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Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso v.29 n.54 Belo Horizonte set. 2007

 

RESENHA

 

Lacan e a formação do psicanalista

 

 

Vanessa Campos Santoro

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 

JORGE, Marco Antonio Coutinho (organização). Lacan e a formação do psicanalista. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006. 288 p.

O livro Lacan e a formação do psicanalista é o efeito de dois anos de seminário organizado por Marco Antonio Coutinho Jorge sobre a questão da formação, trabalhando textos de Freud, de Lacan e de lacanianos, no sentido de entender qual teria sido a contribuição particular de Lacan para o tema da formação.

Foram convidados para escrevê-lo psicanalistas que se interessam pelo tema, absolutamente atual no momento em que, "a busca de regulamentação da prática da psicanálise em muitos países tem exigido dos analistas vigor na afirmação da especificidade de sua experiência, assim como a explicitação e a reelaboração dos dispositivos que estão em jogo na formação de seus operadores" (JORGE, 2006, p.9).

O livro tem quatro seções.

A primeira trata da História e Estrutura da Formação. As outras três correspondem aos três pontos do tripé clássico da formação do analista desde Freud: análise, ensino e supervisão.

Marco Antonio Coutinho sustenta que a idéia mais surpreendente de Lacan é que existe uma estrutura interna da formação do analista, cuja base é a análise pessoal relacionada com o ensino teórico e a supervisão.

Lacan, criticando a formação da IPA, disse em um chiste que jamais falara de formação de psicanalista e sim de formações do inconsciente dando importância radical à singularidade da experiência analítica.

Insistiu em seus seminários que seu ensino visava produzir efeitos de formação e situou a formação do analista como algo a ser refeito continuamente e portanto, pontual e inacabado.

O ensino teórico é mais um aspecto igualmente importante no qual o analista, no que ele ensina, faz uma outra travessia da teoria, não mais a travessia da fantasia que ele fez em sua análise, da qual adveio sua posição de analista. Eis o caráter precário de toda a teorização e do caráter fantasmático inerente a toda abordagem que fazemos do real.

Para Lacan, a clínica tem a ver com o real que escapole o tempo todo e a teoria é a tentativa de simbolização desse real.

"Há um real em jogo na própria formação do analista" (Lacan).

E se a travessia da fantasia tem um fim, a análise tem fim, a travessia da teoria é um trabalho interminável. Ela tem uma consistência que impede que a atravessemos definitivamente. É uma vida dedicada à psicanálise.

O trabalho de Lacan foi fazer uma travessia da teoria freudiana e dessa forma o novo aparece.

Um outro aspecto relevante nessa abordagem da estrutura é a idéia de que a supervisão está sempre apontando para um dos aspectos do tripé, ou análise ou ensino, aquele aspecto que está falhando, servindo de ponte entre a teoria e a análise.

Lacan na Proposição de 09 de outubro de 1967 diz “O psicanalista só se autoriza por si mesmo”.

Acrescenta depois no Seminário XXIV "Les non-dupes errent" (1974) "e por alguns outros".

Quem são esses outros? O primeiro enunciado refere-se à análise pessoal.

Tempo da psicanálise em intensão.

Freud fez da análise pessoal o modelo de toda e qualquer formação.

O segundo enunciado refere-se ao ensino teórico e à supervisão. É o tempo da psicanálise em extensão.

Didier-Weill defende o passe como um outro tipo de laço social entre analistas, articulando a psicanálise em intensão do "autorizar-se por si mesmo" à psicanálise em extensão do "e por alguns outros", quando o analista compartilha o ato de tornar-se analista com alguns outros (p.16).

Em 1969/70 Lacan diz: "a psicanálise não se transmite como qualquer outro saber". Ela questiona a própria função de saber para o sujeito e para a sociedade.

Diversos autores do livro, como Denise Maurano e Marco Antonio Coutinho, distinguem ensino de transmissão.

A transmissão da psicanálise se dá quando um psicanalista, ao tomar a palavra, produz uma articulação entre a análise pessoal e o ensino teórico, dando provas de que é capaz de falar por conta própria. Ela é mais além que o ensino, pois articula o saber da psicanálise ao não saber inerente à experiência analítica.

Lacan fala da intransmissibilidade da psicanálise, ao mesmo tempo em que sempre trabalhou para possibilitá-la e insistiu em seu ensino, como um efeito de formação. Então de um lado a psicanálise é intransmissível porque ela é não-toda e, de outro lado, é exatamente esse não - todo, o , que deve ser transmitido.

É como se a própria teoria psicanalítica entrasse em análise.

É necessário, portanto, preservar nos critérios institucionais e de formação o mesmo gradiente de enigma, inerente à experiência analítica.

A nossa questão como analistas é como ensinar e o que ensinar.

É como fazer a transmissão da psicanálise em ato, o que implica uma outra posição subjetiva.

Que o ensino através dos seminários e do cartel passe pelo discurso universitário é inevitável bem como pelos outros discursos, inclusive o do mestre.

Lacan no Seminário XX chegou a dizer que o problema todo da transmissão é ficar preso a um discurso.

Somente a ética da psicanálise impede o analista de cair no discurso universitário, sem atravessá-lo pela indagação que é própria do analista.

Alain Didier-Weill aposta num questionamento lacaniano "bem dito", onde o sujeito não perde o poder de questionar, para que não faça retorno no real como mal-dito e não exploda repetidamente nas dissoluções das instituições analíticas (p.26/27).

Denise Maurano e Philippe Julien enfatizam o papel do discurso da histérica na transmissão da psicanálise. É a quarta possibilidade de laço social, invenção de Lacan que o situa próximo ao discurso da ciência, produzindo um novo saber e daí fazendo frente ao discurso universitário.

O discurso da histérica, tomando como base sua divisão subjetiva, questiona o mestre, isto é, tudo o que está estabelecido.

O próprio advento da psicanálise é efeito desse posicionamento, quando o sujeito dividido na posição de agente é o analisando, ou seja, é o analista fora do consultório, falando como analisante.

 

 

Endereço para correspondência
Rua Levindo Lopes, 333/1008 - Savassi
30140-911 - BELO HORIZONTE - MG
Tel.: (31)3227-2718
E-mail: vanessasantoro@pib.com.br

Recebido em 15/06/2007
Aprovado em 27/06/2007

 

 

SOBRE A AUTORA

Vanessa Campos Santoro
Psicóloga. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG.

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