dayrell@terra.com.br

Recebido em 15/06/2007
Aprovado em 27/06/2007

 

 

SOBRE A AUTORA

Maria Angela Assis Dayrell
Psicóloga. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG.

* Trabalho apresentado no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais no debate do Caso Clínico apresentado pela colega Belmira Helena Hollanda Santos na Clínica de Psicanálise, no dia 03 de Junho de 2004.

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